Capítulo 23 - Valentim
— Posso ver que estou interrompendo algo — Valentim disse, sua voz tão seca quanto um deserto a tarde — filho, você se importaria de me dizer quem é essa? Uma das crianças Lighwood, talvez?
— Não — Jace respondeu. Ele soava cansado e infeliz, mas sua mão não largava o pulso dela — esta é Clary. Clarissa Fray. Ela é uma amiga minha. Ela...
Os olhos escuros de Valentim varreram-na lentamente, do topo de sua desgrenhada cabeça até os dedos suados nos tênis. Eles rapidamente permaneceram na adaga ainda presa na mão dela.
Um indefinido olhar passou por sua face – parte divertido, parte irritado.
— Onde você conseguiu esta adaga, jovenzinha?
Clary respondeu friamente.
— Jace a deu para mim.
— É claro que ele deu — Valentim disse. Seu tom era brando — eu posso vê-la?
— Não!
Clary deu um passo para trás, como se pensasse que Valentim poderia jogá-la nela, e sentiu a adaga ser arrancada facilmente de seus dedos. Jace, segurando a adaga, olhou para ela com uma expressão de desculpas.
— Jace — ela sibilou, colocando cada pitada de traição que sentiu dentro de cada sílaba do nome dele.
Tudo o que ele disse foi:
— Você ainda não entende, Clary.
Com um tipo de respeito que fez Clary sentir seu estômago adoecer, ele foi até Valentim e pôs nas mãos dele a adaga.
— Aqui está, pai.
Valentim tomou a adaga em sua mão grande de ossos longos e a examinou.
— Esta é uma kindjal, uma adaga caucasiana. Esta em particular era uma de um par combinando. Aqui, veja a estrela dos Morgensterns, incrustada dentro da lâmina — ele a virou para cima, mostrando para Jace — estou surpreso por os Lightwood não terem notado.
— Eu nunca a mostrei para eles — Jace disse — eles me deixavam ter minhas próprias coisas privadas. Eles não bisbilhotavam.
— É claro que não — Valentim disse. Ele deu a kindjal de volta para Jace — eles pensavam que você era filho de Michael Wayland.
Jace, deslizando o cabo vermelho da adaga em sua cintura, olhou para cima.
— Eu também — ele respondeu suavemente, e naquele momento Clary viu que aquilo não era uma piada.
Que Jace não estava só brincando consigo mesmo. Ele realmente pensava que Valentim era o pai que retornou para ele.
Um frio desespero foi se espalhando através das veias de Clary. Ela podia ter lidado com um Jace irritado, hostil, furioso, mas este novo Jace, frágil e brilhando à luz do seu próprio milagre, era um estranho para ela.
Valentim olhou para ela acima da cabeça aloirada de Jace, seus olhos frios com a diversão.
— Talvez — ele disse — seja uma boa ideia você se sentar agora. Clary?
Ela cruzou seus braços teimosamente sobre seu peito.
— Não.
— Como você quiser.
Valentim puxou uma cadeira e se sentou na cabeceira da mesa. Após um momento, Jace sentou também, ao lado de meia garrafa cheia de vinho.
— Mas você vai ouvir algumas coisas que podem te fazer desejar tomar uma cadeira.
— Eu vou deixar você saber — Clary respondeu — se isso acontecer.
— Muito bem.
Valentim apoiou as costas, mãos atrás da cabeça. O colarinho da sua camisa entreabriu um pouco, mostrando sua cicatriz na clavícula. Cicatrizes, como seu filho, tal como todos os Nephilim. Uma vida de cicatrizes e matança, Hodge tinha dito.
— Clary — ele disse de novo, como se saboreando o som do seu nome — versão curta de Clarissa? Não é um nome que eu teria escolhido.
Havia um sinistro sorriso curvando seus lábios. Ele sabe que sou sua filha, Clary pensou. De alguma maneira, ele sabe. Mas ele não falou. Por que ele não falou?
Por causa de Jace, ela percebeu. Jace iria pensar – ela não podia imaginar o que ele iria pensar. Valentim os tinha visto se abraçando quando caminhou pela porta.
Ele deve saber que tem uma devastadora peça de informação em suas mãos. Em algum lugar por trás daqueles insondáveis olhos negros, sua mente afiada estava escolhendo rapidamente, tentando decidir qual a melhor forma de utilizar o que ele sabia.
Ela expressou outro olhar suplicante sobre Jace, mas ele estava olhando para baixo, para o cálice de vinho em sua mão esquerda, meio cheia do líquido vermelho púrpura. Ela podia ver o rápido subir e descer do seu peito enquanto respirava, ele estava mais chateado do que estava transparecendo.
— Eu realmente não me importo com o que você teria escolhido — Clary disse.
— Eu tenho certeza — Valentim respondeu, se inclinando a frente — que você não se importaria.
— Você não é o pai de Jace — ela falou — está tentando nos enganar. Jace era filho de Michael Wayland. Os Lightwood sabem disso. Todo mundo sabe disso.
— Os Lightwood foram mal informados — Valentim replicou — eles realmente acreditaram – acreditam que Jace é o filho de seu amigo Michael. Como a Clave. Mesmo os Irmãos do Silêncio não sabem quem ele realmente é. Embora em breve, eles saberão.
— Mas o anel de Wayland...
— Ah, sim — Valentim disse, olhando a mão de Jace, onde o anel reluzia como escamas de serpente — o anel. Engraçado, não é, como um M de cabeça para baixo se assemelha a um W? Claro, se você tivesse se incomodado em pensar sobre isso, provavelmente teria achado um pouco estranho que o símbolo da família Wayland fosse uma estrela cadente. Mas não de todo estranho que seria o símbolo dos Morgensterns.
Clary o encarou.
— Eu não tenho ideia do que você quer dizer.
— Eu esqueci como é lamentavelmente negligente a educação mundana — Valentim observou — Morgenstern significa “estrela da manhã”. Como em Como caíste desde o céu, ó Lúcifer, filho da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as nações!
Um pequeno arrepio passou por Clary.
— Você quer dizer Satanás.
— Ou qualquer grande poder perdido — disse Valentim — por se recusar a servir. Como eu. Eu não iria servir um governo corrupto, e por isso perdi a minha família, minha terra, quase a minha vida...
— A revolta foi sua culpa! — Clary rebateu. — Pessoas morreram nela! Caçadores de Sombras como você!
— Clary — Jace se inclinou em frente, quase batendo no copo com seu cotovelo — apenas escute-o, tá? Não é como você pensava. Hodge mentiu para nós.
— Eu sei — disse Clary — ele nos traiu por Valentim. Ele era um peão de Valentim.
— Não — Jace discordou — não, Hodge era um dos que queriam há muito tempo o Cálice Mortal. Ele foi a pessoa que enviou os Raveners atrás de sua mãe. Meu pai – Valentim só descobriu sobre isso depois, e veio para detê-lo. Ele trouxe sua mãe aqui para curá-la, não para machucá-la.
— E você acredita nessa porcaria? Não é verdade. Hodge estava trabalhando para Valentim. Eles estavam nisso juntos, pegando o Cálice. Ele nos conduziu, é verdade, mas era apenas um instrumento.
— Mas ele era um dos que precisavam da Cálice Mortal — Jace rebateu — assim, ele poderia retirar a maldição de cima dele e fugir antes que o meu pai dissesse a Clave sobre tudo o que ele havia feito.
