Capítulo 11 - Nossa Espécie

O demônio investiu em Clary. Ela parou de gritar abruptamente e se lançou para trás, por cima do altar  um salto perfeito, e por um bizarro momento ela desejou que Jace estivesse ali para ver isso. Ela atingiu o chão num agachar, no mesmo momento alguma coisa golpeou o altar com força, fazendo a pedra vibrar.
Um uivo soou através da igreja. Clary precipitou-se aos seus joelhos e espiou por cima da borda do altar. O demônio não era tão grande quanto ela havia pensando de início, mas também não era pequeno – aproximadamente do tamanho de uma geladeira, com três cabeças balançando em hastes. As cabeças eram cegas, com enormes mandíbulas abertas das quais pendiam ligas de baba esverdeada. O demônio parecia ter batido a cabeça da esquerda no altar quando se precipitou para ela, porque estava balançando sua cabeça para trás e para frente como se estivesse tentando clareá-la.
Clary olhou para cima selvagemente, mas as figuras de agasalho de moletom ainda estavam no mesmo lugar. Nenhum deles se moveu. Eles pareciam observar o que se passava com interesse imparcial. Ela virou e olhou para trás, mas parecia não haver outras saídas da igreja além daquela por onde entrou, e o demônio estava bloqueando o caminho de volta para ela.
Percebendo que estava perdendo preciosos segundos, ela precipitou-se aos seus pés e agarrou o punhal. O arrancou fora do altar e se abaixou no momento em que o demônio veio para ela novamente. Ela rolou para o lado enquanto uma cabeça, balançando em uma haste grossa do pescoço, arremessou-se por cima do altar, sua grossa língua preta tateando, procurando por ela. Com um grito, Clary pressionou o punhal para dentro do pescoço da criatura uma vez, então o puxou, arrastando-o para trás e fora do caminho.
A coisa gritou, a cabeça empinando para trás, sangue negro espirrando da ferida que ela tinha feito. Mas esse não era um golpe fatal. Enquanto Clary observava, a ferida começou a se curar lentamente, a carne verde escurecida do demônio se unindo como um tecido sendo costurado. O coração dela afundou.
É claro. A razão de os Caçadores das Sombras usarem armas com runas era que as runas evitavam a cura do demônio.
Ela alcançou a estela no seu cinto com a mão esquerda e puxou-a no momento em que o demônio veio para ela novamente. Ela saltou para o lado e se atirou dolorosamente escada abaixo, rolando até que foi arremessada contra a primeira fileira de bancos. O demônio se virou, um pouco desajeitado quando se moveu, e dirigiu-se para ela mais uma vez.
Percebendo que estava apertando ambas, estela e adaga – na verdade, a adaga havia cortado-a quando ela tinha rolado, e sangue estava rapidamente manchando a frente de sua jaqueta – ela transferiu a adaga para sua mão esquerda, a estela para a direita, e com uma desesperada rapidez, gravou uma runa do Anjo no cabo do punhal.
Os outros símbolos do cabo começaram a derreter e a desbotar quando o poder angelical tomou posse. Clary olhou para cima; o demônio estava quase nela, suas três mãos alcançando, suas bocas escancaradas. Impulsionando-se a seus pés, ela puxou seu braço para trás e lançou a adaga o mais forte que pôde.
Para sua grande surpresa, ela atingiu a cabeça do centro bem no meio do crânio, afundando até o cabo. A cabeça chacoalhou descontroladamente enquanto o demônio gritava – o coração da Clary exultou – e então a cabeça simplesmente caiu, batendo no chão com um baque repugnante.
O demônio continuou vindo de qualquer maneira, arrastando a cabeça agora morta, no flácido pescoço, conforme ele se movia em direção a Clary.
O som de muitos passos veio de cima. Clary ergueu os olhos. As figuras de agasalho de moletom tinham ido, deixando a galeria vazia. A visão não foi tranquilizadora.
Com o coração batia selvagemente no peito, Clary virou-se e correu para a porta da frente, mas o demônio era mais rápido do que ela. Com um grunhido de esforço, ele lançou-se sobre ela e pousou na frente das portas, bloqueando o caminho da saída. Silvando, ele se moveu para Clary, suas duas cabeças vivas balançando, então se levantando e esticando no seu maior comprimento, a fim de atingi-la.
