Capítulo 12 - Santuário

— Por que você acha que Camille quer ver Magnus? — Simon perguntou.
Ele e Jace estavam na parede dos fundos do Santuário, que era uma sala imensa anexada à parte principal do Instituto através de uma estreita passagem.
Não era exatamente parte do Instituto; fora deixado deliberadamente não consagrado para que pudesse ser usado como um lugar para prender demônios e vampiros.
Santuários, Jace informara a Simon, saíram de moda desde que a Projeção foi inventada, mas de vez em quando eles encontravam um uso para eles.
Aparentemente, essa era uma das vezes.
Era uma grande sala escavada na pedra e cheia de pilares, com uma entrada igualmente de pedra atrás de um conjunto imenso de portas duplas. O vão de entrada levava até o corredor, conectando a sala ao Instituto. Grandes goivas no chão de pedra indicavam que, o que quer que tenha estado preso aqui ao longo dos anos, era algo bem desagradável... e grande.
Simon não podia evitar de perguntar-se em quantos cômodos enormes cheios de pilares ele teria que passar o tempo. Camille estava de pé em um dos pilares, seus braços para trás, guardada de cada lado por guerreiros Caçadores de Sombras. Maryse andava de um lado ao outro, ocasionalmente aconselhando-se com Kadir, claramente tentando imaginar algum tipo de plano.
Não havia janelas na sala, por motivos óbvios, mas tochas de pedra enfeitiçada queimavam em todos os cantos, dando à cena toda um peculiar brilho esbranquiçado.
— Eu não sei — Jace disse — talvez ela queira dicas de beleza.
— Ah. Quem é aquele cara com a sua mãe? Ele parece familiar.
— É o Kadir. Você provavelmente conheceu o irmão dele, Malik. Ele morreu no ataque ao navio de Valentim. Kadir é a segunda pessoa mais importante na Clave, depois da minha mãe. Ela confia muito nele.
Enquanto Simon observava, Kadir puxou os braços de Camille nas costas, de forma que circulassem o pilar, e acorrentou-a pelos pulsos. A vampira soltou um gritinho.
— Metal sagrado — Jace explicou sem um traço de emoção — queimam eles.
“Eles”, pensou Simon. Você quer dizer “você.” Eu sou igual a ela. Não soudiferente só porque você me conhece.
Camille choramingava. Kadir pôs-se de novo em pé, o rosto impassível.
Runas pretas na sua pele escura torciam-se nos seus braços e pescoço. Ele se virou para dizer algo a Maryse; Simon pegou as palavras “Magnus” e “mensagem de fogo.”
— Magnus de novo — falou Simon — mas ele não está viajando?
— Magnus e Camille são muito velhos — Jace respondeu — suponho que não seja estranho que eles se conheçam — ele deu de ombros, aparentemente desinteressado no assunto — enfim, tenho certeza de que eles vão se esforçar para chamar Magnus de volta para cá. Maryse quer informações, e ela as quer muito. Ela sabe que Camille não estava matando aqueles Caçadores de Sombras só por sangue. Há maneiras mais fáceis de conseguir sangue.
Simon pensou por um momento em Maureen, e sentiu um enjoo.
— Bem — falou, tentando parecer despreocupado — acho que isso significa que Alec vai voltar. Então isso é bom, não é?
— Claro.
A voz de Jace pareceu morta. Ele também não parecia tão bem; a luz esbranquiçada na sala deixavam o ossos angulosos do rosto dele em um relevo novo e mais agudo, mostrando que perdera peso. Suas unhas estavam roídas a tocos com sangue, e havia sombras escuras sob os seus olhos.
— Pelo menos seu plano deu certo — Simon acrescentou, tentando injetar algum ânimo na miséria do Jace.
Jace que tivera a ideia de fazer Simon tirar uma foto com o celular e mandá-la à Clave, o que os permitiria abrir um Portal para onde ele estava.
— Foi uma boa ideia.
— Eu sabia que funcionaria — Jace pareceu aborrecido com o elogio.
Ele ergueu o olhar quando as portas duplas que levavam ao Instituto se abriram e Isabelle passou por elas, seu cabelo preto balançando. Ela examinou a sala – mal olhando para Camille e os outros Caçadores de Sombras – e andou na direção de Jace e Simon, as botas ressoando no piso de pedra.
