Capítulo 3

Deuses. Pelos deuses.
O fôlego de Yrene voltou rapidamente quando a garota se aproximou dos dois agressores que restavam. O mercenário que a segurava deu uma gargalhada, mas aquele perto da porta estava com os olhos arregalados. Yrene muito, muito cuidadosamente recuou.
— Você matou meus homens? — falou o mercenário, com a faca empunhada.
A jovem girou uma das adagas em nova posição. O tipo de posição que Yrene achava que permitiria com facilidade que a lâmina perfurasse diretamente as costelas e cravasse o coração.
— Digamos que eles receberam o que mereciam.
O mercenário atacou, mas a jovem estava esperando. Yrene sabia que deveria correr — correr e correr e não olhar para trás —, mas a garota só estava armada com duas adagas, e o homem era enorme e...
Tinha acabado antes mesmo de começar. O mercenário deu dois golpes, ambos atingiram aquelas adagas de aparência maligna. Então a menina o fez cair duro no chão com um golpe ágil na cabeça. Tão rápido... indescritivelmente rápido e gracioso. Uma aparição se movendo na névoa. O corpo desabou para dentro da neblina e saiu de vista, e Yrene tentou não ouvir quando a garota o seguiu para escuridão.
A atendente virou a cabeça para o mercenário à porta, preparando-se para gritar um aviso a sua salvadora. Mas o homem já corria pelo beco tão rápido quanto os pés conseguiam levá-lo. Yrene teve a intenção de fazer o mesmo quando a estranha emergiu da névoa, as lâminas limpas, mas ainda em punho. Ainda pronta.
— Por favor, não me mate — sussurrou a moça. Estava pronta para implorar, para oferecer tudo em troca da própria vida inútil e desperdiçada.
Mas a jovem apenas gargalhou baixinho e respondeu:
— Qual teria sido o objetivo de salvá-la, então?

***

Celaena não tinha a intenção de salvar a atendente do bar.
Fora pura sorte ter visto os quatro mercenários se esgueirando pelas ruas, pura sorte eles parecerem tão ansiosos por confusão quanto ela. A assassina os caçara até aquele beco, no qual os encontrara prontos a ferir de maneiras imperdoáveis aquela garota. A briga tinha acabado rápido demais para ser divertida ou para lhe acalmar o temperamento. Se é que aquilo podia ser chamado de briga.
O quarto homem fugira, mas Celaena não estava com vontade de persegui-lo, não com a criada diante dela, tremendo da cabeça aos pés. Tinha a sensação de que atirar uma adaga contra aquele que fugia só faria com que a garota começasse a gritar. Ou que desmaiasse. O que... complicaria as coisas.
Mas a atendente não gritou nem desmaiou, apenas apontou um dedo trêmulo para o braço de Celaena.
— Você... Você está sangrando.
A assassina franziu a testa para o pequeno ponto brilhante no bíceps.
— Estou mesmo.
Um tolo descuido. A espessura da túnica tinha impedido que o ferimento fosse problemático, mas seria preciso limpá-lo. Cicatrizaria em uma semana ou menos. Ela fez menção de voltar para a rua, para ver o que mais poderia encontrar que a divertiria, mas a garota falou de novo:
— Eu... eu... poderia enfaixar isso para você.
Celaena queria sacudir a jovem. Sacudir por dez motivos diferentes. O primeiro, e mais importante, era por estar trêmula e com medo e ter sido completamente inútil. O segundo era por ser burra o bastante para estar naquele beco no meio da noite. Não estava com vontade de pensar em todos os outros motivos; não quando já estava tão irritada.
— Posso eu mesma enfaixar e muito bem — falou Celaena, seguindo para a porta que dava para a cozinha da Porco Branco. Dias antes, havia explorado a estalagem e os prédios adjacentes; agora podia andar por eles de olhos vendados.
— Só Silba sabe o que tinha naquela lâmina — falou a garota, e a assassina parou. Invocar a deusa da Cura. Muito poucos faziam isso atualmente, a não ser que fossem...
— Eu... minha mãe era curandeira e me ensinou algumas coisas — gaguejou a jovem. — Eu poderia... eu poderia... Por favor, deixe-me pagar a dívida que tenho com você.
— Não teria dívida alguma se usasse um pouco de bom senso.
A atendente se encolheu como se Celaena a tivesse golpeado. Aquilo apenas a irritou mais. Tudo a irritava, aquela cidade, aquele reino, aquele mundo amaldiçoado.
— Desculpe — falou a jovem, baixinho.
— Por que está pedindo desculpas para mim? Por que está sequer pedindo desculpas?
Aqueles homens mereceram. Mas você deveria ter sido mais inteligente em uma noite como esta, em que, aposto todo meu dinheiro, você podia sentir o gosto de agressão naquele bar imundo e maldito.
Não era culpa da garota, Celaena precisou lembrar a si mesma. Realmente não era culpa dela que não soubesse revidar.
A atendente levou as mãos ao rosto, curvando os ombros para dentro. A assassina contou os segundos até que a menina irrompesse em soluços, até que desabasse. Mas as lágrimas não vieram. A garota simplesmente respirou fundo algumas vezes, então abaixou as mãos.
— Deixe-me limpar seu braço — disse ela, com uma voz que era... diferente, de alguma forma. Mais forte, mais clara. — Ou vai acabar o perdendo.
E a leve mudança no comportamento era interessante o suficiente para que Celaena a seguisse para dentro. A assassina não se incomodou com os três corpos no beco. Tinha a sensação de que ninguém além de ratos e carniceiros se importaria com eles naquela cidade.

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