Capítulo 18 - Escuridão Visível
Clary sempre tinha odiado montanhas russas, odiado a sensação de seu estômago revirando quando o carrinho subia. Ser arrancada da caminhonete e levada pelo ar como um rato nas garras de uma águia foi dez vezes pior. Ela gritou alto enquanto seus pés deixavam a caçamba e seu corpo decolava para cima, inacreditavelmente rápido. Ela gritou e girou – até que olhou para baixo e viu quão alto já estava acima da água e percebeu o que aconteceria se o demônio voador libertasse-a.
Ela ficou parada. A picape parecia como um brinquedo lá embaixo, um pontinho entre as ondas. A cidade balançava em torno dela, luzes brilhantes desfocadas. Poderia ter sido bonito se Clary não estivesse tão assustada.
O demônio se inclinou e mergulhou, e subitamente, em vez de subir, ela estava caindo. Pensou na coisa largando-a centenas de metros acima até que ela se arrebentasse na gelada água preta, e fechou seus olhos – mas cair às cegas na escuridão era pior. Abriu os olhos novamente e viu o convés preto do navio crescendo embaixo dela como uma mão erguendo-se para o céu. Gritou pela segunda vez enquanto caíam direto para o convés, através de um quadrado escuro cortado em sua superfície. Agora eles estavam dentro do navio.
A criatura voadora diminuiu seu ritmo. Eles estavam caindo no centro do barco, no convés cercado por grades de metal. Clary pegou um lance do maquinário escuro. Nada parecia trabalhar direito, e havia alguns instrumentos e ferramentas abandonados em vários lugares. Há muito a energia elétrica não funcionava ali, embora um esmaecido brilho permeasse todas as coisas. Seja qual fosse a fonte de alimentação do navio antes, Valentim agora estava usando outra.
Algo tinha sugado o ar morno da atmosfera. Ar gelado fustigava o rosto de Clary enquanto o demônio pousava o navio e mergulhava em um longo e mal iluminado corredor. Ele não estava sendo particularmente cuidadoso com ela. Seus joelhos bateram contra um cano enquanto a criatura virava em uma curva, enviando uma onda de dor acima de sua perna. Clary gritou e ouviu sua sibilante risada acima dela. Então o demônio a largou e ela caiu.
Girando no ar, Clary tentou esticar as mãos e joelhos para baixo antes de bater no chão. Isso quase funcionou. Ela atingiu o chão com um impacto chocante e rolou para o lado, atordoada.
Estava deitada em uma superfície de metal, na penumbra. Este provavelmente tinha sido um espaço de armazenamento em algum momento, por que as paredes eram lisas e sem portas. Havia um quadrado aberto acima dela por onde um único feixe de luz era filtrado. Seu corpo inteiro doía.
— Clary? — Uma voz sussurrou.
Ela rolou de lado, retrocedendo. Uma sombra estava ajoelhada ao seu lado. Enquanto seus olhos se ajustavam a escuridão, ela viu uma pequena, figura curvilínea, cabelo trançado, olhos castanhos escuros.
Maia.
— Clary, é você?
Clary se sentou, ignorando o grito de dor em suas costas.
— Maia. Maia, oh meu Deus — ela encarou a outra garota, então procurou selvagemente em torno da sala. Tirando as duas, estava vazia — Maia, onde ele está? Onde está Simon?
Maia mordeu seu lábio. Seus pulsos estavam ensanguentados, Clary percebeu, seu rosto listrado com lágrimas secas.
— Simon está morto.
***
Ensopado e meio congelado, Jace desabou no convés do navio, a água jorrando de seu cabelo e roupas. Olhou acima para o céu noturno nublado, arfando.
Não tinha sido uma tarefa fácil subir a raquítica escada de ferro mal parafusada na lateral de metal do navio, especialmente com as mãos escorregadias e roupas encharcadas puxando-o para baixo. Se não tivesse sido pela runa destemor, ele refletiu, provavelmente teria se preocupado que um dos demônios voadores o pegasse da escada como um pássaro colhendo um inseto em uma videira. Felizmente, pareceram retornar ao navio uma vez que tinham capturado Clary. Ele não podia imaginar como, mas há muito tempo tinha desistido de tentar entender por que seu pai fazia as coisas.
Acima dele uma cabeça apareceu, desenhada contra o céu. Era Luke, tendo atingido o topo da escada. Ele escalou laboriosamente a grade e desceu para o outro lado. Olhou para Jace.
— Você está bem?
— Ótimo.
Jace ficou de pé. Estava tremendo. Estava frio no barco, mais frio do que tinha estado na água – e sua jaqueta tinha ido embora. Tinha dado a Clary.
Jace olhou ao redor
— Em algum lugar, há uma porta que dá para dentro do navio. Eu a encontrei da última vez. Nós temos apenas que andar em torno até que a encontremos novamente.
Luke começou em frente.
— E me deixe ir primeiro — Jace adicionou, ultrapassando Luke, que lançou um olhar extremamente confuso.
Parecia que ia dizer alguma coisa, mas finalmente diminuiu o passo para andar ao lado de Jace enquanto se aproximavam da curva na proa, onde Jace tinha estado com Valentim na noite anterior. Ele podia ouviu a oleosa batida da água contra o navio, bem abaixo.
— Seu pai. O que ele te disse quando você o viu? O que ele te prometeu?
— Ah, você sabe. O de sempre. Uma vida inteira de suprimento de bilhetes para os jogos do Knicks — Jace falou descontraidamente, mas a memória em sua mente era mais fria que a temperatura do navio — ele assegurou que não causaria dano a mim ou a qualquer um que eu me importasse se eu deixasse a Clave e retornasse a Idris com ele.
— Você acha... — Luke hesitou — Você acha que ele machucaria Clary para te ter de volta?
Eles contornaram a proa e Jace pegou um breve vislumbre da Estátua da Liberdade à distância, um pilar de luz brilhante.
— Não. Acho que ele a pegou para nos fazer vir para o navio, de modo a dar a ele uma moeda de troca. Isso é tudo.
— Eu não estou certo de que ele precise de uma moeda de troca — Luke respondeu em voz baixa enquanto desembainhava sua kindjal.
Jace se virou para seguir o olhar de Luke, e por um momento só observou.
Havia um buraco escuro no convés a bombordo, como um quadrado que tinha sido recortado no metal, e para fora de suas profundezas jorrava uma escura nuvem de monstros. Jace relembrou a última vez que tinha estado aqui, com a Espada Mortal em sua mão, olhando ao redor em horror enquanto o céu e o mar tornavam-se revolventes massas de pesadelos. Só agora as criaturas colocavam-se diante dele, uma cacofonia de demônios: os Raum de ossos brancos que tinham atacado Luke; demônios Oni com seus corpos verdes, bocas largas e chifres; o furtivo demônio preto Kuri, demônios aranhas com seus oito braços com pinças e veneno escorrendo de suas presas que surgiam do buraco de seus olhos...
Jace não podia contar todos. Ele sentiu Camael e tirou a lâmina de seu cinto, seu brilho branco iluminando o convés. Os demônios sibilaram ao sinal dela, mas nenhum deles se afastou. A runa destemor no ombro de Jace começou a queimar. Ele se perguntou quantos demônios ele poderia matar antes que ela queimasse até sumir.
— Pare! Pare! — A mão de Luke, enrolada na parte de trás da camisa de Jace, o sacudia para trás. — Há muitos, Jace. Se nós pudermos voltar para a escada...
— Não podemos — Jace se puxou para fora do aperto de Luke e apontou — eles nos cercaram de ambos os lados.
Era verdade. Uma tropa de demônios, suas órbitas vazias chamejando, bloqueou sua retirada.
Luke xingou fluentemente e cruelmente.
— Pule pelo lado então. Eu os seguro.
— Você pula — Jace disse — eu estou bem aqui.
Luke jogou a cabeça para trás. Suas orelhas tinham despontado, e quando ele rosnou para Jace, seus lábios puxaram por sobre os caninos que estavam de repente afiados.
— Você...
Ele se interrompeu enquanto um demônio Moloch saltava, as garras estendidas. Jace o esfaqueou casualmente na espinha enquanto a criatura passava e chocava-se em Luke, uivando. Luke o agarrou em suas mãos com garras e lançou-o por sobre a grade.
— Você usou a runa destemor, não é? — Luke disse, virando-se de volta para Jace com olhos que cintilavam em âmbar.
Houve um splash à distância.
— Você não está errado — Jace admitiu.
— Cristo. Colocou ela em si mesmo?
— Não. Clary a colocou em mim.
A lâmina serafim de Jace cortou o ar com um fogo branco, dois demônios Drevak caíram. Havia mais dezenas de onde tinham vindo, movendo-se na direção deles, as mãos como agulhas afiadas.
— Ela é boa com isso, você sabe.
— Adolescentes — Luke observou, como se essa fosse a palavra mais suja que ele conhecia, se jogou na horda que se aproximava.
***
— Morto? — Clary olhou para Maia como se ela tivesse falado em búlgaro. — Ele não pode estar morto.
Maia nada disse, apenas olhou ela com tristes olhos escuros.
— Eu saberia — Clary se sentou e pressionou sua mão, fechada em punho, contra seu peito — eu saberia aqui.
— Eu pensei assim uma vez. Mas você não sabe. Nunca sabe.
Clary lutou para ficar em pé. A jaqueta de Jace estava pendurada em seus ombros, a parte de trás quase retalhada. Retirou-a impacientemente e largou-a no chão. Estava arruinada, as costas com uma dezena de marcas de garras afiadas. Jace vai ficar chateado de eu ter arruinado sua jaqueta, ela pensou. Eu devia comprar uma nova para ele. Eu devia...
Ela puxou um longo e áspero respirar. Podia ouvir seu próprio coração batendo, mas soava muito distante.
— O que... aconteceu com ele?
Maia ainda estava ajoelhada no chão.
— Valentim pegou nós dois. Ele nos acorrentou em uma sala juntos. Então ele veio com uma arma – uma espada, realmente longa e brilhante, como se estivesse cintilando. Ele jogou pó de prata em mim, logo eu não pude lutar com ele, e ele... ele apunhalou-o na garganta — a voz diminuiu para um sussurro — cortou seus pulsos e derramou o sangue em tigelas. Algumas das criaturas vieram até ele para ajudá-lo. Então Valentim apenas deixou Simon deitado lá, como algum brinquedo que ele rasgou todo dentro e não tinha mais utilidade. Eu gritei... mas sabia que ele estava morto. Então um dos demônios me pegou e me trouxe aqui para baixo.
Clary pressionou as costas da mão contra sua boca. Pressionou e pressionou até que sentiu o gosto salgado de sangue. O gosto acentuado pareceu cortar a neblina em seu cérebro.
— Nós temos que sair daqui.
— Sem ofensa, mas isso óbvio — Maia ficou de pé, pestanejando — não tem jeito de sair daqui. Nem mesmo para um Caçador de Sombras. Talvez se você fosse...
— Se eu fosse o quê? — Clary demandou, andando pela cela. — Jace? Bem, eu não sou.
Ela chutou a parede, que ecoou ocamente. Ela escavou dentro de seu bolso e puxou sua estela.
— Mas eu tenho meus próprios talentos.
Ela impulsionou a ponta da estela contra a parede e começou a desenhar. As linhas pareciam fluir dela, pretas e parecendo carbonizadas, quentes como sua furiosa raiva. Bateu a estela contra a parede, de novo e de novo e as linhas pretas fluíram como chamas. Quando deu alguns passos para trás, respirando com dificuldade, ela viu Maia fitá-la atônita.
— Garota — ela disse — o que você fez?
Clary não estava certa. Parecia como se tivesse jogado um balde de ácido contra a parede. O metal ao redor da runa estava afundando e derretendo como sorvete em um dia quente. Ela andou para trás, olhando aquilo cautelosamente enquanto um buraco do tamanho de um cachorro grande abria-se na parede. Clary podia ver as estruturas de metal atrás dele, mais das entranhas de metal do navio. Os cantos do buraco ainda chiavam, apesar de terem parado de pingar. Maia deu um passo a frente, puxando o braço de Clary.
— Espere — Clary ficou subitamente nervosa — o metal derretido poderia ser como lama tóxica ou alguma coisa assim.
Maia aspirou.
— Eu sou de Nova Jersey. Nasci em lama tóxica — ela marchou até o buraco e espreitou através dele — há uma passarela metálica no outro lado — anunciou — Aqui... vou descer nela.
Maia se virou e meteu seus pés do outro lado do buraco, então suas pernas, movendo-se lentamente. Ela fez careta enquanto passava seu corpo por ele, e então congelou.
— Ai! Meus ombros estão presos. Me empurra?
Ela ergueu suas mãos. Clary as pegou e a empurrou. O rosto de Maia ficou branco, e então vermelho... e em seguida ficou livre, como uma rolha de champanhe estourada de uma garrafa. Com um guincho, ela tombou. Houve um baque e Clary meteu sua cabeça ansiosamente pelo buraco.
— Você está bem?
Maia estava deitada na estreita passarela de metal vários metros abaixo. Ela rolou lentamente e se sentou, pestanejando.
— Meu tornozelo... mas eu vou ficar bem — ela adicionou, vendo o rosto de Clary — nós nos curamos rápido também, você sabe.
— Eu sei. Ok, minha vez.
A estela de Clary espetava desconfortavelmente seu estômago enquanto ela se curvava, preparando para deslizar através do buraco após Maia. A queda até a passarela era intimidante, mas não tanto quanto a ideia de esperar em uma sala fechada por qualquer coisa que viesse para buscá-las. Ela se virou de barriga, deslizando seus pés dentro do buraco... E alguma coisa agarrou as costas de sua camisa, puxando-a para cima. Sua estela caiu do cinto e quicou no chão.
Ela arfou com o súbito choque e dor; a gola de seu suéter apertando sua garganta, sufocando-a. Um momento depois ela estava livre, caindo para o piso, os joelhos batendo no metal com um tinido oco. Engasgando, ela rolou de suas costas e olhou acima, sabendo o que iria ver.
Valentim estava em pé acima dela. Em uma mão ele segurava uma lâmina serafim, brilhando com uma forte luz branca. A outra, que tinha segurado as costas da camisa dela, estava fechada em um punho. Seu rosto branco esculpido tinha uma expressão de desprezo e desdém.
— Sempre a filha de sua mãe, Clarissa. O que você fez agora?
Clary se ajoelhou dolorosamente. Sua boca estava cheia com o sangue de seu lábio tinha cortado. Enquanto olhava para Valentim, sua fervente raiva cresceu como uma flor venenosa dentro de seu peito.
Aquele homem, seu pai, tinha matado Simon e deixado-o morto no chão como lixo descartado. Ela tinha pensado que odiou pessoas antes em sua vida, mas estava errada. O que ela sentia agora era ódio.
— A garota lobisomem — Valentim continuou, franzindo o cenho — onde ela está?
Clary se inclinou para frente e cuspiu sangue nos sapatos de Valentim.
Com uma afiada exclamação de desgosto e surpresa, ele foi para trás, levantando a lâmina, e por um momento Clary viu a descuidada fúria nos olhos dele e pensou que ele ia matá-la bem ali, ajoelhada aos seus pés depois de ter cuspido em seus sapatos.
Lentamente, Valentim abaixou a lâmina. Sem uma palavra, ele passou por Clary e observou pelo buraco que ela tinha feito na parede. Lentamente, ela se virou, olhando o chão até que encontrou a estela de sua mãe. Alcançou-a, segurando sua respiração...
Valentim, virando-se, viu o que ela estava fazendo. Com um único passo, ele atravessou a sala. Chutou a estela para fora de seu alcance, que girou através do piso de metal e caiu pelo buraco na parede. Clary semicerrou os olhos, sentindo a perda de sua estela como a perda de sua mãe tudo de novo.
— Os demônios irão achar sua amiga Ser do Submundo — Valentim disse, em sua voz fria e calma, deslizando sua lâmina serafim para uma bainha em sua cintura — não há lugar para ela fugir. Nenhum lugar para qualquer um de vocês ir. Agora, levante-se Clarissa.
Lentamente, Clary ficou de pé. Seu corpo inteiro estava machucado pelo golpe que ela tinha levado.
Um momento depois ela arfou em surpresa quando Valentim segurou-a pelos ombros, virando-a para que estivesse de costas para ele. Ele assobiou; um som alto, afiado e desagradável. O ar agitou-se acima de sua cabeça e ela ouviu uma feia batida de asas. Com um pequeno grito, tentou fugir, mas Valentim era muito forte. As asas assentaram-se ao redor dos dois e eles estavam subindo no ar juntos, Valentim segurando-a em seus braços, como se ele realmente fosse seu pai.
***
Jace tinha pensado que ele e Luke estariam mortos agora. Ele não tinha certeza porque não estavam. O convés do navio estava escorregadio com o sangue. Ele estava coberto de sujeira. Até mesmo seu cabelo estava liso e espesso com o fluído, e seus olhos piscavam com o sangue e a sujeira. Havia um profundo corte longo no alto de seu braço direito, e nenhum tempo para fazer uma runa de cura em sua pele. Cada vez que ele levantava o braço, uma dor abrasadora lhe acertava.
Eles tinham conseguido se colocar em uma reentrância na parede de metal do navio, e lutaram neste abrigo contra os demônios. Jace tinha utilizado os dois chakhrams, agora só tinha sua última lâmina serafim e a adaga que tinha pegado de Isabelle. Não era muito – ele tinha saído para enfrentar apenas uns poucos demônios, agora estava enfrentando uma horda. Devia estar assustado, sabia, mas no todo ele não sentia quase nada... apenas o desgosto pelos demônios, que não pertenciam a este mundo, e a fúria por Valentim, que os tinha invocado.
No fundo, ele sabia que sua falta de medo não era uma coisa inteiramente boa. Ele não estava nem mesmo com medo pela quantidade de sangue que estava perdendo por seu braço.
Uma aranha demônio correu em direção a Jace, chiando e lançando um líquido amarelo venenoso. O Caçador de Sombras mergulhou para longe, porém não rápido o suficiente para evitar que algumas gotas do veneno respingassem em sua camisa. Aquilo chiou enquanto corroía o material; ele sentiu a picada enquanto queimava sua pele como dezenas de pequenas agulhas superaquecidas.
A aranha demônio piscou em satisfação e pulverizou outro jato de veneno. Jace se abaixou e o veneno acertou um demônio Oni ao seu lado; o Oni gritou em agonia e moveu-se para a aranha demônio, as garras estendidas. Os dois lutaram juntos, rolando através do convés.
Os demônios ao redor agitaram-se para longe do veneno derramado, o que formou uma barreira entre eles e o Caçador de Sombras. Jace aproveitou a vantagem do momentâneo intervalo para virar-se para Luke.
Luke estava quase irreconhecível. Suas orelhas cresciam pontudas como as de um lobo; os lábios estavam puxados para trás de seu raivoso focinho em um vinco permanente, as garras pretas com o fluído de demônio.
— Nós devemos ir para as grades — a voz de Luke era um meio rosnar — sair do navio. Não podemos matar todos eles. Talvez Magnus...
— Não acho que estamos indo tão mal — Jace girou sua lâmina serafim – o que foi uma má ideia, sua mão estava molhada com o sangue e a lâmina quase escapou de seu aperto — levando tudo em consideração.
Luke fez um barulho que poderia ter sido um rosnar ou uma risada, ou a combinação de ambos. Então alguma coisa larga e sem forma caiu do céu, lançando os dois ao chão.
Jace bateu no piso duro, a lâmina serafim voando de sua mão. Ela foi pelo convés, agitando na superfície de metal e deslizou para um canto do barco, fora da visão. Jace xingou e se ergueu.
A coisa que tinha aterrissado neles era um demônio Oni. Era grande para sua espécie – sem mencionar o fato de ter sido esperto para pensar em subir até o telhado e cair em cima deles. Ele estava sentado em cima de Luke agora, retalhando-o com os afiados dentes de marfim que brotavam de sua testa. Luke estava se defendendo o melhor que podia com suas garras, mas já estava saturado em sangue; sua kindjal descansando longe dele no convés. Luke agarrou-o e o Oni segurou uma das pernas dele com a mão, baixando a perna sobre o seu joelho. Jace ouviu o osso quebrar com um estalo enquanto Luke gritava alto.
Jace mergulhou atrás da kindjal, agarrou-a e rolou para seus pés, afundando a adaga duramente na parte de trás do pescoço do demônio Oni. Ela desceu com força suficiente para decapitar a criatura, que sucumbiu, sangue preto jorrando do toco do pescoço. Um momento depois, ele desapareceu. A kindjal caiu no convés ao lado de Luke.
Jace correu até ele e se ajoelhou.
— Sua perna...
— Está quebrada.
Luke lutou para uma posição sentada, seu rosto contorcido em dor.
— Mas você cura rápido.
Luke olhou ao redor, seu rosto desgostoso. O Oni podia ter sido morto, mas os outros demônios tinham aprendido vendo de seu exemplo. Eles estavam seguindo acima para o telhado. Jace não podia dizer, na turva luz do luar, quanto deles estava lá... dezenas? Centenas? Depois de certo número não importava mais.
Luke fechou a mão ao redor do cabo da kindjal.
— Não rápido o suficiente.
Jace puxou a adaga de Isabelle de seu cinto. Era a última de suas armas e ela parecia subitamente lamentavelmente pequena. Uma acentuada emoção perfurou-o – não medo, ele ainda estava além daquilo, mas tristeza. Imaginou Alec e Isabelle como se eles estivessem parados em sua frente, sorrindo, e então ele viu Clary com os braços delas estendidos como se estivesse saudando-o em casa.
Ele se levantou ao mesmo tempo em que demônios caíam vindos do telhado como uma onda, uma maré sombria borrando a lua. Jace se moveu tentando bloquear Luke, mas isso não adiantou; os demônios estavam de todos os lados. Um suspendeu-se em frente a ele. Tinha um esqueleto de um metro e oitenta, rindo com dentes quebrados. Pedaços de coloridas e brilhantes bandeiras de orações tibetanas penduravam-se em seus ossos podres. Ele agarrou uma espada katana em uma mão ossuda, que era incomum – a maioria dos demônios não eram armados. A espada, inscrita com runas demoníacas, era mais longa que o braço de Jace, curvada, afiada e assassina.
Jace atirou a adaga. Atingiu as costelas do demônio e a faca ficou presa lá. O demônio mal parecia ter notado; apenas se manteve em movimento, inexoravelmente morto. O ar ao redor dele fedia a morte e túmulos. Ele levantou sua katana em uma mão cheia de garras... E uma sombra cinza cortou a escuridão na frente de Jace, uma sombra que se movia com um redemoinho preciso, movimentando-se mortalmente.
A katana encontrou uma resistência, fazendo um afiado guincho de metal contra metal; a figura indefinida impulsionando a katana para trás, apunhalando acima com a outra mão com uma rapidez que os olhos de Jace mal puderam seguir. O demônio caiu para trás, seu crânio estilhaçando enquanto ele diminuía para o nada.
Tudo o podia se ouvir ao redor eram os gritos dos demônios uivando em dor e surpresa. Girando, ele viu que dezenas de formas – formas humanas – estavam subindo pelas grades, jogando-se no chão e correndo para perto da massa de demônios que se espalhava, resvalava, sibilava e voava acima do convés. Elas carregavam espadas de luz e usavam as escuras e agressivas roupas de...
— Caçadores de Sombras? — Jace falou, tão assustado que falou alto.
— Quem mais?
Um sorriso brilhou na escuridão.
— Malik? É você?
Malik inclinou sua cabeça.
— Me desculpe por hoje mais cedo. Eu estava sob ordens.
Jace estava prestes a dizer a Malik que ele tinha acabado de salvar sua vida, o que mais que compensava o ocorrido anteriormente na tentativa de impedir que Jace deixasse o Instituto, quando um grupo de demônios Raum surgiu em direção a eles, tentáculos chicoteando o ar. Malik girou e se encarregou de encontrá-los com um grito, sua lâmina serafim brilhando como uma estrela. Jace estava prestes a segui-lo quando uma mão agarrou-o pelo braço e o puxou para o canto.
Era um Caçador de Sombras, todo de preto, um capuz sombreando sua face.
— Venha comigo.
A mão puxava insistentemente sua manga.
— Eu tenho que pegar Luke. Ele foi ferido — ele sacudiu seu braço para trás — me deixe ir.
— Ah, pelo amor do Anjo...
A figura soltou-o e alcançou o capuz de seu longo manto, revelando um rosto estreito e branco e olhos cinzentos que queimavam como lascas de diamante.
— Agora você vai fazer o que você disse, Jonathan?
Era a Inquisidora.
***
Apesar da estonteante velocidade com que eles voaram através do ar, Clary teria chutado Valentim se pudesse. Mas ele a segurava com braços de ferro. Seus pés balançavam livres, porém não conseguiu se prender a nada.
Quando o demônio se inclinou e desviou subitamente, ela deixou sair um grito. Valentim riu. Então eles estavam girando por um estreito túnel de metal e para uma sala ampla e larga. Em vez de largá-los sem cerimônia, o demônio voador colocou-os gentilmente no chão.
Para grande surpresa de Clary, Valentim a deixou ir. Ela se sacudiu para longe dele e tropeçou no meio da sala, olhando ao redor selvagemente. Era um espaço grande, provavelmente algum tipo de sala de máquinas. Maquinários ainda estavam alinhadas a paredes, empurrados para longe para criar um largo espaço quadrado no centro. O piso era feito de um espesso metal preto, manchas escuras aqui e ali. No meio do cômodo estavam quatro bacias, grandes o suficiente para lavar um cachorro dentro delas. O interior das duas primeiras estava pintado num tom marrom enferrujado. A terceira estava cheia de um líquido vermelho escuro. A quarta estava vazia.
Uma mesa de metal estava atrás das bacias. Um tecido escuro tinha sido jogado por cima dela. Enquanto Clary se aproximava, viu que em cima tecido descansava uma espada prata que brilhava com uma luz enegrecida, quase uma falta de iluminação: uma radiante, visível escuridão.
Clary girou ao redor e olhou para Valentim, que estava observando-a em silêncio.
— Como você pôde fazer isso? — ela exigiu. — Como você pôde matar Simon? Ele era só um... ele era só um garoto, apenas um humano comum...
— Ele não era humano — Valentim respondeu, em sua voz sedosa — ele tinha se tornado um monstro. Você apenas não via isso, Clarissa, porque ele usava o rosto de um amigo.
— Ele não era um monstro.
Clary se moveu para mais perto da Espada. Ela parecia larga, pesada. Se perguntou se ela poderia levantá-la... e mesmo se pudesse, teria força para usá-la?
— Ele ainda era Simon.
— Não pense que eu não simpatizo com sua situação — Valentim disse. Ele permanecia imóvel em um único ponto de luz que vinha do alçapão no teto — foi o mesmo para mim quanto Lucian foi mordido.
— Ele me contou — Clary vociferou — que você lhe deu uma adaga e disse para ele se matar.
— Isso foi um erro — Valentim respondeu.
— Pelo menos você admite que...
— Eu deveria tê-lo matado. Teria mostrado que eu me importava.
Clary balançou a cabeça.
— Mas você não o fez. Nunca se importou com ninguém. Nem mesmo com minha mãe. Nem mesmo com Jace. Eles eram apenas coisas que pertenciam a você.
— Mas esse não é o significado do amor, Clarissa? Posse? “Eu sou do meu amado e meu amado é meu”, como no Cântico dos Cânticos diz.
— Não. E não cite a Bíblia para mim. Não acho que você possa.
Ela estava parada muito perto da mesa agora, o cabo da Espada a alguns centímetros. Os dedos dela estavam molhados com suor e ela secou-os em furtivamente em seus jeans.
— Não é apenas que alguém pertença a você, é dar si mesmo para eles. Duvido que você já deu alguma coisa para alguém. Exceto talvez pesadelos.
— Dar a si mesmo para alguém? — Um fino sorriso despontava. — Como você se deu para Jonathan?
Sua mão, que tinha se erguido em direção a Espada, fechou em um punho. Clary a puxou de volta contra seu peito, olhando para ele incredulamente.
— O quê?
— Você acha que eu não notei o modo que vocês dois se olham? O modo como ele diz seu nome? Você pode pensar que eu não tenho sentimentos, mas isso não significa que eu não possa ver os sentimentos dos outros — o tom de Valentim era frio, cada palavra uma lasca de gelo apunhalando seus ouvidos — suponho que só nós mesmos temos culpa, sua mãe e eu. Mantendo os dois separados por tanto tempo, vocês nunca desenvolveram a repulsa contra o outro, que seria mais natural entre irmãos.
— Eu não sei do que você está falando.
Os dentes de Clary estava batendo.
— Acho que vou me fazer claro o suficiente — ele se moveu para fora da luz. Seu rosto não tinha expressão — eu vi Jonathan após ele enfrentar o demônio do medo, você sabe. Aquilo mostrou-se a ele como você. Ele me disse tudo o que eu precisava saber. O maior medo na vida de Jonathan é o amor que ele sente por sua irmã.
***
— Eu não vou fazer o que você me ordenou — Jace respondeu — mas eu poderia fazer o que você quer se me pedir gentilmente.
A Inquisidora pareceu como se quisesse revirar os olhos, mas tinha esquecido como.
— Eu preciso falar com você.
Jace encarou a Inquisidora.
— Agora?
Ela pôs a mão no braço dele.
— Agora.
— Você está louca.
Jace olhou abaixo o comprimento do navio. Parecia como uma pintura do Inferno de Bosch. A escuridão era cheia de demônios amontoados, urrando, grasnando e retalhando com garras e dentes. Nephilim se arremessando para frente e para trás, suas armas brilhantes nas sombras. Jace podia ver que não havia Caçadores de Sombras suficientes. Nem quase suficiente.
— Não tem jeito... nós estamos no meio de uma batalha...
O aperto ossudo da Inquisidora era surpreendentemente forte.
— Agora.
Ela empurrou-o, e Jace deu um passo para trás, tão surpreendido para fazer qualquer outra coisa, e então mais outro, até que eles estavam parados em um recesso de uma parede.
A Inquisidora largou Jace e deixou cair as dobras de seu manto escuro, puxando adiante duas lâminas serafim. Ela sussurrou seus nomes, então várias palavras que Jace não conhecia e lançou-as no convés, uma de cada lado dele. Elas pararam, as pontas para baixo, e uma única parede de luz lançou-se delas, separando Jace e a Inquisidora do resto do navio.
— Você está me prendendo aqui de novo? — Jace exigiu, olhando para a Inquisidora em descrença.
— Esta não é a Configuração Malachi. Você pode sair dela se você quiser — as finas mãos dela estavam entrelaçadas juntas com força — Jonathan...
— Você quer dizer Jace.
Ele podia não mais ver a batalha através da parede branca de luz, mas ainda podia ouvir os sons dela, os gritos e os uivos dos demônios. Se virasse a cabeça, podia pegar um pequeno vislumbre do oceano, a luz refletindo na espuma como se houvessem diamantes espalhados sobre a superfície de um espelho. Havia cerca de uma dezena de barcos lá embaixo, o elegante Trimaran usado nos lagos em Idris. Barcos de Caçadores de Sombras.
— O que você está fazendo aqui, Inquisidora? Por que você veio?
— Você estava certo sobre Valentim. Ele não faria a negociação.
— Eu disse a você que ele me deixaria morrer — Jace se sentiu subitamente tonto.
— No momento em que ele recusou, é claro, eu reuni a Clave e os trouxe aqui. Eu... eu devo a você e a sua família desculpas.
— Anotado — Jace respondeu. Ele odiava desculpas — Alec e Isabelle? Eles estão aqui? Eles não foram punidos por me ajudar?
— Eles estão aqui, e não, não foram punidos — ela ainda estava olhando para ele, seus olhos procurando alguma coisa — eu não posso entender Valentim. Para um pai jogar a vida de seu filho, seu único filho...
— Yeah — Jace concordou. Sua cabeça doía e ele desejou que ela calasse a boca, ou que um demônio os atacasse — isso é uma charada, tudo bem.
— A menos que...
Agora ele olhou para ela em surpresa.
— A menos o quê?
Ela golpeou um dedo no ombro dele.
— Quando você conseguiu isso?
Jace olhou para baixo e viu que o veneno do demônio aranha tinha feito um buraco em sua camisa, deixando uma boa parte de seu ombro esquerdo de fora.
— A camisa? No mercado Macy's Winter.
— A cicatriz. Esta cicatriz, aqui em seu ombro.
— Ah, essa — Jace se perguntava pela intensidade do olhar dela — eu não tenho certeza. Alguma coisa aconteceu quando eu era muito novo, meu pai disse. Um acidente de algum tipo. Por quê?
A respiração sibilou através dos dentes da Inquisidora.
— Não pode ser — ela murmurou — não pode ser...
— Não pode ser o quê?
Havia uma nota de incerteza na voz da Inquisidora.
— Todos esses anos, quando você estava crescendo... você realmente pensava que era filho de Michael Wayland...?
Uma fúria afiada passou através de Jace, mais dolorosa pela pequena facada de desapontamento que acompanhou aquilo.
— Pelo Anjo — ele cuspiu — você me arrastou até aqui no meio de uma batalha só para me perguntar as mesmas merdas de questões de novo? Você não acreditou em mim na primeira vez e ainda não acredita em mim. Nunca vai acreditar, apesar de tudo o que aconteceu, mesmo depois que tudo o que eu te falei era a verdade — ele apontou um dedo em direção ao que quer que estivesse acontecendo do outro lado da parede de luz — eu deveria estar lá lutando. Por que você está me mantendo aqui? Então depois que tudo isso acabar, se algum de nós estiver vivo, você pode ir até a Clave e dizer a eles que eu não lutei ao seu lado contra meu pai? Bela tentativa.
Ela tinha ficado mais pálida do que ele achava que era possível.
— Jonathan, isso não é o que eu...
— Meu nome é Jace! — ele gritou.
A Inquisidora vacilou, sua boca meio aberta, como se estivesse para dizer algo.
Jace não queria ouvir. Ele foi para frente, quase esbarrando nela, e chutou uma das lâminas serafim no convés. Ela tombou e a parede de luz desapareceu.
Além dela estava o caos. Formas escuras se empurravam a partir do convés, demônios escalavam por cima dos corpos dobrados e o ar estava cheio de fumaça e gritos. Ele se esforçou para ver alguém que conhecia na luta. Onde estava Alec? Isabelle?
— Jace! — A Inquisidora se apressou atrás dele, seu rosto apertado com o medo. — Jace, você não tem uma arma, pelo menos pegue...
Ela se interrompeu enquanto um demônio agigantava-se na escuridão em frente a Jace como um iceberg na proa de um navio. Não era um que Jace tinha visto nesta noite, este tinha o rosto enrugado e mãos ágeis de um grande macaco, a longa e farpada cauda de um escorpião. Seus olhos eram revolventes e amarelos. Antes que Jace pudesse se abaixar, sua cauda se atirou em sua direção com a velocidade de um bote de cobra.
Ele viu a pontiaguda causa chicoteando em direção a seu rosto...
E pela segunda vez aquela noite, uma sombra passou entre ele e a morte. Puxando uma longa faca, a Inquisidora se jogou na frente dele, o ferrão de escorpião enterrando-se no peito dela.
Ela gritou, mas permaneceu de pé. A cauda do demônio chicoteou de volta, pronto para outro ataque – mas a faca da Inquisidora já tinha deixado sua mão, voando direta e certeira. A runas gravadas em sua lâmina brilharam enquanto ela deslizava através da garganta do demônio. Com um assobio, como o ar escapando de um balão perfurado, ele se dobrou para dentro, a cauda em espasmos enquanto ele desaparecia.
A Inquisidora dobrou-se no convés. Jace se ajoelhou ao lado dela e colocou uma mão sobre o seu ombro, virando-a de barriga pra cima. Sangue estava se espalhando por toda a frente cinza de sua blusa. Seu rosto estava flácido e amarelo, e por um momento Jace pensou que ela já estava morta.
— Inquisidora? — Ele não podia dizer o primeiro nome dela, nem mesmo agora.
Seus olhos flutuaram abertos. O branco dos olhos já estava entorpecido. Com um grande esforço, ela acenou para ele. Jace se inclinou mais próximo, próximo o suficiente para ouvir o sussurro dela em seu ouvido, seu último exalar de respiração...
— O quê? — Jace disse, perplexo. — O que isso significa?
Não houve resposta. A Inquisidora tinha caído de volta contra o convés, seus olhos arregalados encarando-o, a boca curvada no que parecia ser um sorriso.
Jace sentou em seus calcanhares, paralisado e fitando. Ela estava morta. Morta por sua causa.
Algo prendeu as costas de seu casaco e o puxou de pé. Jace lançou uma mão em seu cinto – e notou que estava desarmado – e girou ao redor para ver um par familiar de olhos azuis encarando-o com absoluta incredulidade.
— Você está vivo — Alec falou.
Três curtas palavras, mas havia lá um abundante sentimento por trás delas. O alívio em seu rosto era sincero, tal como sua exaustão.
Apesar do frio no ar, seu cabelo preto estava emplastrado nas bochechas e testa com o suor. Suas roupas e pele estavam manchadas com sangue e havia um longo rasgo na manga de seu casaco blindado, como se alguma coisa denteada e afiada tivesse rasgado. Ele agarrava uma lança em sua mão direita e a gola de Jace com a outra.
— Eu pareço estar — Jace admitiu — não estarei por muito tempo se você não me der uma arma, apesar disso.
Com um rápido olhar ao redor, Alec o soltou, tirou uma lâmina serafim de seu cinto e a entregou.
— Aqui. Ela se chama Samandiriel.
Jace mal tinha a lâmina em sua mão quando um demônio Drevak de tamanho médio correu em direção a eles, gorjeando imperiosamente. Jace levantou Samandiriel, mas Alec já tinha despachado a criatura com um golpe impelido de sua lança.
— Bela arma — Jace observou, mas Alec estava olhando atrás dele, para a figura cinza encurvada no convés.
— Aquela é a Inquisidora? Ela está...
— Ela está morta — Jace confirmou.
A mandíbula de Alec apertou.
— Boa libertação. Como ela conseguiu?
Jace estava prestes a responder quando foi interrompido por um grito alto de “Alec! Jace!” Era Isabelle, apressando-se em direção a eles através do fedor e fumaça. Ela usava um casaco fechado escuro e ajustado, manchado com sangue amarelado. Correntes douradas com atrativas runas circulavam seus pulsos e tornozelos, o chicote enrolado em torno dela como uma rede de fio de electrum.
Ela estendeu seus braços.
— Jace, nós pensamos...
— Não — algo fez Jace andar para trás, encolhendo-se para longe do toque dela — eu estou todo coberto com sangue, Isabelle. Não.
Uma expressão de dor atravessou o rosto dela.
— Mas nós todos estivemos procurando por você... mamãe e papai, eles...
— Isabelle! — Jace gritou, mas era tarde demais.
Uma enorme aranha demônio elevou-se atrás dela, jogando veneno amarelo de suas presas. Isabelle gritou enquanto o veneno a atingia, seu chicote se atirando com uma velocidade cega, cortando o demônio ao meio. Ele caiu no convés em dois pedaços, e então sumiu.
Jace se arremessou na direção de Isabelle enquanto ela caía. Seu chicote escorregou da mão enquanto Jace a segurava, deitando-a sem jeito em seu colo. Podia ver o quanto de veneno tinha atingido-a: a maioria tinha espalhando sobre a jaqueta, mas uma parte foi para a garganta, e onde tocava, a pele queimava e fritava. Ela choramingou – Isabelle, que nunca tinha demonstrado dor.
— Dê ela para mim.
Era Alec, largando sua arma enquanto se apressava para ajudar a irmã. Ele pegou Isabelle dos braços de Jace e baixou-a gentilmente para o convés. Ajoelhando-se ao lado dela, estela na mão, ele olhou para Jace.
— Mantenha longe o que quer que venha enquanto eu curo ela.
Jace não podia arrastar seus olhos para longe de Isabelle. Sangue jorrava de seu pescoço para a jaqueta, ensopando seu cabelo.
— Nós temos que tirá-la deste barco — ele disse asperamente — se ela ficar aqui...
— Ela irá morrer? — Alec tinha traçado a ponta de sua estela tão gentilmente quanto podia sobre o pescoço de sua irmã. — Nós todos iremos morrer. Há muitos deles. Nós estamos sendo massacrados. A Inquisidora mereceu morrer por isso – tudo isso é culpa dela.
— Um demônio Scorpios tentou me matar — Jace disse, se perguntando por que ele estava dizendo isso, por que estava defendendo alguém que odiava — aInquisidora ficou em seu caminho. Salvou a minha vida.
— Ela salvou? — Espanto estava claro no tom de Alec. — Por quê?
— Acho que ela decidiu que valia a pena me salvar.
— Mas ela sempre... — Alec se interrompeu, sua expressão mudando para uma de alarme. — Jace, atrás de você... dois deles...
Jace girou. Dois demônios estavam se aproximando: um Ravener, com seu corpo como de jacaré, dentes serrilhados, a cauda de escorpião curvando em direção acima em suas costas, e um Drevak, sua carne de verme pálida esbranquiçada brilhando na luz do luar. Jace ouviu Alec, atrás dele, sugar uma respirar alarmado.
Samandiriel deixou a mão de Jace, cortando um caminho prateado através do ar. Ela cortou a cauda do Ravener, bem abaixo do saco de veneno suspenso no fim de seu longo ferrão. O Ravener uivou. O Drevak se virou, confundido, e recebeu o saco cheio de veneno no rosto. O saco arrebentou, encharcando o Drevak em veneno. Ele emitiu um único grito distorcido e se dobrou, sua cabeça destruída para o osso. Sangue e veneno espalhou no convés enquanto o Drevak desaparecia. O Ravener, o sangue jorrando do pedaço de sua cauda, arrastou-se por mais alguns passos antes de desaparecer também.
Jace se curvou e pegou Samandiriel cuidadosamente. O metal do convés estava ainda fervendo onde o veneno do Ravener tinha se derramado, pipocando minúsculos buracos difusos como gaze.
— Jace — Alec estava de pés, segurando uma pálida, mas em pé Isabelle pelo braço — precisamos tirar Isabelle daqui.
— Tudo bem — Jace concordou — você tira ela daqui. Estou indo lidar com isso.
— Com o quê? — Alec perguntou, confuso.
— Com isso — Jace repetiu, e apontou.
Algo estava vindo na direção deles através da fumaça e chamas, algo enorme, encurvado e sólido. Facilmente cinco vezes o tamanho de qualquer outro demônio no navio, ele tinha um corpo blindado, muitos membros, cada extremidade terminando em uma afiada garra de quitina. Seus pés eram pés de elefante, enormes e dilatados. Ele tinha a cabeça de um mosquito gigante, Jace viu enquanto se aproximava, cheio de olhos de inseto e um tubo de alimentação balançando vermelho sangue.
Alec sugou em sua respiração.
— O que no Inferno é isso?
Jace pensou por um momento.
— Grande — ele disse finalmente — muito.
— Jace...
Jace se virou e olhou para Alec, e então para Isabelle. Alguma coisa dentro dele disse que esta poderia ser muito bem a última vez que os via, e mesmo assim ele não estava com medo, nem por si mesmo. Queria dizer algo para eles, talvez que os amava, que qualquer um deles valia mais para ele do que mil Instrumentos Mortais e o poder que podiam trazer. Mas as palavras não vieram.
— Alec — ele se ouviu dizer — leve Isabelle para a escada, agora, ou todos nós vamos morrer.
Alec encontrou seu olhar e segurou-o por um momento. Então ele acenou e impulsionou Isabelle, ainda protestando, em direção a escada. Ajudou-a a subir na grade e então descer, e com imenso alívio, Jace viu a cabeça escura dela desaparecer enquanto começava a descer a escada. E agora você, Alec, ele pensou. Vá.
Mas Alec não estava indo. Isabelle, agora fora de vista, gritou enquanto seu irmão saltava de volta no convés do navio. Sua lança estava deitada no convés onde a tinha deixado; ele a agarrou e se moveu para ficar próximo a Jace e enfrentar o demônio.
Ele nunca chegou tão longe. O demônio, que estava correndo na direção de Jace, fez um súbito desvio e se apressou para Alec, seu bico de alimentação chicoteando para frente e para trás esfomeadamente. Jace se adiantou para bloquear Alec, mas o convés de metal em que ele estava de pé, apodrecido com o veneno, desabou debaixo dele. Seus pés mergulharam e ele caiu com força no chão.
Alec teve tempo de gritar o nome de Jace, e então o demônio estava sobre ele. Ele o apunhalou com sua lança, mergulhando a ponta afiada na carne do demônio. A criatura elevou-se para trás, dando um berro estranhamente humano, sangue preto respingando da ferida. Alec recuou, alcançando outra arma, no momento em que a garra do demônio chicoteou ao redor, jogando-o para o convés. Então seu tubo de alimentação se envolveu em torno de Alec.
De algum lugar, Isabelle estava gritando. Jace lutou desesperadamente para puxar as pernas para o convés; cantos afiados de metal o apunhalavam enquanto ele se libertava e escalava.
Ele levantou Samandiriel. Luz resplandeceu brotando da lâmina serafim, brilhante como uma estrela cadente. O demônio hesitou, fazendo um baixo som sibilante. Ele relaxou seu aperto em Alec e por um momento, Jace pensou que poderia estar libertando-o. Então ele chicoteou a cabeça para trás subitamente com uma velocidade surpreendente e arremessou Alec com imensa força. Alec acertou o escorregadio e ensanguentado convés duro, derrapando e caiu, com um único grito rouco, pela lateral do navio.
Isabelle estava gritando o nome de Alec; seus gritos eram como estacas sendo direcionadas para as orelhas de Jace. Samandiriel ainda estava queimando em sua mão. Sua luz iluminava o demônio que se aproximava silenciosamente, o olhar de inseto brilhante e predatório, mas tudo o que ele podia ver era Alec; Alec caindo pela lateral do navio, Alec afundando na água preta muito abaixo.
Pensou ter provado a água do mar em sua própria boca, ou poderia ter sido sangue. O demônio estava quase nele; Jace levantou Samandiriel em sua mão e a lançou – o demônio gritou, um alto, som agonizante – e então o convés cedeu abaixo de Jace com um rangido de metal desmoronando e ele caiu na escuridão.
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