Capítulo 6 - Renegados

A sala das armas parecia exatamente do jeito que era chamada: de “sala das armas”, e soava como aquilo que se via. Em paredes de metal escovado estavam penduradas todo tipo de espadas, punhais, lanças, bastões, baionetas, chicotes, clavas, ganchos e arcos. Sacos de couro macio cheios de flechas balançavam nos ganchos, e havia pilhas de botas, couraças para pernas, luvas metálicas para punhos e braços. O lugar cheirava a metal, couro e aço polido.
Alec e Jace, já calçados, estavam sentados ao longo de uma mesa no centro da sala, suas cabeças curvadas sobre um objeto entre eles. Jace olhou para porta fechada atrás de Clary.
— Onde está Hodge?
— Escrevendo para os Irmãos do Silêncio.
Alec reprimiu um estremecimento.
— Ugh.
— Aqueles... bibliotecários.
Clary achou melhor não perguntar. Ela se aproximou da mesa lentamente, consciente do olhar de Alec.
— O que vocês estão fazendo?
— Pondo os últimos toques nisso — Jace se moveu para o lado e então ela pôde ver o que estava sobre a mesa: três longas e finas varinhas de um brilho pesadamente prateado. Elas não pareciam afiadas ou particularmente perigosas. — Sanvi, Sansanvi e Semangelaf. Elas são lâminas serafim.
— Elas não se parecem com facas. O que elas fazem? Mágica?
Alec olhou horrorizado, como se ela tivesse pedido a ele para colocar uma saia rendada e executar uma perfeita pirueta.
— A coisa engraçada sobre os mundanos — Jace disse, para ninguém em particular — é que eles são obcecados por mágica e por um punhado de pessoas que nunca souberam o que a palavra significa.
— Eu sei o que significa — Clary rebateu.
— Não, você não sabe, você apenas pensa que sabe. Mágica é uma força escura e elementar, e não apenas um monte de varinhas de condão, bolas de cristal e peixinhos dourados falando.
— Eu nunca disse que era um monte de peixinhos dourados falando, eu...
Jace balançou uma mão, cortando-a.
— Só porque você chama uma enguia elétrica de patinho de borracha isso não faz dela um patinho de borracha, não é? E Deus ajude o pobre coitado que decidir que precisa tomar banho com um patinho.
— Você está viajando — Clary observou.
— Eu não estou — Jace respondeu, com grande dignidade.
— Sim, você está — Alec concordou, bastante inesperadamente — olha, nós não fazemos mágica, ok? — ele adicionou, sem olhar para Clary. — Isso é tudo o que você precisa saber.
Clary queria dar um fora nele, mas conteve-se. Alec já não parecia gostar dela, não havia nenhum ponto em agravar sua hostilidade. Ela se virou para Jace.
— Hodge disse que eu posso ir para casa.
Jace quase largou a lâmina serafim que estava segurando.
— Ele disse o quê?
— Para dar uma olhada nas coisas da minha mãe — ela emendou — se você vier comigo.
— Jace — Alec exalou, mas Jace ignorou-o.
— Se você realmente quer provar que minha mãe ou meu pai era um Caçador de Sombras, nós deveríamos olhar as coisas da minha mãe. O que restou delas.
— Descer na toca do coelho — Jace sorriu torto — boa ideia. Se nós formos agora, devemos ter três, quatro horas de luz do dia.
— Quer que eu vá com vocês? — Alec perguntou, enquanto Clary e Jace se moviam em direção a porta.
Clary olhou de volta para ele. Ele estava meio fora da cadeira, os olhos em expectativa.
— Não — Jace não se virou — está tudo bem. Clary e eu podemos lidar com isso sozinhos.
O olhar que Alec atirou para Clary era tão amargo quanto venenoso. Ela estava feliz quando a porta se fechou atrás dela.
Jace liderou o caminho pelo saguão, Clary meio correndo para acompanhar os longos passos dele.
— Você tem as chaves de casa?
Clary olhou para seus sapatos.
— Yeah.
— Bom. Não que nós não possamos arrombar, mas corremos uma grande chance de perturbar qualquer vigilância que possa haver.
— Se você diz.
