Capítulo 8
— Respire! — berrava alguém conforme batiam no peito dela. — Respire!
E, do nada, o corpo dela se agitou, jorrando água. Celaena vomitou nos paralelepípedos, tossindo com tanta força que convulsionou.
— Pelos deuses — gemeu Sam. Pelos olhos úmidos, ela viu que o rapaz estava ajoelhado a seu
lado, a cabeça baixa entre os ombros, apoiando as palmas das mãos nos joelhos. Atrás, duas mulheres trocavam expressões aliviadas, porém confusas. Uma delas segurava um pé de cabra. Ao lado dela estava a tampa do bueiro, e em volta do grupo água emergia do esgoto.
Celaena vomitou de novo.
***
Ela tomou três banhos seguidos e só comeu com a intenção de vomitar para limpar qualquer vestígio de líquido pútrido de dentro de si. Mergulhou as mãos cortadas e doloridas em uma bacia de bebida forte, contendo o grito, mas aproveitando o desinfetante que queimava o que quer que estivesse na água. Depois que isso pareceu acalmar seu nojo, Celaena ordenou que enchessem a banheira com o mesmo líquido e mergulhou nele.
Jamais se sentiria limpa de novo. Mesmo depois do quarto banho — o qual tinha sido logo depois do banho na bebida —, sentia como se a imundície cobrisse cada parte do corpo. Arobynn tinha reclamado e feito alarde, mas Celaena ordenou que ele saísse. Ordenou que todos saíssem.
Tomaria mais dois banhos pela manhã, prometeu a si mesma ao deitar na cama. O som de uma batida soou à porta, e ela quase latiu para que a pessoa fosse embora, mas a cabeça de Sam surgiu. O relógio indicava que passava da meia-noite, mas os olhos dele ainda estavam alerta.
— Você está acordada — falou o rapaz, entrando sem sequer um aceno de cabeça que o autorizasse. Não que precisasse. Havia salvado a vida dela. Celaena era eternamente grata a Sam.
A caminho de casa, ele contara que depois do ensaio do Leilão de Lysandra, fora à casa de Doneval para ver se Celaena precisava de ajuda. Contudo, ao chegar, a casa estava em silêncio — exceto pelos guardas que ficavam dando risadinhas a respeito do que acontecera. Sam vasculhava as ruas próximas por qualquer sinal de Celaena quando a ouviu gritando.
Ela olhou para o rapaz de onde estava, na cama.
— O que você quer? — Não eram as palavras mais graciosas para alguém que salvara sua vida.
Mas, droga, Celaena deveria ser melhor que Sam. Como podia dizer que era a melhor quando precisou que ele a resgatasse? A ideia fez com que a assassina quisesse bater no colega.
Ele apenas deu um leve sorriso.
— Queria ver se tinha finalmente terminado de tomar banho. Não há mais água quente.
Ela franziu a testa.
— Não espere que eu peça desculpas por isso.
— Por acaso espero que se desculpe por alguma coisa?
À luz da vela, a linda pele do rosto dele parecia convidativa e macia como veludo.
— Poderia ter me deixado morrer — ponderou Celaena. — Fico surpresa por não ter ficado dançando de alegria sobre o bueiro.
Ele soltou uma risada baixa que percorreu o corpo da jovem, aquecendo-a.
— Ninguém merece aquele tipo de morte, Celaena. Nem mesmo você. E, além disso, achei que tínhamos superado essa fase.
Ela engoliu em seco, mas não conseguiu desviar do olhar de Sam.
— Obrigada por me salvar.
As sobrancelhas dele se ergueram. Celaena dissera uma vez no caminho de volta, mas tinha sido um conjunto rápido e sem fôlego de palavras. Dessa vez, era diferente. Embora seus dedos doessem — principalmente as unhas quebradas —, ela estendeu a mão até a de Sam.
— E... E peço desculpas. — Obrigou-se a olhar para o rapaz, mesmo quando as feições dele se rearranjaram em uma expressão de incredulidade. — Peço desculpas por ter envolvido você no que aconteceu em baía da Caveira. E pelo que Arobynn fez a você por causa daquilo.
— Ah — exclamou Sam, como se de alguma forma entendesse um grande enigma. Ele avaliou as mãos unidas, e Celaena soltou rapidamente.
O silêncio ficou subitamente carregado, o rosto do companheiro era lindo demais à luz. A assassina ergueu o queixo e viu que Sam olhava para a cicatriz no pescoço. A fina saliência sumiria — algum dia.
— O nome dela era Ansel — falou Celaena, a garganta se apertando. — Era minha amiga. — Sam se sentou devagar na cama, então a história inteira saiu.
Ele apenas interrompeu nos momentos que precisou de esclarecimento. O relógio bateu 1 hora quando ela terminou de contar sobre a última flecha que atirara em Ansel e como, mesmo com o coração partido, dera à amiga um minuto a mais antes de soltar o que teria sido uma flecha mortal.
Ao parar de falar, os olhos de Sam estavam brilhantes com tristeza e assombro.
— Então, esse foi meu verão — disse a jovem, dando de ombros. — Uma grande aventura para Celaena Sardothien, não foi?
Mas ele apenas estendeu a mão e passou os dedos pela cicatriz no pescoço, como se pudesse de alguma forma apagar a ferida.
— Sinto muito — disse o rapaz, e Celaena sabia que era sincero.
— Eu também — murmurou ela. Em seguida se moveu, subitamente ciente de quão pouco a camisola cobria. Como se Sam tivesse notado, tirou a mão do pescoço de Celaena e pigarreou. — Bem — continuou a assassina —, acho que nossa missão ficou um pouco mais complicada.
— Ah? E por quê?
Afastando a vermelhidão que o toque de Sam levara a seu rosto, a jovem deu um sorriso lento e malicioso. Philip não tinha ideia de quem tentara matar, ou do mundo de dor que estava em seu futuro. Não se tentava afogar a Assassina de Adarlan em um esgoto e se vivia para contar. Não em mil vidas.
— Porque — respondeu Celaena — minha lista de pessoas para matar tem agora uma pessoa a mais.
Comentários
Postar um comentário
Nada de spoilers! :)