— Do que se trata isso, de tirar os pobres Magnus e Alec das férias? — exigiu Isabelle. — Eles têm bilhetes para ópera!
Jace explicou, enquanto Isabelle ficou com as mãos nos quadris, ignorando Simon completamente.
— Tudo bem — ela disse quando a explicação terminou — mas isso tudo é ridículo. Ela só está ganhando tempo. Afinal, o que ela poderia ter a dizer a Magnus?
Izzy olhou de novo sobre o ombro para Camille, que agora estava não só algemada, mas também colada ao pilar com extensões de correntes douradas e pratas. Elas cruzavam sobre o corpo dela em seu torso, joelhos e até nos seus tornozelos, deixando-a totalmente imóvel.
— É metal sagrado?
Jace assentiu.
— As algemas estão alinhadas para proteger os pulsos, mas se ela se mover demais...
Ele produziu um chiado de fritura. Simon lembrou-se da forma que suas mãos queimaram quando ele tocou a Estrela de David em sua cela em Idris, a forma como o sangue descera pela sua pele, e teve que lutar contra o desejo de mordê-la.
— Bem, enquanto você estava fora prendendo vampiros, eu estava lutando no bairro residencial com um demônio hidra — contou Isabelle — com Clary.
Jace, que indicava o interesse mais vago nas coisas acontecendo ao seu redor até agora, jogou-se para a frente.
— Com Clary? Você a levou para caçar demônios com você? Isabelle...
— É claro que não. Ela já estava lutando quando cheguei lá.
— Como você soube...?
— Ela me mandou uma mensagem. Então, eu fui.
Ela examinou as unhas, que estavam, como sempre, perfeitas.
— Ela te mandou uma mensagem? — Jace pegou Isabelle pelo pulso. — Ela está bem? Ela se feriu?
Isabelle olhou para a mão dele apertando o seu pulso, e então voltou a olhar no rosto dele. Se ele a estava machucando, Simon não sabia ao certo, mas o olhar em seu rosto podia cortar vidro, tal qual o sarcasmo em sua voz.
— É, ela está sangrando até a morte láem cima, mas achei que seria melhor não te contar agora, porque gosto de prolongar o suspense.
Jace, como se ficasse subitamente consciente do que estava fazendo, soltou o pulso da Isabelle.
— Ela está aqui?
— Lá em cima — falou Isabelle — descansando...
Mas Jace já tinha ido embora, correndo para as portas. Ele irrompeu por elas e desapareceu. Isabelle, olhando-o, sacudiu sua cabeça.
— Você não pode mesmo ter pensado que ele faria outra coisa — Simon comentou.
Por um momento, ela não disse nada. Ele se perguntou se o plano dela era ignorar tudo o que ele dizia pelo resto da vida.
— Eu sei — ela disse por fim — só queria saber o que se passa entre eles.
— Não tenho certeza se até mesmo eles sabem.
Isabelle estava mordendo seu lábio inferior. Ela pareceu de repente muito nova e estranhamente confusa para uma Isabelle. Algo estava claramente acontecendo com ela, e Simon esperou em silêncio enquanto a garota parecia decidir-se de algo.
— Eu não quero ficar assim — ela disse — vamos. Quero falar com você.
Ela começou a andar até as portas do Instituto.
— Você quer? — Simon estava surpreso.
Ela se virou e fitou-o.
— Agora eu quero. Mas não posso garantir que isso continuará por muito tempo.
Simon levantou as mãos.
— Eu quero falar com você, Izzy. Mas não posso entrar no Instituto.
Uma linha apareceu entre suas sobrancelhas.
— Por quê? — Ela se interrompeu, olhando dele para as portas, para Camille, e para ele de novo. — Ah, claro. Como você entrou aqui, então?
— Por Portal — Simon respondeu — mas Jace disse que tem uma entrada que levava para um conjunto de portas que vão para fora. Então vampiros podem entrar aqui à noite.
Ele apontou para uma porta estreita na parede a alguns metros dali. Era fechada por um ferrolho enferrujado, como se não tivesse sido usado faz tempo.
Isabelle deu de ombros.
— Certo.
O ferrolho fez um barulho de chiado quando ela o puxou, mandando lascas de ferrugem no ar num fino salpico vermelho.