O saguão ampliou-se em um hall de piso de mármore, um portão de metal preto afixado em uma parede. Foi só quando Jace apertou um botão perto do portão que ela percebeu que era um elevador. Aquilo rangia e gemia enquanto subia até chegar a eles.
— Jace?
— Sim?
— Como você sabia que eu tinha sangue de Caçador de Sombras? Havia algum jeito de você poder dizer?
O elevador chegou com um gemido final. Jace moveu o portão, deslizando-o aberto. O interior lembrava a Clary uma gaiola, todo em metal negro e decorado com dourado.
— Eu chutei — ele disse, fechando a porta atrás deles — parecia a explicação mais provável.
— Você adivinhou? Você deveria ter tido mais certeza, considerando que podia ter me matado.
Ele pressionou o botão na parede e o elevador solavancou com um vibrante gemido enquanto ela sentia tremores sob seus pés.
— Eu tinha noventa por cento de certeza.
— Sei — Clary disse.
Deve ter havido alguma coisa em sua voz, porque ele se virou para olhar para ela. Sua mão estalou no rosto dele, uma bofetada que balançou-o em seus calcanhares.
Ele pôs a mão em sua bochecha, mais por surpresa do que por dor.
— O que diabos foi isso?
— Os outros dez por cento — Clary respondeu, e eles andaram o resto do caminho para a rua em silêncio.
Jace passou a viagem de trem para o Brooklyn envolto em um irritado silêncio. Clary prosseguiu perto dele mesmo assim, sentindo-se um pouco culpada, especialmente quando viu a marca vermelha do tapa que ela deixou em sua bochecha.
Ela realmente não se importava com o silêncio, aquilo lhe dava a chance de pensar. Ela se manteve revivendo a conversa com Luke, de novo e de novo em sua cabeça. Doía pensar sobre aquilo, como se estivesse mordendo com um dente quebrado, mas ela não podia parar de fazer isso.
Mais abaixo no trem, duas garotas adolescentes sentadas em um banco laranja estavam rindo juntas. O tipo de garotas que Clary nunca havia gostado na St. Xavier, mostrando sapatilhas de mule rosa e falso bronzeado. Clary se perguntou por um momento se elas estavam rindo dela antes de perceber que elas estavam olhando para Jace.
Ela se lembrou da garota na cafeteria que estava encarando Simon. Garotas sempre olham em seus rostos quando acham alguém bonitinho. Ela quase tinha se esquecido que Jace era fofo, dado tudo o que tinha acontecido. Ele não tinha a aparência delicada de camafeu como Alec, mas o rosto de Jace era mais interessante.
À luz do dia os seus olhos eram da cor de xarope dourado e estavam... olhando direto para ela. Ele levantou uma sobrancelha.
— Posso te ajudar com alguma coisa?
Clary se virou instantaneamente contra as traidoras do seu gênero.
— Aquelas garotas do outro lado estão olhando para você.
Jace assumiu um ar jovial de gratificação.
— É claro que estão — ele disse. — Eu sou terrivelmente atraente.
— Alguma vez você já ouviu que modéstia é uma característica atraente?
— Apenas vindo das pessoas feias — Jace confidenciou. — Os mansos herdarão a terra, mas no momento ela pertence aos vaidosos. Como eu.
Ele piscou para as garotas, que riram e se esconderam atrás de seus cabelos.
Clary suspirou.
— Como elas podem ver você?
— Runas são dolorosas de se usar. Às vezes nós não nos incomodamos.
O incidente com as meninas no trem pareceu deixá-lo em um melhor estado de espírito.
Quando eles deixaram a estação e se direcionaram da colina para o apartamento de Clary, ele pegou uma das lâminas serafim de seu bolso e começou a lançá-la para frente e para trás entre os dedos, sussurrando para si mesmo.
— Você tem que fazer isso? — Clary perguntou. — É irritante.
Jace zumbiu mais alto. Aquilo era alto, um melódico zumbir, em algum lugar entre “Parabéns pra você” e “O Hino da Batalha da República”.
— Sinto muito ter te batido — ela disse.
Ele parou o zumbido.
— Fique feliz por você ter me acertado e não ao Alec. Ele teria te batido de volta.