Alguma coisa reluziu através do ar, uma chama dardejante de ouro prata. A cabeça do demônio chicoteou ao redor, o silvo crescendo para um grito, mas já era tarde – a coisa prateada que havia as enlaçado tencionou, e com um jato de sangue negro, as suas duas cabeças restantes se deceparam. Clary rolou para fora do caminho no momento em que o sangue borrifou, queimando sua pele. Então ela abaixou sua cabeça no momento em que o corpo sem cabeça balançou, caindo em sua direção...
E então se foi. Enquanto desabava, o demônio desapareceu, sugado de volta para sua dimensão. Clary ergueu a cabeça cautelosamente. A porta da frente da igreja estava aberta, e na entrada estava Isabelle, usando botas e um vestido preto, seu chicote de electrum na mão. Ela estava o enrolando lentamente em torno do pulso, olhando em volta da igreja enquanto fazia isso, suas escuras sobrancelhas contraídas em um franzido curioso. Quando o olhar dela desceu sobre Clary, ela sorriu.
— Maldição, garota. No que você se meteu agora?

***
                                         
O toque das mãos dos subjugados na pele de Simon era gelado e leve, como o toque de asas de gelo. Ele estremeceu um pouco enquanto eles desenrolavam a venda de sua cabeça, suas peles murchas e ásperas na dele antes de darem um passo para trás, curvando-se enquanto recuavam.
Ele olhou em volta, piscando. Momentos atrás, ele tinha estado de pé na luz do sol na esquina da Rua Setenta e Oito com a Segunda Avenida – lugar distante o suficiente do Instituto – para usar a terra de sepulcro e contatar Camille sem levantar suspeitas.
Agora ele estava em uma sala mal iluminada, muito grande, com um piso de mármore liso e elegantes pilares sustentando um teto alto. Ao longo da parede esquerda corria uma linha de cubículos com vidro na frente, cada um com uma placa de latão gravado suspensa sobre elas onde se lia CAIXA. Outra na parede indicava que esse era o DOUGLAS NATIONAL BANK. Grossas camadas de poeira acolchoavam o chão e os guichês onde pessoas tinham uma vez ficado para assinar cheques ou guias de saque, lâmpadas inflexíveis que pendiam do teto eram revestidas com verdete.
No centro da sala estava uma poltrona alta, e ali sentava-se Camille.
Seu cabelo loiro-prateado estava desamarrado, esparramado por cima dos seus ombros como ouropel. Sua maquiagem tinha sido limpa do rosto, mas seus lábios eram ainda muito vermelhos. Na escuridão do banco, eles eram praticamente a única cor que Simon podia ver.
— Eu normalmente não concordaria em ter encontros durante as horas do dia, Diurno — ela disse — mas desde que é você, resolvi abrir uma exceção.
— Obrigado.
Ele percebeu que nenhuma cadeira tinha sido providenciada para si, então continuou desconfortavelmente em pé. Se seu coração ainda estivesse batendo, pensou, estaria martelando agora. Quando ele concordou em fazer isso para a Clave, tinha esquecido o quanto Camille o assustava. Talvez isso fosse ilógico – o que ela poderia realmente fazer? – mas ali estava.
— Suponho que isso signifique que você considerou a minha oferta — Camille disse — e que concordou com ela.
— O que te faz pensar que eu concordei? — Simon perguntou, muito esperançoso de que ela não fosse suprimir a presunção da pergunta para o fato de ele estar procurando ganhar tempo.
Ela parecia levemente impaciente.
— Você dificilmente viria em pessoa entregar a notícia de que decidiu rejeitar minha proposta. Teria medo do meu temperamento.
— Eu deveria ter medo do seu temperamento?
Ela se sentou na poltrona, sorrindo. A poltrona era de aparência moderna e luxuosa, diferente de qualquer outra coisa no banco abandonado. Deve ter sido transportada para lá de algum outro lugar, provavelmente pelos servos de Camille, os quais, no momento, estavam de pé um de cada lado como estátuas silenciosas.
— Muitos têm — ela respondeu — mas você não tem razão para ter. Estou muito satisfeita com você. Embora você tenha esperado até o último momento para entrar em contato comigo, sinto que tomou a decisão certa.
O telefone de Simon escolheu aquele minuto para começar a zunir insistentemente. Ele pulou, sentindo uma gota de suor frio escorrer por suas costas, então o puxou às pressas para fora do bolso de sua jaqueta.
— Desculpa — ele disse, e o abriu para atendê-lo — telefone.
Camille pareceu horrorizada.
— Não atenda isso.
