Capítulo 6

Na noite seguinte, o relógio sobre a lareira parecia parado às 21 horas. Só podia estar, porque de maneira alguma um minuto podia levar tanto tempo.
Celaena estava tentando ler durante as últimas duas horas — tentando e falhando. Mesmo um livro romântico malicioso não prendia seu interesse. E nem jogar cartas, ou pegar o atlas para ler sobre o continente ao sul, ou comer todo o doce que havia escondido de Sam na cozinha. É claro que deveria estar organizando os pertences que queria levar. Quando reclamara com Sam sobre quanto trabalho daria, ele até mesmo tirara todos os baús vazios do armário. Então observara que ele não viajaria com as dezenas de sapatos dela e que Celaena poderia mandar entregá-los depois que encontrassem um lar. Depois de dizer isso, Sam sabiamente saiu do apartamento para matar Farran.
A assassina não sabia por que hesitava em fazer as malas — tinha entrado em contato com o advogado naquela manhã. Ele disse que poderia ser difícil vender o apartamento, mas ela ficaria feliz em fazer o negócio a distância e falou que entraria em contato assim que encontrasse o novo lar.
Um novo lar.
Celaena suspirou quando os ponteiros do relógio se moveram. Um minuto inteiro havia passado.
É claro que com os horários aleatórios de Farran, Sam talvez precisasse esperar algumas horas até que o homem saísse de casa. Ou talvez já tivesse executado o trabalho e precisasse ficar escondido por um tempo, apenas para o caso de alguém o seguir de volta até ali.
Celaena verificou a adaga ao lado dela no sofá, então olhou ao redor da sala pela centésima vez naquela noite, certificando-se de que todas as armas escondidas estivessem nos lugares certos. Não sairia para ver como Sam estava. Ele quisera fazer aquilo sozinho. E poderia estar em qualquer lugar àquela altura.
Os baús estavam perto da janela.
Talvez Celaena devesse começar a fazer as malas. Depois que matassem Jayne na noite seguinte, precisariam estar prontos para deixar a cidade assim que o navio estivesse disponível para embarque. Porque embora ela certamente quisesse que o mundo soubesse que Celaena Sardothien tinha cometido o assassinato, ir para longe de Forte da Fenda seria do interesse dos dois.
Não que ela estivesse fugindo.
Os ponteiros do relógio se moveram de novo. Mais um minuto.
Resmungando, a jovem ficou de pé e caminhou até a prateleira na parede, da qual começou a puxar livros, empilhando-os dentro do baú vazio mais próximo. Precisaria deixar os móveis e a maior parte dos sapatos para trás por enquanto, mas de maneira alguma se mudaria para o continente ao sul sem todos os livros.

***

O relógio marcou 23 horas, e a assassina foi para as ruas, vestindo o traje que o mestre funileiro tinha feito, além de diversas outras armas presas ao corpo.
Sam já deveria ter voltado. E por mais que ainda faltasse uma hora até o horário combinado para ela sair em busca dele caso não tivesse retornado, se o rapaz estivesse realmente em apuros, Celaena certamente não ficaria sentada esperando mais um minuto... A ideia a fez disparar por becos, seguindo na direção da casa de Jayne.
Os cortiços da cidade estavam em silêncio, mas não mais que o comum. Prostitutas e órfãos descalços e pessoas lutando para conseguir algumas moedas honestas olharam quando a jovem passou correndo, nada além de uma sombra. Ela manteve os ouvidos atentos para qualquer trecho de conversa que pudesse sugerir que Farran estava morto, mas não ouviu nada útil.
Celaena reduziu o passo até uma caminhada sorrateira, as passadas quase silenciosas sobre os paralelepípedos conforme se aproximava do bairro nobre no qual a casa de Jayne ficava. Diversos casais abastados caminhavam, voltando do teatro, mas não havia sinais de confusão... No entanto, se Farran tivesse sido morto, Jayne certamente tentaria manter o assassinato escondido pelo máximo de tempo possível.
A assassina percorreu longamente o bairro, verificando todos os pontos nos quais Sam planejava estar. Nenhum sinal de sangue ou de luta. Ela até mesmo ousou andar do outro lado da rua da casa de Jayne. O imóvel estava bem-iluminado e quase alegre, e os vigias estavam a postos, todos parecendo entediados.
Talvez o rapaz tivesse descoberto que Farran não sairia de casa naquela noite. Ela poderia muito bem ter se desencontrado dele a caminho de casa. O companheiro não ficaria feliz quando soubesse que Celaena tinha saído atrás dele, mas Sam teria feito o mesmo por ela.
Suspirando, Celaena se apressou para voltar para casa.

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