— Eu sei que isso não é verdade! — Clary disse com fervor. — Eu estava lá!
Ela se virou para Valentim.
— Eu estava na sala quando você entrou para pegar o Cálice. Você não pôde me ver, mas eu estava lá. Eu te vi. Você pegou o Cálice e retirou a maldição de Hodge. Ele não poderia ter feito aquilo por si mesmo. Ele disse que sim.
— Eu retirei sua maldição — Valentim disse uniformemente — mas fui movido pela pena. Ele parecia tão patético.
— Você não sente pena. Você não sente nada.
— Já chega, Clary!
Era Jace. Ela olhou para ele. Suas bochechas estavam ruborizadas, como se ele tivesse bebido do vinho em seu cotovelo, os olhos muito brilhantes.
— Não fale com o meu pai desse jeito.
— Ele não é seu pai!
Jace pareceu como se ela tivesse batido nele.
— Por que você está tão determinada em não acreditar em nós?
— Porque ela te ama — disse Valentim.
Clary sentiu o sangue escorrer para fora do seu rosto. Se virou para ele, não sabendo o que ele poderia dizer a seguir, mas temeu. Sentia como se fosse em direção a orla de um precipício, um terrível empurrão para o nada e em lugar nenhum. Vertigens agarravam seu estômago.
— O quê? — Jace pareceu surpreso.
Valentim estava olhando para Clary com divertimento, como se ele tivesse a alfinetado como uma borboleta em um quadro.
— Ela teme que eu esteja tirando vantagem de você. Que eu tenha feito uma lavagem cerebral em você. Não é assim, é claro. Se você olhasse para suas próprias memórias, Clary, você saberia.
— Clary — Jace começou a ficar de pé, seus olhos sobre ela. Ela podia ver os círculos debaixo deles, que ele estava sob tensão. — Eu...
— Sente-se — Valentim disse — deixe que ela venha por si própria, Jonathan.
Jace abrandou instantaneamente, afundando de volta na cadeira. Através da tontura da vertigem, Clary procurou entender. Jonathan?
— Eu pensei que o seu nome fosse Jace — falou — você mentiu sobre isso, também?
— Não. Jace é um apelido.
Ela estava muito perto do precipício agora, tão perto que ela quase poderia olhar para baixo.
— De quê?
Ele olhou para ela como se não pudesse entender por que ela estava fazendo tanto por algo tão pequeno.
— São minhas iniciais — ele respondeu — J. C.
O precipício se abriu diante dela. Ela podia ver a longa queda em trevas.
— Jonathan — ela disse ligeiramente — Jonathan Christopher.
As sobrancelhas de Jace se levantaram juntas.
— Como é que você...?
Valentim o cortou. Sua voz era calmante.
— Jace, eu tinha pensado em te poupar. Pensei que a história de uma mãe que morreu iria magoá-lo menos do que a história de uma mãe que abandonou você antes do seu primeiro aniversário.
Os delgados dedos de Jace se esticaram convulsivamente ao redor da haste do vidro. Clary, por um momento, pensou que ela poderia quebrar.
— Minha mãe está viva?
— Ela está — Valentim respondeu — viva, e dormindo em uma das salas abaixo neste momento. Sim — ele disse, interrompendo Jace antes que ele pudesse falar — JoceIyn é a sua mãe, Jonathan. E Clary... Clary é sua irmã.
Jace jogou puxou sua mão. O cálice de vinho virou, derramando o espumante líquido escarlate em toda a toalha branca.
— Jonathan — Valentim repetiu.
Jace estava em uma cor horrível, uma espécie de cor branca esverdeada.
— Isso não é verdade — ele disse — deve se um engano. Isso não pode ser verdade.
Valentim olhou firmemente para seu filho.
— Eu teria pensado que é um motivo de alegria — ele falou em uma voz baixa e contemplativa — ontem você era um órfão, Jonathan. E agora tem um pai, uma mãe e uma irmã que nunca soube que tinha.
— Não é possível — Jace negou novamente — Clary não é a minha irmã. Se ela fosse...
— Então o quê?
Jace não respondeu, mas o seu olhar doentio de horror nauseante foi suficiente para Clary. Tropeçando um pouco, ela veio ao redor da mesa e se ajoelhou ao lado de sua cadeira, para alcançar a mão dele.
— Jace...
Ele se jogou para longe dela, seus dedos batendo na toalha encharcada.
— Não.
O ódio por Valentim queimava na garganta como lágrimas não derramadas.
Ele se encostou para trás, e por não dizer o que sabia, que ela era sua filha, a fez cúmplice em seu silêncio. E agora, depois de a verdade ter caído sobre eles com o peso de uma triturante rocha, ele se assentava para ver os resultados com uma fria consideração. Como Jace não podia ver quão odioso ele era?
— Me diga que isso não é verdade — Jace disse, olhando para a toalha.
Clary engoliu contra o ardor na garganta.
— Eu não posso fazer isso.
Valentim soou como se estivesse sorrindo.
— Então você admite agora que tenho dito a verdade todo este tempo?
— Não — ela disparou para trás, sem olhar para ele — você está dizendo mentiras com um pouco de verdade misturada nelas, isso é tudo.
— Isto aumenta o cansaço — disse Valentim — se quiser ouvir a verdade, Clarissa, esta é a verdade. Você já ouviu as histórias da Revolta e por isso acha que eu sou um vilão. Isso está correto?
Clary não disse nada. Ela estava olhando para Jace, que parecia estar prestes a vomitar. Valentim continuava com crueldade.
— É simples, realmente. A história que você ouviu era verdade em algumas de suas partes, mas não em outras, mentiras misturadas como um pouco de verdade, como você disse. O fato é que Michael Wayland não é, e nunca foi o pai de Jace. Wayland foi morto durante a Revolta. Eu assumi o nome de Michael e o lugar quando fugi da Cidade de Vidro com o meu filho. Foi fácil; Wayland não tinha relações verdadeiras, e os seus amigos mais íntimos, os Lightwood, estavam no exílio. Ele próprio tinha estado em desgraça por sua participação na Revolta, então eu vivi aquela vida desgraçada, suficientemente calma, a sós com Jace na propriedade dos Wayland. Eu lia meus livros. Educava o meu filho. E aguardava a minha hora.
Ele tocava as filigranas da ponta do copo pensativamente. Ele era canhoto, Clary percebeu. Como Jace.
— Dez anos depois, recebi uma carta. O escritor indicava que sabia a minha verdadeira identidade, e se eu não estivesse disposto a tomar certas medidas, ele iria me revelar. Eu não sabia de quem era a carta, mas não importava. Eu não estava preparado para dar ao escritor o que o que ele queria. Além disso, eu sabia que a minha segurança estava comprometida a menos ele pensasse que eu estava morto, além de seu alcance. Encenei a minha morte uma segunda vez, com a ajuda de Blackwell e Pangorn. E para a própria segurança de Jace, tive a certeza de que meu filho seria enviado para cá, para a proteção do Lightwood.
— Assim, você deixou Jace pensar que estava morto? Você simplesmente deixou-o pensar que estava morto, todos estes anos? Isso é desprezível.
— Não — Jace disse novamente. Ele levantou as mãos para cobrir seu rosto. Ele falou contra os seus próprios dedos, a voz abafada. — Não, Clary.
Valentim olhou para seu filho com um sorriso que Jace não podia ver.