Simon começou a levá-lo à sua orelha. Enquanto ele levava, conseguiu apertar o botão da câmera várias vezes com seu dedo.
— Isso vai levar apenas um segundo.
— Simon.
Ele apertou o botão enviar e então o fechou depressa.
— Desculpa. Eu não pensei.
O peito de Camille estava descendo e subindo com fúria, apesar do fato de que ela na realidade não respirava.
— Eu exijo mais respeito do que isso dos meus servos — ela sibilou — você nunca mais fará isso de novo, ou...
— Ou o quê? Você não pode me machucar, não mais do que qualquer outro possa. E me disse que eu não seria um servo. Me disse que eu seria seu companheiro — ele parou, deixando apenas a nota certa de arrogância em sua voz — talvez eu devesse reconsiderar minha aceitação à sua oferta.
Os olhos da Camille escureceram.
— Oh, pelo amor de Deus. Não seja idiota.
— Como você pode dizer aquela palavra? — Simon exigiu.
Camille ergueu suas delicadas sobrancelhas.
— Qual palavra? Você está aborrecido por te chamar de idiota?
— Não. Bem, sim, mas não foi isso que quis dizer. Você disse “oh, pelo amor...”
Ele parou de falar, sua voz quebrando. Ainda não podia falar isso. Deus.
— Porque eu não acredito nele, garoto tolo — Camille respondeu — e você ainda acredita — ela inclinou sua cabeça para o lado, olhando-o do jeito que um pássaro olharia um verme na calçada, que estivesse considerando comê-lo — penso que talvez seja hora de um juramento de sangue.
— Um... Juramento de sangue? — Simon se perguntou se tinha ouvido direito.
— Eu esqueço que o seu conhecimento dos costumes da nossa espécie é tão limitado — Camille balançou sua cabeça prateada — preciso que você assine um juramento, em sangue, que você é leal a mim. Isso vai evitar que você me desobedeça no futuro. Considere isso um tipo de... pacto pré-nupcial — ela sorriu, e ele viu um lampejo de suas presas — venha.
Ela estalou seus dedos imperiosamente e seus subjugados correram em direção a ela, as cabeças cinzentas curvadas. O primeiro a alcançou, entregando para ela algo que parecia com uma antiquada caneta de vidro, do tipo com uma ponta espiralada, específica para pegar e armazenar tinta.
— Você terá que se cortar e extrair seu próprio sangue — Camille explicou — normalmente eu mesma faria isso, mas a Marca me impede. Portanto, devemos improvisar.
Simon hesitou. Isso era ruim. Ele sabia o suficiente sobre o mundo sobrenatural para saber o que juramentos significavam para os Seres do Submundo. Não eram apenas promessas vazias que podiam ser quebradas. Elas realmente ligavam a pessoa, como algemas virtuais. Se ele assinasse o juramento, iria realmente ser leal a Camille. Possivelmente para sempre.
— Venha — Camille disse, um toque de impaciência rastejando em sua voz — não há necessidade de perder tempo.
Engolindo, Simon deu um relutante passo adiante, e então outro. Um subjugado deu um passo entrando na frente dele, bloqueando seu caminho. Ele estava segurando uma faca para Simon, uma coisa de aparência cruel, como uma lâmina afiada. Simon a pegou e a elevou acima do seu pulso. E então abaixou.
— Você sabe, eu realmente não gosto muito de dor. Ou facas...
— Faça! — Camille rosnou.
— Deve haver alguma outra forma.
Camille levantou-se de sua poltrona, e Simon viu que suas presas estavam completamente estendidas. Ela estava verdadeiramente irritada.
— Se você não parar de desperdiçar meu tempo...
Ocorreu uma branda implosão, um som parecido com algo enorme partindo-se ao meio. Um grande painel cintilante apareceu contra a parede oposta. Camille virou-se para lá, seus lábios abertos em choque no momento em que ela viu o que era. Simon soube que ela reconheceu aquilo, assim como ele. Havia apenas uma coisa que aquilo poderia ser.
Um Portal. E através dele estava vertendo pelo menos uma dúzia de Caçadores de Sombras.

***

— Ok — disse Isabelle, colocando de lado o kit de primeiros socorros com um gesto rápido.
Elas estavam em um dos muitos quartos do Instituto disponíveis aos membros visitantes da Clave. Cada um era mobiliado simplesmente com uma cama, uma cômoda, um guarda-roupa e um pequeno banheiro. E, claro, cada um tinha um kit de primeiros socorros com bandagens, cataplasmas e até mesmo estelas extras inclusas.
