Capítulo 13 - Garota encontrada morta
— Sua namorada? — Alec pareceu atônito. Tal qual Maryse.
Simon não podia dizer se ele, por si mesmo, estava impassível.
— Você namorou um vampiro? Uma garota vampira?
— Foi há cento e trinta anos — Magnus respondeu — eu não a tenho visto desde então.
— Por que você não me contou? — Alec exigiu.
Magnus suspirou.
— Alexander, eu tenho vivido por centenas de anos, eu estive com homens, com mulheres, com fadas, bruxos e vampiros, e até mesmo um djinn ou dois — ele olhou de lado para Maryse, que parecia levemente horrorizada — muita informação?
— Tudo bem — ela disse, embora parecesse um pouco lívida — eu tenho que discutir algo com Kadir por um momento. Eu voltarei.
Ela saiu, juntando-se a Kadir; eles desapareceram através da entrada. Simon deu também alguns passos para trás, fingindo estudar atentamente uma das janelas manchadas, mas sua audição vampira era boa o suficiente para que ele pudesse ouvir tudo o que Magnus e Alec estavam falando um para o outro, quer ele quisesse ou não.
Camille, ele sabia, podia ouvir também. Ela tinha sua cabeça inclinada de lado como se escutasse, seus olhos baixos e pensativos.
— Quantas pessoas mais? — Alec perguntou. — Aproximadamente.
Magnus sacudiu sua cabeça.
— Eu não posso contar, e isso não importa. A única coisa que importa é como eu me sinto a seu respeito.
— Mais do que cem? — Alec perguntou.
Magnus pareceu pasmo.
— Duzentos?
— Eu não acredito que nós estamos tendo essa conversa agora — Magnus disse, para ninguém em particular.
Simon estava inclinado a concordar, e desejou que eles não estivessem a tendo na frente dele.
— Por que tantos?
Os olhos azuis de Alec estavam muito brilhantes na obscuridade. Simon não podia dizer se ele estava com raiva. Ele não soava zangado, só muito intenso, mas Alec era uma pessoa reservada, e talvez assim fosse tão zangado quanto ele conseguia.
— Você se entedia rápido com as pessoas?
— Eu vivo eternamente — Magnus sussurrou — mas não todos.
Alec pareceu como se alguém tivesse batido nele.
— Então você só fica com elas enquanto elas vivem, e então você encontra outro alguém?
Magnus não disse nada. Ele olhou para Alec, seus olhos brilhando como os de um gato.
— Você preferiria que eu passasse a eternidade sozinho?
A boca de Alec retorceu.
— Eu vou atrás de Isabelle — ele disse, e sem outra palavra, se virou e voltou para o Instituto.
Magnus o observou ir com olhos tristes. Não o tipo de tristeza humana, Simon pensou. Seus olhos pareciam conter a tristeza de grandes eras, como se as bordas afiadas da tristeza humana tivessem desgastado para algo mais suave pelo passar dos anos, da forma que a água do mar desgastava as beiras afiadas do vidro.
Como se pudesse dizer o que Simon estava pensando sobre ele. Magnus o olhou de lado.
— Escutando escondido, vampiro?
— Eu não gosto muito quando as pessoas me chamam assim — Simon apontou — eu tenho um nome.
— Acho que me lembrarei. Afinal, em cem, duzentos anos, será só eu e você — Magnus considerou Simon pensativamente — nós seremos tudo o que restará.
O pensamento fez Simon sentir como se ele estivesse em um elevador que tinha, de repente, quebrado de suas trações e começasse a mergulhar em direção ao chão, mil histórias se passando. O pensamento tinha passado por sua cabeça antes, é claro, mas ele sempre o tinha afastado. A ideia de que ele ficaria nos dezesseis enquanto Clary envelheceria, Jace envelheceria, todo mundo que ele conhecia, envelheceriam, cresceriam, teriam filhos, e nada mudaria para ele, era muito enorme e horrível para se contemplar.
Ter dezesseis anos para sempre parecia bom até que você realmente pensasse sobre isso. Então não parecia mais uma grande perspectiva.
Os olhos de gato de Magnus eram de um dourado para verde claro.
— Olhar a eternidade na cara — Magnus comentou — não é muito divertido, é?
Antes que Simon pudesse responder, Maryse retornou.
— Onde está Alec? — Ela perguntou, olhando confusa ao redor.
— Ele foi ver Isabelle — Simon respondeu, antes que Magnus dissesse alguma coisa.
— Muito bem — Maryse alisou a frente de seu casaco, embora ele não estivesse amassado — você não se importaria...
— Eu falarei com Camille — Magnus disse — mas quero fazer isso sozinho. Se quiser esperar por mim no Instituto, eu me juntarei a vocês lá quando eu terminar.
Maryse hesitou.
— Você sabe o que perguntar a ela?
O olhar de Magnus era firme.
— Eu sei como falar com ela, sim. Se ela deseja dizer algo, ela o dirá para mim.
Ambos pareceram ter esquecido que Simon estava lá.
— Eu devo ir também? — ele perguntou, interrompendo seus olhares contestadores.
Maryse olhou para ele, parcialmente distraída.
— Ah, sim. Obrigada por sua ajuda, Simon, mas você não é mais necessário. Vá para casa se quiser.
Magnus não falou nada.
Com um dar de ombros, Simon se virou e foi em direção à porta que dava para a sacristia e a saída que o levaria para fora.
Na porta ele parou e olhou de volta. Maryse e Magnus estavam ainda conversando, embora o guarda já estivesse mantendo aberta a porta do Instituto, pronto para sair. Só Camille pareceu se lembrar que Simon estava lá. Ela estava sorrindo para ele do seu pilar, seus lábios curvados nos cantos, seus olhos brilhando como uma promessa.
Simon se foi, e fechou a porta atrás dele.
***
— Acontece toda noite.
Jace estava sentado no chão, suas pernas encolhidas, suas mãos pendendo entre seus joelhos. Ele tinha colocado a faca sobre a cama próxima a Clary. Ela manteve uma mão sobre o cabo enquanto ele falava – mais para reassegurá-lo do que por precisar dela para se defender
Toda a energia pareceu ter se esgotado de Jace; mesmo sua voz soava vazia e distante enquanto ele falava, como se estivesse falando com ela de uma grande distância.
— Eu sonho que você vem ao meu quarto e nós... começamos a fazer o que estávamos fazendo. E então eu te machuco. Eu te corto ou estrangulo, ou te apunha-lo e você morre, olhando para mim com estes seus olhos verdes, enquanto sua vida se esvai entre minhas mãos.
— São apenas sonhos — Clary disse gentilmente.
— Você acabou de ver que não são. Eu estava bem acordado quando peguei aquela faca.
Clary sabia que ele estava certo.
— Você está preocupado em estar ficando louco?
Ele sacudiu sua cabeça, levemente. Cabelo caiu sob seus olhos; ele o puxou para trás. Seu cabelo tinha ficado um pouco longo demais; ele não o tinha cortado por um tempo, e Clary se perguntou se era por que não podia estar incomodado. Como ela não pôde ter prestado mais atenção nas olheiras sob os olhos dele, as unhas mordidas, o abatido olhar exausto dele? Ela tinha estado tão preocupada se ele ainda a amava que não pensou em nada mais.
— Eu não estou tão preocupado com isso, na verdade. Estou preocupado em te ferir. Eu estou preocupado que qualquer que seja o veneno que está abrindo caminho em meus sonhos, se derramará em minha vida e eu irei... — a garganta dele pareceu fechar.
— Você nunca me machucaria.
— Eu tinha essa faca em minha mão, Clary — ele olhou para ela, e então continuou — se eu te machucasse... — sua voz morreu. — Caçadores de Sombras morrem jovens, grande parte das vezes. Todos nós sabemos disso. E você queria ser uma Caçadora de Sombras, e eu nunca a impediria, porque não é minha função te dizer o que você quer fazer de sua vida. Especialmente quando estou tomando o mesmo tipo de riscos. Que tipo de pessoa eu seria se te dissesse que está tudo bem para mim arriscar a minha vida, mas não por você? Então pensei sobre como seria para mim se você morresse. Eu aposto que você pensou sobre a mesma coisa.
— Eu sei como seria — Clary concordou, se lembrado do lago, da espada, e do sangue do Jace se espalhando sobre a areia.
Ele esteve morto, e o Anjo o tinha trazido de volta, mas aqueles tinham sido os piores minutos da sua vida.
— Eu quis morrer. Mas eu sabia o quão desapontado você ficaria comigo se eu tivesse desistido.
Ele sorriu, um fantasma de um sorriso.
— Eu pensei a mesma coisa. Se você morresse, eu não iria querer viver. Mas eu não me mataria, por que seja lá o que aconteça depois que nós morremos, eu quero estar com você lá. E se eu me matasse, sei que você nunca falaria comigo de novo. Em qualquer vida. Então eu viveria, e tentaria fazer algo da minha vida até que pudesse estar com você de novo. Mas se eu te ferisse – se eu fosse a causa de sua morte... não há nada que me manteria afastado de destruir a mim mesmo.
— Não diga isso — Clary sentiu um arrepio nos ossos — Jace, você devia ter me contado.
— Eu não pude — sua voz era franca, conclusiva.
— Por que não?
— Eu pensava que era Jace Lightwood. Pensava que minha criação não tinha me afetado. Mas agora me pergunto se talvez as pessoas não possam mudar. Talvez eu sempre seja Jace Morgenstern, o filho de Valentim. Ele me educou por dez anos, e talvez esta seja a mancha que nunca se apagará.
— Você acha isso por causa do seu pai — Clary disse, e a história que Jace tinha contado a ela uma vez veio em sua cabeça, amar é destruir e ser amado é ser destruído.
E então pensou em quão estranho era ela chamar Valentim de pai de Jace, quando o sangue dele corria em suas próprias veias, não nas dele. Mas ela nunca se sentiu sobre Valentim do modo que você poderia se sentir sobre um pai. E Jace sim.
— E você não quis que eu soubesse?
— Você é tudo o que eu quero — Jace respondeu — e talvez Jace Lightwood mereça tudo o que ele quer. Mas Jace Morgenstern não. Em algum lugar lá no fundo, eu devo saber disso. Ou eu não estaria tentando destruir o que nós temos.
Clary tomou um profundo fôlego, e o deixou sair lentamente.
— Eu não acho que você esteja.
Ele levantou sua cabeça e piscou.
— O que você quer dizer?
— Você acha que isso é psicológico — Clary sugeriu — que há algo de errado com você. Bem, eu não acho. Acho que alguém está fazendo isso com você.
— Eu não...
— Ithuriel me enviou sonhos — Clary interrompeu — talvez alguém esteja te enviando sonhos.
— Ithuriel enviou sonhos para tentar ajudá-la. Guiá-la até a verdade. Qual a razão desses sonhos? Eles são doentios, sem significado, sádicos...
— Talvez eles tenham um significado. Talvez o significado não seja o que você pensa. Ou talvez quem está mandando esteja tentando te ferir.
— Quem faria isso?
— Alguém que não goste muito de nós — Clary respondeu, e afastou uma imagem da Rainha Seelie.
— Talvez — Jace disse suavemente, olhando abaixo suas mãos — Sebastian...
Então, ele quer chamá-lo de Sebastian também, Clary pensou. Ela não o culpava. Era seu próprio nome também.
— Sebastian está morto — ela apontou, um pouco mais mordaz do que pretendia — e se ele tivesse esse tipo de poder, o teria usado antes.
Dúvida e esperança perseguiram de uma a outra sob o rosto do Jace.
— Você realmente acha que alguém poderia estar fazendo isso?
O coração de Clary batia forte contra suas costelas. Ela não tinha certeza; queria tanto que isso fosse verdade, mas se não fosse, teria dado esperança a Jace por nada. Ambas suas esperanças.
Mas então ela teve a sensação que fazia um tempo desde que Jace tinha se sentido esperançoso sobre algo.
— Acho que nós deveríamos ir à Cidade do Silêncio — Clary sugeriu — os Irmãos podem entrar em sua mente e descobrir se alguém está mexendo aí dentro. Do modo que fizeram comigo.
Jace abriu sua boca e a fechou de novo.
— Quando? — ele perguntou, finalmente.
— Agora. Eu não quero esperar. E você?
Ele não respondeu, apenas saiu do chão e pegou sua camiseta. Ele olhou para Clary, e quase sorriu.
— Se nós vamos para a Cidade do Silêncio, você pode querer se vestir. Quero dizer, eu gosto do seu look sutiã e calcinha, mas não sei se os Irmãos do Silêncio gostarão. Só há uns poucos deles, e eu não quero que eles morram de excitação.
Clary se levantou da cama e jogou um travesseiro nele, mais por alívio. Ela buscou suas roupas e começou a colocar a camiseta. Antes passá-la por sobre sua cabeça, ela captou a visão da faca repousando sobre a cama, brilhando como um forcado de prata.
***
— Camille — Magnus disse — faz tempo, não é?
Ela sorriu. Sua pele parecia mais branca do que ele se lembrava, e veias escuras araneiformes estavam começando a se mostrar sob sua superfície. Seus cabelos ainda eram da cor de prata envelhecida, e seus olhos eram tão verdes quanto os de um gato. Ela ainda era linda. Olhando para ela, ele estava em Londres de novo. Viu as lanternas a gás, lembrou do cheiro de fumaça, sujeira e cavalos, o metálico cheiro penetrante do nevoeiro, as flores na Kew Gardens. Ele viu um garoto com cabelo preto e olhos azuis como os do Alec. Uma garota com um longo cabelo cacheado castanho e um rosto sério. Em um mundo onde, eventualmente, tudo ia embora para longe dele, ela era uma dos poucos remanescentes constantes.
E então lá estava Camille.
— Senti sua falta, Magnus — ela disse.
— Não, não sentiu.
Ele se sentou no chão do Santuário. Ele podia sentir o frio da pedra através de suas roupas. Ficou feliz por estar usando um cachecol.
— Então por que a mensagem para mim? Apenas ganhando tempo?
— Não — ela se inclinou a frente, as correntes chacoalhando.
Ele podia quase escutar o sibilar onde o metal abençoado tocava a pele de seus pulsos.
— Eu escutei coisas sobre você, Magnus. Ouvi falar que você está sob as asas dos Caçadores de Sombras ultimamente. Ouvi dizer que você ganhou o amor de um deles. Aquele garoto com quem você estava conversando, imagino. Mas bem, seus gostos sempre foram diversificados.
— Você esteve ouvindo rumores sobre mim. Mas poderia simplesmente ter me perguntado. Todos esses anos eu estive no Brooklyn, não tão distante, e nunca ouvi falar de você. Nunca te vi em uma de minhas festas. Tem existido uma parede de gelo entre nós, Camille.
— Eu não a construí — seus olhos verdes se alargaram — eu sempre te amei.
— Você me deixou — ele rebateu — me fez de brinquedinho, e então me deixou. Se amor fosse comida, eu passaria fome com os ossos que você me deu — ele falou sem demonstrar emoção.
Tinha sido há muito tempo.
— Mas nós temos toda a eternidade — ela protestou — você devia saber que eu voltaria para você...
— Camille — Magnus falou com infinita paciência — o que você quer?
Seu peito levantou e caiu rapidamente. Já que ela não precisava respirar, Magnus sabia que aquilo era principalmente para dar efeito.
— Eu sei que você é ouvido pelos Caçadores de Sombras. Quero que você fale com eles em meu nome.
— Você me quer para fazer um acordo para você — Magnus traduziu.
Ela afastou seus olhos dele.
— Sua maneira de falar sempre foi lamentavelmente moderna.
— Eles estão dizendo que você matou Caçadores de Sombras — Magnus disse — matou?
— Eles eram membros do Círculo — ela respondeu, seu lábio inferior tremendo — torturaram e mataram minha espécie no passado....
— Foi o porquê você fez isso? Vingança? — Quando ela estava em silêncio, Magnus continuou — você sabe o que eles fazem para aqueles que matam Nephilim, Camille.
Os olhos dela brilharam.
— Eu preciso que você interceda por mim, Magnus. Eu quero imunidade. Quero uma promessa assinada da Clave que se eu der a eles a informação, eles vão poupar minha vida e me libertar.
— Eles nunca a libertarão.
— Então nunca saberão porque seus companheiros tiveram que morrer.
— Tiveram que morrer? — Magnus inspirou. — Interessante escolha de palavras, Camille. Eu estou correto de que existe mais nisso? Mais do que sangue e vingança?
Ela ficou em silêncio, olhando para ele, seu peito subindo e caindo artificialmente. Tudo nela era simulado – o cair de seu cabelo prateado, a curva de seu pescoço, até mesmo o sangue em seus pulsos.
— Se quer que eu fale com eles por você — Magnus respondeu — você tem que pelo menos me dizer alguma coisinha. Uma amostra de boa fé.
Ela sorriu radiante.
— Eu sabia que você falaria a eles por mim, Magnus. Sabia que o passado não estava completamente morto para você.
— Considere-o morto-vivo se quiser — Magnus respondeu — a verdade, Camille?
Ela passou sua língua em seu lábio inferior.
— Você pode dizer a eles — Camille falou — que eu estava sob ordens quando matei aqueles Caçadores de Sombras. Não me incomodou fazer isso, pois eles tinham matado minha espécie, e suas mortes foram merecidas. Mas eu não o teria feito, a menos que o fizesse por alguém mais, alguém muito mais poderoso do que eu mesma.
O coração de Magnus bateu um pouco mais rápido. Ele não gostou do som daquilo.
— Quem?
Mas Camille sacudiu sua cabeça.
— Imunidade, Magnus.
— Camille...
— Eles vão me jogar no sol e me deixar para morrer. Isso é o que eles fazem para aqueles que matam Nephilim.
Magnus ficou de pé. Seu cachecol estava empoeirado por ter ficado no chão. Ele olhou para as manchas pesarosamente.
— Eu farei o que posso, Camille. Mas não faço promessas.
— Você nunca faria — ela murmurou, seus olhos semicerrados — venha aqui, Magnus. Chegue mais perto de mim.
Ele não a amava, mas ela era um sonho do passado, então ele se moveu em direção a ela, até que estivesse em pé próximo o suficiente para tocá-la.
— Lembra-se — ela disse suavemente — lembra-se de Londres? Das festas no Quincey? Se lembra de Will Herondale? Eu sei que sim. O garoto dos seus, aquele Lightwood. Eles até mesmo se parecem.
— Parecem? — Magnus perguntou, como se ele nunca tivesse pensado sobre isso.
— Garotos bonitos sempre foram sua fraqueza. Mas o que uma criança mortal pode dar a você? Dez anos, vinte, antes que a decomposição comece a reivindicá-lo. Quarenta anos, cinquenta, antes que a morte o tome. Eu posso te dar toda a eternidade.
Ele tocou a bochecha dela. Estava mais fria do que o chão.
— Você poderia me dar o passado — ele disse um pouco triste — mas Alec é o meu futuro.
— Magnus... — ela começou.
A porta do Instituto se abriu, e Maryse ficou na entrada, delineada pela pedra encantada atrás dela. Ao lado dela estava Alec, seus braços cruzados no peito. Magnus se perguntou se Alec tinha ouvido a conversa entre ele e Camille pela porta – por que não?
— Magnus — Maryse Lightwood disse — vocês chegaram a algum acordo?
Magnus desceu sua mão.
— Eu não sei se eu chamaria isso de um acordo — ele respondeu, virando-se para Maryse — mas eu acho que nós temos algumas coisas para conversar.
***
Vestida, Clary foi com Jace para o quarto dele, onde ele fez uma pequena mochila com coisas para levar para a Cidade do Silêncio, como se, ela pensou, estivesse indo para alguma festa sombria do pijama. Armas, na maior parte – umas poucas lâminas serafim; sua estela, e quase com uma reconsideração, a faca de cabo de prata, sua lâmina agora limpa do sangue.
Ele colocou uma jaqueta preta de couro, e Clary o observou enquanto a fechava, libertando as mechas soltas de seu cabelo loiro de sua gola. Quando ele se voltou para ela, deslizando a mochila em seu ombro, ele sorriu debilmente, e Clary viu a leve lasca em seu canino esquerdo que ela sempre achou adorável, uma pequena falha que seria, de outro modo, perfeito demais. Seu coração se apertou, e por um momento ela afastou o olhar dele, incapaz de respirar.
Ele estendeu sua mão para ela.
— Vamos.
Não havia como invocar os Irmãos do Silêncio para vir até eles, então Jace e Clary tomaram um táxi para o centro da cidade em direção a Houston e ao Cemitério Marble. Clary achou que eles poderiam simplesmente ir por um portal para a Cidade dos Ossos – ela tinha estado lá antes; sabia como se parecia – mas Jace disse que havia regras sobre esse tipo de coisa, e Clary não podia afastar a sensação de que os Irmãos do Silêncio achariam isso bastante rude.
Jace se sentou ao lado dela no no carro, segurando uma de suas mãos e traçando padrões nas costas dela com seus dedos. Era uma distração, mas não distraía o suficiente para que ela não pudesse se concentrar enquanto ele lhe informava o que tinha acontecido a Simon, a história de Jordan, a captura de Camille e a exigência dela em falar com Magnus.
— Simon está bem? — Ela perguntou preocupada. — Eu não sabia. Ele estava no Instituto, e eu nem o vi...
— Ele não estava no Instituto, estava no Santuário. E parecia estar lidando bem. Melhor do que eu teria, mesmo para alguém que era até recentemente um mundano.
— Mas o plano pareceu perigoso. Quero dizer, Camille, ela é totalmente maluca, não é?
Jace traçou seus dedos sobre suas juntas.
— Você tem que parar de pensar em Simon como o garoto mundano que costumava conhecer. Que precisa ser salvo. Ele está quase além de ser ferido agora. Você não viu aquela Marca que você deu a ele em ação. Eu sim. Como a ira de Deus sendo visitada sobre o mundo. Acho que você deveria estar orgulhosa.
Ela estremeceu.
— Eu não sei. Eu a fiz por que tive que fazê-la, mas ainda é uma maldição. E eu não sabia que ele ia passar por tudo isso. Ele não disse. Eu sei que Isabelle e Maia descobriram uma sobre a outra, mas não sabia sobre Jordan. Que ele era o ex de Maia, ou qualquer coisa sobre isso.
Por que você não perguntou. Você estava ocupada demais se preocupando sobre Jace.
Nada bom.
— Bem, você disse a ele o que estava fazendo? Por que tem que ser pelas duas vias.
— Não. Eu na verdade não disse a ninguém — Clary respondeu, e contou a Jace sobre sua ida a Cidade do Silêncio com Luke e Maryse, o que ela tinha descoberto no necrotério do Beth Israel, e sua subsequente descoberta da Igreja de Talto.
— Nunca ouvi falar disso — Jace comentou — mas Isabelle estava certa, há todo tipo de seitas bizarras de adoradores de demônios por aí. A maioria delas nunca teve na verdade sucesso em invocar um demônio. Parece que essa conseguiu.
— Você acha que o demônio que nós matamos era aquele que eles estavam adorando? Acha que agora eles podem... parar?
Jace sacudiu a cabeça.
— Aquele era só um demônio Hidra, um tipo de cão de guarda. Além do mais, “Pois sua casa se inclina para a morte, e seus caminhos para os mortos” soa como um demônio feminino para mim. E os cultos que adoram demônios femininos frequentemente fazem coisas horríveis com bebês. Eles têm todos os tipos de ideias deturpadas sobre fertilidade e crianças — ele se encostou contra o assento, semicerrando os olhos — tenho certeza de que a Clave irá a igreja e checará, mas aposto vinte contra um que eles que não encontrarão nada. Você matou o demônio guarda deles, então os discípulos vão limpar e se livrar da evidência. Nós poderíamos ter de esperar até que eles se estabeleçam em outro lugar de novo.
— Mas... — O estômago de Clary apertou. — Aquele bebê. E as imagens no livro que eu vi. Eu acho que eles estão tentando fazer mais crianças como... como Sebastian.
— Eles não podem. Eles fecundam um bebê com sangue de demônio, o que é muito ruim, sim. Mas você consegue algo como Sebastian apenas se o que você está fazendo é usar sangue demônio em crianças Caçadoras de Sombras. Senão o bebê morre — ele apertou a mão dela levemente, como se para reassegurá-las — elas não são pessoas boas, mas eu não posso imaginá-los tentando fazer a mesma coisa de novo, já que isso não funcionou.
O táxi parou cantando os pneus na esquina de Houston com a Segunda Avenida.
— O medidor está quebrado — o taxista disse — dez pratas.
Jace, que sob outras circunstâncias provavelmente teria feito um comentário sarcástico, jogou ao taxista uma nota de vinte e saiu do carro, segurando a porta aberta para Clary segui-lo.
— Pronta? — Ele perguntou enquanto iam em direção ao portão de ferro que dava para Cidade dos Ossos.
Ela concordou.
— Não posso dizer que minha última viagem aqui foi muito divertida, mas sim, estou pronta — ela tomou a mão dele — desde que nós estejamos juntos, estou pronta para qualquer coisa.
Os Irmãos do Silêncio estavam esperando por eles na entrada da Cidade, quase como se estivessem sendo aguardados. Clary reconheceu o Irmão Zacarias entre o grupo. Eles estavam em uma linha silenciosa, bloqueando o ingresso de Clary e Jace na cidade.
Por que vocês vieram aqui, filha de Valentim e filho do Instituto?
Clary não teve certeza de qual deles estava falando para ela em sua cabeça, ou se todos estavam.
É incomum que crianças entrem na Cidade do Silêncio sem supervisão.
A palavra “crianças” doeu, embora Clary estivesse ciente tanto quanto os Caçadores de Sombras que qualquer um abaixo de dezoito era uma criança e sujeito a regras diferentes.
— Nós precisamos de sua ajuda — Clary respondeu quando tornou evidente que Jace não ia dizer nada.
Ele estava olhando de um dos Irmãos do Silêncio para o outro com uma curiosa indiferença, como alguém que tivesse recebido incontáveis diagnósticos terminais de diferentes médicos e agora, tendo alcançado o fim da linha, esperava sem muita esperança pelo veredicto de um especialista.
— Não é o trabalho de vocês... ajudar Caçadores de Sombras?
E ainda assim nós não somos servos, às suas ordens e chamado. Nem todo problema se enquadra em nossa jurisdição.
— Mas este é — Clary disse firmemente — acredito que alguém esteja tentando entrar na mente de Jace – alguém com poder – e mexer com suas memórias e sonhos. Forçando-o a fazer coisas que ele não quer fazer.
Hipnomancia, disse um dos Irmãos do Silêncio. A mágica dos sonhos. Este é o território exclusivo dos maiores e mais poderosos usuários de mágica.
— Como os anjos — Clary disse, e foi recompensada por um pomposo silêncio surpreendente.
Talvez, o Irmão Zacarias falou finalmente, vocês devam vir conosco as Estrelas Falantes.
Esse não era um convite, claramente, mas uma ordem, pois eles se viraram imediatamente e começaram a ir para o coração da Cidade, sem esperar para ver se Jace e Clary os seguiam.
Eles alcançaram o pavilhão das Estrelas Falantes, onde os Irmãos tomaram seus lugares atrás de sua mesa de basalto negra. A Espada Mortal estava de volta ao seu lugar, cintilando na parede atrás deles como a asa de um pássaro prateado. Jace se moveu para o centro da sala e olhou para o padrão de estrelas metálicas queimadas em vermelho e dourado do chão. Clary o observou, sentindo seu coração doer. Era difícil vê-lo assim, toda sua costumeira energia se fora, como luz encantada sufocada sobre uma cobertura de cinzas.
Então, ele levantou sua cabeça loira, piscando, e Clary sabia que os Irmãos do Silêncio estavam falando dentro da mente dele, dizendo palavras que ela não podia ouvir. Ela o viu sacudir a cabeça e o escutou dizer:
— Eu não sei. Pensei que eles não eram nada além de sonhos comuns.
A boca dele apertou, e ela não pôde se impedir de imaginar o que eles estavam perguntando a ele.
— Visões? Acho que não. Sim, eu tive um encontro com o Anjo, mas Clary é quem teve os sonhos proféticos. Não eu.
Clary ficou tensa. Eles estavam terrivelmente perto de perguntar sobre o que tinha acontecido com Jace e o Anjo naquela noite no Lago Lyn. Ela não pensou sobre isso. Quando os Irmãos do Silêncio espiavam em sua mente, o que eles viam? Apenas o que eles procuravam? Ou tudo?
Jace então concordou.
— Ótimo. Eu estou pronto se vocês estiverem.
Ele fechou seus olhos, e Clary, observando, relaxou ligeiramente. Deve ter sido assim quando Jace teve que observá-la, ela pensou, na primeira vez que os Irmãos do Silêncio tinham escavado sua mente. Ela viu detalhes que não tinha notado até então, pois tinha sido pega dentro da rede da mente deles e da sua própria, retomando suas memórias, perdidas para o mundo.
Ela viu Jace enrijecer como se eles tivessem tocado-o com suas mãos. Sua cabeça foi para trás. Suas mãos, ao seu lado, abriram e fecharam, enquanto as estrelas no chão aos seus pés arderam com uma luz prata cegante. Ela piscou contra as lágrimas vindas do brilho, Jace era um contorno escuro contra um lençol de prata cegante, como se ele estivesse de pé no coração de uma cachoeira. Tudo em torno deles era ruído, um suave sussurro incompreensível.
Enquanto ela olhava, ele ficou de joelhos, suas mãos apoiadas contra o chão. O coração dela se apertou. Ter os Irmãos do Silêncio em sua cabeça tinha quase a feito desmaiar, mas Jace era mais forte do que isso, não era?
Lentamente ele se dobrou, suas mãos apertadas contra o estômago, agonia em cada linha dele, embora ele nunca gritasse. Clary não podia mais suportar isso – ela se lançou em direção a ele, através dos lençóis de luz, e ficou de joelhos próxima a ele, jogando seus braços ao redor do seu corpo. As vozes sussurrando em torno dela aumentaram para uma tempestade de protestos enquanto ele virava sua cabeça e olhava para ela. A luz prata tinha saído seus olhos, e eles pareciam vazios e tão brancos quanto ladrilhos de mármore. Os lábios dele formaram seu nome.
E então se foi – a luz, o som, tudo isso, e eles estavam ajoelhados juntos no chão do pavilhão, silêncio e sombra ao redor deles. Jace estava tremendo, e quando suas mãos soltaram uma da outra, ela viu que elas estavam ensanguentadas onde suas unhas tinham rasgado a pele. Ainda abraçando-o pelo braço, ela olhou para os Irmãos do Silêncio, lutando com a raiva. Ela sabia que era como estar furiosa com um médico que tinha administrado um doloroso, mas salvador tratamento, mas era difícil – tão difícil – ser razoável quando era alguém que você amava.
Há algo que você não nos disse, Clarissa Morgenstern, disse o Irmão Zacarias. Um segredo que ambos tem guardado.
Uma mão gelada se fechou em torno do coração de Clary.
— O que você quer dizer?
A marca da morte está neste garoto. Era outro Irmão falando – Enoch, Clary achou.
— Morte? — Jace disse. — Você quer dizer que eu vou morrer?
Ele não soou surpreso.
Queremos dizer que você estava morto. Você passou além do portal para o reino da sombra, sua alma foi desligada de seu corpo.
Clary e Jace trocaram um olhar. Ela engoliu em seco.
— O Anjo Raziel... — ela começou.
Sim, a marca dele esta por todo o garoto também. A voz de Enoch era sem emoção. Há apenas dois modos de trazer de volta os mortos. O modo da necromancia, a feitiçaria negra do sino, livro e vela. Isso retornará uma aparência de vida. Mas apenas a própria mão direita do Anjo de Deus poderia colocar de volta a alma de um humano em seu corpo tão facilmente quanto a vida que foi respirada dentro do primeiro dos homens. Ele sacudiu sua cabeça. O balanço da vida e da morte, do bem e do mal, é um delicado, jovens Caçadores de Sombras. Vocês o perturbaram.
— Mas o Anjo Raziel — Clary falou — ele pode fazer o que quiser. Vocês o adoram, não é? Se ele escolheu fazer isso...
Ele o fez? Perguntou outro dos Irmãos. Ele escolheu?
— Eu... — Clary olhou para Jace.
Eu poderia ter pedido qualquer coisa no universo. Paz no mundo, uma cura para doença, viver para sempre. Mas tudo o que eu quis foi você, ela pensou.
Nós conhecemos o ritual dos Instrumentos Mortais, Irmão Zacarias disse. Sabemos que quem possuir todos eles, quem for seu senhor, pode pedir ao Anjo uma coisa. Eu não acho que ele poderia ter recusado.
Clary levantou o queixo.
— Bem — ela apontou — agora está feito.
Jace deu um fantasma de uma risada.
— Eles sempre podem me matar, sabia? Trazer as coisas de volta ao equilíbrio.
Suas mãos apertaram o braço dele.
— Não seja ridículo.
Mas a voz dela estava tênue. Ela ficou mais tensa enquanto Irmão Zacarias se afastava do grupo reunido de Irmãos do Silêncio e se aproximava deles, seus pés deslizando silenciosamente sobre as Estrelas Falantes.
Ele se aproximou do Jace, e Clary teve que lutar com a urgência de empurrá-lo quando ele se inclinou e colocou seus longos dedos debaixo do queixo do Jace, levantando o rosto do garoto para ele. Os dedos do Zacarias eram finos, sem rugas – os dedos de um homem jovem. Ela nunca pensou muito sobre a idade dos Irmãos do Silêncio antes, supondo que todos eles fossem enrugados e velhos.
Jace, ajoelhado, olhou para Zacarias, que o fitava com a sua cega expressão impassível. Clary não pôde se impedir de pensar nas pinturas medievais dos santos ajoelhados, olhando acima, suas faces repletas com o brilho de luz dourada.
Eu gostaria de ter estado aqui, ele disse, sua voz inesperadamente gentil quando você estava crescendo. Eu teria visto a verdade em seu rosto, Jace Lightwood, e conhecido quem você era.
Jace pareceu confuso, mas não se moveu para se afastar.
Zacarias se virou para os outros. Nós não podemos e nem devemos ferir o garoto. Laços antigos existem entre os Herondales e os Irmãos. Nós devemos ajudá-lo.
— Ajudar com quê? — Clary exigiu. — Vocês podem ver algo de errado com ele – algo dentro de sua cabeça?
Quando um Caçador de Sombras nasce, um ritual é feito, uma quantidade de feitiços de proteção é colocada sobre a criança pelos Irmãos do Silêncio e as Irmãs de Ferro.
As Irmãs de Ferro, Clary sabia de suas pesquisas, eram um grupo como dos Irmãos do Silêncio, até mesmo mais recolhidas do que seus irmãos. Estavam a cargo da fabricação das armas dos Caçadores de Sombras.
Irmão Zacarias continuou: quando Jace morreu e foi ressuscitado, ele nasceu pela segunda vez, com aquelas proteções e rituais despojadas. Isso o deixou tão aberto quando uma porta destrancada – aberto para qualquer tipo de influência demoníaca ou malevolência.
Clary lambeu seus lábios secos.
— Você quer dizer, possessão?
Não possessão, influência. Suspeito que poderosos sussurros de poder demoníaco estão em seus ouvidos. Jonathan Herondale. Você é forte, luta com ele, mas isso o desgasta como o mar desgasta a areia.
— Jace — ele sussurrou através de seus lábios pálidos — Jace Lightwood, não Herondale.
Clary se agarrou aos aspectos práticos:
— Como vocês podem ter certeza que é um demônio? E o que nós podemos fazer para isso deixá-lo em paz?
Enoch, soando pensativo, disse, o ritual deve ser feito novamente, as proteções colocadas sobre ele uma segunda vez, como se ele tivesse acabado de nascer.
— Vocês podem fazer isso? — Clary perguntou.
Zacarias inclinou a cabeça. Pode ser feito. As preparações devem ser feitas, uma para as Irmãs de Ferro invocarem, um amuleto fabricado... ele se interrompeu. Jonathan deve permanecer conosco até que o ritual termine. Este é o lugar mais seguro para ele.
Clary olhou para Jace novamente, procurando em sua expressão – qualquer expressão – de esperança, alívio, satisfação, qualquer coisa. Mas o rosto dele estava impassível.
— Por quanto tempo? — ele indagou.
Zacarias estendeu seus dedos. Um dia, talvez dois. O ritual é para crianças; nós temos que mudá-lo, alterá-lo para se adequar a um adulto. Se ele fosse mais velho que dezoito, seria impossível. Assim, será difícil. Mas ele não está além da salvação.
Não está além da salvação... Não era isso o que Clary tinha esperado; ela esperava que dissessem que o problema era simples, facilmente resolvido. Ela olhou para Jace. A cabeça dele inclinada, seu cabelo caindo a frente; sua nuca parecia tão vulnerável para ela, isso fez sua cabeça doer.
— Tudo bem — ela disse suavemente — eu ficarei aqui com você...
Não, os Irmãos falaram em conjunto, suas vozes inexoráveis. Ele deve permanecer aqui sozinho. Para o que precisamos fazer, ele não pode se dar ao luxo de ser distraído.
Ela sentiu o corpo de Jace enrijecer. Da última vez que esteve sozinho na Cidade do Silêncio, tinha sido preso injustamente, presenciado as horríveis mortes da maioria dos Irmãos do Silêncio e atormentado por Valentim. Ela não podia imaginar a ideia de outra noite sozinho na Cidade seria nada além de terrível para ele.
— Jace — ela sussurrou — eu farei o que você quiser. Se você quiser ir...
— Eu ficarei — ele levantou sua cabeça, e sua voz era forte e clara — eu ficarei. Farei o que precisar para consertar isso. Eu só preciso que você ligue para Izzy e Alec. Diga a eles... diga a eles que vou ficar com Simon para ficar de olho nele. Fale que eu os vejo amanhã ou depois de amanhã.
— Mas...
— Clary — gentilmente ele tomou ambas suas mãos e as segurou entre as dele — você estava certa. Não está vindo de dentro de mim. Algo está fazendo isso a mim. A nós. Você sabe o que isso significa? Se eu puder ser... curado... então eu não tenho mais que estar com medo de mim mesmo quando estiver perto de você. Eu passaria mil noites na Cidade do Silêncio por isso.
Ela se inclinou para frente, esquecida da presença dos Irmãos do Silêncio, e o beijou, um rápido pressionar de seus lábios contra os dele.
— Eu voltarei — ela sussurrou — amanhã à noite, depois da festa na Ironworks, eu voltarei e verei você.
A esperança nos olhos dele foi o suficiente para partir seu coração.
— Talvez eu esteja curado então.
Ela tocou seu rosto com as pontas dos dedos.
— Talvez você esteja.
***
Simon acordou ainda se sentindo exausto pela longa noite de pesadelos.
Ele rolou de costas e olhou para a luz vinda da única janela em seu quarto. Não pôde se impedir de imaginar se dormiria melhor se fizesse o que os outros vampiros faziam e dormisse durante o dia. Apesar do fato de que o sol não o feria, ele podia sentir a atração das noites, o desejo de estar sob o céu escuro e as estrelas cintilantes. Havia algo nele que queria viver nas sombras, que sentia a luz do sol como uma aguda dor cortante – tal qual havia algo nele que precisava de sangue. E olha como a luta tinha terminado para ele.
Ele ficou de pé e vestiu algumas roupas, então saiu da sala de estar.
O lugar cheirava a torradas e café. Jordan estava sentado em uma das banquetas, seus cabelos arrepiados para todo lado como sempre, seus ombros curvados.
— Ei — Simon disse —e aí?
Jordan olhou para ele. Estava pálido sob seu bronzeado.
— Nós temos um problema.
Simon piscou. Ele não tinha visto seu colega lobisomem desde ontem. Chegou do Instituto na noite passada e caiu exausto. Jordan não estava ali, e Simon tinha percebido que ele estava trabalhando. Mas talvez algo tivesse acontecido?
— O que há de errado?
— Isso estava jogado debaixo de nossa porta — Jordan empurrou um jornal dobrado em direção a Simon.
Era o New York Morning Chronicle, aberto em uma das páginas. Havia uma foto macabra no topo, uma imagem granulada de um corpo jogado em uma calçada, membros delgados curvados em ângulos estranhos. Dificilmente parecia humano, do modo que corpos algumas vezes não pareciam. Simon estava prestes a perguntar a Jordan porque ele teve que ver aquilo, quando o texto abaixo na foto saltou ao seus olhos.
GAROTA ENCONTRADA MORTA
A polícia diz que estava atrás de ligações na morte de Maureen Brown, de quatorze anos, cujo corpo foi descoberto na noite de domingo, às onze horas da noite, jogado em uma lixeira na parte externa da Loja Big Apple Deli na Terceira Avenida. Embora nenhuma causa oficial da morte tivesse sido revelada pelo delegado, o dono da loja que encontrou o corpo, Michael Garza, disse que a garganta dela foi cortada. A polícia ainda não encontrou a arma...
Incapaz de continuar, Simon sentou-se pesadamente em uma cadeira. Agora que ele sabia, a foto era inquestionavelmente de Maureen. Ele reconheceu suas luvas arco-íris, o estúpido chapéu cor de rosa que ela tinha usado quando ele a tinha visto da última vez. Meu Deus, ele queria dizer. Mas as palavras não saíram.
— Aquele bilhete não dizia — Jordan disse em uma voz sombria — que se você não fosse àquele endereço, eles cortariam a garganta da sua namorada?
— Não — Simon sussurrou — não é possível. Não.
Mas ele se lembrou.
A amiguinha da prima de Eric. Qual era o nome dela? Aquela que tinha uma queda por Simon. Ela ia a todas as apresentações e dizia para todo mundo que era a sua namorada.
Simon se lembrou do telefone dela, seu pequeno telefone cor de rosa cheio de adesivos, do modo que ela o segurou para tirar uma foto deles. A sensação de uma mão em seu ombro, tão leve quanto uma borboleta. Quatorze anos. Ele se curvou, envolvendo seus braços em torno do peito, como se pudesse encolher o suficiente para desaparecer completamente.
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