— Jonathan tinha de pensar que eu estava morto, sim. Tinha de pensar que era o filho de Michael Wayland, ou os Lightwood não o teriam protegido como o fizeram. Era para Michael que tinham uma dívida, não a mim. E era por este débito com Michael que eles o amaram, não meu.
— Talvez eles o amassem por sua própria conta — disse Clary.
— Uma louvável interpretação sentimental, mas improvável. Você não conhece os Lightwood como uma vez eu conheci — ele não pareceu ver a hesitação de Jace, ou se viu, a ignorou — isso quase não importou, no final. Os Lightwood foram destinados para a proteção de Jace, e não como uma família substituta, você vê. Ele tem uma família. Ele tem um pai.
Jace fez um ruído em sua garganta, e moveu suas mãos para longe de seu rosto.
— Minha mãe...
— Fugiu após a revolta — Valentim disse — eu era um homem desgraçado. A Clave iria me caçar quando soubessem que eu tinha sobrevivido. Ela não pôde suportar a sua associação comigo e fugiu — a dor na voz dele era palpável e fingida, Clary pensou amargamente. A manipuladora fluência — eu não sabia que ela estava grávida naquele tempo. De Clary — ele sorriu um pouco, correndo o dedo lentamente para baixo no copo de vinho — mas o sangue chama sangue, como se costuma dizer. O destino nos deu esta convergência. Nossa família junta novamente. Podemos utilizar o Portal — ele disse, virando seu olhar para Jace — ir para Idris. Voltar para a mansão.
Jace estremeceu um pouco, mas concordou, ainda fitando entorpecidamente as suas mãos.
— Nós vamos estar juntos lá — Valentim continuou — como devemos estar.
Isso parece fantástico, Clary pensou. Só você, com sua esposa em coma, seu filho em estado de choque, e sua filha, que odeia a sua cara de pau. Sem mencionar que seus dois filhos podem estar apaixonados um pelo outro. Sim, isso soa como uma perfeita reunião familiar. Alto, ela apenas disse:
— Eu não vou a qualquer lugar com você, e nem a minha mãe.
— Ele está certo, Clary — Jace interrompeu roucamente. Ele flexionou suas mãos, as pontas dos dedos estavam coradas em vermelho — é o único lugar para nós irmos. Nós podemos reparar as coisas lá.
— Você não pode estar falando sério.
Um enorme barulho veio de baixo, tão alto que soava como se uma parede do hospital tivesse desmoronado dentro dele. Luke, Clary pensou, saltando em seus pés.
Jace, apesar de seu olhar de nauseado horror, respondeu automaticamente, meio se levantando de sua cadeira, sua mão indo ao seu cinto.
— Pai, eles estão...
— Eles estão a caminho.
Valentim ficou de pé. Clary ouviu passos. Um momento depois, a porta da sala foi aberta, e Luke ficou na soleira dela.
Clary engoliu um choro. Ele estava coberto de sangue. Seu jeans e camiseta, a metade inferior de seu rosto com sangue escuro e coagulado. Suas mãos estavam vermelhas até os pulsos, o sangue manchando-as ainda estava molhado e escorrendo. Ela não tinha ideia se algum daquele sangue era dele. Ouviu-o gritar seu nome, e em seguida, ela estava correndo por todo o quarto na direção dele, e quase tropeçou sobre si mesma na ânsia de agarrar o peito da camisa dele e segurar, do jeito que não fazia desde que tinha oito anos de idade.
Por um instante, sua grande mão apareceu e fechou na parte detrás da cabeça dela, segurando-a contra ele com uma mão, um meio abraço de urso. Então ele a empurrou delicadamente.
— Eu estou coberto de sangue — ele disse — não se preocupe, não é meu.
— Então, de quem é?
Era a voz de Valentim, e Clary se virou, o braço de Luke protetoramente em seus ombros. Valentim estava olhando ambos, seus olhos estreitos e engenhosos. Jace tinha levantado, deu a volta na mesa e estava parado hesitantemente atrás de seu pai. Clary não conseguia se lembrar dele fazendo algo hesitante antes.
— De Pangborn — Luke respondeu.
Valentim passou uma mão sobre o rosto, como se a notícia fosse dolorosa para ele.
— Estou vendo. Você rasgou a garganta dele com os seus dentes?
— Na verdade — Luke disse — matei ele com isso.
Com sua mão livre, ele segurou uma longa e fina adaga que ele tinha matado o Esquecido. À luz, ela podia ver as pedras azuis no cabo.
— Você se lembra?
Valentim olhou para aquilo, e Clary viu sua mandíbula apertar.
— Eu lembro — respondeu, e Clary se perguntou se ele também estava se lembrando da conversa anterior deles.
Esta é uma kindjal, uma adaga caucasiana. Esta em particular era uma de um par combinando.
— Você deu ela a mim dezessete anos atrás e me disse para por um fim a minha vida com ela — Luke disse, a arma firmemente agarrada em sua mão.
A lâmina era mais longa do que kindjal de punho vermelho no cinto de Jace, ficava em algum lugar entre uma adaga e uma espada, e a lâmina tinha a ponta afilada.
— E eu quase o fiz.
— Você espera que eu negue isso? — Havia dor na voz de Valentim, a memória de uma velha dor. — Eu tentei salvá-lo de si mesmo, Lucian. Cometi um grave erro. Se apenas eu tivesse tido a força para matá-lo eu mesmo, você poderia ter morrido como um homem.
— Tal como você? — Luke perguntou.
Nesse momento, Clary viu algo nele, do Luke que sempre tinha conhecido, o tom que usava quando sabia que ela estava mentindo ou fingindo, que chamava sua atenção quando ela estava sendo arrogante ou falsa. Na amargura da sua voz, ela ouviu o amor que tinha sentido uma vez por Valentim, coalhado em um cansado ódio.
— Um homem que acorrenta sua esposa inconsciente em uma cama na esperança de torturá-la por informação quando ela acordar? Essa é a sua coragem?
Jace estava olhando para seu pai. Clary viu o ataque de raiva que momentaneamente retorceu as feições de Valentim, então tinha ido embora, e seu rosto estava suave.
— Eu não a torturei — ele disse — ela está presa para sua própria proteção.
— Contra o quê? — Luke exigiu, andando para mais longe dentro da sala. — A única coisa perigosa para ela é você. A única coisa que sempre a ameaçou foi você. Ela passou sua vida fugindo, para ficar longe de você.
— Eu a amava — Valentim falou — eu nunca teria machucado-. Foi você que a virou contra mim.
Luke riu.
— Ela não precisou de mim para se virar contra você. Ela aprendeu a te odiar por ela mesma.
— Isso é uma mentira! — Valentim rosnou com súbita selvageria, e puxou a espada da bainha em sua cintura. A lâmina era plana e preto fosco, padronizada com um desenho de estrelas prateadas. Ele nivelou a espada para o coração de Luke.
Jace deu um passo em direção a Valentim.
— Pai...
— Jonathan, faça silêncio! — gritou Valentim, mas era tarde demais; Clary viu o choque, no rosto de Luke quanto ele olhou para Jace.
— Jonathan? — ele sussurrou.
A boca de Jace torcia.
— Não me chame assim — ele disse ferozmente, seus olhos dourados em chamas — eu mesmo vou te matar se me chamar assim.
Luke, ignorando a espada apontada para seu coração, não tirava seus olhos de Jace.
— Sua mãe ficaria orgulhosa — ele disse, tão silenciosamente que mesmo Clary, em pé ao lado dele, tinha se esforçado para o ouvir.