— Você está muito bem iratzeada, mas vai levar certo tempo para algumas dessas feridas desaparecerem. E essa — ela correu a mão sobre a queimadura no antebraço da Clary onde sangue de demônio havia espirrado — provavelmente não desaparecerá totalmente até amanhã. Embora, se você descansar, elas se curarão mais rápido.
— Está excelente. Obrigada, Isabelle.
Clary olhou para suas mãos; havia bandagens em volta da direita, e sua camisa ainda estava rasgada e manchada de sangue, apesar das runas de Isabelle terem curado os cortes debaixo. Ela supôs que poderia ter feito as iratzes ela mesma, mas era legal ter alguém cuidando dela, e Izzy, embora não fosse a pessoa mais calorosa que Clary conhecia, podia ser hábil e gentil quando queria.
— E obrigada por aparecer e, você sabe, salvar minha vida do que quer que fosse aquela coisa...
— Um demônio Hidra. Eu lhe disse. Eles possuem muitas cabeças, mas são muito estúpidos. E você não estava fazendo um trabalho tão ruim com ele antes de eu aparecer. Gostei do que você fez com o punhal. Bom raciocínio sob pressão. Que é tanto uma parte de ser Caçador de Sombras quanto de aprender a perfurar buracos nas coisas — Isabelle deixou-se cair na cama perto da Clary e suspirou — eu provavelmente deveria ir ver o que posso descobrir a respeito da Igreja de Talto antes da Clave voltar. Talvez, isso nos ajudará a descobrir o que está acontecendo. A coisa do hospital, os bebês... — ela estremeceu — eu não gosto disso.
Clary tinha contado para Isabelle tanto quanto podia sobre porque estava na Igreja, até mesmo sobre o bebê demônio no hospital, ainda que ela tenha fingido ser a única que estava suspeitando e tivesse deixado sua mãe fora da história. Isabelle pareceu enjoada quando Clary descreveu o jeito como o bebê parecia exatamente como um bebê normal, exceto pelos seus arregalados olhos negros e as pequenas garras que tinha, ao invés de mãos.
— Eu acho que estavam tentando fazer outro bebê como... como meu irmão. Acho que eles experimentaram em alguma mulher mundana pobre — Clary falou — mas ela não pôde suportar quando o bebê nasceu e perdeu a cabeça. É só que... quem poderia fazer algo como aquilo? Um dos seguidores de Valentim? As pessoas que nunca foram apanhadas tentando continuar o que ele estava fazendo?
— Pode ser. Ou talvez seja apenas algum culto de adoradores do demônio. Há bastante deles, embora eu não consiga imaginar porque alguém iria querer fazer mais criaturas como Sebastian — a voz dela deu um pequeno salto de ódio quando disse o nome dele.
— O verdadeiro nome dele é Jonathan...
— Jonathan é o nome do Jace — Isabelle disse firmemente — eu não poderia chamar aquele monstro pelo mesmo nome que meu irmão. Ele sempre será Sebastian para mim.
Clary tinha que admitir, Isabelle tinha um ponto. Ela tinha tido um tempo difícil pensando nele como Jonathan também. Supôs que não era justo com o verdadeiro Sebastian, mas nenhum deles tinha realmente o conhecido. Era mais fácil jogar o nome de um estranho para o perverso filho de Valentim do que chamá-lo de alguma coisa que o tornasse mais próximo de sua família, mais próximo de sua vida.
Isabelle falou suavemente, mas Clary podia dizer que sua mente estava trabalhando, assinalando sobre várias possibilidades.
— De qualquer modo, fico feliz que tenha me enviado a mensagem. Eu podia dizer, devido a ela, que alguma coisa estranha estava acontecendo, e francamente, eu estava entediada. Todo mundo está fora fazendo algo secreto para a Clave e eu não quis ir porque Simon iria estar lá, e eu o odeio agora.
— Simon está com a Clave? — Clary estava surpresa.
Ela tinha percebido que o Instituto estava ainda mais vazio do que o habitual quando elas chegaram. Jace, é claro, não estava lá, mas não esperava que ele estivesse – embora não soubesse por quê.
— Eu falei com ele essa manhã e ele não disse nada sobre fazer algo para eles — Clary adicionou.
Isabelle encolheu os ombros.
— Tem alguma coisa a ver com políticas de vampiros. É tudo o que eu sei.
— Você acha que ele está bem?
Isabelle soou exasperada.
— Ele não precisa mais de você para defendê-lo, Clary. Ele tem a Marca de Caim. Ele pode ser explodido, alvejado e esfaqueado que vai ficar bem — ela olhou duramente para Clary — percebi que você não me perguntou por que odeio o Simon. Suponho que você sabia sobre a coisa de duas-ao-mesmo-tempo?
— Eu sabia — Clary admitiu — sinto muito.
Isabelle fez um movimento com a mão empurrando a confissão para longe.
— Você é a melhor amiga dele. Seria estranho se você não soubesse.
— Eu devia ter lhe contado. É só que... eu nunca tive a sensação de que você estava a sério com o Simon, sabe?
Isabelle fez uma careta.
— Eu não estava. É só que... pensei que ele poderia ter levado isso a sério, pelo menos. Já que eu era bonita demais para ele. Acho que eu esperava mais dele do que dos outros caras.
— Talvez — Clary disse calmamente — Simon não devia estar namorando com alguém que acha que é bonita demais para ele.
Isabelle olhou para ela, e Clary sentiu-se corar.
— Desculpe-me. A relação de vocês realmente não é da minha conta.
Isabelle estava torcendo seu cabelo escuro em um coque, algo que ela fazia quando estava tensa.
— Não, não é. Quero dizer, eu poderia perguntar por que você mandou a mensagem para ir à igreja te encontrar a mim e não a Jace, mas não perguntei. Eu não sou estúpida. Sei que algo errado está acontecendo entre vocês dois, apesar da sessão amasso-apaixonado-no-beco — ela olhou entusiasmadamente para Clary — vocês dois já dormiram juntos?
Clary sentiu o sangue correndo em seu rosto.
— O que... eu quero dizer, não, nós não dormimos, mas não vejo o que isso tem a ver com qualquer coisa.
— Isso não tem — Isabelle respondeu, dando batidinhas em seu coque — foi só curiosidade lúbrica. O que está te segurando?
— Isabelle... — Clary puxou suas pernas para cima, envolvendo seus braços em torno dos joelhos, e suspirou — nada. Nós estamos apenas levando nosso tempo. Eu nunca... você sabe.
— Jace fez. Quero dizer, suponho que ele fez. Eu não tenho certeza. Mas se você precisar de alguma qualquer coisa... — ela deixou a frase suspensa no ar.
— Precisar de qualquer coisa?
— Proteção. Você sabe. Assim você pode ser cuidadosa — Isabelle disse. Ela soou tão prática como se estivesse falando sobre botões extras — você poderia pensar que o Anjo foi providente para nos dar runas de controle de natalidade, mas não foi.
— É claro que eu serei cuidadosa — Clary gaguejou, sentindo suas bochechas ficarem vermelhas — chega. Isso é embaraçoso.
— Isso é conversa de garotas — Isabelle apontou — você só pensa que isso é embaraçoso porque passou sua vida toda com Simon como seu único amigo. Você não pode falar com ele sobre Jace. Isso seria embaraçoso.
— E Jace realmente não falou nada para você? Sobre o que está incomodando-o? — Clary perguntou, em voz baixa. — Você jura?
— Ele não precisa. O jeito como você tem agido, e Jace andando por aí parecendo alguém simplesmente morto, não é como se eu não tivesse notado que algo estava errado. Você deveria ter vindo falar comigo antes.
— Ele, pelo menos, está bem? — Clary perguntou muito calmamente.
Isabelle levantou-se da cama e olhou para baixo, para ela.
— Não. Ele não está muito bem. Você está?
Clary balançou a cabeça.
— Eu não achava que sim — Isabelle falou.

***

Para a surpresa de Simon, Camille, ao ver os Caçadores de Sombras, nem mesmo tentou resistir ao ataque. Ela gritou e correu para a porta, somente para congelar quando percebeu que era dia láfora, e que ao sair do banco iria rapidamente se incinerar. Ela arfou e ficou acuada contra a parede, suas presas à mostra, um silvo baixo vindo de sua garganta.
Simon recuou no momento em que uma multidão de Caçadores de Sombras da Clave o rodeou, todos de preto, como um bando de corvos assassinos.
Ele viu Jace, seu rosto pálido e rígido como mármore branco, deslizando uma espada de lâmina larga através de um dos subjugados no momento em que passava por ele tão casualmente quanto um pedestre poderia esmagar uma mosca. Maryse avançava na frente, seu cabelo negro esvoaçante lembrando Simon de Isabelle. Ela despachou o segundo subjugado acuado com um movimento em corte transversal da sua lâmina serafim, e avançou para Camille com sua brilhante lâmina estendida. Jace estava de um lado, e outro Caçador de Sombras – um homem alto com runas negras entrelaçando seus antebraços como videiras – estava do outro lado.
Os demais Caçadores de Sombras se espalharam e estavam vasculhando o banco, fazendo uma varredura com aquelas coisas estranhas que eles usam – sensores – checando cada canto atrás de atividade demoníaca. Eles ignoraram os corpos dos servos de Camille, deitados imóveis em suas poças de sangue secando. Ignoraram Simon também. Ele podia muito bem ser outro pilar, por toda a atenção que eles deram a ele.
— Camille Belcourt — disse Maryse, sua voz ecoando pelas paredes de mármore — você quebrou a Lei e está sujeita às suas penalidades. Você vai se render e vir conosco ou vai lutar?
Camille estava chorando, não fazendo nenhum esforço para esconder suas lágrimas, as quais estavam tingidas com sangue. Elas estavam listrando sua face branca com linhas vermelhas enquanto ela engasgava:
— Walker... e meu Archer...
Maryse parecia confusa. Ela virou para o homem a sua esquerda.
— Kadir, o que ela está dizendo?
— Os subjugados dela — ele respondeu — acredito que ela está lamentando pelas mortes deles.
Maryse sacudiu suas mãos desdenhosamente.
— É contra a Lei fazer servos entre seres humanos.
— Eu os fiz antes dos Seres do Submundo serem subjugados pelas suas malditas leis, cadela. Eles tem estado comigo há duzentos anos. Eram como filhos para mim.
As mãos de Maryse apertaram o cabo de sua lâmina.
— O que você pode saber sobre filhos? — ela sussurrou. — O que a sua espécie sabe sobre qualquer coisa além de destruir?
O rosto listrado de sangue de Camille brilhou por um momento com triunfo.
— Eu sabia. Não importa o que você possa dizer, qualquer mentira que conte, você odeia nossa espécie. Não odeia?
O rosto de Maryse tencionou.
— Peguem ela — ela ordenou — tragam-na para o Santuário.
Jace se moveu rapidamente para um dos lados de Camille e a pegou; Kadir pegou seu outro braço. Juntos, eles a prenderam entre si.
— Camile Belcourt, você está sendo acusada pelo assassinato de humanos — Maryse entoou — e do assassinato de Caçadores de Sombras. Você será levada ao Santuário, onde será interrogada. A sentença para o assassinato de Caçadores de Sombras é a morte, mas é possível que se você cooperar conosco, sua vida seja poupada. Você entendeu? — Maryse perguntou.
Camille gesticulou com sua cabeça desafiadoramente.
— Só existe um homem ao qual irei responder — ela falou — se você não o trouxer a mim, eu não direi nada. Você pode me matar, mas não direi nada a você.
— Muito bem — Maryse respondeu — que homem é esse?
Camille mostrou seus dentes.
— Magnus Bane.
— Magnus Bane? — Maryse pareceu impressionada. — O Alto Bruxo do Brooklyn? Porque você quer falar com ele?
— Eu responderei a ele — Camille repetiu — ou não responderei a mais ninguém.
E foi isso. Ela não disse outra palavra sequer. Enquanto era arrastada para longe por Caçadores de Sombras, Simon a observou ir. Ele não se sentiu, como tinha pensado que se sentiria, triunfante. Se sentiu vazio, e estranhamente mal do estômago. Ele olhou para os corpos dos subjugados assassinados. Não tinha gostado muito deles tampouco, mas eles não pediram para ser o que eram, não realmente. De uma forma, talvez nem Camille tivesse. Mas ela era um monstro para os Nephilins de qualquer forma. E, talvez, não fosse só porque ela tivesse matado Caçadores de Sombras; talvez, não houvesse forma, de fato, que eles pensassem nela de qualquer outro modo.
Camille foi empurrada através do Portal; Jace do outro lado, acenando impacientemente para Simon segui-lo.
— Você vem ou não? — ele chamou.
Não importa o que você possa dizer, qualquer mentira que conte, você odeia nossa espécie.
— Estou indo — Simon respondeu, e relutantemente se moveu para frente.

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