Capítulo 10 - Riverside Drive, nº 232

Simon se sentou no sofá da sala de estar de Kyle e olhou para a imagem congelada na tela da TV no canto da sala. Ela estava parada no jogo que Kyle tinha brincado com Jace, e a imagem era de um túnel subterrâneo escuro com uma pilha de corpos caídos no chão e algumas piscinas de sangue bem realistas. Era perturbador, mas Simon não tinha energia ou inclinação para desligá-la. As imagens que tinha corrido por sua cabeça toda a noite eram piores.
A luz fluindo na sala através das janelas tinha se fortalecido da aurora para a pálida iluminação da manhã, mas Simon mal notou. Ele se mantinha vendo o corpo de Maureen no chão, seu cabelo loiro manchado de sangue. Seu próprio progresso surpreendente durante a noite, seu sangue cantando em suas veias. E então Maia partindo para cima de Kyle, rasgando-o com suas garras.
Kyle ficou lá, sem levantar uma mão para se defender. Ele provavelmente teria deixado-a matá-lo, se Isabelle não tivesse interferido, afastando Maia dele e rolando com ela na calçada, prendendo-a lá até que sua fúria se dissolvesse em lágrimas. Simon tentou ir até ela, mas Isabelle o manteve afastado com um olhar furioso, seu braço em torno da outra garota, sua mão levantada para repeli-lo.
— Saia daqui — ela disse — e o leve com você. Eu não sei o que ele fez, mas deve ter sido algo bem ruim.
E foi. Simon conhecia aquele nome. Jordan. Foi de antes, quando ele perguntou a Maia como tinha se transformado em um lobisomem. Seu ex-namorado tinha feito isso, ela havia contado. Ele o fez com um ataque selvagem e violento, e fugido depois, deixando-a para lidar com a consequência sozinha.
Seu nome era Jordan.
Esse era o motivo de Kyle ter apenas um nome na campainha da porta. Por que era seu sobrenome. Seu nome completo era Jordan Kyle, Simon constatou. Ele tinha sido estúpido, inacreditavelmente estúpido, por não ter percebido isso antes. Não que ele precisasse de outro motivo para se odiar agora.
Kyle – ou melhor, Jordan – era um lobisomem; ele se curava rápido. No instante em que Simon o levantou, não muito gentilmente, para colocá-lo em seu carro, os profundos talhos em sua garganta e embaixo dos trapos rasgados de sua camisa tinham se curado para cicatrizes com cascas.
Simon tinha tirado as chaves dele e ido de volta a Manhattan, a maior parte em silêncio, Jordan quase imóvel no banco do passageiro, olhando para suas mãos ensanguentadas.
— Maureen está bem — ele finalmente disse enquanto dirigiam na Ponte Williamburg — parecia pior do que era. Você ainda não é bom se alimentando de humanos, ela não perdeu muito sangue. Eu a coloquei em um táxi. Ela não se lembra de nada. Pensa que desmaiou na sua frente, e está muito envergonhada.
Simon sabia que devia agradecer a Jordan, mas ele não conseguia fazer isso.
— Você é o Jordan. O antigo namorado de Maia. O que a transformou em um lobisomem.
Eles estavam na Kenmare agora; Simon virou para o norte, indo para a Bowery com suas floriculturas e lojas de elétricas.
— Sim — Jordan respondeu finalmente — Kyle é meu sobrenome. Eu comecei a usá-lo quando me juntei ao Praetor.
— Ela o teria matado se Isabelle tivesse deixado.
— Ela tem todo direito de me matar se quiser — Jordan respondeu, e caiu no silêncio.
Não disse nada mais enquanto Simon estacionava e eles caminhavam lentamente das escadas para o apartamento. Ele foi para o seu quarto sem nem mesmo tirar sua jaqueta ensanguentada, e bateu a porta.
Simon colocou as coisas em sua mochila e estava prestes a sair do apartamento quando hesitou. Ele não tinha certeza da razão, mesmo agora, mas ao invés de sair ele largou a mochila no chão e voltou para se sentar nesta cadeira, onde ficou a noite toda.
Ele desejou poder ligar para Clary, mas era cedo demais, e além do mais, Isabelle tinha dito que ela e Jace tinham saído juntos, e a ideia de interromper algum momento especial deles não era atraente. Ele se perguntou onde sua mãe estava. Se ela pudesse tê-lo visto noite passada, com Maureen, pensaria que ele era cada pedacinho do monstro que o tinha acusado de ser.
Talvez ele fosse.
Simon olhou enquanto a porta de Jordan se abria e ele emergia. Estava descalço, ainda nos mesmos jeans e camiseta que estava usando no dia anterior. As cicatrizes em sua garganta tinham esmaecido para linhas vermelhas.
Ele olhou para Simon. Seus olhos cor de avelã normalmente muito brilhantes e alegres, estavam sombreados.
— Achei que você ia partir.
— Eu ia — Simon respondeu — mas então achei que devia dar a você a chance de se explicar.
— Não há nada a se explicar — Jordan se arrastou até a cozinha e vasculhou em uma gaveta até que ele conseguiu um filtro de café — seja lá o que Maia disse sobre mim, tenho certeza que era verdade.
— Ela disse que você bateu nela.
Jordan, na cozinha, ficou imóvel. Ele olhou para o filtro como se não tivesse certeza do que fazer com aquilo.
— Ela disse que vocês saíram por meses e tudo era ótimo — Simon continuou — então você se tornou violento e ciumento. Quando ela falou com você sobre isso, você bateu nela. Ela terminou com você e quando estava voltando para casa uma noite, algo a atacou e quase a matou. E você – você saiu da cidade. Sem desculpas, sem explicação.
Jordan colocou o filtro na bancada.
— Como ela chegou aqui? Como ela encontrou o bando de Luke Garroway?
Simon sacudiu a cabeça.
— Ela saltou em um trem para Nova York e os rastreou. Ela é uma sobrevivente, Maia. Não deixou o que você fez arruiná-la. Um monte de gente teria deixado.
— Este é o porquê de você ficar? — Jordan perguntou. — Para me dizer que sou um idiota? Porque eu já sei disso.
— Eu fiquei por causa do que fiz noite passada. Se eu tivesse descoberto sobre você ontem, eu teria partido. Mas depois do que eu fiz a Maureen... — ele mastigou seu lábio — eu achava que tinha o controle do que aconteceu comigo e não tinha, e machuquei alguém que não merecia. Então esse é o porquê de eu estar ficando.
— Porque se eu não sou um monstro, então você não é também.
— Porque eu quero saber como superar agora, e talvez você possa me ajudar. — Simon se inclinou a frente. — Porque você tem sido um cara bom para mim desde que te conheci. Eu nunca vi você ser ruim ou ficar bravo. E então pensei sobre o Praetor Lupus, e como você disse que se juntou ao grupo porque fez coisas ruins. Pensei que Maia talvez fosse a coisa ruim que você fez, que estava tentando compensar.
— Ela... ela é.