— Eu não tenho uma mãe — Jace disse. Suas mãos estavam tremendo — a mulher que me deu à luz foi para longe de mim antes que eu aprendesse a me lembrar do rosto dela. Eu não era nada para ela, então ela não é nada para mim.
— Sua mãe não é a única que foi para longe de você — Luke respondeu, seu olhar se deslocando lentamente para Valentim — eu nunca teria pensado que mesmo você — ele disse lentamente — usaria a sua própria carne e sangue como isca. Acho que eu estava enganado.
— Já chega — o tom de Valentim era quase lânguido, mas havia ferocidade no mesmo, uma fome de ameaça de violência — deixe minha filha ir, ou eu vou te matar onde você está.
— Eu não sou sua filha — disse Clary ferozmente, mas Luke a empurrou para longe dele tão forte que ela quase caiu.
— Saia daqui — ele ordenou — vá para um lugar seguro.
— Eu não vou deixar você!
— Clary, eu quero dizer isso. Saia daqui — Luke já estava levantando sua adaga — esta não é a sua luta.
Clary tropeçou para longe dele, em direção à porta que levava a passagem. Talvez ela pudesse chamar por ajuda, por Alaric...
Então Jace estava na frente dela, bloqueando seu caminho para a porta. Ela tinha se esquecido do quão rápido ele se movia, leve como um gato, rápido como a água.
— Você está louca? — ele sibilou. — Eles quebraram a porta da frente. Este lugar vai estar cheio de Esquecidos.
Ela se empurrou nele.
— Me deixe sair.
Jace a segurou de volta com um aperto de ferro.
— E então eles poderem te rasgar em pedaços? Sem chance.
Um forte choque de metais soou atrás dela. Clary se puxou para longe de Jace e viu que Valentim tinha golpeado Luke, que tinha desviado do seu golpe por pouco. Suas espadas caíram à parte, e agora eles estavam se movendo ao longo do chão, em um borrão de fintas e golpes.
— Oh, meu Deus — ela sussurrou — eles vão se matar um ao outro.
Os olhos de Jace estavam quase pretos.
— Você não entende. Isto é como faz...
Ele se interrompeu e sugou o ar enquanto Luke deslizava passando a guarda de Valentim, pegando-o em um golpe através do ombro. Sangue fluiu livremente, manchando o pano de sua camisa branca.
Valentim jogou sua cabeça para trás e riu.
— Um verdadeiro talento. Eu não pensei que você o tinha, Lucian.
Luke estava muito ereto, a faca bloqueando o rosto da visão de Clary.
— Você mesmo me ensinou este movimento.
— Mas isso foi há anos — Valentim respondeu em uma voz como seda pura — e desde então, você dificilmente precisou usar uma espada, não é? Não quando você tem garras e dentes à sua disposição.
— Tudo do melhor para arrancar o seu coração.
Valentim balançou a cabeça.
— Você arrancou o meu coração anos atrás — ele disse, e mesmo Clary não podia dizer se a tristeza em sua voz era verdadeira ou falsa. — Quando você me traiu e me desertou.
Luke o atacou novamente, mas Valentim foi rapidamente para trás. Para um homem grande, ele se movia com leveza surpreendente.
— Foi você que virou minha esposa contra sua própria espécie. Você veio a ela quando ela estava mais fraca, com sua pena, sua indefesa necessidade. Eu estava distante, e ela achou que você a amava. Ela era um tola.
Jace estava tenso como um fio ao lado de Clary. Ela podia sentir a sua tensão, como as faíscas saindo por um cabo elétrico.
— É da sua mãe que Valentim está falando — ela disse.
— Ela me abandonou — Jace respondeu — mamãe.
— Ela pensou que você estava morto. Você quer saber como eu sei disso? Porque ela mantinha uma caixa em seu quarto. Tinha suas iniciais nela. J.C.
— Então, ela tinha uma caixa — Jace repetiu — muitas pessoas tem caixas. Guardam coisas nelas. É uma moda crescente, ouvi.
— Tinha um cacho do seu cabelo nela. Cabelo de bebê. E uma fotografia, talvez duas. Ela costumava pegá-la a cada ano e chorar sobre os objetos. Chorando terrivelmente com o coração partido...
A mão de Jace se apertou do seu lado.
— Pare com isso — ele disse entre os dentes.
— Parar o quê? De dizer a você a verdade? Ela pensou que você tinha morrido – nunca teria te deixado se soubesse que você estava vivo. Ela pensou que o seu pai estava morto...
— Eu o vi morrer! Ou pensei ter visto. Eu apenas não... apenas ouvi sobre isso e escolhi acreditar nisso!
— Ela encontrou seus ossos queimados — Clary continuou — nas ruínas de sua casa. Juntamente com os ossos da mãe e do pai dela.
Jace finalmente olhou para ela. Clary viu a descrença plana em seus olhos, e em torno deles, o esforço em manter essa descrença. Ela podia ver, quase como se via através de um feitiço, a frágil construção da fé em seu pai que ele usou como uma armadura transparente, protegendo-o da verdade. Em algum lugar, ela pensou, havia uma fissura naquela armadura. Se ela pudesse encontrar as palavras certas, poderia abrir a brecha.
— Isso é ridículo. Eu não morri – não havia ossos.
— Havia.
— Então era um encantamento — ele disse bruscamente.
— Pergunte ao seu pai o que aconteceu com sua sogra e seu sogro — Clary disse. Ela chegou a tocar a sua mão — pergunte a ele se era um encantamento também...
— Cala a boca!
O controle de Jace quebrou e ele se virou sobre ela, lívido. Clary viu o olhar de Luke na direção deles, assustado pelo barulho, e nesse momento de distração, Valentim mergulhou sob sua guarda e, com um único impulso a frente, dirigiu a lâmina da sua espada no peito de Luke, logo abaixo de sua clavícula.
Os olhos de Luke alargaram-se como se em espanto, em vez de dor. Valentim puxou sua mão para trás, e deslizou a lâmina de volta, manchada de vermelho até o cabo.
Com uma forte gargalhada, Valentim o golpeou novamente, desta vez retirando a arma da mão de Luke. Ela bateu no chão com um tinido oco e Valentim a chutou com força, a enviando girando para debaixo da mesa, enquanto Luke caáa.
Valentim levantou a espada preta sobre o corpo deitado de Luke, pronto para dar o ataque assassino. Estrelas prateadas incrustadas brilharam ao longo do comprimento da lâmina e Clary pensou, congelada em um momento de horror, como algo tão mortal poderia ser tão bonita?
Jace, sabendo o que Clary iria fazer antes que ela o fizesse, girou sobre ela.
— Clary...
O momento passou congelado. Clary se retorceu se afastando de Jace, esquivando do alcance de suas mãos, e correu pelo chão de pedra para Luke. Ele estava no chão, se apoiando com um braço; Clary se atirou sobre ele, enquanto a espada de Valentim vinha descendo.
Ela viu os olhos de Valentim enquanto a espada despencava na direção dela, em um interminável período de tempo, embora só pudesse ter sido em um piscar de segundo. Viu que ele poderia parar o golpe se quisesse. Viu que ele sabia que ia acertá-la se não parasse. Viu que ele faria aquilo de qualquer maneira.
Ela jogou as mãos para cima, apertando os olhos fechados...
Houve um som estridente. Ela ouviu Valentim gritar, e quando olhou para cima, o viu segurando a mão, sem a espada, que estava sangrando. A kindjal de cabo vermelho descansava a vários metros sobre o piso de pedra, ao lado da espada negra. Passado o susto, ela viu Jace na porta, o braço dele ainda levantado e percebeu que ele deve ter jogado a adaga com força suficiente para jogar a espada preta para fora da mão de seu pai.
Muito pálido, ele baixou lentamente o braço, seus olhos arregalados e suplicantes sobre Valentim.
— Pai, eu...
Valentim olhava para sua mão sangrando, e por um momento, Clary viu um espasmo de raiva cruzar seu rosto, como uma luz cintilante. Sua voz, quando falou, era leve.
— Este foi um excelente lançamento, Jace.
Jace hesitou.
— Mas a sua mão. Achei...
— Eu não teria machucado sua irmã — disse Valentim, movendo-se rapidamente para recuperar tanto a espada e quanto a kindjal vermelha, que ele prendeu em seu cinto — eu teria parado o golpe. Mas a sua preocupação com a família é louvável.
Mentiroso. Mas Clary não teve tempo para xingar Valentim. Ela se virou para olhar para Luke e sentiu uma forte pancada de náusea. Luke estava deitado sobre suas costas, os olhos semifechados, a respiração irregular. Sangue borbulhava do buraco na sua camisa rasgada.
— Preciso de um curativo — Clary falou com voz tremendo — panos... qualquer coisa.
— Não se mova, Jonathan — Valentim ordenou em uma voz cortante, e Jace congelou onde estava, a mão já chegando no bolso — Clarissa — seu pai disse, em uma voz tão derretida quanto um astuto aço com manteiga — este homem é um inimigo da nossa família, um inimigo da Clave. Nós somos Caçadores, e isso significa que, às vezes, somos assassinos. Certamente você entende isso.
— Caçadores de demônios — Clary disse — demônios mortais. Não assassinos. Há uma diferença.
— Ele é um demônio, Clarissa — Valentim disse, ainda na mesma voz suave — um demônio com um rosto de homem. Sei como tais monstros podem ser enganadores. Lembre-se, uma vez eu mesmo o poupei.
— Monstro? — Clary ecoou.
Ela pensou em Luke, Luke a empurrando no balanço quando tinha cinco anos, mais alto, sempre mais alto; Luke em sua formatura do primeiro grau, a câmera clicando ao longe como um orgulhoso pai; Luke mexendo em caixas de livros quando chegava a sua loja, procurando por alguma coisa que ela iria gostar e pondo de lado. Luke a levantando para puxar as maçãs das árvores perto de sua fazenda. Luke, cujo lugar de pai, este homem estava tentando tirar.
— Luke não é um monstro — ela disse em uma voz que combinava com a de Valentim, aço com aço — ou um assassino. Você é.
— Clary!
Era Jace.
Clary ignorou-o. Seus olhos estavam fixos sobre os frios e negros do pai.
— Você matou os pais de sua esposa, e não em batalha, mas a sangue frio. E aposto que você assassinou Michael Wayland e seu filho, também. Atirou seus ossos com os dos meus avós para que minha mãe pensasse que você e Jace estivessem mortos. Colocou seu colar em torno do pescoço de Michael Wayland antes de o queimar, assim todas as pessoas pensariam que os ossos eram de vocês. E depois de tudo, você fala sobre o sangue contaminado da Clave – você não se importa com o sangue deles ou com os inocentes que matou, não é? Abate pessoas idosas e crianças a sangue frio, isso é monstruoso.
Outro espasmo de raiva contorceu as feições de Valentim.
— Chega!
Valentim rugiu, levantando a espada preta estrelada novamente e Clary ouviu a verdade que estava em sua voz, a raiva que o tinha impelido toda a sua vida. A interminável e borbulhante raiva.
— Jonathan! Arraste sua irmã para fora do meu caminho, ou pelo Anjo, eu vou acertá-la para matar o monstro que ela está protegendo!
Por um breve momento Jace hesitou. Então ele levantou a cabeça.
— Certamente, pai — disse ele, e atravessou a sala até Clary.
Antes que ela pudesse se desviar dele, Jace a segurou duramente com seu braço. Ele a puxou, arrastando-a para longe de Luke.
— Jace — ela sussurrou, horrorizada.
— Não — ele disse. Seus dedos apertavam dolorosamente seus braços. Ele cheirava a vinho, a metal e suor — não fale comigo.
— Mas...
— Eu disse, não fale.
Ele a sacudiu forte. Clary tropeçou, e recuperando seu apoio, olhou para ver Valentim de pé, encarando fixamente o corpo caído de Luke. Ele aproximou com firmeza a ponta da bota e chutou Luke, que fez um barulho asfixiado.
— Deixe-o em paz! — Clary gritou, tentando se empurrar para longe do alcance de Jace.
Era inútil, ele era muito forte.
— Pare — ele sibilou na sua orelha — você só vai tornar a situação pior. É melhor se você não olhar.
— Como você faz? — ela sibilou de volta. — Fechar os olhos e fingir que nada está acontecendo não faz isso ser verdade, Jace. Você deveria saber melhor...
— Clary, pare.
Seu tom quase surpreendeu-a. Ele soava desesperado.
Valentim estava gargalhando.
— Se apenas eu tivesse pensado em trazer comigo uma espada de prata verdadeira, eu poderia ter despachado você na verdadeira forma de sua verdadeira espécie, Lucian.
Luke rugiu algo que Clary não pôde ouvir. Ela esperou que fosse rude. Tentou se afastar de Jace. Seus pés escorregaram e ele a segurou, puxando as costas dela com uma agonizante força. Ele tinha os braços em torno dela, mas não do jeito que ela tinha uma vez esperado, não como ela tinha imaginado.
— Pelo menos deixe eu me levantar — Luke falou — deixe-me morrer sob meus pés.
Valentim olhou para ele, ao longo do comprimento da espada, e encolheu os ombros.
— Você pode morrer deitado ou de joelhos. Mas só um homem merece morrer de pé, e você não é um homem.
— NÃO! — Clary gritou enquanto, sem olhar para ela, Luke começou a se puxar dolorosamente em uma posição ajoelhada.
— Por que você tem que fazer o que é pior para si mesma? — Jace exigiu em um baixo e tenso sussurrar. — Eu te disse para não olhar.
Ela estava arquejando com esforço e dor.
— Por que você tem que mentir para si mesmo?
— Não estou mentindo! — Seu aperto sobre ela era selvagem, embora Clary não tivesse tentado se puxar para longe. — Eu apenas quero o que é melhor em minha vida, meu pai, minha família, e não posso perder tudo de novo.
Luke estava ajoelhado ereto agora. Valentim havia levantado a espada manchada de sangue. Os olhos de Luke estavam fechados, e ele estava murmurando alguma coisa: palavras, uma oração, Clary não sabia. Ela se contorceu nos braços Jace, se virando para que ela pudesse olhar para o seu rosto. Seus lábios estavam tensamente finos, o seu maxilar apertado, mas seus olhos...
A frágil armadura estava quebrando. Era necessário apenas um último empurrão dela. Ela lutava pelas palavras.
— Você tem uma família. Família são apenas aquelas pessoas que te amam. Como os Lightwood amam você. Alec, Isabelle... — sua voz se quebrou — Luke é minha família, e você vai me fazer vê-lo morrer como imaginou ter visto seu pai morrer quando tinha dez anos? É isso que você quer, Jace? É este o tipo de homem que deseja ser?