— Ele parece estar se coçando pela chance — Clary respondeu — do que foi que você chamou Alec? Para-alguma coisa?
— Parabatai. Isso significa um par de guerreiros que lutam juntos – que são mais próximos do que irmãos. Alec é mais do que meu melhor amigo. Meu pai e o pai dele eram parabatai quando eram mais jovens. Seu pai era meu padrinho – esse é o motivo de eu viver com eles. Eles são minha família adotiva.
— Mas seu último nome não é Lightwood.
— Não — Jace concordou.
Ela teria perguntado qual era, mas eles haviam chegado a sua casa, e seu coração começou a bater tão alto que ela tinha certeza de que poderia ser ouvido a quilômetros. Houve um zumbido em seus ouvidos e as palmas de suas mãos estavam úmidas com o suor. Ele parou em frente a cerca viva e levantou os olhos devagar, esperando ver a fita amarela do cordão de isolamento da polícia em frente a porta, vidros quebrados espalhados pelo gramado, a coisa toda reduzida a escombros.
Mas não havia sinais de destruição.
Banhada com a luz agradável da tarde, o triplex parecia brilhar. Abelhas zumbiam preguiçosamente ao redor dos vasos de flores debaixo da janela de Madame Dorothea.
— Parece o mesmo — Clary comentou.
— Do lado de fora.
Jace alcançou o bolso de seu jeans e puxou outro dispositivo de metal e plástico que ela tinha confundido com um celular.
— Então, isso é um sensor? O que ele faz? — ela perguntou.
— Ele pega frequências, como um rádio, mas essas frequências são de origem demoníacas.
— Ondas curtas de demônio?
— Algo como isso.
Jace segurou o sensor em frente a ele enquanto se aproximava da casa. Ele clicou ligeiramente enquanto subia as escadas, então parou. Jace ficou carrancudo.
— Está pegando alguns vestígios de atividade, mas podem ter sido deixados para trás naquela noite. Não estou recebendo nada suficientemente forte para que haja demônios presentes agora.
Clary soltou um suspiro que não tinha notado que estava segurando.
— Bom.
Ela se curvou para recuperar suas chaves. Quando se endireitou, viu os arranhões na porta da frente. Devia estar muito escuro para que ela tivesse visto da última vez. Pareciam marcas de garra, longas e paralelas, enfiadas profundamente na madeira.
Jace tocou seu braço.
— Eu vou primeiro.
Clary queria dizer que ela não precisava ficar se escondendo atrás dele, mas as palavras não vieram. Ela pôde sentir o gosto do terror que sentiu quando viu o Ravener pela primeira vez. O sabor era ácido e metálico na sua língua.
Ele empurrou a porta com uma mão, acenando para ela com a outra, que segurava o sensor. Uma vez na entrada, Clary piscou, ajustando seus olhos para a falta de claridade. A lâmpada acima estava apagada, a claraboia muito suja não passava nenhuma luz, e lançava sombras finas através do chão estragado. A porta de Madame Dorothea estava firmemente fechada. Nenhuma luz mostrava-se através da fenda abaixo dela. Clary imaginou com preocupação se alguma coisa tinha acontecido a ela.
Jace levantou seu braço e correu ao longo do corrimão. Ele parecia molhado, listrado com alguma coisa que parecia vermelha escura na luz fraca.
— Sangue.
— Talvez o meu — sua voz soou pequena — da outra noite.
— Já estaria seco agora se fosse — Jace disse — vamos.
Ele foi à frente subindo as escadas, Clary próxima atrás dele. As escadas estavam escuras, e tentou encaixar suas chaves três vezes antes de conseguir deslizar a certa dentro da fechadura. Jace se inclinou sobre ela, assistindo impacientemente.
— Não respire no meu pescoço — ela assobiou; sua mão estava tremendo.
Finalmente alcançou a tranca da fechadura.
Jace empurrou-a para trás.
— Eu vou primeiro.
Ela hesitou, então foi para o lado para deixá-lo passar. Suas mãos estavam pegajosas, e não eram pelo calor. Na verdade, estava frio no interior do apartamento, quase um ar friorento penetrava pela entrada, picando sua pele. Ela sentia o impacto da expectativa subindo enquanto seguia Jace pelo curto corredor e entrava na sala.
Ela estava vazia. Surpreendentemente, completamente vazia, do jeito que tinha sido quando elas tinham se mudado pela primeira vez – as paredes e o chão nus, os móveis se foram, até mesmo as cortinas rasgadas das janelas. Apenas as formas da tinta na parede mostravam onde os quadros de sua mãe tinham sido pendurados. Como se num sonho, Clary se virou e caminhou em direção à cozinha, Jace a seguindo, seus olhos estreitaram-se.
A cozinha estava vazia, até mesmo a geladeira se foi, as cadeiras, a mesa – os armários estavam abertos, suas prateleiras vazias lembrando-a de uma canção de ninar. Ela limpou sua garganta.
— O que os demônios — ela perguntou — querem com nosso micro-ondas?
Jace balançou sua cabeça, a boca curvando debaixo dos cantos.
— Eu não sei, mas não estou captando nenhuma presença demoníaca agora. Eu diria que eles estão muito longe.
Ela olhou ao redor mais uma vez. Alguém tinha limpado o molho de Tabasco derramado, ela notou distantemente.
— Você está satisfeita? — Jace perguntou. — Não há nada aqui.
Ela balançou a cabeça.
— Eu preciso ver o meu quarto.
Ele olhou para ela como se fosse dizer algo, então pensou melhor sobre isso.
— Se tiver o que pegar — ele disse, deslizando a lâmina serafim em seu bolso.
A luz do corredor estava apagada, mas Clary não precisava de muita luz para andar dentro de sua própria casa. Com Jace logo atrás, ela achou a porta de seu quarto e encostou na maçaneta. Ela estava fria em sua mão – tão fria que chegou a doer, como estar tocando em um pingente de gelo com sua pele nua. Ela viu Jace olhá-la rapidamente, mas ela já estava virando a maçaneta, ou tentando fazê-lo. Moveu lentamente, quase pegajosa, como se o outro lado estivesse embebido em alguma coisa viscosa e melosa.
A porta explodiu para fora, batendo em seus pés. Ela escorregou pelo chão do corredor e bateu na parede, rolando em seu estômago. Houve um rugido morto em suas orelhas enquanto ela se erguia sobre os joelhos.
Jace, ereto contra a parede, estava tateando seu bolso, seu rosto uma máscara de surpresa. Em frente a ele, como um gigante de contos de fadas, estava um homem enorme, grande como um carvalho, uma larga lâmina de um machado apertado em uma gigantesca mão branca e morta. Trapos esfarrapados e imundos cobriam sua pele encardida, e seu cabelo era um único emaranhado confuso, com sujeira grossa.
Ele fedia a suor venenoso e carne podre. Clary estava feliz por não poder ver seu rosto, as costas dele eram suficientemente ruins.
Jace tinha a lâmina serafim em sua mão. Ele a levantou, chamando:
— Sansanvi!
Uma lâmina surgiu do tubo. Clary pensou nos velhos filmes onde baionetas eram escondidas dentro de bengalas, soltando um estalido de um interruptor. Mas ela nunca tinha visto uma lâmina como aquela antes: clara como o vidro, com um cabo brilhante, perigosamente afiada e quase tão longa quanto o antebraço de Jace.
Ele o golpeou, acertando o homem gigante, que cambaleou para trás com um urro. Jace girou ao redor, correndo na direção dela. Ele pegou o seu braço, levantando-a, empurrando ela à frente dele pelo corredor. Ela podia ouvir alguma coisa atrás deles, seguindo; seus passos soavam como pesos de chumbo batendo no chão, mas ele estava vindo rápido.
Eles se apressaram através da entrada e saíram para a escada, Jace virou-se para bater a porta. Ela ouviu o clique automático da fechadura e segurou sua respiração. A porta balançou em suas dobradiças com um tremendo golpe contra dentro do apartamento.
Clary se apoiou distante da porta.
Jace olhou para ela. Seus olhos estavam brilhando com uma excitação maníaca.
— Vá para as escadas! Saia do...
Outro golpe veio. Dessa vez, as dobradiças saíram do caminho e a porta voou para fora. Ela teria batido em Jace se ele não tivesse se movido tão rápido que mal Clary viu; de repente ele estava no topo da escada, sua lâmina queimando em sua mão como uma estrela cadente. Ele viu Jace olhar para ela e gritar algo, mas não pôde ouvir acima do rugido da criatura gigante que arrebentava a porta quebrada, indo direto para ele.
Clary estava achatada contra a parede enquanto uma onda de calor e mau cheiro passava – e então o machado estava voando, chicoteando através do ar, cortando em direção a cabeça de Jace. Ele se abaixou e aquilo acertou o corrimão, cravando profundamente.
Jace riu. O riso pareceu irritar a criatura. Abandonando o machado, ele se jogou para Jace com seus enormes punhos levantados. Jace trouxe a lâmina serafim, movendo-a ao redor em um giro de arco, enterrando-a até o cabo no ombro do gigante. Por um momento, o gigante pareceu oscilar. Então ele se jogou para frente, suas mãos estendidas e tentando agarrar. Jace andou para o lado apressadamente, mas a velocidade não foi suficiente: os enormes punhos o seguraram enquanto o gigante cambaleava e caia, arrastando Jace em sua queda. Jace gritou uma vez, houve uma série de pesados baques quebrando, e então o silêncio.
Clary mexeu seus pés e correu escada abaixo. Jace estava esparramado aos pés dos degraus, curvado sobre o seu braço em um ângulo estranho. Atravessando suas pernas estava o gigante, o cabo da lâmina de Jace saliente vinda do ombro. Ele não estava morto, mas fracamente mole, uma sangrenta espuma vazando de sua boca.
Clary pôde ver o seu rosto agora – ele tinha uma cor branca morta como papel – intrincado com uma rede preta de horríveis cicatrizes que quase suprimia suas feições. A cavidade de seus olhos estava vermelha, supurando nas covas. Lutando contra o desejo de ofegar, Clary tropeçou nos últimos degraus, se aproximando por cima do gigante se contorcendo, e se ajoelhou próxima a Jace.
Ele ainda estava quieto. Ela pôs sua mão em seu ombro, sentiu sua camisa grudenta com sangue – o sangue dele ou do gigante, ela não podia dizer.
— Jace?
Ele abriu os olhos.
— Essa é a morte?
— Quase — Clary disse horrivelmente.
— Inferno — ele piscou. — Minhas pernas...
— Fique quieto.
Rastejando ao redor da cabeça dele, Clary escorregou suas mãos embaixo dos braços dele e o puxou. Ele grunhiu com a dor enquanto suas pernas escorregaram debaixo da carcaça da criatura. Clary soltou e ele lutou com os seus pés, seu braço esquerdo através de seu peito. Ela se levantou.
— Seu braço está bem?
— Não. Quebrado — ele respondeu. — Você pode alcançar o meu bolso?
Ela hesitou, concordando.
— Qual deles?
— Dentro da jaqueta, do lado direito. Tire uma das lâminas serafim e dê para mim.
Ele se manteve parado enquanto ela nervosamente escorregava seus dedos dentro de seu bolso. Estava tão perto que podia sentir o perfume dele, suor, sabonete e sangue. Sua respiração difícil em volta em seu pescoço. Seus dedos se fecharam em um tubo e ela trouxe-o para fora sem olhar.
— Obrigado — ele disse. Seus dedos tocaram aquilo brevemente antes de ele chamar: — Sanvi.
Como sua antecessora, o tubo cresceu em um punhal de aparência perigosa, aquilo brilhou iluminando seu rosto.
— Não olhe — ele recomendou, mantendo acima do corpo alarmado da coisa.
Ele levantou a espada sobra a cabeça dele e a trouxe para baixo. Sangue jorrou pela garganta do gigante, projetando-se nas botas de Jace. Ela meio que esperava que o gigante sumisse, dobrando sobre si do mesmo modo que o garoto no Pandemônio. Mas não. O ar estava cheio com o cheiro de sangue: pesado e metálico.
Jace fez um som baixo em sua garganta. Ele estava com o rosto branco, se com dor ou nojo ela não sabia dizer.
— Eu disse para você não olhar — ele falou.
— Eu pensei que ele fosse desaparecer — ela respondeu. — De volta a sua própria dimensão – você disse.
— Eu disse que é o que acontece quando os demônios morrem — balançando, ele retirou sua jaqueta dos ombros, descobrindo a parte de cima de seu braço esquerdo. — Isso não era um demônio.
Com a mão direita ele pegou alguma coisa de seu cinto. Era um objeto em forma de vara lisa que ele tinha usado para esculpir os círculos sobrepostos na pele de Clary. Olhando para aquilo, ela sentiu seu antebraço começar a queimar.
Jace viu o seu olhar e abriu um fantasma de um sorriso.
— Isto — ele falou — é minha estela.
Ele tocou aquilo em uma das Marcas pintadas abaixo de seu ombro, uma curiosa forma quase como uma estrela. Dois braços da estrela se projetavam do resto da marca, desconectados.
— E isso — ele continuou — é o que acontece quando os Caçadores de Sombras estão feridos.
Com a ponta da estela, ele traçou uma linha ligando os dois braços da estrela.
Quando ele abaixou sua mão, a marca estava brilhando como se tivesse sido gravada com tinta fosforescente. Enquanto Clary assistia, aquilo afundou dentro de sua pele, como um objeto pesado afundando dentro da água. Ela deixou para trás uma fantasmagórica lembrança: uma pálida, fina cicatriz, quase invisível.
Uma imagem subiu a mente de Clary. Das costas de sua mãe, não completamente coberta pela parte de cima de seu maiô, as cicatrizes nos seus ombros e as curvas de sua coluna manchadas com estreitas Marcas brancas. Foi como algo que ela havia visto em um sonho. As costas de sua mãe realmente não se pareciam com aquilo, ela sabia. Mas a imagem a incomodou.
Jace deixou sair um suspiro, o olhar tenso de dor deixando o seu rosto. Ele moveu o braço, primeiro lentamente, depois com mais facilidade, o levantando para cima e para baixo, apertando seu punho. Claramente não estava mais quebrado.
— Isso é incrível. Como é que você...?
— Isso foi uma iratze – uma Runa curadora — Jace explicou. — Tocar a Runa com minha estela a ativa.
Ele meteu a fina varinha dentro de seu cinto e colocou sua jaqueta de volta. Com a ponta de sua bota, ele cutucou o corpo do gigante.
— Nós teremos que relatar isso a Hodge. Ele vai surtar — Jace acrescentou, como se o pensamento de alarmar Hodge desse a ele alguma satisfação.
Jace, Clary pensou, era o tipo de pessoa que gostava quando as coisas aconteciam, mesmo que as coisas fossem ruins.
— Por que ele vai surtar? E eu imagino que se essa coisa não é um demônio, foi por isso que o sensor não o registrou, certo?
Jace concordou.
— Você vê as cicatrizes em todo o seu rosto?
— Sim.
— Foram feitas com uma estela. Tal como esta — ele deu um tapa na varinha em seu cinto — você me perguntou o que acontece quando eu esculpo Marcas em alguém que não tem sangue de um Caçador de Sombras. Uma marca apenas irá te queimar, mas um monte de Marcas, mais poderosas? Esculpir na carne de um ser humano totalmente comum com nenhum traço ancestral de Caçador de Sombras? Você tem isso — ele apontou seu queixo para o cadáver. — As Runas são agonizantemente dolorosas. A marca é insana – a dor os deixa fora de si. Eles se tornam ferozes, estúpidos assassinos. Eles não dormem ou comem a menos que você os force, e eles geralmente morrem rapidamente. Runas tem um grande poder e podem ser usadas para um grande bem – mas também podem ser usadas para o mal. Os Esquecidos são maus.
Clary olhou para ele em horror.
— Mas porque alguém faria isso com si mesmo?
— Ninguém faria. Alguém deve ter feito nele. Um bruxo, talvez, algum ser do Submundo que ficou mal. Os Esquecidos são leais para quem os marca, e são ferozes assassinos. Eles podem obedecer a simples ordens, também. É como ter um... um escravo armado.
Ele andou por cima do Esquecido morto, e olhou sobre seu ombro para ela.
— Vou voltar lá em cima.
— Mas não há nada lá.
— Pode haver mais deles aqui — ele lembrou, começando a subir os degraus.
— Eu não faria isso se fosse você — disse uma voz estridente e familiar. — Há mais de um deles de onde veio o primeiro.
Jace, que estava quase no topo da escada, girou e olhou. Então Clary falou, embora soubesse imediatamente quem havia falado. Seu sotaque endurecido era inconfundível.
— Madame Dorothea?
A anciã inclinou sua cabeça regiamente. Ela estava na porta de seu apartamento, vestida em algo que parecia um roupão de seda crua roxa. Correntes de ouro brilhavam sobre seus punhos e enfileirados em seu pescoço. Seu longo cabelo separado por mechas vinham do topo de sua cabeça.
Jace estava ainda olhando.
— Mas...
— Mais o quê? — Clary disse.
— Mais esquecidos — Dorothea respondeu com uma alegria que, Clary sentiu, não se encaixava as circunstâncias. Ele olhou ao redor da entrada. — Vocês fizeram uma bagunça, não é mesmo? Tenho certeza que vocês não estavam planejando limpar. Típico.
— Mas você é uma mundana — Jace disse, finalmente terminando sua sentença.
— Tão observador — Dorothea comentou, seus olhos brilhando — a Clave realmente quebrou o molde com você.
A perplexidade no rosto de Jace foi diminuindo, substituído por uma raiva crescente.
— Você sabe sobre a Clave? — Ele exigiu. — Você sabia sobre eles, e sabia que havia um Esquecido nesta casa, e não relatou a eles? Só a existência de um Esquecido é um crime contra o Pacto...
— A Clave ou o Pacto nunca fizeram nada por mim — Madame Dorothea disse, e seus olhos faiscaram raivosamente... — Eu não devo nada a eles.
Por um momento, seu sotaque duro de Nova York desapareceu, sendo substituído por outra coisa mais pesada, um profundo sotaque que Clary não reconheceu.
— Jace, pare com isso — Clary disse. Ela se virou para Madame Dorothea. — Se você sabe sobre a Clave e o Esquecido, então talvez saiba o que aconteceu com minha mãe.
Dorothea balançou sua cabeça, seus brincos oscilando. Havia algo parecido com pena em seu rosto.
— Meu conselho a você é que esqueça sua mãe. Ela se foi...
O chão sob Clary pareceu se inclinar.
— Você quer dizer que ela está morta?
— Não — Dorothea falou a palavra quase relutantemente. — Eu tenho certeza de que ela ainda está viva. Por agora.
— Então eu tenho que achá-la — Clary respondeu.
O mundo tinha parado de se inclinar.
Jace estava parado atrás dela, sua mão em seu cotovelo, como se fosse um apoio dela, mas ela quase não notou.
— Você entendeu? Eu tenho que encontrá-la antes...
Madame Dorothea levantou sua mão.
— Eu não quero me envolver nos negócios dos Caçadores de Sombras.
— Mas você sabia sobre minha mãe. Ela era sua vizinha...
— Esta é uma investigação oficial da Clave — Jace a cortou. — Eu sempre posso voltar com os Irmãos do Silêncio.
— Oh, com os... — Dorothea olhou para sua porta e, em seguida, para Jace e Clary. — Eu suponho que vocês poderiam entrar. Vou lhes dizer o que posso.
Ela foi em direção a porta, então parou no limiar, com olhar fixo.
— Mas se você disser a alguém que eu ajudei, Caçador de Sombras, você vai acordar amanhã com cobras no lugar dos cabelos e um par de braços extra.
— Poderia ser bom ter um par de braços extra — Jace respondeu — destreza em uma luta.
— Não se elas crescerem no seu... — Dorothea pausou e sorriu para ele com malícia. — Pescoço.
— Caramba — Jace respondeu suavemente.
— Caramba está certo, Jace Wayland.
Dorothea marchou para dentro de seu apartamento; o cheiro pesado de incenso já flutuando pela entrada, misturando desagradavelmente como o fedor de sangue.
— Ainda assim, Eu acho que nós poderíamos tentar falar com ela. O que temos a perder?
— Uma vez que você passar um pouco mais tempo em nosso mundo — Jace disse — você não me pedirá isso novamente.

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