Atrás da porta havia uma pequena sala de pedra, como a sacristia de uma igreja, e uma série de portas que provavelmente levavam para fora. Não havia janelas, mas o ar frio passava nas bordas das portas, fazendo Isabelle, em seu vestido curto, tremer.
— Olhe, Isabelle — disse Simon, calculando que era para ele começar a conversa — eu realmente sinto muito pelo o que fiz. Não tenho como me desculpar...
— Não, não tem mesmo. E enquanto você está nessa, poderia me contar porque está andando com o cara que transformou Maia em um lobisomem.
Simon contou a história que Jordan contara a ele, tentando manter a explicação mais imparcial possível quanto podia.
Ele achou que era ao menos importante explicar para Isabelle que ele não sabia quem Jordan realmente era a princípio, e também, que Jordan lamentava o que fizera.
— Não que isso resolva as coisas — ele terminou — mas, você sabe que...
Todos nós fizemos coisas ruins. Mas ele não podia contar a ela sobre Maureen. Não agora.
— Eu sei. E ouvi falar do Praetor Lupus. Se eles o querem como um membro, ele pode não ser um fracasso total, eu acho — ela olhou para Simon um pouco mais de perto — apesar de eu não entender por que você precisa de alguém para te proteger. Você tem... — Ela apontou para a sua testa.
— Eu não posso passar o resto da vida com pessoas me perseguindo todo dia e a Marca as explodindo — Simon respondeu — e tenho que saber quem está tentando me matar. Jordan está ajudando com isso. Jace também.
— Você acha mesmo que Jordan está te ajudando? Porque a Clave tem um pouco de influência com o Praetor. Poderíamos substituí-lo.
Simon hesitou.
— Sim. Acho realmente que ele está ajudando. E não posso sempre confiar na Clave.
— Tudo bem — Isabelle se encostou à parede — você já se perguntou por que eu sou tão diferente dos meus irmãos? — Ela perguntou sem rodeios. — Alec e Jace, eu quero dizer.
Simon pestanejou.
— Você quer dizer, além da coisa toda que você é uma garota e eles... não?
— Não. Não isso, idiota. Eu quero dizer, olhe para os dois. Eles não têm problemas em se apaixonar. Ambos estão apaixonados. Tipo, pra sempre. Eles estão realizados. Olhe para Jace. Ele ama Clary como... como se não houvesse nada mais no mundo e nunca haverá para Alec também. E Max... — sua voz quebrou — eu não sei como seria para ele. Mas ele confiava em todo mundo. E como você pode ter notado, eu não confio em ninguém.
— As pessoas são diferentes — Simon apontou, tentando soar como se entendesse — não significa que eles são mais felizes que você...
— É claro que sim. Você acha que eu não sei disso? — Ela olhou para Simon, firme. — Você conhece os meus pais.
— Não muito.
Eles nunca estiveram terrivelmente ansiosos para conhecer o namorado vampiro de Isabelle, uma situação que não ajudara muito para melhorar os sentimentos de Simon de que ele era meramente o mais recente numa longa lista de pretendentes indesejáveis.
— Bem, você sabe que os dois estavam no Círculo. Mas aposto que você não sabia que foi tudo ideia da minha mãe. Meu pai nunca gostou muito de Valentim ou algo assim. E então quando tudo aconteceu, e eles foram banidos e perceberam que praticamente arruinaram com as suas vidas, acho que ele a culpou. Mas eles já tinham Alec e iriam me ter, então ele ficou, mesmo que eu ache que ele meio que queria partir. E então, quando Alec tinha, mais ou menos, uns nove anos, ele encontrou outra pessoa.
— Uau. Seu pai traiu a sua mãe? Isso é... isso é terrível.
— Ela me contou — Isabelle continuou — eu tinha, mais ou menos, uns treze anos. Ela me contou que ele teria a deixado, mas eles descobriram que ela estava grávida de Max, então ficaram juntos e ele rompeu com a outra mulher. Minha mãe não contou quem ela era. Ela apenas me disse que você não pode confiar nos homens. E me disse para não contar isso a ninguém.
— E você fez isso? Contou a alguém?
— Não até agora — falou Isabelle.
Simon pensou numa Isabelle mais nova, guardando o segredo, nunca contando a ninguém, escondendo-o dos seus irmãos. Sabendo coisas sobre sua família que eles nunca saberiam.
— Ela não deveria ter te pedido para fazer isso — ele disse, de repente, zangado — não foi justo.
— Talvez. Eu achei que me fazia especial. Eu não pensava em como isso poderia me mudar. Mas eu observo meus irmãos entregarem seus corações e penso, Você não é mais esperta? Corações são frágeis. E acho que mesmo quando você o cura, nunca será o que foi antes.
— Talvez você esteja melhor — disse Simon — eu sei que estou melhor.
— Você está falando de Clary — Isabelle comentou — porque ela quebrou o seu coração.
— Em pedacinhos. Você sabe, quando alguém prefere o próprio irmão ao invés de você, não melhora a sua confiança em si. Eu achei que, talvez, uma vez que ela percebesse que nunca daria certo com Jace, ela desistiria e voltaria para mim. Mas, por fim, descobri que ela nunca pararia de amar Jace, eles dando certo ou não. E eu soube que se ela só estivesse comigo porque não poderia tê-lo, eu preferiria estar sozinho. Então terminei tudo.
— Eu não sabia que você rompeu com ela. Achei...
— Que eu não tinha respeito próprio? — Simon sorriu ironicamente.
— Eu achei que você ainda estava apaixonado por Clary — Isabelle completou — e que você não poderia ter algo sério com mais ninguém.
— Porque você pega caras que nunca lhe levarão a sério — disse Simon — então você nunca precisa levá-los a sério.
Os olhos de Isabelle brilharam quando olhou para ele, mas ela não disse nada.
— Eu me importo com você — Simon falou — sempre me importei com você.
Ela deu um passo na direção dele. Eles estavam bastante perto um do outro na pequena sala, e Simon podia ouvir o som de sua respiração, a pulsação mais fraca de seu batimento cardíaco abaixo. Ela tinha cheiro de xampu, suor, perfume de gardênia e sangue de Caçador de Sombras.
O pensamento de sangue o fez se lembrar da Maureen, e o corpo dele tencionou. Isabelle notou – claro que notou, ela era uma guerreira, seus sentidos finos sentiam até o movimento mais leve nos outros – e recuou, sua expressão enrijecendo.
— Muito bem. Bem, estou feliz que nós conversamos.
— Isabelle...
Mas ela já havia ido embora. Ele a seguiu pelo Santuário, mas Izzy estava se movendo depressa. Quando a porta da sacristia se fechou atrás dele, ela estava no meio da sala. Ele desistiu e observou Isabelle desaparecer nas portas duplas para o Instituto, sabendo que não poderia segui-la.

***

Clary se sentou, sacudindo a cabeça para aliviar a sonolência. Levou-lhe um momento para se lembrar de onde estava – em um quarto de hóspedes do Instituto, iluminado apenas pela luz que passava na única janela alta. Era uma luz azul – a luz do crepúsculo. Ela estivera deitada torcida no cobertor; sua calça jeans, a jaqueta e os sapatos estavam empilhados meticulosamente em uma cadeira perto da cama. E ao seu lado estava Jace, olhando para ela, como se ela o tivesse conjurado ao sonhar com ele.
Ele estava sentado na cama, vestido com seu traje de combate, como se tivesse acabado de voltar de uma luta, e o seu cabelo estava desarrumado. A luz fraca da janela iluminava as sombras debaixo dos seus olhos, os sulcos das suas têmporas, os ossos das suas bochechas. Nessa luz ele tinha a extrema e quase surreal beleza de uma pintura de Modigliani, todos os planos e ângulos alongados.
Ela esfregou os seus olhos, piscando para afastar o sono.
— Que horas são? — Ela perguntou. — Quanto tempo...
Jace a puxou e a beijou, e por um momento ela congelou, subitamente muito consciente que só vestia uma fina camiseta e roupas íntimas. Em seguida foi sem hesitar para ele. Era o tipo de beijo demorado que transformava suas entranhas em água. O tipo de beijo que poderia fazê-la sentir que não havia nada de errado, que as coisas estavam da mesma forma que antes, e ele estava apenas feliz em vê-la. Mas quando suas mãos tentaram levantar a bainha de sua camiseta, ela as empurrou.
— Não — ela disse, seus dedos envoltos nos pulsos dele — você não pode simplesmente me agarrar toda vez que me vê. Não é um substituto para uma verdadeira conversa.
Ele tomou uma respiração entrecortada e disse:
— Por que você mandou uma mensagem para Isabelle ao invés de mim? Se você estava com problemas...
— Porque eu sabia que ela viria — Clary respondeu — e não tenho mais certeza sobre você. Não agora.
— Se algo tivesse acontecido com você...
— Então acho que você teria ouvido mais tarde. Sabe, quando você se dignasse em realmente atender ao telefone.
Ela ainda segurava os seus pulsos; soltou-os agora, e se sentou de volta. Era difícil, fisicamente difícil, ficar tão perto dele assim e não tocá-lo, mas ela forçou suas mãos a ficarem ao seu lado, e as manteve ali.
— Ou você me diz qual é o problema, ou você pode sair do quarto.
Seus lábios se separaram, mas ele não disse nada. Ela não se lembrava de falar com ele tão duramente assim há muito tempo.
— Desculpe-me — ele falou finalmente — quero dizer, eu sei, o modo que venho agindo, você não tem motivos para me ouvir. E eu provavelmente não devia ter entrado aqui. Mas quando Isabelle disse que você estava ferida, não pude me conter.
— Algumas queimaduras. Nada que importe.
— Tudo o que acontece com você importa a mim.
— Bem, isso certamente explica porque você não retornou minhas ligações nem uma vez. E da última vez que te vi, você fugiu sem me dizer o porquê. É como namorar um fantasma.
A boca de Jace se levantou levemente de forma esquisita de lado.
— Não exatamente. Isabelle já namorou um fantasma. Ela poderia te contar...
— Não — Clary interrompeu — foi uma metáfora. E você sabe exatamente o que eu quero dizer.
Por um momento, ele ficou em silêncio.
— Deixe-me ver as queimaduras.
Ela estendeu os braços. Havia acentuadas manchas vermelhas na parte de dentro dos pulsos onde o sangue do demônio salpicou. Jace pegou os pulsos, bem de leve, olhando para ela por permissão primeiro, e os virou.
Clary se lembrou da primeira vez que ele a tocara, na rua do lado de fora do Java Jones, procurando Marcas nas mãos dela, que ela não tinha.
— Sangue de demônio — ele disse — irá sumir em algumas horas. Dói?
Clary sacudiu a cabeça.
— Eu não sabia — Jace falou — eu não sabia que você precisava de mim.
Sua voz estava trêmula.
— Eu sempre preciso de você.
Ele inclinou a cabeça e beijou a queimadura no seu pulso. Uma onda de calor passou por ela, como um espeto quente que ia do pulso até a boca do seu estômago.
— Eu não tinha percebido — ele respondeu.
Ele beijou a queimadura seguinte, no seu antebraço, e então a próxima, subindo do braço até o ombro, a pressão de seu corpo empurrando-a para trás até ela estar deitada nos travesseiros, olhando para ele. Jace se apoiou em seus cotovelos para não esmagá-la com o seu peso e olhou-a.
Seus olhos sempre se escureciam quando se beijavam, como se o desejo trocasse a cor deles de algum jeito fundamental. Ele tocou a marca de estrela branca no ombro dela, aquela que ambos tinham, que os marcavam como filhos daqueles que tiveram contato com anjos.
— Eu sei que eu tenho agido estranho ultimamente — Jace falou — mas não é você. Eu te amo. Isso não mudará.
— Então o quê...?
— Acho que tudo que aconteceu em Idris... Valentim, Max, Hodge, até Sebastian... eu continuei ignorando tudo, tentando esquecer, mas sempre volta para mim. Eu... vou conseguir ajuda. Vou melhorar. Eu prometo.
— Você promete.
— Juro pelo Anjo — ele inclinou a cabeça para baixo e beijou a bochecha dela — para o inferno com isso. Eu juro por nós.
Clary enrolou os dedos na manga da camiseta dele.
— Por que nós?
— Porque não há nada que eu acredite mais — ele inclinou a cabeça para o lado — se fôssemos nos casar... — ele começou, e deve ter sentido ela enrijecer debaixo dele, porque sorriu — não entre em pânico, não estou fazendo uma proposta agora. Eu estava apenas imaginando o que você sabe sobre casamentos de Caçadores de Sombras.