***

Clary se sentou à mesa do pequeno quarto de hóspedes de Luke, o pedaço de tecido que tinha recebido no necrotério de Beth Israel, esticado a sua frente. Ela o examinou de ambos os lados e estava pairando sobre ele, estela na mão, tentando se lembrar da runa que lhe veio à mente no hospital.
Era difícil se concentrar. Ela continuava pensando em Jace, sobre a noite passada. Onde ele podia ter ido. Por que estava tão infeliz. Ela não percebeu até que o viu, ele estava tão triste quanto ela, e isso partia seu coração.
Queria ligar para ele, mas se segurou várias vezes desde que tinha voltado para casa. Se ele fosse dizer qual era o problema, o faria sem precisar perguntar. Ela o conhecia bem o suficiente para saber disso.
Fechou seus olhos e tentou se forçar a imaginar a runa. Não era uma que ela inventou, estava bastante certa. Era uma que já existia, embora não tivesse certeza se a tinha visto no Livro Branco. Sua forma falava menos de interpretação do que de revelação, sobre mostrar a forma de algo escondido por baixo, afastando a poeira disso lentamente para ler a inscrição por baixo...
A estela girou em seus dedos, e Clary abriu seus olhos para descobrir, para sua surpresa, que tinha conseguido traçar um pequeno padrão no canto do tecido. Parecia mais como um borrão, com estranhos pontos em toda parte e ela fez uma careta, se perguntando se ela estava perdendo sua habilidade. Mas o tecido começou a cintilar, como calor emanando do asfalto. Ela observou enquanto as palavras se desdobravam no tecido, como se uma mão invisível as estivessem escrevendo.

Propriedade da Igreja de Talto.
Riverside Drive, nº 232.

Uma onda de entusiasmo a atravessou. Era uma pista, uma pista de verdade. E ela descobriu isso por si mesma, sem nenhuma ajuda.
Riverside Drive, nº 232. Ficava na Upper West Side, ela pensou, pela Riverside Park, do outro lado do canal de New Jersey. Não era distante de modo algum. A Igreja de Talto.
Clary colocou a estela na mesa com uma careta. O que quer que aquilo fosse, soava ruim. Ela puxou sua cadeira para o velho computador de Luke e conectou-se à internet. Não podia dizer que ficou surpresa que ao digitar “Igreja de Talto” terminou sem resultados satisfatórios. O que quer que estivesse escrito no canto do tecido tinha sido em Purgatic, ou Cthonian, ou alguma outra linguagem demoníaca.
Uma coisa ela tinha certeza. A Igreja de Talto fosse o que fosse, era secreta, e provavelmente má. Se estava transformando bebês humanos em coisas com garras, ao invés de mãos, não era nenhuma espécie de religião verdadeira. Clary se perguntou se a mãe que tinha jogado seu bebê próximo ao hospital era um membro da igreja, e se sabia o que tinha feito antes mesmo que seu bebê tivesse nascido.
Ela se sentiu gelada enquanto pegava seu celular – e se interrompeu com ele na mão. Estava prestes a ligar para sua mãe, mas não podia contar para Jocelyn sobre isso. Jocelyn tinha acabado de se recuperar e concordado em sair com Luke, para procurar anéis. E enquanto Clary pensou que sua mãe era forte o suficiente para lidar com qual fosse a verdade que viesse a tona, ela com certeza entraria em problemas com a Clave por levar sua investigação tão longe sem informá-los.
Luke.
Mas Luke estava com sua mãe. Ela não podia ligar para ele.
Maryse, talvez. A mera ideia de ligar para ela parecia estranha e intimidadora. Além do mais, Clary sabia – sem querer admitir para si mesma, que isto era um divisor – que se deixasse que a Clave assumisse, estaria no banco de reserva. Empurrada para fora de um mistério que parecia fortemente pessoal. Sem mencionar que parecia como trair sua mãe para a Clave.
Mas ir por contra própria, sem saber o que descobriria... bem, ela teve treinamento, mas não tanto assim. E sabia que tinha uma tendência de agir primeiro. Relutantemente puxou o telefone, hesitou um instante e mandou uma rápida mensagem: Riverside Drive, nº 232. Você precisa me encontrar lá imediatamente. É importante. Ela teclou o botão de enviar e sentou-se por um momento, até que a tela se iluminou com um zumbido de resposta. Ok.
Com um suspiro, Clary guardou o telefone e foi buscar suas armas.

