Capítulo 18 - Saudações e Adeus

O vale era mais bonito ao vivo do que tinha sido na visão de Jace. Talvez fosse o brilhante luar refletindo o rio que cortava o terreno verde. Bétulas brancas e aspen pontilhavam as laterais do vale, tremulando suas folhas com a brisa – ela era fria acima do riacho, nenhuma proteção contra o vento.
Este era sem dúvida o vale onde ele tinha visto Sebastian da última vez. Finalmente ele o alcançou. Depois de amarrar Wayfarer em uma árvore, Jace tirou o pedaço de fio ensanguentado do bolso e repetiu o ritual de rastreamento só para ter certeza. Ele fechou seus olhos, esperando ver Sebastian em algum lugar muito próximo – talvez até ainda no vale... ao invés disso viu só escuridão.
Seu coração começou a golpear.
Ele tentou de novo, movendo o fio para seu punho esquerdo e esculpindo fracamente a runa de rastreamento nas costas dela com a sua mão direita, menos ágil. Ele deu uma profunda respiração, fechando seus olhos desta vez.
Nada, de novo. Apenas uma ondulante escuridão sombria. Ele ficou lá por um minuto completo, seus dentes apertados, o vento cortando através da jaqueta, fazendo arrepios subirem em sua pele. Eventualmente, amaldiçoando, ele abriu os olhos – e então, em um ataque de desesperada raiva jogou o fio no chão. O vento pegou o fio e o carregou para longe, tão rápido que mesmo que Jace tivesse se arrependido imediatamente, ele não poderia ter pego de volta.
Sua mente disparou. Claramente, a runa de rastreamento não estava mais funcionando. Talvez Sebastian tivesse notado que estava sendo seguido e fez algo para quebrar o encanto... mas o que você poderia fazer para parar um rastreamento? Talvez ele tenha encontrado uma grande área de água. Água interrompia a magia.
Não que isso ajudasse muito. Não era como se ele pudesse ir a cada lago no país e ver se Sebastian estava flutuando por ali no meio dele. Ele tinha estado tão perto... tão perto. Jace tinha visto este vale, visto Sebastian nele. E lá estava a casa, apenas parcialmente visível, aninhada contra um corpo de árvores no terreno. Pelo menos valia a pena ir lá embaixo e olhar ao redor para ver se havia alguma coisa que pudesse apontar a direção da localização de Sebastian ou de Valentim.
Com um sentimento de resignação, Jace utilizou a estela para fazer algumas marcas de batalha: uma para ser silencioso, outra para rapidez. Quando ele estava pronto, sentindo a familiar picada de dor quente contra sua pele, ele deslizou a estela dentro de seu bolso, deu a Wayfarer um ligeiro tapinha no pescoço e se guiou abaixo para o vale.
As laterais eram íngremes com traiçoeiras pedras soltas. Jace ziguezagueava seu caminho cuidadosamente deslizando sobre a encosta, que era curta, mas perigosa. Quando alcançou o terreno plano, suas mãos estavam ensanguentadas por ter caído no cascalho solto, mais de uma vez. Ele as lavou na clara e rápida correnteza; a água era fria.
Quando se endireitou e olhou ao redor, percebeu que estava observando o lugar de um ângulo diferente do que tinha em sua visão de rastreamento. Lá estava o retorcido bosque de árvores, seus galhos entrelaçados, as paredes dos morros elevando-se ao redor, e lá estava a pequena casa.
As janelas estavam escuras agora, e sem fumaça subindo pela chaminé. Jace sentiu uma misturada de alívio e desapontamento. Seria mais fácil procurar na casa se não tivesse ninguém nela. Por outro lado, não haveria ninguém para seguir.
Enquanto ele se aproximava, se perguntou o que tinha parecido estranho na casa da visão. De perto, era apenas uma casa de fazenda comum em Idris, feita de quadrados de pedras brancas e cinzas. As persianas tinham sido pintadas em um azul brilhante, mas parecia que não eram retocadas há anos. Elas eram pálidas e descascadas pela idade.