— Sem alianças — Clary respondeu, passando os dedos atrás do pescoço dele, onde a pele era macia — só runas.
— Uma aqui — ele explicou, gentilmente tocando o braço dela, onde a cicatriz estava, com a ponta do dedo — e outra aqui.
Ele deslizou o dedo pelo braço, passando pela clavícula, e descendo até descansar sobre o coração palpitante.
— O ritual é inspirado na Canção de Salomão. “Coloca-me como selo sobre o teu coração, como selo sobre o teu braço: porque o amor é forte como a morte.”
— O nosso é mais forte que isso — Clary sussurrou, lembrando-se de como ela o trouxera de volta.
E dessa vez, quando os olhos dele se escureceram, ela estendeu o braço e puxou-o para a sua boca.
Eles se beijaram por um longo tempo, até a maior parte da luz sumir do quarto e eles serem simplesmente sombras. Porém, Jace não mexeu as mãos ou tentou tocá-la, e ela sentiu que ele esperava por sua permissão. Percebeu que ela deveria ser quem levaria aquilo adiante, se quisesse – e ela queria. Ele admitira que havia algo de errado e que não tinha nada a ver com ela. Isso era progresso: um progresso positivo. Ele devia ser recompensado, certo?
Um pequeno sorriso torto se abriu no canto da boca. Quem ela estava enganando? Ela queria por si mesma. Porque ele era Jace, porque ela o amava, porque ele era tão maravilhoso que às vezes sentia que precisava beliscá-lo no braço só para ter certeza de que ele era real.
E foi o que fez.
— Ai — disse ele — por que você fez isso?
— Tire a camiseta — ela sussurrou.
Ela pegou a bainha da camisa, mas ele já estava lá, levantando-a até a cabeça e a jogando casualmente ao chão. Ele sacudiu seu cabelo, e Clary quase esperou que os fios dourados lançassem faíscas na escuridão do quarto.
— Sente-se — ela disse suavemente.
Seu coração estava martelando. Ela geralmente não liderava a iniciativa nesse tipo de situações, mas ele não pareceu se importar. Jace se sentou lentamente, puxando-a com ele, até os dois estarem sentados no meio da confusão de cobertores. Ela foi lentamente para o colo dele, sentando nas suas coxas. Agora eles estavam cara-a-cara.
Ela o ouviu tomar fôlego e ele ergueu suas mãos, levando-as à camisa de Clary, mas ela as empurrou para baixo de novo, gentilmente, para seus lados, e pôs as próprias mãos nele em vez disso. Ela observou seus dedos deslizarem pelo peito e braços, a onda em seu bíceps onde as Marcas negras se torciam, a marca em forma de estrela no seu ombro. Ela traçou o dedo indicador pela linha entre os seus músculos peitorais, pelo liso estômago e barriga com músculos definidos.
Ambos respiravam com dificuldade quando ela pôs as mãos na fivela do jeans, mas ele não se mexeu, só fitou-a com uma expressão que dizia: “O que você quiser.”
Com seu coração batendo forte, Clary desceu suas mãos para a bainha da própria camiseta e puxou-a sobre a cabeça. Ela desejou estar usando um sutiã mais excitante – aquele era todo branco – mas quando olhou de novo para a expressão de Jace, o pensamento se evaporou. Seus lábios estavam abertos, seus olhos quase negros; ela podia se ver refletida neles e soube que ele não se importava se o sutiã dela era branco, preto ou verde néon. Tudo que via era ela.
Clary pegou as mãos dele, então, soltando-as, as colocou na sua cintura, como se dissesse, Agora você pode me tocar. Ele inclinou a cabeça à frente, a boca dela desceu sobre a dele, e eles estavam se beijando novamente, mas era feroz ao invés de letárgico, um quente e rápido fogo ardente.
Suas mãos estavam febris: em seu cabelo, em seu corpo, puxando-a para baixo de forma que ela ficasse deitada debaixo dele, e quando suas peles nuas deslizaram juntas, ela ficou completamente consciente que, de fato, não havia nada entre eles, a não ser os jeans dele e o sutiã e calcinha dela. Ela enredou suas mãos em seu cabelo sedoso e desgrenhado, segurando sua cabeça enquanto ele a beijava em seu pescoço abaixo.
Até onde estamos indo? O que estamos fazendo? Uma pequena parte de seu cérebro perguntava, mas o resto de sua mente gritava para aquela pequena parte se calar. Ela queria continuar tocando-o, beijando-o; queria que ele lhe segurasse e saber que era real, ele ali com ela, e que nunca partiria de novo.
Os dedos dele encontraram o fecho do seu sutiã. Ela se tencionou. Os olhos dele estavam grandes e luminosos na escuridão, o sorriso vagaroso.
— Está tudo bem?
Ela assentiu. A respiração estava vindo rápida. Ninguém na sua vida a vira sem sutiã – nenhum garoto, pelo menos. Como se sentisse o seu nervosismo, ele pôs uma mão gentilmente no rosto dela, seus lábios passando nos dela, roçando gentilmente por eles até o seu corpo inteiro sentir que estava se despedaçando em tensão. Ele procurou usar seus dedos longos calejados da mão direita para acariciar sua bochecha, e então seu ombro, tranquilizando-a. Mas ela ainda estava nervosa, esperando ainda a sua outra mão voltar ao fecho do sutiã, tocá-la de novo, mas ele pareceu estar pegando algo atrás dele – o que ele estava fazendo?
Clary pensou de repente no que Isabelle disse sobre ser cuidadosa. Oh, pensou. Ela se enrijeceu um pouco e recuou.
— Jace, não tenho certeza, eu...
Houve um lampejo de prata na escuridão, e algo frio e afiado perfurou-a de lado, em seu braço. Tudo o que ela sentiu por um momento foi surpresa; depois dor. Ela puxou suas mãos para si, piscando, e viu uma linha de sangue escuro descendo por sua pele onde um corte superficial ia do seu cotovelo até o pulso.
— Ai — ela disse, mais em aborrecimento e surpresa do que dor — o que...
Jace se lançou dela e da cama em um único movimento. De repente estava de pé no meio do quarto, sem camisa, seu rosto tão branco quanto osso.
Com uma mão apertando o braço ferido, Clary começou a se sentar.
— Jace, o que...
Ela se interrompeu. Na sua mão esquerda, ele estava apertando uma faca – a de punho prateado que vira na caixa que pertencera ao seu pai. Havia uma fina mancha de sangue na lâmina.
Ela baixou o olhar para a mão dele e, depois, para cima de novo, em seu rosto.
— Eu não entendo...
Ele abriu a mão, e a faca ressoou no chão. Por um momento, ele pareceu querer fugir de novo, do jeito que fizera do lado de fora do bar. Então afundou para o chão e colocou a cabeça em suas mãos.


***

— Eu gosto dela — Camille falou quando as portas se fecharam atrás de Isabelle — faz-me lembrar de mim mesma.
Simon se virou para olhá-la. Estava muito escuro no Santuário, mas ele podia vê-la claramente, as costas contra o pilar, suas mãos atadas atrás dela.
Um guarda Caçador de Sombras estava posicionado perto das portas do Instituto, mas, ou ele não ouvira Camille, ou não estava interessado.
Simon se aproximou um pouco mais de Camille. Os grilhões que lhe prendiam tinham uma estranha fascinação para ele. Metal sagrado. A corrente parecia brilhar de leve contra sua pele pálida, e ele achou que podia ver algumas gotas de sangue descendo ao redor das algemas em seus pulsos.
— Ela não tem nada a ver com você.
— É o que você acha — Camille inclinou a cabeça para o lado.
Seu cabelo loiro parecia ardilosamente organizado ao redor do seu rosto, apesar de Simon saber que ela não poderia ter tocado nele.
— Você os ama muito — ela falou — seus amigos Caçadores de Sombras. Como o falcão adora o mestre que lhe amarra e lhe cega.
— As coisas não são assim. Caçadores de Sombras e os Seres do Submundo não são inimigos.
— Você não pode sequer entrar na casa deles. Você está preso do lado de fora. Mesmo assim, anseia por servi-los. Você ficaria do lado deles contra sua própria espécie.
— Eu não tenho uma espécie — Simon respondeu — não sou um deles. Mas não sou um de vocês também. E prefiro mais ser como eles a como vocês.
— Você é um de nós — ela se mexeu impaciente, agitando as suas correntes, e soltou um pequeno ofego de dor — tem algo que eu não te disse, lá no banco. Mas é verdade — ela sorriu rijamente por causa da dor — eu posso sentir cheiro de sangue humano em você. Você se alimentou recentemente. De um mundano.
Simon sentiu algo dentro dele saltar.
— Eu...
— Foi incrível, não foi? — Os lábios vermelhos dela se curvaram. — É a primeira vez desde que se transformou em vampiro que você não está com fome.
— Não — disse Simon.
— Você está mentindo — havia convicção em sua voz — eles tentam nos fazer lutar contra a nossa natureza, os Nephilim. Só irão nos aceitar se fingirmos sermos quem nós não somos – caçadores, não predadores. Seus amigos nunca aceitarão o que você é, só o que você finge ser. O que você faz por eles, eles nunca farão por você.
— Eu não sei por que você se importa com isso. O que está feito, está feito. Não vou deixar você ir. Tomei a minha decisão. Eu não quero o que você me ofereceu.
— Talvez não agora — Camille comentou suavemente — mas, você irá. Você irá.
O guarda Caçador de Sombras recuou quando a porta se abriu e Maryse entrou na sala. Estava sendo seguida por duas figuras imediatamente familiares a Simon: Alec, o irmão de Isabelle, e o seu namorado, o Bruxo Magnus Bane.
Alec vestia um escuro terno preto; Magnus, para a surpresa de Simon, estava vestido do mesmo jeito, com a adição de um comprido cachecol branco de seda com as pontas adornadas em borlas e luvas brancas. O cabelo estava espetado como de costume, mas para variar estava sem o encantamento.
Camille, vendo-o, ficou imóvel.
Magnus ainda não pareceu vê-la; ele estava escutando Maryse, que dizia, meio desajeitada, que foi bom eles virem tão rápido.
— Não esperávamos vocês até amanhã, no mínimo.
Alec produziu um barulho abafado de aborrecimento e observou o espaço. Ele não pareceu feliz, de forma alguma, por estar ali. Além disso, pensou Simon, ele não mudara muito – tinha o mesmo cabelo preto, os mesmos olhos azuis resolutos – apesar de haver algo mais relaxado em relação a ele do que havia antes, como se tivesse crescido em si de alguma forma.
— Felizmente há um Portal localizado perto da Opera House de Viena — disse Magnus, lançando seu cachecol sobre o ombro com um grande gesto — no momento em que recebemos sua mensagem, corremos para estarmos aqui.
— Eu ainda não vejo que isso tudo tem a ver com a gente — disse Alec.
— Então, vocês capturaram um vampiro que estava tramando algo indecente. Eles não fazem isso sempre?
Simon sentiu o estômago revirar. Olhou para Camille para ver se ela estava rindo dele, mas seu olhar estava fixo em Magnus.
Alec, olhando para Simon pela primeira vez, corou. Era fácil perceber isso porque sua pele estava muito pálida.
— Foi mal, Simon. Eu não me referi a você. Você é diferente.
Você pensaria isso se tivesse me visto na noite passada, bebendo o sangue de uma garota de catorze anos?, Simon pensou. Mas não disse isso, apenas assentiu para Alec.
— Ela é de interesse em nossa atual investigação sobre as mortes de três Caçadores de Sombras — Maryse respondeu — nós precisamos de informações dela, e ela só irá conversar com Magnus Bane.
— Sério? — Alec olhou para Camille com intrigado interesse. — Só com Magnus?
Magnus seguiu seu olhar, e pela primeira vez – ou assim pareceu a Simon – olhou diretamente para Camille. Algo crepitou entre eles, um tipo de energia.
A boca de Magnus se torceu nos cantos num sorriso saudoso.
— Sim — disse Maryse, um olhar de confusão passando pelo rosto quando percebeu o olhar entre o bruxo e a vampira — isto é, se Magnus quiser.
— Eu quero — Magnus respondeu, tirando as luvas — eu falo com Camille para vocês.
— Camille? — Alec olhou para Magnus com as sobrancelhas erguidas. — Você a conhece, então? Ou... ela te conhece?
— Nós nos conhecemos — Magnus deu de ombros, bem de leve, como se dissesse, o que se pode fazer? — Ela já foi minha namorada.

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