***

— Eu amava Maia — Jordan disse.
Ele estava sentado no futon agora, tendo finalmente conseguido fazer o café, embora não tivesse bebido nada dele. Só estava segurando a caneca em suas mãos, virando e virando enquanto falava.
— Você deve saber disso, antes que eu te diga qualquer outra coisa. Nós dois viemos desse triste buraco de uma cidade em New Jersey. Ela foi para aquela merda de buraco porque o seu pai era negro e sua mãe era branca. Ela tinha um irmão também, que era um completo psicopata. Eu não sei se ela te contou sobre ele. Daniel.
— Não muito — Simon respondeu.
— Com tudo isso, sua vida era bastante infernal, mas ela não deixava isso colocá-la para baixo. Eu a conheci em uma loja de música, comprando discos velhos. Vinil, certo. Nós começamos a conversar e eu percebi que ela era basicamente a garota mais legal a quilômetros de distância. Linda também. E doce — os olhos de Jordan estavam distantes — nós saímos, e foi fantástico. Ficamos completamente apaixonados. Do jeito que você fica quando tem dezesseis anos. Então eu fui mordido. Foi em uma briga numa noite, em um clube. Eu costumava entrar em um monte de brigas. Estava acostumado a ser chutado e esmurrado, mas mordido? Achei que o cara que tinha feito isso era louco, mas tanto faz, fui para o hospital, ganhei pontos e esqueci disso. Cerca de três semanas depois, começou a estourar. Ondas de fúria incontroláveis e raiva. Minha visão simplesmente escurecia e não sabia o que estava acontecendo. Eu soquei a janela da minha cozinha por que uma gaveta estava trancada. Estava louco de ciúme de Maia, convencido que ela estava olhando para outros caras, convencido... eu nem mesmo sei o que pensava. Só sei que eu surtei. Eu bati nela. Queria te dizer que eu não me lembro de fazer isso, mas eu lembro. E aí ela terminou comigo...
A voz dele sumiu. Ele tomou um gole de café. Parecia cansado, Simon pensou. Ele não deve ter contado muito essa história antes. Talvez nunca.
— Algumas noites depois eu fui a uma festa e ela estava lá. Dançando com outro cara. O beijando como se quisesse provar para mim que acabou. Foi uma péssima noite para ela escolher, não que ela pudesse ter sabido. Foi a primeira lua cheia desde que fui mordido — seus nós dos dedos estavam brancos onde ele agarrava a caneca — a primeira vez que eu me transformei. A transformação rompeu através de meu corpo e rasgou meus ossos e minha pele. Eu estava em agonia, e não só por causa disso. Eu a queria, queria que ela voltasse, queria explicar, mas tudo o que pude fazer foi uivar. Corri através das ruas, e foi quando a vi, cruzando o parque próximo a sua casa. Ela estava indo para casa...
— E você a atacou — Simon completou — você a mordeu.
— Sim — Jordan olhava cegamente para o passado — quando eu acordei na manhã seguinte, eu sabia o que tinha feito. Tentei ir a casa dela, para explicar. Eu estava a meio caminho quando um cara grande apareceu e me encarou. Ele sabia o que eu era, sabia tudo sobre mim. Explicou que era um membro do Praetor Lupus e que tinha sido designado para mim. Ele não estava muito feliz de ter chegado tarde demais, que eu já tivesse mordido alguém. Não me deixaria ir para perto dela. Ele disse que apenas seria pior. Prometeu que a Guarda a observaria. Me disse que já que eu tinha mordido um humano, que era estritamente proibido, o único modo de eu evitar a punição era me juntar à Guarda e ser treinado a me controlar. Eu não teria feito isso. Eu cuspiria nele e tomaria qualquer que fosse a punição que eles queriam dar. Eu me odiava. Mas quando ele explicou que eu seria capaz de ajudar outras pessoas como eu, talvez impedir o que tinha acontecido a mim e a Maia de acontecer novamente, foi como se eu visse uma luz na escuridão, a longa distância no futuro. Como talvez uma chance para consertar o que eu tinha feito.
— Ok — Simon falou lentamente — mas não há uma espécie de estranha coincidência você ser designado para mim? Um cara que estava namorando a garota que você mordeu e a transformou em lobisomem?
— Sem coincidências. Seu arquivo era um de um punhado que peguei. Eu o escolhi porque Maia era mencionada nos apontamentos. Um lobisomem e um vampiro namorando. Sabe, é uma espécie de coisa importante. Foi a primeira vez que eu percebi que ela tinha se tornado um lobisomem depois do que eu... depois do que eu fiz.
— Você nunca tentou descobrir? O que parece um pouco...
— Eu tentei. A Guarda não me deixou, mas fiz o que pude para descobrir o que aconteceu a ela. Eu sabia que ela fugiu de casa, mas ela tinha uma droga de vida familiar de qualquer modo, então isso não me disse nada. E não é como se houvesse algum arquivo nacional de lobisomens onde eu pudesse procurar por ela. Eu só... esperava que ela não tivesse se transformado.
— Então você pegou minha missão por causa de Maia?
Jordan enrubesceu.
— Pensei que talvez se eu te encontrasse, pudesse descobrir o que aconteceu a ela. Se ela estava bem.
— Esta foi a razão pela qual você me disse para parar com os encontros duplos — Simon disse, pensando — você estava sendo protetor.
Jordan olhou para ele por cima da borda da caneca de café.
— Sim, bem, foi um movimento idiota.
— E você foi quem jogou o folheto da apresentação da banda debaixo da porta dela. Não foi? — Simon sacudiu sua cabeça. — Então, parte da missão era para bagunçar com minha vida amorosa, ou foiapenas seu toque extrapessoal?
— Eu a ferrei. Não queria vê-la sacaneada por outra pessoa.
— E não te ocorreu que se ela aparecesse em nossa apresentação, ela tentaria rasgar seu rosto? Se ela não tivesse se atrasado, talvez até mesmo tivesse feito isso enquanto você estava no palco. O que teria sido uma animação extra para a plateia.
— Eu não sabia. Não percebi que ela me odiava tanto, eu não odeio o cara que me transformou; eu meio que entendo que ele devia não estar sob controle.
— Sim — Simon respondeu — mas você nunca amou aquele cara. Você nunca teve um relacionamento com ele. Maia te amava. Ela achou que você a mordeu, então a descartou e nunca pensou nela de novo. Ela vai te odiar tanto quanto te amou uma vez.
Antes que Jordan pudesse responder, a campainha tocou – não o zumbido que teria feito se alguém estivesse no andar de baixo, interfonando, mas aquele que poderia ser ressoado só se o visitante estivesse em pé na entrada do outro lado da porta deles. Os garotos trocaram olhares perplexos.
— Você está esperando alguém? — Simon perguntou.
Jordan sacudiu a cabeça e colocou a caneca de café na mesinha. Juntos, eles foram para pequena entrada. Jordan gesticulou para Simon ir para trás dele antes que ele abrisse a porta.
Não havia ninguém lá. Ao invés, havia um pedaço de papel dobrado no tapete de boas vindas, preso por um pedaço de pedra. Jordan se curvou para libertar o papel e se empertigou com uma careta.
— É para você — ele disse, estendendo-o para Simon.
Confuso, Simon desdobrou o papel. Impresso no centro, em letras maiúsculas infantis, estava a mensagem:

Simon Lewis, nós temos sua namorada. Você deve ir a Riverside, 232 hoje. Esteja lá antes de escurecer ou nós cortaremos a garganta dela.

— É uma piada — Simon falou, olhando entorpecido para o papel — tem que ser.
Sem uma palavra, Jordan agarrou o braço de Simon e o arrastou para a sala de estar. Procurou pelo telefone sem fio até que o encontrou.
— Ligue para ela — ele falou, empurrando o telefone contra ao peito de Simon — ligue para Maia e certifique-se de que ela está bem.
— Mas não deve ser ela — Simon olhou para o telefone enquanto o total horror da situação zumbia em seu cérebro, como um espírito do lado de fora de uma casa, implorando para entrar.
Concentre-se, ele disse para si mesmo. Não entre em pânico.
— Pode ser Isabelle.
— Ah, Jesus — Jordan o encarou — você tem outras namoradas a mais? Nós temos que fazer uma lista de nomes para ligar?
Simon puxou o telefone para ele e se virou, discando o número. Maia respondeu no segundo toque.
— Alô?
— Maia... é o Simon.
A amabilidade se foi de sua voz.
— Ah. O que você quer?
— Eu só queria saber se você estava bem.
— Eu estou bem — ela falou formalmente — não é como se o que estava acontecendo com a gente fosse tão sério. Eu não estou feliz, mas vou sobreviver. Embora você seja ainda um imbecil.
— Não quero dizer que queria saber se você estava bem.
— Isso é sobre, Jordan? — Ele pôde ouvir a raiva quando ela disse o nome dele. — Certo. Vocês saíram juntos, não é? Vocês são amigos ou algo assim, certo? Bem, pode dizer a ele para ficar longe de mim. Na verdade, isso serve para vocês dois.
Ela desligou. O tom de discagem zumbia no telefone como uma abelha zangada.
Simon olhou para Jordan.
— Ela está bem. Ela nos odeia, mas não soou realmente como se alguma coisa estivesse errada.
— Ótimo — Jordan disse firmemente — ligue para Isabelle.
Levou duas tentativas antes que Izzy atendesse; Simon estava quase em pânico no momento em que a voz dela veio na linha, soando distraída e chateada.
— Seja quem for, é melhor que seja bom.
Alívio se derramou em suas veias.
— Isabelle. É o Simon.
— Ah, pelo amor de Deus. O que você quer?
— Eu só liguei para ter certeza que você está bem...
— Ah, o que, acho que estou devastada por que você é um malandro, mentiroso, traidor filho de uma...
— Não — isso estava realmente começando a dar nos nervos de Simon — quero dizer, você está bem? Você não foi sequestrada ou algo assim?
Houve um longo silêncio.
— Simon — Isabelle disse finalmente — essa é realmente, sério, a desculpa mais estúpida para uma ligação chorona que eu jamais escutei. O que há de errado com você?
— Eu não tenho certeza — Simon respondeu, e desligou antes que Isabelle desligasse na cara dele.
Ele estendeu o telefone para Jordan.
— Ela também está bem.
— Eu não entendo — Jordan parecia desconcertado — quem faz uma ameaça como essa se é totalmente vazia? Quero dizer, é tão fácil checar e descobrir que é uma mentira.
— Eles devem pensar que eu sou burro — Simon começou, e então parou.
Um horrível pensamento surgiu nele. Ele tomou o telefone de volta de Jordan e começou a ligar com dedos dormentes.
— Quem é? — Jordan perguntou. — Para quem você está ligando?

***

O telefone de Clary tocou enquanto ela virava a esquina da Noventa e Seis com a Riverside Drive. A chuva pareceu ter lavado a cidade da sua sujeira costumeira; o sol brilhava no céu azul e na faixa verde do parque ao longo do rio, cuja água parecia quase azul hoje.
Ela escavou sua bolsa atrás de seu telefone, o encontrou, e o abriu.
— Alô?
A voz de Simon veio na linha.
— Ah, graças... — ele se interrompeu — você está bem? Não foi sequestrada ou algo assim?
— Sequestrada?
Clary vasculhou os números dos prédios enquanto caminhava para a parte residencial. 220, 240. Ela não estava inteiramente certa do que estava procurando. Pareceria como uma igreja? Outra coisa, encantada para parecer como um lote abandonado?
— Você bebeu ou o quê?
— É um pouco cedo para isso — o alívio na voz dele era claro — não, eu só... recebi um bilhete estranho. Alguém ameaçando ir atrás da minha namorada.
— Qual delas?
— Haha — Simon não soou divertido — eu já liguei para Maia e Isabelle, e ambas estão bem. Então eu pensei em você... quero dizer, nós passamos um tempão juntos. Alguém podia ter pego a ideia errada, mas agora eu não sei o que pensar.
— Eu duvido.
Riverside Drive, 232 se assomou diante de Clary de repente, como um grande prédio quadrado de pedra com um telhado pontiagudo. Podia ter sido uma igreja em algum momento, ela pensou, ainda que não parecesse com uma agora.
— A propósito, Maia e Isabelle descobriram uma sobre a outra noite passada. Não foi muito bonito — Simon adicionou — você estava certa sobre o ponto de brincar com fogo.
Clary examinou a fachada do número 232. A maioria dos edifícios alinhados na estrada eram prédios de apartamentos caros com porteiros em uniformes, esperando do lado de fora. Embora, neste, tivesse apenas um conjunto de portas altas de madeira com cumeeira curvada, e alças de metal antiquadas ao invés de maçanetas.
— Ooh, ai. Desculpe-me, Simon. Alguma delas está falando com você?
— Não de verdade.
Ela tomou uma das alças, e empurrou. A porta deslizou aberta com um suave som sibilado. Clary abaixou sua voz.
— Talvez uma delas tenha deixado o bilhete?
— Não parece o estilo delas — Simon disse, soando genuinamente confuso — você acha que Jace teria feito isso?
O som do nome dele foi como um murro em seu estômago. Clary segurou a respiração.
— Eu não acho que ele faria isso, nem mesmo se estivesse zangado.”
Ela afastou o telefone de sua orelha. Espreitando em torno da porta semiaberta, podia ver que parecia seguramente como o interior normal de uma igreja – um longo corredor, luzes tremulantes como velas. Com certeza não podia machucar dar uma olhadinha por dentro.
— Eu tenho que ir, Simon. Te ligo mais tarde.
Ela fechou o telefone e entrou.

***

— Você acha realmente que foi uma piada? — Jordan estava andando para cima e para baixo no apartamento como um tigre em uma jaula no zoológico.
— Eu duvido. Parece na verdade como algum tipo de piada doentia para mim.
— Eu não diria que foi doentia.
Simon olhou para o bilhete; posto na mesa de café as letras em forma claramente visíveis mesmo à distância. Só olhá-las deu a ele uma sensação ruim no estômago, mesmo que ele soubesse que era sem sentido.
— Eu só estou tentando pensar quem poderia tê-lo enviado. E por quê?
— Talvez eu devesse tirar um dia de folga de você e manter um olho nela — Jordan disse — sabe, só no caso.
— Presumo que você esteja falando de Maia. Eu sei o que você quer dizer, bem, mas realmente não acho que ela precise de você ao redor. De qualquer modo.
A mandíbula de Jordan enrijeceu.
— Eu ficaria fora do caminho, então ela não me veria.
— Uau. Você ainda está muito na dela, não é?
— Eu tenho uma responsabilidade pessoal — Jordan soou tenso — seja lá o que sinto, não importa.
— Você pode fazer o que quiser. Mas eu acho...
A campainha da porta tocou de novo. Os dois garotos trocaram um único olhar antes de ambos precipitarem no corredor estreito para a porta.
Jordan chegou lá primeiro. Ele agarrou o cabideiro que ficava na porta, arrancou os casacos, e abriu a porta de uma vez, o cabideiro sob sua cabeça como um dardo.
No outro lado da porta estava Jace. Ele piscou.
— Isso é um cabideiro?
Jordan jogou o cabideiro no chão e suspirou.
— Se você fosse um vampiro, isso teria sido bem mais útil.
— Sim — Jace respondeu — ou, você sabe, apenas alguém com um monte de casacos.
Simon enfiou sua cabeça ao lado de Jordan e disse:
— Desculpe-nos. Nós tivemos uma manhã tensa.
— Sim, bem — Jace observou — ela vai ficar mais tensa. Eu vim para levá-lo ao Instituto, Simon. A Clave quer vê-lo, e não gosta de ter que esperar.

***

No momento em que a porta da Igreja de Talto se fechou atrás de Clary, ela sabia que estava em outro mundo, o barulho e alvoroço de Nova York inteiramente silenciados. O espaço por dentro do prédio era grande e elevado, com tetos altos acima. Havia um corredor estreito cercado por fileiras de bancos, e grossas velas marrons queimavam em candelabros separados ao longo das paredes. O interior parecia mal iluminado para Clary, mas talvez fosse apenas porque ela estava acostumada ao esplendor da pedra enfeitiçada.
Ela se moveu no corredor, o som de seus tênis suave contra o chão empoeirado. Era antiga, pensou, uma igreja sem janelas. No fim do corredor ela foi até a cúpula, onde um conjunto de degraus de pedra levavam a um pódio em que estava a mostra um altar.
Ela piscou, percebendo o que era estranho. Não havia cruzes nesta igreja. Ao invés, havia uma alta tabuleta de pedra no altar, coroada por figuras entalhadas de uma coruja. Na tabuleta, lia-se:

Pois sua casa se inclina para a morte,
E seus caminhos para os mortos.
Nenhum dos que vão a ela, torna a sair,
Nem atentam eles para os caminhos da vida.