Alcançando uma das janelas, Jace se içou para o peitoril e espreitou através da vidraça turva. Ele viu um quarto grande e ligeiramente empoeirado com uma bancada de ferramentas correndo ao longo de uma parede. As ferramentas nela não eram das que você usava para fazer trabalhos manuais – eram ferramentas de um bruxo: pilhas de pergaminhos manchados; velas pretas derretidas; tigelas de cobre com líquido escuro seco preso as bordas; uma coleção de facas, algumas tão finas quanto agulhas, algumas com largas lâminas quadradas. Um pentagrama estava rabiscado sobre o chão, seus contornos borrados, cada uma de suas cinco pontas decorada com uma runa diferente.
O estômago de Jace apertou – as runas pareciam com as que tinham sido esculpidas ao redor de Ithuriel. Valentim poderia ter feito isso – estas poderiam sersuas coisas? Era este seu esconderijo... um esconderijo que Jace nunca tinha visitado ou conhecido.
Jace deslizou do peitoril, aterrissando em um caminho de grama seca – justo quando uma sombra passou pela lua. Mas não há pássaros aqui, ele pensou, e olhou acima a tempo de ver um corvo rondando no alto.
Ele congelou, então andou rapidamente para a sombra de uma árvore e espreitou através de seus galhos. Enquanto o corvo mergulhava mais próximo ao solo, Jace soube que seu primeiro instinto tinha estado certo. Este não era qualquer corvo – era Hugo, o corvo que tinha sido uma vez de Hodge. Hodge o tinha usado em ocasiões para levar mensagens do Instituto. Desde então, Jace tinha aprendido que Hugo tinha originariamente sido de seu pai.
Ele se pressionou mais perto do tronco da árvore. Seu coração estava golpeando novamente, desta vez com excitação. Se Hugo estava lá, só podia significar que estava carregando uma mensagem, e dessa vez a mensagem não seria para Hodge. Seria para Valentim. Tinha que ser. Se Jace apenas pudesse segui-lo...
Empoleirando-se sobre o peitoril, Hugo espreitou por uma das janelas da casa. Aparentemente percebendo que a casa estava vazia, o pássaro subiu no ar com um irritado crocitar e bateu asas na direção da correnteza. Jace saiu das sombras e partiu em perseguição do corvo.

***

— Então, tecnicamente — Simon disse — embora Jace não esteja realmente relacionado a você, você beijou seu irmão.
— Simon! — Clary estava chocada. — Cala a BOCA.
Ela girou em sua cadeira para ver se alguém estava escutando, mas, por sorte, ninguém parecia estar. Ela estava sentada num assento alto na plataforma do Salão dos Acordos, Simon ao seu lado. Sua mãe estava de pé no canto da plataforma, inclinada para falar com Amatis.
O Salão ao redor deles era um caos enquanto os Seres do Submundo que tinham vindo do Portão Norte fluíam adentro, se derramando através das portas, apinhando contra as paredes. Clary reconheceu vários membros do bando de Luke, incluindo Maia, que sorriu para ela. Havia fadas lá, pálidas, frias e adoráveis como gelo e bruxos com asas de morcego, pés de cabra e até um com chifres, fogo azul faiscando das pontas dos dedos enquanto eles se moviam através da sala. Os Caçadores de Sombras moviam-se entre eles, parecendo nervosos.
Apertando sua estela com ambas as mãos, Clary olhou ao redor ansiosamente. Onde estava Luke? Ele desapareceu no meio da multidão. Ela o localizou depois de um momento, conversando com Malachi, que estava balançando a cabeça violentamente. Amatis estava próxima, jogando ao Cônsul olhares perfurantes.
— Não me faça lamentar ter dito qualquer coisa a você, Simon — Clary disse, olhando para ele.
Ela tinha feito o seu melhor para dar a ele uma versão resumida da história de Jocelyn, a maioria cochichada sob sua respiração enquanto ele a ajudava a passar pela multidão até a plataforma e tomar seu assento lá. Era estranho estar aqui de cima, olhando a sala como se ela fosse a rainha de tudo. Mas uma rainha não estaria nem de perto tão apavorada.
— Além do mais, o beijo dele foi horrível.
— Ou talvez isso foi só nojento, porque ele era, você sabe, seu irmão.
Simon parecia mais divertido com o negócio todo do que Clary pensava que poderia ficar.
— Não diga isso onde minha mãe possa te ouvir, ou eu vou te matar — ela falou com um segundo olhar — eu já me sinto como se fosse vomitar ou desmaiar. Não torne isso pior.
Jocelyn, virando no canto da plataforma a tempo de escutar as últimas palavras de Clary – embora por sorte, não o que ela e Simon estavam discutindo – deu um tranquilizador tapinha no ombro de Clary.
— Não fique nervosa, querida, Você foi tão ótima antes. Você precisa de alguma coisa? Um cobertor, água quente...
— Eu não estou com frio — Clary falou pacientemente — e não preciso de um banho, também. Eu estou bem. Só queria que Luke viesse aqui em cima e me dissesse o que está acontecendo.
Jocelyn acenou em direção a Luke para ganhar sua atenção, silenciosamente balbuciando algo que Clary não pode decifrar.
— Mãe — ela murmurou — não.
Mas já era tarde demais. Luke olhou acima... e assim uns poucos Caçadores de Sombras. A maioria deles olhou para longe rapidamente, mas Clary sentiu a fascinação em seus olhares. Era estranho pensar que sua mãe era algo como uma figura lendária aqui. Todos no salão que escutaram seu nome tinham uma espécie de opinião sobre ela, boa ou ruim. Clary se perguntou como sua mãe não se incomodava. Ela não pareciaincomodada – ela parecia bem e controlada e perigosa.
Um momento depois Luke tinha se juntado a elas na plataforma, Amatis ao seu lado. Ele ainda parecia cansado, mas também alerta e até mesmo um pouco excitado. Ele disse:
— Só aguente um segundo. Todos estão vindo.
— Malachi — Jocelyn disse, não olhando diretamente para Luke enquanto falava — ele estava dando problemas?
Luke fez um gesto rejeitando.
— Ele acha que nós devemos enviar uma mensagem para Valentim, recusando seus termos. Eu disse que não devemos revelar os planos antes do momento propício. Deixar Valentim aparecer com seu exército na planície Brocelind esperando por uma rendição. Malachi pareceu pensar que nós não seríamos camaradas, e quando falei que guerra não era um jogo de críquete inglês estudantil, ele respondeu que se qualquer um dos Seres do Submundo saísse do controle, entraria e acabaria com o negócio todo. Eu não sei o que ele pensa que vai acontecer... como se Seres do Submundo não pudessem parar de lutar nem mesmo durante cinco minutos.
— Isto é exatamente o que ele acha — Amatis apontou — é Malachi. Ele provavelmente está preocupado que vocês comecem a comer uns aos outros.
— Amatis — Luke alertou — alguém pode te escutar.
Ele se virou no momento em que dois homens se elevavam nos degraus atrás dele: um era um alto e esguio cavaleiro elfo com longo cabelo escuro que caía em folhas de ambos os lados de sua face estreita. Ele usava uma túnica pálida e armadura branca de metal rígido, feita pequeninos círculos sobrepostos como as escamas de um peixe. Seus olhos eram verde folha. O outro homem era Magnus Bane. Ele não sorriu para Clary enquanto vinha ficar ao lado de Luke. Usava um longo casaco escuro abotoado acima de garganta, e seu cabelo negro estava puxado para trás de seu rosto.
— Você parece tão simples — Clary comentou, fitando-o.
Magnus sorriu ligeiramente.
— Ouvi que você tinha uma runa para nos mostrar — foi tudo o que ele disse.
Clary olhou para Luke, que acenou.
— Ah, sim — ela disse — eu só preciso de algo para escrever... algum papel.
— Eu perguntei se você precisava de alguma coisa — Jocelyn falou sob sua respiração, soando cada vez mais como a mãe que Clary se lembrava.
— Eu tenho papel — Simon comunicou, pescando algo do bolso de seus jeans.
Ele o estendeu para ela. Era um folheto amassado da performance de sua banda no Knitting Factory em julho. Clary deu de ombros e o desamassou, levantando sua estela emprestada. Ela faiscou ligeiramente quando tocou a ponta no papel, e Clary se preocupou por um momento de que o folheto pudesse queimar, mas a pequena chama diminuiu. Fez o desenho fazendo seu melhor para calar tudo o mais lá fora: o ruído da multidão, a sensação de que todos estavam olhando para ela.
A runa veio como antes – um padrão de linhas que curvava-se uma sobre a outra, então esticava através da página como se esperando uma conclusão que não estava lá.
Ela limpou o pó da página e segurou-a acima, sentindo absurdamente como se estivesse na escola e mostrasse algum tipo de apresentação para sua classe.
— Esta é a runa. Ela requer uma segunda runa para completá-la, para funcionar corretamente. Uma... runa parceira.
— Uma do Ser do Submundo, uma do Caçador de Sombras. Cada metade da dupla tem de ser marcada — Luke acrescentou.
Ele rascunhou uma cópia da runa na base da página, rasgando o papel ao meio, e estendeu uma ilustração para Amatis.
— Comece circulando a runa — pediu — mostre aos Nephilim como ela funciona.
Com um aceno, Amatis desapareceu abaixo dos degraus para dentro da multidão. O elfo, olhando após ela, balançou sua cabeça.
— Eu sempre tinha dito que só os Nephilim podem sustentar a marca do Anjo — ele disse, com um avaliar de desconfiança — os outros de nós ficarão loucos, ou morrerão, nós deveríamos recusá-las.
— Esta não é uma marca do Anjo — Clary respondeu — não é uma vinda do Livro Cinza. É segura, eu juro.
O cavaleiro elfo não pareceu impressionado.
Com um suspiro, Magnus jogou sua manga para trás e estendeu uma mão para Clary.
— Vá em frente.
— Eu não posso — Clary respondeu — o Caçador de Sombras que te marcar será seu parceiro, e eu não estou lutando na batalha.
— Espero que não — Magnus disse. Ele olhou acima para Luke e Jocelyn, que estavam em pé próximos — vocês dois. Vamos lá, então. Mostrem ao elfo como ela funciona.
Jocelyn piscou em surpresa.
— O quê?
— Eu presumi — Magnus explicou — que vocês dois seriam parceiros, desde que estão praticamente casados, de qualquer jeito.
Cor inundou o rosto de Jocelyn, e ela cuidadosamente evitou olhar para Luke.
— Eu não tenho uma estela...
— Pegue a minha — Clary estendeu a estela — vá em frente, mostre a eles.
Jocelyn se virou para Luke, que pareceu totalmente surpreendido. Ele ergueu sua mão antes que ela pudesse pedir, e Jocelyn marcou sua palma com uma rápida precisão. Sua mão tremeu enquanto traçava, e ela pegou seu pulso e firmou. Luke olhou abaixo enquanto Jocelyn trabalhava, e Clary pensou na sua conversa sobre sua mãe e o que ele tinha dito sobre seus sentimentos por Jocelyn e ela sentiu uma pontada de tristeza. Ela se perguntou se sua mãe sabia que Luke a amava, e se sabia, o que diria.
— Pronto — Jocelyn puxou a estela de volta — feito.
Luke levantou sua mão, palma para fora, e mostrou o serpentear da marca preta para o cavaleiro elfo.
— Isto é satisfatório, Meliorn?
— Meliorn? — Clary ecoou. — Eu conheço você, não conheço? Você costumava sair com Isabelle Lightwood.
Meliorn estava quase inexpressivo, mas Clary podia jurar que ele parecia ligeiramente desconfortável. Luke balançou sua cabeça.
— Clary, Meliorn é um cavaleiro da Corte Seelie. É muito improvável que ele...
— Ele estava totalmente saindo com Isabelle — Simon disse — e ela se atirava para ele também. Pelo menos ela disse que estava. Que azar, cara.
Meliorn piscou para ele.
— Você — ele disse com desgosto — você é o representante escolhido das Crianças da Noite?
Simon balançou a cabeça.
— Não. Eu estou aqui por ela — ele apontou para Clary.
— As Crianças da Noite — Luke disse, depois de uma breve hesitação — não estão participando, Meliorn. Eu transmiti essa informação a sua Senhora. Eles escolheram... seguir seu próprio caminho.
As feições delicadas de Meliorn se repuxaram em uma careta.
— Quisera eu saber disso. As Crianças da Noite são um povo sábio e cuidadoso. Qualquer esquema que atrai sua ira, atrai as minhas suspeitas.
— Eu não disse nada sobre ira — Luke começou, com um misto de calma deliberada e fraca exasperação.
Clary duvidou que alguém que não o conhecesse bem, soubesse que ele estava irritado.
Ela podia sentir a mudança em sua atenção: ele estava olhando em direção à multidão. Seguindo seu olhar, Clary viu uma figura familiar cortar seu caminho através da sala – Isabelle, seu cabelo preto balançando, seu chicote envolvido ao redor do pulso como uma série de braceletes dourados. Clary pegou o pulso de Simon.
— Os Lightwood. Eu acabei de ver Isabelle.
Ele olhou em direção a multidão, franzindo.
— Eu não percebi que você estava procurando por eles.
— Por favor, vá falar com ela por mim — ela sussurrou, olhando para ver se alguém estava prestando atenção neles.
Ninguém estava. Luke estava gesticulando em direção a alguém na multidão; enquanto Jocelyn estava dizendo algo para Meliorn, que estava olhando para ela com algo próximo ao alarme.
— Eu tenho que ficar aqui, mas... por favor, eu preciso que você diga a ela e a Alec o que minha mãe me disse. Sobre Jace e quem ele realmente é, e Sebastian. Eles têm que saber. Diga a eles para virem falar comigo tão logo eles possam. Por favor, Simon.
— Tá certo — claramente preocupado pela intensidade no tom dela, Simon libertou seu pulso do aperto dela e a tocou tranquilizando na bochecha — eu vou voltar.
Ele desceu as escadas e desapareceu na multidão. Quando Clary se virou de volta, viu que Magnus estava olhando para ela, sua boca colocada em um linha torta.
— Tudo bem — ele disse, obviamente respondendo qualquer que fosse a pergunta que Luke tinha acabado de fazer — eu estou familiarizado com a planície Brocelind. Vou colocar o Portal na praça, uma vez que não irá durar muito tempo. Embora, vocês estariam melhores se passarem por ele rapidamente uma vez que forem marcados.
Enquanto Luke acenava e se virava para dizer algo a Jocelyn, Clary se inclinou a frente e sussurrou:
— A propósito, obrigada. Por tudo o que fez por minha mãe.
O meio sorriso de Magnus se alargou.
— Você não achou que eu fosse fazer, não é?
— Eu me perguntei — Clary admitiu — especialmente considerando que quando eu te vi na casa de campo, você nem mesmo considerou me dizer que Jace trouxe Simon pelo Portal com ele quando veio para Alicante. Eu não tive uma chance de brigar com você por causa disso antes, mas o que estava pensando? Que eu não estaria interessada?
— Que você ficaria muito interessada — Magnus respondeu — que você largaria tudo e correria para a Garde. E eu precisava de você para procurar pelo Livro Branco.
— Isso é cruel — Clary disse zangada — e você está errado. Eu teria...
— Feito o que qualquer um teria feito. O que eu teria feito se fosse alguém que eu gostasse. Eu te não culpo, Clary, e não fiz isso por que pensei que você era fraca. Fiz isso porque você é humana, e conheço os modos da humanidade. Eu tenho estado vivo há muito tempo.
— Como se você nunca tivesse feito algo estúpido por causa de seus sentimentos. Onde está Alec, a propósito? Por que você não está escolhendo ele como parceiro agora mesmo?
Magnus pareceu recuar.
— Eu não me aproximaria dele com seus pais lá. Você sabe disso.
Clary apoiou seu queixo em sua mão.
— Fazer a coisa certa por que você ama alguém é um saco às vezes.
— