Capítulo 12 - A Hostilidade dos Sonhos
Simon observou Clary enquanto ela se inclinava contra a geladeira, mordendo seu lábio como sempre fazia quando estava chateada. Frequentemente ele se esquecia do quão pequena ela era, quão franzina e frágil, mas em horas como essa – horas quando ele queria por seus braços em torno dela – ele se retraiu pelo pensamento de que segurá-la muito forte poderia machucá-la, especialmente agora quando ele não conhecia sua própria força.
Jace, ele sabia, não se sentia assim. Simon tinha observado com uma doentia sensação em seu estômago, incapaz de olhar para longe, quando Jace tinha tomado Clary nos braços e beijado-a com tanta força que Simon tinha pensado que um ou os ambos pudessem se quebrar. Ele tinha abraçado-a como se ele precisasse esmagá-la dentro dele, como se pudesse dobrar os dois em uma pessoa.
— Simon — a voz dela o trouxe de volta a Terra — Simon, você está me escutando?
— O quê? Sim, eu estou. É claro.
Ele se encostou na pia, tentando parecer como se estivesse prestando atenção. A torneira estava pingando, o que momentaneamente distraiu-o novamente – cada gota prateada de água parecia cintilar, em formato de lágrima e perfeita, um pouco antes de cair. A visão do vampiro era uma coisa estranha, ele pensou. Sua atenção mantinha-se presa nas coisas mais comuns – o brilho da água, as rachaduras transparecendo em um pedaço de pavimento, o brilho do óleo em uma pista – como se ele nunca tivesse visto antes.
— Simon! — Clary disse novamente, exasperada.
Ele tinha notado que ela estava segurando alguma coisa rosa e metálica para ele. O novo celular dela.
— Eu disse que quero que você ligue para Jace.
Aquele tapa trouxe sua atenção de volta.
— Eu ligar para ele? Ele me odeia.
— Não, ele não odeia — ela discordou, apesar de ele poder dizer pelo olhar nos olhos dela que ela só meio que acreditava nisso — além do mais, eu não quero falar com ele. Por favor?
— Ótimo — ele pegou o telefone da mão dela e o percorreu para o número de Jace — o que você quer que eu fale?
— Só diga a ele o que aconteceu. Ele vai saber o que fazer.
Jace atendeu o telefone no terceiro toque, soando sem respiração.
— Clary — ele disse, assustando Simon até que ele percebeu que obviamente o nome de Clary teria aparecido no telefone de Jace. — Clary, você está bem?
Simon hesitou. Havia um tom na voz de Jace que ele nunca tinha ouvido antes, uma preocupação ansiosa desprovida de sarcasmo ou defesa. Era o modo como ele fala com Clary quando eles estão sozinhos? Simon olhou para ela, que estava observando-o com largos olhos verdes, mordendo inconscientemente a unha do indicador direito.
— Clary — Jace falou novamente — eu pensei que você estivesse me evitando...
Um flash de irritação acertou Simon. Você é irmão dela, ele queria gritar na linha de telefone, e ponto final. Você não pertence a ela. Você não tem o direito de soar assim tão... tão... de coração partido.
Aquela era a palavra. Apesar de ele nunca pensar em Jace tendo um coração para se partir.
— Você está certo — Simon respondeu finalmente, sua voz fria — ela ainda está te evitando. Aqui é o Simon
Houve um tipo de longo silêncio e Simon se perguntou se Jace tinha largado o telefone.
— Alô?
— Eu estou aqui — a voz de Jace era seca e fria como as folhas no outono, toda vulnerabilidade sumiu — se você está me ligando só para bater um papo, mundano, deve estar mais solitário do que eu pensava.
— Acredite, eu não te ligaria se eu tivesse uma escolha. Estou fazendo isso por causa da Clary.
— Ela está bem? — A voz de Jace ainda era seca e fria, mas com uma beira naquilo agora, as folhas de outono cobertas com um resplendor de gelo duro. — Se alguma coisa aconteceu com ela...
— Nada aconteceu com ela.
Simon lutou para manter a raiva fora de sua voz. Tão breve quanto podia, ele deu a Jace um resumo dos eventos da noite e a condição resultante de Maia. Jace esperou até que ele terminasse, então expressou um conjunto de curtas instruções. Simon escutou em confusão e se encontrou acenando, antes de notar que Jace não podia vê-lo. Ele começou a falar e percebeu que estava escutando em silêncio; o outro garoto tinha desligado. Sem palavras, Simon fechou o telefone e o deu para Clary.
— Ele está vindo pra cá.
Ela caiu contra a pia.
— Agora?
— Agora. Magnus e Alec vão estar com ele.
— Magnus? — ela disse desorientadamente, e então. — Oh, é claro. Jace tem ficado com Magnus. Eu estava pensando que ele estava no Instituto, mas é claro que ele não estaria lá. Eu...
Um grito pungente vindo da sala de estar interrompeu ela. Seus olhos se arregalaram.
Simon sentiu os pelos de sua nuca se arrepiaram.
— Está tudo bem — ele disse, tão tranquilamente quanto podia — Luke não machucaria Maia.
— Ele está machucando ela. Ele não tem escolha — Clary disse. Ela estava balançando a cabeça. — É como é nestes dias. Nunca há uma escolha.
Maia chorou novamente e Clary agarrou o canto do balcão como se fosse ela quem estivesse em dor.
— Eu odeio isso! — ela botou pra fora. — Eu odeio tudo isso! Sempre estando assustada, sempre sendo caçada, sempre se perguntando quem vai ser o próximo a se machucar. Eu queria poder voltar do jeito que as coisas costumavam ser!
— Mas você não pode. Nenhum de nós pode. Pelo menos você ainda pode sair na luz do dia.
Ela se virou para ele, os lábios separados, seus olhos grandes e escuros.
— Simon, eu não queria...
— Eu sei que não — ele se voltou para longe, sentindo como se tive alguma coisa presa em sua garganta — estou indo ver o que eles estão fazendo.
Por um momento, pensou que ela fosse segui-lo, mas ela deixou a porta da cozinha fechar entre eles sem protestar.
Todas as luzes estavam acessas na sala de estar. Maia estava deitada com o rosto no sofá cinza, o cobertor que ele tinha trazido puxado sobre o peito. Ela estava segurando um pedaço de tecido contra seu braço direito; o tecido estava parcialmente ensopado com sangue. Os olhos dela estavam fechados.
— Onde está Luke? — Simon perguntou, então recuou, se perguntando se seu tom era muito duro, muito exigente.
Ela parecia horrível, seus olhos afundados em buracos cinza, a boca apertada com a dor.
Seus olhos flutuaram abertos e fixaram-se nele.
— Simon — ela respirou — Luke foi lá fora para remover o carro do gramado. Ele estava preocupado com os vizinhos.
Simon olhou para a janela. Podia ver a varredura dos faróis passando pela casa enquanto Luke colocava o carro na garagem.
— Como você está? Ele tirou aquelas coisas do seu braço?
Ela acenou vagarosamente.
— Estou só cansada — ela sussurrou por seus lábios rachados. — E... com sede.
— Eu vou pegar água.
Havia um jarro de água e uma pilha de copos na estante ao lado da mesa da sala de estar. Simon derramou um copo cheio do líquido tépido e trouxe para Maia. As mãos dele estavam tremendo ligeiramente e um pouco de água foi derramada enquanto ela pegava o copo dele. Ela estava levantando a cabeça, para dizer alguma coisa – obrigada, provavelmente – quando seus dedos se tocaram, e ela estremeceu tão duramente que o copo saiu voando. O copo bateu no canto da mesa de café e estilhaçou, esparramando a água através do piso de madeira polida.
— Maia. Você está bem?
Ela se encolheu para longe dele, seus ombros pressionados contra a parte de trás do sofá, ela puxou seus lábios libertando seus dentes. Seus olhos tinham mudado para amarelo luminoso. Um baixo rosnar veio de sua garganta, o som de um cachorro encurralado no canto.
— Maia? — Simon disse novamente, horrorizado.
— Vampiro — ela rosnou.
Ele sentiu como se ela tivesse batido nele.
— Maia...
— Eu pensei que você fosse humano. Mas você é um monstro. Um parasita sanguessuga.
— Eu sou um humano... quero dizer, eu era humano. Eu me transformei. Há poucos dias — sua mente estava nadando; ele se sentia tonto e doente — assim como você foi...
— Nunca se compare a mim! — Ela tinha lutado para uma posição sentada, aqueles medonhos olhos amarelos ainda nele, esquadrinhando-o com seu desgosto. — Eu ainda sou humana, ainda viva... você é uma coisa morta que se alimenta de sangue.
— Sangue animal...
— Só porque você não pode conseguir humano, ou os Caçadores de Sombras iriam te queimar vivo...
— Maia — ele repetiu, o nome em sua boca era meio furioso e meio um pedido, ele deu um passo na direção dela e a mão dela ergueu-se, as unhas lançando-se fora como garras, subitamente longas. Elas rasparam sua bochecha, enviando-o vacilante para trás, a mão presa em seu rosto. Sangue corria de sua bochecha, para sua boca. Ele provou o gosto e seu estômago rugiu.
Maia estava encolhida no braço do sofá agora, seus joelhos dobrados, os dedos deixando profundos talhos na camurça cinza. Um baixo rugido verteu de sua garganta e suas orelhas estavam longas e planas contra sua cabeça. Quando ela desnudou seus dentes, eles eram afiadamente denteados – não pontiagudos – finos como os dele, mas fortes, caninos brancos apontados. Ela tinha caído e o tecido ensanguentado de seu braço escapou. Simon pôde ver as perfurações onde os espinhos tinham estado, o lampejo de sangue, transbordando, derramando...
Uma dor aguda em seu lábio inferior disse a ele que suas presas tinham deslizado. Uma parte dele queria lutar com ela, jogá-la no chão e perfurar sua pele com seus dentes, engolir seu sangue quente. O resto dele sentia como se estivesse gritando. Ele deu um passo para trás e então outro, suas mãos erguidas como se pudesse segurá-la para trás.
Maia se retesou para saltar justo quando a porta da cozinha voou aberta e Clary explodiu para dentro da sala. Ela pulou para a mesa de café, aterrissando suavemente como um gato. Segurava algo em sua mão, alguma coisa que luziu um brilho prateado quando ela levantou seu braço. Simon viu que era uma adaga tão elegantemente curvada quanto as asas de um pássaro; uma adaga que chicoteou passando pelo cabelo de Maia, a milímetros de seu rosto, e afundou até o cabo na camurça cinza. Maia tentou se empurrar para longe e arfou; a lâmina passou a manga dela e a pregou no sofá.
Clary puxou a lâmina de volta. Era de Luke. No momento que ela se lançou da cozinha e pegou um olhar do que estava acontecendo na sala de estar, foi direto à sala de armas pessoal que ele mantinha em seu escritório. Maia poderia estar enfraquecida e doente, mas parecia louca o suficiente para matar, e Clary não tinha dúvidas das habilidades dela.
— Que diabos está acontecendo com você? — Como se vindo a distância, Clary se ouviu falando, e a dureza em sua própria voz espantou-a — lobisomens, vampiros, ambos são Seres do Submundo.
— Lobisomens não machucam pessoas, ou uns aos outros. Vampiros são assassinos. Um matou o menino no Caçador da Lua outro dia...
— Aquilo não foi um vampiro — Clary viu Maia empalidecer com a certeza em sua voz — e se vocês parassem de culpar os outros toda hora que acontecer uma coisa ruim no Submundo, talvez os Nephilim começassem a levar vocês a sério e realmente fizessem algo sobre isso.
Ela se virou para Simon. Os cortes em sua bochecha já estavam se curando nas linhas vermelhas prateadas.
— Você está bem?
— Sim.
A voz dele era pouco audível. Ela podia ver a dor em seus olhos, e por um momento ela lutou com a urgência de chamar Maia de vários nomes que não podiam ser escritos.
— Eu estou bem.
Clary virou-se de volta para a garota lobisomem.
— Você tem sorte de ele não ser tão preconceituoso quanto você, ou eu iria me queixar a Clave e fazer com que todo o bando pagasse por seu comportamento.
Com um forte puxão, ela arrancou a faca, libertando a camiseta de Maia.
Maia se enfureceu.
— Você não sacou. Vampiros são o que são por que estão infestados com energias demoníacas...
— Assim como os licantropos! — Clary rebateu. — Eu posso não saber muito, mas sei disso.
— Mas esse é o problema. As energias de demônio nos muda, nos faz diferentes – você pode chamar disso de uma doença ou o que quiser, mas os demônios que criaram os vampiros e os demônios que criaram os lobisomens vieram de espécies que estavam em luta uns com o outros. Eles odeiam um ao outro, logo, está em nosso sangue odiar um ao outro também. Nós não podemos evitar. Um lobisomem e um vampiro nunca poderão ser amigos por causa disso — ela olhou para Simon. Seus olhos estavam brilhantes com a raiva e algo mais — você vai começar a me odiar em breve. Vai odiar Luke também. Não será capaz de evitar isso.
— Odiar Luke? — Simon estava pálido, mas antes que Clary pudesse tranquilizá-lo, a porta da frente se abriu.
Clary olhou na direção da entrada, esperando por Luke, mas não era Luke.
Era Jace. Ele estava todo de preto, duas lâminas serafim presas em seu cinto que circulava em seus estreitos quadris. Alec e Magnus estavam bem atrás dele, Magnus em uma longa capa que parecia estar decorada com pedaços de vidro estilhaçado.
Os olhos dourados de Jace, com a precisão de um laser fixaram-se imediatamente em Clary. Se ela pensou que ele poderia parecer defensivo, preocupado, ou até mesmo envergonhado depois de tudo o que tinha acontecido, ela estava errada. Tudo nele parecia furioso.
— O que — ele disse com um nítido e deliberado aborrecimento — você pensa que está fazendo?
Clary olhou para si mesma. Ela ainda estava empoleirada na mesa de café, a faca na mão. Ela lutou com o desejo de esconder a faca atrás dela.
— Tivemos um incidente. Eu cuidei disso.
— Realmente — a voz de Jace gotejava sarcasmo — você sabe como usar uma faca, Clarissa? Sem perfurar um buraco em si mesma ou em algum expectador inocente?
— Eu não machuquei ninguém — Clary disse entre os dentes.
— Ela esfaqueou o sofá — Maia falou em uma voz fraca, seus olhos se fechando.
Suas bochechas ainda estavam coradas de vermelho com a febre e a raiva, mas o resto de seu rosto estava alarmantemente pálido.
Simon olhou para ela preocupado.
— Eu acho que ela está ficando pior.
Magnus limpou sua garganta. Já que Simon não se movia, ele falou:
— Saia do caminho, mundano — em um tom de imenso aborrecimento. Sua capa flutuou para trás enquanto ele atravessava a sala para onde Maia estava deitada no sofá — acho que você é minha paciente? — ele perguntou, olhando para ela através dos seus cílios enfeitados de glitter.
Maia levantou a cabeça para ele com os olhos desfocados.
— Eu sou Magnus Bane — ele continuou em um tom tranquilizador, esticando suas mãos cheias de anel. Faíscas azuis começaram a dançar entre eles como bioluminescências dançando na água — eu sou o bruxo que vai curar você. Eles não disseram que eu estava vindo?
— Eu sei quem você é, mas... — Maia parecia confusa — você parece tão... tão... cintilante.
Alec fez um barulho que soou muito como uma risada sufocada por uma tosse enquanto as finas mãos de Magnus criavam uma cortina azul brilhante de magia ao redor da garota lobisomem.
Jace não estava rindo.
— Onde está Luke?
— Ele está lá fora — Simon respondeu — estava movendo a caminhonete do gramado.
Jace e Alec trocaram um rápido olhar.
— Engraçado — Jace respondeu. Ele não soou divertido. — Eu não o vi quando viemos pelas escadas.
Um fino indício de pânico desenrolou como uma folha dentro do peito de Clary.
— Vocês viram a picape dele?
— Eu a vi — Alec respondeu — ela estava na garagem. As luzes estavam apagadas.
Com aquilo, até mesmo Magnus, cuidando do Maia, olhou para cima. Através da rede de encantamento que ele tinha tecido ao redor de si mesmo e da garota lobisomem, suas feições pareciam borradas e indistintas, como se estivesse olhando para eles através de água.
— Eu não gosto disso — ele falou, sua voz soando oca e distante — não depois de um ataque de Drevak. Eles perambulam em bandos.
A mão de Jace já tinha alcançado uma lâmina serafim.
— Eu vou procurar por ele. Alec você fica aqui, mantenha a casa segura.
Clary pulou da mesa.
— Eu vou com você.
— Não, você não vai.
Ele se guiou para porta, sem olhar para ver se ela estava seguindo.
Clary se colocou em uma explosão de velocidade e se jogou entre ele e a porta da frente.
— Pare.
Por um momento, pensou que ele ia manter-se andando mesmo que fosse atropelá-la, mas ele parou a apenas centímetros dela, tão perto que ela podia sentir sua respiração agitar seus cabelos quando ele falou.
— Eu vou te golpear se tiver que fazer isso, Clarissa.
— Pare de me chamar assim.
— Clary — ele disse em uma voz baixa, e o som de seu nome em sua boca era tão intimo que um arrepio correu por sua espinha.
O ouro em seus olhos tinha ficado duros, metálico. Ela se perguntou por um momento se ele poderia realmente lançar-se sobre ela, jogando-a abaixo, segurando seus pulsos. Lutar com ele seria como sexo para outras pessoas. O pensamento dele tocando-a daquela forma trouxe o sangue para suas bochechas em uma torrente quente.
Sua voz saiu sem fôlego quando ela falou:
— Ele é meu tio, não seu...
Um humor selvagem reluziu no rosto dele.
— Nenhum tio seu é tio meu, querida irmã. E ele não tem nenhuma relação de sangue com nenhum de nós.
— Jace...
— Além disso, não tenho tempo para marcar você — ele continuou, os olhos de ouro vagarosamente varrendo-a — e tudo o que você tem é esta faca. Não vai ser muito útil se tivermos que lidar com demônios.
Ela apontou a faca para ele e depois encravou-a na parede ao lado da porta, e foi recompensada com um olhar surpreso no rosto dele.
— E daí? Você tem duas lâminas serafim; me dê uma.
— Ah, pelo amor de... — Era Simon, as mãos comprimidas em seus bolsos, olhos queimando como carvão negro em seu rosto branco. — Eu irei.
Clary pretextou:
— Simon, não...
— Pelo menos eu não estou perdendo meu tempo parado aqui flertando enquanto nós não sabemos o que aconteceu ao Luke — ele gesticulou para ela se mover para o lado da porta.
Os lábios de Jace afinaram.
— Todos nós iremos — para a surpresa de Clary, ele puxou uma lâmina serafim de seu cinto e a segurou para ela — pegue.
— Qual é o seu nome? — ela perguntou, se afastando da porta.
— Nakir.
Clary havia deixado seu casaco na cozinha, e o ar frio cobrindo o Rio East cortava através da fina camisa no momento que ela pisou na varanda escura.
— Luke? — ela chamou. — Luke!
A caminhonete estava estacionada na garagem, uma das portas escancarada. A luz interna estava acesa, derramando um fraco brilho. Jace franziu as sobrancelhas.
— As chaves estão na ignição. O carro está ligado.
Simon fechou a porta da casa atrás deles.
— Como você sabe disso?
— Eu posso ouvir — Jace olhou para Simon especulativamente — e você poderia se tentasse, sanguessuga.
Ele movimentou-se a passos largos pelas escadas, um sorriso fraco no rosto.
— Pensei que você achasse “mundano” melhor do que sanguessuga — Simon murmurou.
Jace estava certo, a caminhonete estava ligada. Clary suspirou exaustivamente enquanto se aproximavam, seu coração afundando. Luke nunca teria deixado a porta do carro aberta e as chaves na ignição a menos que algo tivesse acontecido.
Jace estava circulando a caminhonete, de cara amarrada.
— Traga a pedra enfeitiçada para mais perto — ele se ajoelhou na grama, correndo os dedos levemente por ela.
De um bolso interno ele trouxe um objeto que Clary reconheceu: um pedaço de metal plano, todo gravado com delicadas runas. Um sensor. Jace passou o objeto pela grama, que soltou uma série de altos ruídos e cliques.
— Definitivamente, ação demoníaca. Estou pegando fortes indícios.
— Poderia ser o rastro deixado pelo demônio que atacou Maia? — Simon perguntou.
— Os níveis são muito altos. Havia mais de um demônio aqui esta noite — Jace levantou sobre seus pés, sério — talvez vocês dois devessem voltar para dentro. Mande Alec aqui fora. Ele já lidou com este tipo de coisa antes.
— Jace...
Clary estava furiosa novamente. Ela se interrompeu quando uma coisa capturou sua atenção. Era um cintilar de movimento, do outro lado da rua, abaixo do banco de cimento no Rio East. Havia alguma coisa ali – um ângulo pegando a luz, alguma coisa muito rápida, muito alongada para ser humana...
Clary levantou seu braço, apontando.
— Olha! Na água!
Jace seguiu seu olhar e sugou a respiração. Então ele estava correndo, e os outros correndo após ele, sobre o asfalto da Rua Kent e para dentro da grama baixa que cercava a margem da água. A pedra enfeitiçada balançava na mão de Clary enquanto ela corria, iluminando os pontos da margem do rio com uma casual iluminação: um pedaço de ervas lá, um sobressaído concreto quebrado que quase a fez tropeçar, um monte de lixo e vidro quebrado – e então, enquanto eles chegavam a uma visão clara do rio, a figura dobrada de um homem.
Era Luke – Clary percebeu instantaneamente, embora as duas formas escuras e corcundas encurvadas sobre ele bloqueassem seu rosto. Eles estavam em suas costas, tão perto da água que ela se perguntou por um momento de pânico se as criaturas com corcundas estavam segurando-o para baixo, tentando afogá-lo. Então eles o puxaram de volta, sibilando através de bocas sem lábios perfeitamente circulares, e ela viu que a cabeça dele estava descansando na margem do rio. Seu rosto estava fraco e cinza.
— Demônios Raum — Jace sussurrou.
Os olhos de Simon estavam esbugalhados.
— São as mesmas coisas que atacaram Maia...?
— Não. Estes são muito pior — Jace gesticulou para Simon e Clary ficarem atrás dele — vocês dois, para trás — ele levantou a lâmina serafim — Israfiel! — gritou, e lá estava uma súbita explosão quente de luz chamejando.
Jace saltou em frente, varrendo sua arma mais próxima dos demônios. Na luz da lâmina serafim, a aparência dos demônios era desagradavelmente visível: branco morto, pele escamosa, um buraco negro no lugar da boca, olhos salientes como de sapo, braços que terminavam em tentáculos.
Os monstros atacaram com aqueles tentáculos, chicoteando em direção a Jace com incrível velocidade. Mas Jace foi mais rápido. Houve um tipo de horrível ruído de corte enquanto Israfiel cortava através do punho do demônio e os tentáculos anexos voavam pelo ar. A ponta do tentáculo veio descansar aos pés de Clary, ainda se contorcendo. Era cinza esbranquiçado, as extremidades com ventosas vermelho sangue. Dentro das ventosas estava um grupo de pequeninos dentes afiados de agulhas.
Simon fez um ruído de vômito. Clary estava inclinada a concordar. Ela chutou o espasmódico pedaço de tentáculo, mandando-o rolando pela grama suja. Quando olhou para cima, viu que Jace tinha golpeado o demônio ferido e eles estavam caindo juntos através das pedras da beira do rio. O brilho da lâmina serafim de Jace enviou elegantes arcos de luz fragmentada pela água quando ele torceu e se virou para evitar os tentáculos remanescentes da criatura – sem mencionar o sangue negro espalhando dos punhos decepados. Clary hesitou – ela deveria ir até Luke ou correr e ajudar Jace? – e naquele momento de hesitação ela ouviu Simon gritar:
— Clary, cuidado!
E se virou para ver o segundo demônio se arremessando direto para ela.
Não havia tempo de alcançar a lâmina serafim em seu cinto, nenhum tempo para se lembrar de gritar seu nome. Ela levantou os braços e o demônio a acertou, jogando-a de costas. Ela caiu com um grito, batendo o ombro dolorosamente contra o chão irregular. Tentáculos lisos rasparam sua pele. Um envolveu seu braço, apertando-o dolorosamente; o outro chicoteou a frente, envolvendo sua garganta.
Clary agarrou freneticamente o próprio pescoço, tentando puxar o tentáculo para longe de sua traqueia. Seus pulmões já estavam doendo. Ela chutou e se retorceu...
E subitamente a pressão se foi; a coisa estava longe dela. Ela sugou uma respiração sibilante e rolou em seus joelhos. O demônio estava meio encolhido, encarando-a com olhos negros sem pupilas. Preparando-se de novo para atacar? Ela agarrou a lâmina, e murmurou:
— Nakir.
Um lance de luz surgiu vindo de seus dedos. Ela nunca tinha segurado uma lâmina do Anjo antes. O cabo tremia e vibrava em sua mão; e ela a sentiu viva.
— NAKIR! — ela gritou, vacilando em seus pés, a arma estendida e apontada para o demônio Raum.
Para sua surpresa, o demônio agitou-se para trás, os tentáculos ondulando, quase como se ele estivesse – mas isso não era possível – com medo dela. Ela viu Simon correndo em direção a ela com um objeto que parecia um tubo de aço em sua mão; atrás dele, Jace estava ficando em seus joelhos. Ela não podia ver o demônio com que ele tinha lutado. Talvez tenha matado.
O segundo demônio Raum estava com a boca aberta e fazia um barulho angustiado, um ruído assobiante, como uma monstruosa coruja. Abruptamente, ele se virou, os tentáculos acenando, lançou-se em direção a margem e saltou dentro do rio. Um jorro de água preta espalhou-se acima, e então o demônio tinha ido, desaparecendo embaixo da superfície do rio sem nem mesmo uma leva de bolhas para marcar o seu lugar.
Jace alcançou-a justo quando o demônio desapareceu. Ele estava inclinado e ofegante, cheirando a sangue negro do demônio.
— O que... aconteceu? — ele exigiu entre o ofegar da respiração.
— Eu não sei — Clary admitiu — ele veio até mim, tentei lutar, mas ele era rápido demais – e então ele apenas foi embora. Como se tivesse visto alguma coisa que o assustou.
— Você está bem?
Era Simon, escorregando em uma parada em frente a ela, sem ofegar, ele não respira mais, ela lembrou a sim mesma – mas ansioso, agarrando um grosso e longo cano em sua mão.
— Onde você conseguiu isso? — Jace perguntou.
— Eu arranquei isso ao lado de uma cabine de telefone — Simon olhou como se a recordação o surpreende-se — acho que você pode fazer qualquer coisa quando a adrenalina está alta.
— Ou você tem uma maldita força dos diabos — Jace sugeriu.
— Ah, calem a boca, vocês dois — rebateu Clary, vendo um martirizado olhar vindo de Simon e um olhar atravessado vindo de Jace. Ela se empurrou passando os dois, em direção a margem do rio — ou vocês se esqueceram de Luke?
Luke ainda estava inconsciente, mas respirando. Estava tão pálido quanto Maia, a manga rasgada no ombro. Quando Clary afastou o tecido enrijecido de sangue de sua pele, trabalhando com tanta delicadeza quanto podia, ela viu que em todo seu ombro estava um grupo de feridas circulares vermelhas onde tentáculos haviam apertado-o. De cada uma saía uma mistura de sangue e fluido enegrecido. Ela sugou o ar audivelmente.
— Nós temos que levá-lo para dentro.
Magnus estava esperando por eles na frente da varanda quando Simon e Jace carregavam Luke, desmoronado entre eles, acima das escadas. Tendo terminado com Maia, Magnus tinha colocado-a na cama do quarto de Luke, então levaram Luke para o sofá onde ela tinha estado e deixado Magnus ir trabalhar nele.
— Ele vai ficar bom? — Clary exigiu, pairando em torno do sofá enquanto Magnus invocava um fogo azul que brilhava entre suas mãos.
— Ele vai ficar bem. O veneno do Raum é um pouco mais complexo do que um aguilhão do Drevak, mas nada que eu não possa lidar — Magnus se moveu para longe dela — pelo menos se você se afastar e me deixar trabalhar.
Relutantemente ela se afundou na poltrona. Jace e Alec estavam na janela, as cabeças próximas. Jace estava gesticulando com suas mãos. Apostava que ele estava explicando para Alec o que tinha acontecido com os demônios. Simon parecia desconfortável, inclinado contra a parede ao lado da porta da cozinha. Parecia perdido em pensamentos. Não querendo olhar para o rosto cinzento e os olhos fundos de Luke, Clary deixou seu olhar descansar em Simon, avaliando as maneiras em que ele parecia familiar e muito estranho.
Sem os óculos, seus olhos pareciam duas vezes maiores, e muito negros, mais escuros do que castanho. Sua pele era pálida e lisa como mármore branco, tracejada com veias escuras nas têmporas e nos acentuados ângulos dos ossos da face. Mesmo seu cabelo parecia mais escuro, em forte contraste com o branco de sua pele.
Ela se lembrou ad multidão no hotel de Raphael, se perguntando o porquê de todos serem tão bonitos e atraentes. Talvez houvesse alguma regra sobre não fazer vampiros fisicamente não atraentes, ela tinha pensado então, mas agora se perguntou se o vampirismo em si não era transformador, suavizando a pele manchada, adicionando cor e brilhos aos olhos e cabelos. Talvez fosse uma revolucionária vantagem para as espécies. Boa aparência só podia ajudar os vampiros a atrair as suas presas.
Ela notou que Simon estava encarando-a de volta, seus olhos escuros largos. Saindo de seu devaneio, ela se virou para ver Magnus levantando. A luz azul tinha desaparecido. Os olhos de Luke ainda estavam fechados, mas a feia tonalidade cinzenta de sua pele tinha ido embora, sua respiração estava profunda e regular.
— Ele está bem! — Clary exclamou.
Alec, Jace e Simon se apressaram para dar uma olhada. Simon deslizou sua mão para a de Clary, e ela envolveu os dedos ao redor dos dele, feliz por apertá-los.
— Então, ele vai viver? — Simon perguntou, enquanto Magnus se afundava nos braços da poltrona mais próxima. — Você tem certeza?
Ele parecia esgotado, tenso e azulado.
— Sim, tenho certeza. Eu sou o Alto bruxo do Brooklyn; eu sei o que estou fazendo.
Seus olhos se moveram para Jace, que tinha dito algo para Alec em uma voz muito baixa para que o resto deles ouvisse.
— O que me lembra — Magnus continuou, soando ríspido – e Clary nunca tinha ouvido ele soar ríspido antes — que eu não estou exatamente certo do que estou fazendo, me chamando toda vez que um de vocês tem uma unha encravada que necessita de um corte. Como Alto bruxo, meu tempo é precioso. Existem bastantes bruxos sem valor que ficariam felizes em fazer um trabalho para vocês numa taxa muito reduzida.
Clary piscou para ele em surpresa.
— Você está nos cobrando? Mas Luke é um amigo!
Magnus pegou um fino cigarro azul do bolso de sua camisa.
— Não um amigo meu — ele disse — eu o encontrei em poucas ocasiões quando sua mãe o trouxe, apenas quando seu feitiço de memória era atualizado — ele passou uma mão na ponta do cigarro e acendeu em uma chama multicolorida — você acha que estou te ajudando pela bondade em meu coração? Ou eu sou apenas o único bruxo que aconteceu de você conhecer?
Jace tinha escutado este pequeno discurso com uma latente fúria faiscando seus olhos âmbares para ouro.
— Não — ele respondeu — mas você é o único bruxo que conhecemos que está saindo com um amigo nosso.
Por um momento, todos o encararam – Alec em completo horror, Magnus em espantosa fúria, e Clary e Simon em surpresa. Foi Alec quem falou primeiro, sua voz tremendo:
— Por que você diria algo parecido com isso?
Jace pareceu confuso.
— Algo como o quê?
— Que eu estou namorando... que nós estamos... isso não é verdade — Alec disse, sua voz aumentando e caindo várias oitavas enquanto ele lutava para controlá-la.
Jace olhou para ele firmemente.
— Eu não disse que você estava namorando ele, mas engraçado que você sabia exatamente o que eu quis dizer, não é?
— Nós não estamos namorando — Alec repetiu.
— Ah? — Magnus falou. — Então você é apenas amigável com todo mundo, é isso?
— Magnus — Alec olhou implorativamente para o bruxo.
Magnus, no entanto, parecia estar farto. Ele cruzou os braços sobre o peito e se inclinou de volta em silêncio, observando a cena ante ele com olhos estreitos.
Alec se virou para Jace.
— Você não... — ele começou — eu quero dizer, você não poderia pensar...
Jace estava balançando sua cabeça em perplexidade.
— O que eu não saquei é você todo este tempo escondendo seu relacionamento com Magnus de mim, quando pensei que você me contaria esse tipo de coisa.
Se ele quis que suas palavras fossem tranquilizadoras, estava claro que não causaram o efeito desejado. Alec mudou para uma cor pálida e não disse nada. Jace se virou para Magnus.
— Me ajude a convencê-lo que eu realmente não me importo.
— Oh — Magnus respondeu calmamente — acho que ele acredita em você sobre isso.
— Então eu não...
Perplexidade estava estampado no rosto de Jace, e por um momento Clary viu a expressão de Magnus e sabia que ele estava fortemente tentado a responder. Movida por uma precipitada pena por Alec, ela puxou sua mão da de Simon e disse:
— Jace, já chega. Deixe-o em paz.
— Deixar quem em paz? — Luke perguntou.
Clary girou ao redor para encontrá-lo sentado no sofá, piscando com um pouco de dor, mas parecendo, por outro lado, suficientemente saudável.
— Luke!
Ela se lançou para o lado do sofá, considerando abraçá-lo, e viu o modo como segurava seu ombro, e decidiu contra isso.
— Você se lembra do que aconteceu?
— Não realmente — Luke passou uma mão em seu rosto — última coisa que eu me lembro era sair da caminhonete. Alguma coisa acertou meu ombro e me lançou de lado. Lembro da mais incrível dor – de qualquer modo devo ter desmaiado depois disso. A próxima coisa que eu sabia era de estar escutando cinco pessoas gritando. O que foi isso, afinal?
— Nada — Clary, Simon, Alec, Magnus e Jace surpreendente responderam em uníssono.
Apesar de sua óbvia exaustão, as sobrancelhas de Luke atiraram-se para cima.
— Tô vendo — foi tudo o que ele disse.
Desde que Maia ainda estava dormindo no quarto de Luke, ele anunciou que estaria muito bem no sofá. Clary tentou dar a ele a cama no quarto dela, mas ele se recusou a aceitá-la. Desistindo, ela guiou-se no corredor estreito para conseguir lençóis e cobertores no armário de roupa de cama. Ela estava puxando uma manta para baixo de uma prateleira alta quando sentiu alguém atrás dela. Clary girou, derrubando o cobertor que estava segurando em uma suave pilha a seus pés.
Era Jace.
— Desculpe ter te assustado.
— Tudo bem — ela curvou-se para recuperar o cobertor.
— Na verdade, não estou arrependido. Esta é a maior emoção que eu tenho visto vindo de você há dias.
— Eu não tenho visto você há dias.
— E de quem é a culpa? Eu te liguei e você não atendeu o telefone. E não é como se eu pudesse simplesmente vir te ver. Estou preso, no caso de você ter esquecido.
— Não exatamente preso — ela tentou soar leve enquanto se endireitava — você tem Magnus de companhia. E a Ilha de Gilligan.
Jace sugeriu que o elenco da ilha de Gilligan poderia fazer alguma coisa anatomicamente improvável com eles mesmos.
Clary suspirou.
— Não era para você supostamente estar indo com Magnus?
Sua boca se torceu e ela viu alguma coisa fraturar por trás de seus olhos, uma explosão de dor.
— Não vê a hora de se livrar de mim?
— Não.
Ela abraçou o cobertor contra si mesma e olhou para mãos dele, incapaz de encontrar seus olhos. Seus delgados dedos eram cobertos por cicatrizes e belos, com um faixa mais clara na pele pálida ainda visível onde ele tinha usado o anel dos Morgenstern em seu dedo indicador direito. O anseio de tocá-lo era tão grande que ela queria largar os cobertores e gritar.
— Quero dizer, não, não é isso. Eu não odeio você, Jace.
— Eu não te odeio também.
Ela olhou para ele aliviada.
— Estou feliz por ouvir isso...
— Eu gostaria de te odiar — ele falou. Sua voz era suave, a boca curvada em um despreocupado meio sorriso, os olhos doentes com tristeza — quero te odiar. Tento te odiar. Seria muito mais fácil se eu te odiasse. Algumas vezes acho que te odeio e então quando te vejo, eu...
As mãos de Clary tinham aumentado a dormência com seu aperto no cobertor.
— O quê?
— O que você acha? — Jace balançou a cabeça — porque eu deveria dizer tudo sobre como eu me sinto quando você nunca me diz nada? É como bater minha cabeça contra uma parede, só que se eu estivesse batendo minha cabeça contra uma parede, eu seria capaz de me fazer parar.
Os lábios de Clary estavam tremendo tão violentamente que ela achou difícil falar.
— Você acha que é fácil para mim? — Ela exigiu. — Você acha que...
— Clary?
Era Simon, vindo pelo corredor com essa nova graça sem som dele, assustando-a tanto que ela derrubou o cobertor de novo. Ela se virou de lado, mas não tão rápido o suficiente para esconder a sua expressão dele, ou disfarçar o brilho em seus olhos.
— Entendo — ele disse, após uma longa pausa — me desculpe por interromper.
Ele desapareceu de volta para a sala de estar, deixando Clary observando suas costas através de uma ondulante lente de lágrimas.
— Maldição — ela se virou para Jace — o que é isso em você? — ela disse, com mais selvageria do que pretendia. — Por que você tem que arruinar tudo?
Ela jogou o cobertor para ele apressadamente e se lançou para a sala atrás de Simon. Ele já estava na porta da frente. Alcançou-o na varanda, deixando a porta bater fechada atrás dela.
— Simon! Para onde você está indo?
Ele se virou quase relutantemente.
— Para casa. Está tarde... eu não quero ficar preso aqui com o sol surgindo.
Uma vez que o sol não ia surgir por horas, aquilo atingiu Clary como uma desculpa fraca.
— Você sabe que é bem-vindo para ficar e dormir aqui durante o dia se quiser evitar sua mãe. Você pode dormir em meu quarto...
— Eu não acho que é uma boa ideia.
— Por que não? Eu não entendo porque você está indo.
Ele sorriu para ela. Era um sorriso triste com alguma coisa por baixo.
— Você sabe qual é o pior sentimento que eu posso imaginar?
Ela piscou para ele.
— Não.
— Não poder confiar na pessoa que você ama mais do que qualquer coisa neste mundo.
Ela pôs a mão no braço de Simon. Ele não a moveu para longe, mas não respondeu ao toque dela.
— Você quer dizer...
— Sim — ele respondeu, sabendo o que ela ia perguntar — eu quero dizer você.
— Mas você pode confiar em mim.
— Eu costumava pensar que podia. Mas tenho a sensação que você prefere desejar alguém com quem nunca poderá ficar do que tentar com alguém que você pode.
Não havia motivo para fingir.
— Apenas me dê um tempo — Clary pediu — eu apenas preciso de tempo para me recuperar – para me recuperar de tudo isso.
— Você não vai me dizer que estou errado, vai? — Seus olhos pareciam muito grandes e escuros na fraca luz da varanda. — Não desta vez.
— Não dessa vez. Sinto muito.
— Não sinta — ele se virou para longe dela e de sua mão estendida, guiando-se pelos degraus da varanda — pelo menos é a verdade. Seja lá o que valha.
Ela enfiou as mãos dentro de seus bolsos, observando enquanto ele caminhava para longe até que foi engolido pela escuridão.
Viu que Magnus e Jace não tinham partido afinal; Magnus queria passar mais algumas horas na casa para ter certeza de que Maia e Luke estavam recuperados como o esperado.
Depois de alguns minutos de embaraçosa conversa com um Magnus aborrecido e um Jace sentado no banco do piano de Luke habilidosamente estudando alguma folha de música ignorando-a, Clary decidiu ir para cama cedo.
Mas o sono não veio. Ela podia ouvir o som suave do piano tocado por Jace através das paredes, mas aquilo não era o que estava mantendo-a acordada. Ela estava pensando em Simon, saindo para uma casa que já não era como um lar para ele, o desespero na voz de Jace enquanto ele dizia queria odiá-la, e de Magnus, não dizendo a Jace a verdade: que Alec não queria que Jace soubesse de seu relacionamento porque ainda estava apaixonado por ele.
Ela pensou na satisfação que Magnus teria sentido ao dizer as palavras em voz alta, reconhecer a verdade, o fato que ele não tinha feito, deixou Alec continuar mentindo e fingindo porque isso era o que Alec queria, e Magnus se importava com Alec o suficiente para dar aquilo a ele. Talvez esta fosse a verdade que a Rainha Seelie tinha dito, depois de tudo: o amor faz de você um mentiroso.
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