Clary piscou. Ela não estava muito familiarizada com a Bíblia – com certeza não tinha nada como a lembrança quase perfeita de Jace de suas grandes passagens – mas embora soasse religioso, era também uma parte estranha do texto para se reportar em uma igreja.
Ela estremeceu, e se aproximou mais do altar, onde um grande livro fechado tinha sido deixado. Uma das páginas parecia estar marcada, e quando Clary abriu o livro, percebeu que o que tinha pensado ser um marcador, era uma adaga de cabo negro incrustada com símbolos misteriosos.
Já tinha visto aquelas imagens antes em seus mangás. Era um punhal, frequentemente usado em rituais de invocação demoníaca.
Seu estômago ficou gelado, mas ela se inclinou para olhar a página marcada de qualquer modo, determinada a ficar sabendo de algo – só para descobrir que tinha sido escrito em uma espasmódica letra estilizada que teria sido difícil de decifrar se o livro fosse em sua língua. Não era, estava em um pronunciado alfabeto com letras pontudas que ela estava certa de que nunca tinha visto antes.
As palavras estavam abaixo de uma ilustração que Clary reconheceu como um círculo de invocação – o tipo de padrão que feiticeiros traçavam no chão antes de realizar feitiços. Os círculos eram para atrair e concentrar poder mágico. Este, espalhado na página em tinta verde, parecia como dois círculos concêntricos, com um quadrado no meio deles. No espaço entre os círculos, runas estavam rabiscadas. Clary não as reconheceu, mas podia sentir a linguagem das runas em seus ossos, e estas a faziam estremecer.
Morte e sangue.
Ela virou a página rapidamente, e apareceu um grupo de ilustrações que a fizeram sugar a respiração.
Era uma progressão de imagens que começavam com a imagem de uma mulher com um pássaro pousado sobre seu ombro esquerdo. O pássaro, possivelmente um corvo, parecia sinistro e astuto. Na segunda imagem, o pássaro se fora, e a mulher estava obviamente grávida. Na terceira imagem, a mulher estava deitada sobre o altar não tão diferente do qual Clary estava em pé agora. Uma figura em um robe estava de pé em frente a ela, uma volumosa seringa na mão. A seringa estava cheia de líquido vermelho escuro. A mulher claramente sabia o que estava prestes a ser injetado nela, porque estava gritando.
Na última figura a mulher estava sentada com um bebê em seu colo. O bebê parecia quase normal, exceto que seus olhos eram inteiramente negros, sem a parte branca. A mulher estava olhando abaixo para a criança com um olhar de terror.
Clary sentiu os pelos de sua nuca se arrepiarem. Sua mãe estava certa. Alguém estava tentando fazer mais bebês como Jonathan. Na verdade, já tinham feito.
Ela se afastou do altar. Cada nervo em seu corpo estava gritando que havia algo de muito errado com este lugar. Ela não achou que podia passar outro segundo ali; melhor ir lá para fora e esperar para que cavalaria chegasse. Ela podia ter descoberto esta pista por conta própria, mas o resultado era mais do que podia lidar sozinha.
Foi até que ela ouviu o som.
Um som sussurrante, como uma corrente lentamente puxada para trás, que parecia vir de cima dela. Ela olhou acima, o punhal agarrado firmemente em sua mão. E olhou em torno das galerias acima, onde havia colunas de figuras silenciosas. Elas usavam o que pareciam agasalhos cinzas – tênis, moletons de zíper cinza apagados, com capuzes puxados sobre seus rostos. Eles pareciam absolutamente imóveis, suas mãos sobre a balaustrada da galeria, olhando abaixo, para ela.
Pelo menos, Clary achou que eles estavam olhando. Seus rostos estavam escondidos inteiramente na sombra; ela nem mesmo podia dizer se eram homens ou mulheres.
— Eu... eu lamento — ela disse. Sua voz ecoou alto no salão de pedra — eu não quis me intrometer, ou...
Não houve resposta além do silêncio. Silêncio como um peso. O coração de Clary começou a bater mais rápido.
— Eu já vou então — ela falou, engolindo em seco.
Ela foi à frente, colocando o punhal sob o altar, e se virou para sair. Então pegou o cheiro no ar, uma fração de segundo antes de se virar – o fedor familiar de lixo apodrecendo. Entre ela e a porta, elevando-se como uma parede, uma aterrorizante confusão de pele escamosa, dentes como lâmina, e garras estendidas.
Pelas últimas sete semanas, Clary tinha treinado para enfrentar um demônio em batalha, mesmo um imenso. Mas agora que estava acontecendo pra valer, tudo o que ela podia fazer era gritar.

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