— Tal como...
Ela se interrompeu, subitamente aterrorizada que tivesse ido longe demais.
— Tal como o meu pai — disse ele.
Sua voz era gelada, distante, plana como a lâmina de uma faca.
Eu o perdi, ela pensou desesperadamente.
— Se abaixe — ele falou, e a empurrou forte.
Clary tropeçou, caiu ao chão, rolando em um joelho. Ajoelhada, ela viu Valentim levantar a espada acima de sua cabeça. O brilho do lustre acima de sua cabeça tocava ao longo da espada, enviando brilhantes pontos de luz agudos em seus olhos.
— Luke! — gritou.
A lâmina bateu no chão da casa. Luke não estava longe dela. Jace tinha se movido mais rápido do que Clary teria pensado ser possível até mesmo para um Caçador de Sombras e se jogou no seu caminho, enviando Luke para o chão de lado. Jace se pôs de pé encarando seu pai por acima do cabo trêmulo da espada, com o rosto branco, mas seu olhar era firme.
— Eu acho que você deveria ir — Jace falou.
Valentim olhou incredulamente para seu filho.
— O que você disse?
Luke tinha se levantado em uma posição sentada. Sangue fresco manchava sua camisa. Ele olhou para Jace enquanto o garoto, com uma mão gentil, quase desinteressada, alcançava o cabo da espada, que tinha sido fincada para o chão.
— Eu acho que você me ouviu, pai.
A voz de Valentim era como um chicote.
— Jonathan Morgenstern.
Rápido como um relâmpago, Jace segurou o cabo da espada, retirando-a da placa do piso e a levantou. Ele a segurou, equilibrada e plana, a ponto de pairar a poucos centímetros abaixo do queixo do pai.
— Este não é o meu nome. Meu nome é Jace Wayland.
Os olhos de Valentim estavam fixados em Jace, ele quase não parecia a notar a espada em sua garganta.
— Wayland? — rosnou ele. — Você não tem o sangue de Wayland! Michael Wayland era um estranho para você...
— Então você também é — ele puxou a espada para a esquerda — agora mova-se.
Valentim balançou sua cabeça.
— Nunca. Eu não recebo ordens de uma criança.
A ponta da espada tocou a garganta de Valentim. Clary olhou em um fascinado horror.
— Eu sou uma criança muito bem treinada — Jace replicou — você me instruiu na precisa arte de matar. Eu só preciso mover dois dedos para cortar sua garganta, sabia disso? — Seus olhos estavam acirrados. — Eu suponho que sim.
— Você é hábil o suficiente — Valentim concordou. Seu tom era desprezível, mas, Clary notou que ele ainda permanecia muito parado — mas você não pode me matar. Você sempre foi piedoso.
— Talvez ele não possa — era Luke, de pé agora, pálido e sangrento, mas em pé — mas eu posso. E não estou completamente certo de que ele poderia me parar.
Os olhos de Valentim febrilmente piscavam de Luke e de volta para seu filho. Jace não tinha virado quando Luke falou, mas se mantinha ainda como uma estátua, a espada imóvel em sua mão.
— Você ouviu o monstro me ameaçando, Jonathan — Valentim disse — você apoia isso?
— Ele tem um ponto — Jace disse suavemente — não estou inteiramente certo de que eu poderia detê-lo se ele quisesse lhe fazer algum dano. Lobisomens cicatrizam tão rápido.
O lábio de Valentim curvou.
— Então — ele cuspiu — como sua mãe, você prefere esta criatura, esta coisa demônio semigerada do que seu próprio sangue, sua própria família?
Pela primeira vez, a espada na mão de Jace pareceu tremer.
— Você me deixou quando eu era uma criança — ele disse em uma cuidadosa voz — me deixou pensar que estava morto e me mandou embora para viver com estranhos. Você nunca me disse que eu tinha uma mãe, uma irmã. Você me deixou sozinho — as palavras eram quase um choro.
— Fiz isso por você, para mantê-lo seguro — protestou Valentim.
— Se você se importava com Jace, se se preocupasse com o sangue, não teria matado seus sogros. Você assassinou pessoas inocentes — Clary interrompeu, furiosa.
— Inocente? — Valentim respondeu. — Ninguém é inocente em uma guerra! Eles estavam ao lado de Jocelyn contra mim! Eles a teriam deixado levar meu filho de mim!
Luke deixar sair um assobio na respiração.
— Você sabia que ela ia te deixar. Sabia que ela ia fugir antes mesmo da revolta?
— Claro que eu sabia! — Valentim rosnou.
Seu frio controle tinha rachado e Clary podia ver a derretida fúria fervilhando por baixo, endurecendo os tendões em seu pescoço, cerrando suas mãos em punhos.
— Eu fiz o que tinha que fazer, proteger a mim mesmo, e no final eu lhes dei mais do que nunca mereceram: uma pira de funeral concedida apenas para os maiores guerreiros da Clave!
— Você os queimou — Clary disse sem rodeios.
— Sim! — Valentim gritou. — Eu os queimei.
Jace fez um ruído estrangulado.
— Meus avós...
— Você nunca soube deles — Valentim disse — não finja uma dor que não sente.
A ponta da espada estava tremendo mais rapidamente agora. Luke colocou uma mão sobre o ombro Jace.
— Firme — ele disse.
Jace não olhou. Ele estava respirando como se estivesse correndo.
Clary podia ver o suor cintilando sobre a acentuada divisão de sua clavícula, jogando seu cabelo para suas têmporas. As veias eram visíveis ao longo das costas de suas mãos. Ele vai matá-lo, ela pensou. Ele vai matar Valentim.
Ela andou rapidamente a frente.
— Jace, precisamos do Cálice. Ou você sabe o que ele irá fazer.
Jace lambeu seus lábios secos.
— O Cálice, pai. Onde está?
— Em Idris — Valentim respondeu calmamente — onde você nunca irá encontrar.
A mão de Jace estava tremendo.
— Me diga...
— Me dê a espada, Jonathan — era Luke, sua voz calma da mesma maneira.
Jace soou como se estivesse falando do fundo de um poço.
— O quê?
Clary deu um passo em frente.
— Dê a espada a Luke. Deixe-o pegar Jace.
Ele agitou sua cabeça.
— Eu não posso fazer isso.
Clary deu outro passo em frente, e mais um, desejando estar perto o suficiente para tocá-lo.
— Sim, você pode — ela disse suavemente — por favor.
Ele não olhou para ela. Seus olhos estavam centrados em seu pai. O momento se prolongou, mais e mais, interminável. Finalmente ele acenou, curtamente, sem baixar a mão. Deixou Luke se deslocar para colocar-se ao lado dele, colocar a sua mão sobre a de Jace, no cabo da espada.
— Você pode soltá-la agora, Jonathan — Luke disse, e depois, vendo o rosto de Clary, se corrigiu — Jace.
Jace pareceu não tê-lo ouvido. Ele soltou o cabo e se afastou do pai. Um pouco da cor de Jace tinha voltado, e ele estava agora com um tom mais como massa de vidraceiro, seu lábio sangrando onde tinha mordido. Clary desejou tocá-lo, por seus braços em volta dele, sabendo que ele nunca iria deixar.
— Tenho uma sugestão — Valentim disse para Luke, em um mesmo tom surpreendente.
— Me deixe adivinhar — Luke disse — é “não me mate”, não é?
Valentim riu, um som sem qualquer humor nele.
— Eu dificilmente me rebaixaria suplicando por minha vida.
— Bom — disse Luke, cutucando o queixo do outro homem com sua lâmina — não vou te matar a menos que você force a minha mão, Valentim. Eu me nego a assassiná-lo na frente dos seus próprios filhos. O que eu quero é o Cálice.
O barulho abaixo das escadas estava mais alto agora. Clary podia ouvir o que soava como pegadas no corredor lá fora.
— Luke...
— Eu ouvi — ele reclamou.
— O Cálice está em Idris, eu te disse — Valentim respondeu, seus olhos se desviando além de Luke.
Luke estava suando.
— Se está em Idris, você usou o Portal para levá-lo para lá. Eu vou com você. Trazê-lo de volta.
Os olhos de Luke estavam inquietos. Havia mais movimento no corredor lá fora agora havia sons de gritos, de alguma coisa se quebrando.
— Clary, fique com o seu irmão. Depois que nós passarmos, usem o Portal para irem para um lugar seguro.
— Não vou sair daqui — Jace declarou.
— Sim, você vai — algo estrondou contra a porta. Luke levantou sua voz — Valentim, o Portal. Mexa-se.
— Ou o quê?
Os olhos de Valentim estavam fixados na porta com um olhar de consideração.
— Eu vou te matar se você forçar a minha mão, na frente deles ou não. O portal, Valentim. Agora.
Valentim estendeu suas mãos largamente.
— Se você quiser.
Ele andou ligeiramente para trás, justo quando a porta explodiu adentro, espalhando as dobradiças em todo o piso. Luke mergulhou para fora do caminho, evitando ser esmagado pela queda da porta, girando quando fez isso, a espada ainda na mão.
Um lobo permaneceu na entrada, uma montanha de rosnados, pelos listrados, ombros arqueados para frente, os lábios curvados para trás e acima rosnando entre os dentes. Sangue escorria de inúmeros talhos em sua pele.
Jace estava praguejando suavemente, uma lâmina serafim já em sua mão.
Clary segurou o seu pulso.
— Não, ele é um amigo.
Jace lhe atirou um olhar incrédulo, mas baixou seu braço.
— Alaric... — Luke gritou alguma coisa em seguida, em uma linguagem que Clary não entendeu.
Alaric rosnou novamente, se abaixando mais perto do chão, e por um momento confuso, pensou que ele ia atirar-se em Luke. Então viu a mão de Valentim em seu cinto, o flash das joias vermelhas, e percebeu que tinha esquecido que ele ainda tinha a adaga de Jace.
Ela ouviu uma voz gritar o nome de Luke, então percebeu que sua garganta parecia colada com cola, e que era Jace quem tinha gritado.
Luke saltou na vertical, parecendo dolorosamente lento, enquanto a faca na mão esquerda de Valentim voava na direção dele como uma borboleta prata, girando mais e mais no ar. Luke levantou sua lâmina e algo castanho e cinza enorme se jogou entre ele e Valentim. Ela ouviu o uivo de Alaric aumentando, de repente morrendo; ouviu o som da lâmina atingindo-o. Ela arfou e tentou correr em frente, mas Jace puxou-a de volta.
O lobo estava caído aos pés de Luke, o sangue manchando seus pelos. Delicadamente, com suas patas, Alaric agarrou o cabo da faca projetada em seu peito.
Valentim riu.
— E esta é a forma como você reembolsa a inquestionável lealdade que comprou tão barato, Lucian. Ao deixá-los morrer por você.
Ele estava indo para trás, seus olhos ainda sobre Luke.
Luke, de rosto pálido, olhou para ele e então abaixo para Alaric, agitou sua cabeça uma vez e caiu de joelhos, inclinando sobre o lobisomem morto.
Jace, ainda segurando Clary pelos ombros, sibilou:
— Fique aqui, está me ouvindo? Fique aqui — e depois seguiu Valentim, que estava correndo, inexplicavelmente, em direção à parede ao longe.
O plano dele era se lançar afora pela janela? Clary podia ver o seu reflexo no grande espelho emoldurado em ouro enquanto ele se aproximava, a expressão em seu rosto, uma espécie de alívio sarcástico cheia com uma fúria assassina.
— O inferno que eu vou — ela murmurou, seguindo Jace.
Ela parou apenas para pegar a kindjal de punho azul no chão debaixo da mesa, para onde Valentim tinha chutado. A arma na mão a fez se sentir confortável agora, tranquilizada, enquanto empurrava uma cadeira caída para fora de seu caminho e se aproximava do espelho.
Jace tinha retirado a lâmina serafim, a sua luz lançando uma forte iluminação acima, escurecendo os círculos sob seus olhos, as cavidades das suas bochechas. Valentim tinha se virado e ficou delineado em sua luz, as costas contra o espelho. Na sua superfície, Clary também pôde ver Luke atrás deles. Ele tinha colocado sua espada para baixo e estava puxando o cabo vermelho da kindjal para fora do peito de Alaric, suavemente e com cuidado. Ela se sentiu doente e agarrou a sua própria lâmina mais firmemente.
— Jace... — ela começou.
Ele não se virou para olhar para ela, embora, evidentemente pudesse vê-la no reflexo do espelho.
— Clary, eu te disse para esperar.
— Ela é como a mãe — Valentim disse. Uma de suas mãos estava atrás dele, ele estava se movendo ao longo da borda da pesada moldura dourada do espelho — não gosta de fazer o que lhe dizem.
Jace não estava tremendo como tinha estado mais cedo, mas Clary podia sentir o quão fino seu controle tinha sido esticado, como uma pele ao longo de um tambor.
— Eu vou com ele para Idris, Clary. Vou trazer o Cálice de volta.
— Não, você não pode — Clary começou, e viu, no espelho, como seu rosto retorceu.
— Você tem uma ideia melhor? — ele reclamou.
— Mas Luke...
— Lucian — Valentim falou em uma voz como seda — está se ocupando com um companheiro caído. Enquanto o Cálice, e Idris, não estão longe. Através do espelho, por assim dizer.
Os olhos de Jace se estreitaram.
— O espelho é o Portal?
Os lábios de Valentim se afinaram e ele soltou a mão, se deslocando atrás do espelho como se a imagem girasse e mudasse tal qual aquarelas se movendo em uma pintura. Em vez da sala escura com a madeira e velas, Clary agora podia ver os campos verdes, as grossas folhas esmeraldas das árvores, bem como uma vasta campina abaixo de uma grande casa de pedra à distância. Ela podia ouvir o som vibrante de abelhas e o sussurro do vento nas folhas, o cheiro de madressilvas transportadas pelo vento.
— Eu disse a você que não estava longe — Valentim colocou-se no que era agora um dourado pórtico arqueado, o cabelo dele se movendo no mesmo vento que agitava as folhas sobre as árvores distantes. — É como você se lembra dela, Jonathan? Tem algo mudado?
O coração de Clary apertou dentro de seu peito. Ela não tinha dúvida que aquela era a casa da infância de Jace, apresentada para tentá-lo como você poderia seduzir uma criança com doces ou um brinquedo. Olhou em direção a Jace, mas ele não pareceu vê-la de modo algum. Ele estava olhando para o Portal, e a visão além dos campos verdes e da mansão. Ela viu o rosto dele suavizar, a saudosa curva de sua boca, como se ele estivesse olhando para alguém que ele amava.
— Você ainda pode voltar para casa — disse seu pai.
A luz da lâmina serafim que Jace segurava jogava uma sombra que parecia se mover através do Portal, escurecendo os brilhantes campos, além da campina.
O sorriso desapareceu da boca de Jace.
— Essa não é a minha casa — ele falou — esta é a minha casa agora.
Com um espasmo de fúria contorcendo suas feições, Valentim olhou para seu filho. Clary nunca iria esquecer aquele olhar – aquilo a fez sentir um súbito e selvagem anseio por sua mãe. Porque não importava o quão irritada sua mãe tinha ficado com ela, Jocelyn nunca olhou para ela assim. Ela sempre tinha olhado para ela com amor. Se pudesse sentir mais pena por Jace do que ela já sentia, então teria sentindo.
— Muito bem — Valentim disse, e deu um rápido passo para trás através do Portal, para que seus pés atingissem a terra de Idris. Seus lábios curvados em um sorriso. — Ah, casa.
Jace tropeçou à beira do Portal antes de parar, uma mão contra a moldura dourada. Uma estranha hesitação parecia ter tomado conta dele, mesmo com Idris tremulando diante de seus olhos como uma miragem no deserto. Só levaria um passo...
— Jace, não — disse Clary rapidamente — não vá atrás dele.
— Mas o Cálice — Jace lembrou.
Ela não pôde dizer o que Jace estava pensando, mas a lâmina em sua mão estava se agitando violentamente enquanto sua mão tremia.
— Deixe a Clave pegá-lo! Jace, por favor.
Se você passar por esse portal, pode nunca mais voltar. Valentim vai te matar. Você não quer acreditar, mas ele irá.
— A sua irmã tem razão — Valentim estava de pé no meio de uma grama verde e flores selvagens flutuando em torno de seus pés, e Clary percebeu que apesar de eles estarem a centímetros de distância um do outro, se situavam em diferentes países. — Você realmente acha que pode vencer, apesar de você ter uma lâmina serafim e eu estar desarmado? Não apenas sou mais forte do que você, mas duvido que possa me matar. E você vai ter que me matar, Jonathan, antes que eu dê o Cálice para você.
Jace firmou seu aperto sobre a lâmina do anjo.
— Eu posso...
— Não, você não pode.
Valentim esticou o braço através do Portal e agarrou o pulso de Jace com sua mão, arrastando a ponta da lâmina serafim até tocar seu peito. Quando a mão de Jace e seu pulso passaram através do Portal, eles pareceram tremular, como se tivessem sido arremessados em água.
— Faça isso, então. Impulsione a lâmina. Sete, talvez dez centímetros.
Ele puxou a lâmina a frente, a ponta do punhal cortando o tecido de sua camisa. Um círculo vermelho como uma papoula floresceu um pouco acima de seu coração. Jace, com um suspiro, puxou seu braço, se libertando, e cambaleou para trás.
— Como eu pensei — Valentim observou — muito piedoso.
E com uma chocante surpresa, ele jogou seu punho em direção a Jace. Clary gritou, mas o golpe não o acertou: atingiu a superfície do Portal entre eles, com um som como mil coisas frágeis se estilhaçando, as teias de aranha fendendo o vidro-que-não-era-vidro. A última coisa que Clary ouviu antes que o Portal se dissolvesse em um dilúvio de cacos barulhentos foi a risada irônica de Valentim.
Vidro agitou-se ao longo do chão como uma ducha de gelo, uma estranhamente bela cascata de cacos prateados. Clary foi para trás, mas Jace manteve-se ainda imóvel enquanto vidro chovia em torno dele, olhando para a moldura vazia do espelho.
Clary tinha esperado que ele xingasse, gritasse ou amaldiçoasse seu pai, mas em vez disso, ele só esperou que cacos parassem de cair. Quando pararam, ele se ajoelhou silenciosamente e cuidadosamente na bagunça de vidros quebrados, pegou um dos pedaços maiores, virando-o em suas mãos.
— Não — Clary se ajoelhou ao lado dele, colocando para baixo a faca que ela tinha estado segurando. Sua presença já não a confortava. — Não havia nada que você pudesse ter feito.
— Sim, havia — ele ainda estava olhando abaixo para o vidro. Lascas quebradas salpicavam o seu cabelo — eu podia tê-lo matado — ele virou o caco para ela. — Olhe.
Ela olhou. No pedaço de vidro, ela ainda podia ver uma parte de Idris, um pouco de céu azul, a sombra das folhas verdes. Ela exalou dolorosamente.
— Jace...
— Vocês estão bem?
Clary olhou para cima. Era Luke, parado perto deles. Ele estava desarmado, os olhos afundados em círculos azuis de exaustão.
— Estamos bem — Clary respondeu.
Ela podia ver uma figura machucada no chão atrás dele, semicoberta com o longo casaco de Valentim. Uma mão projetava-se por baixo da borda do tecido, ela estava curvada com garras.
— Alaric...?
— Está morto — Luke disse.
Havia um abundante controle da dor em sua voz. Embora ela mal tivesse conhecido Alaric, Clary sabia que o esmagador peso da culpa iria ficar com ele para sempre. E esta é a forma como você reembolsa a inquestionável lealdade que comprou tão barato, Lucian. Ao deixá-los morrer por você.
— Meu pai fugiu — Jace falou — com o Cálice — sua voz era monótona — nós o demos direto para ele. Eu falhei.
Luke deixou cair uma de suas mãos sobre a cabeça de Jace, limpando o vidro de seu cabelo. Suas garras ainda estavam pra fora, os dedos manchados de sangue, mas Jace recebeu seu toque como se não se importasse, e não disse nada.
— Não é sua culpa — Luke disse, olhando abaixo para Clary.
Seus olhos azuis eram serenos. Eles diziam: Seu irmão precisa de você, fique com ele.
Ela acenou, e Luke os deixou e foi para a janela. Ele a colocou aberta, enviando uma corrente de ar através da sala que apagou as velas. Clary podia ouvi-lo gritando, chamando os lobos abaixo.
Ela se ajoelhou ao lado de Jace.
— Está tudo bem — Clary falou hesitantemente, embora claramente não estivesse, e nunca poderia estar novamente.
Colocou a mão sobre seu ombro. O pano de sua camisa era áspero sob seus dedos, úmido com suor, estranhamente reconfortante.
— Nós temos a minha mãe de volta. Temos você. Temos tudo o que importa.
— Ele tinha razão. É por isso que eu não podia me fazer passar pelo portal — Jace sussurrou — eu não podia fazer isso. Eu não podia matá-lo.
— A única maneira que você teria falhado é se você tivesse passado.
Ele não disse nada, apenas sussurrou algo debaixo de sua respiração. Ela não podia ouvir bem as palavras, mas se aproximou e tirou o pedaço de vidro de sua mão. Estava sangrando por ter segurado aquilo, dois finos e estreitos cortes. Colocou o caco no chão e tomou sua mão, fechando os dedos sobre a palma ferida.
— Honestamente, Jace, você não sabe que é melhor não brincar com vidro quebrado?
Ele fez um som como um sorriso abafado antes de se aproximar e a puxar para seus braços. Ela estava consciente de Luke os olhando da janela, mas fechou os olhos resolutamente e enterrou seu rosto contra o ombro de Jace. Ele cheirava a sal e a sangue, e só quando sua boca chegou perto do seu ouvido ela entendeu o que ele estava dizendo, o que ele havia sussurrado antes, a coisa mais simples de sempre: seu nome, apenas seu nome.
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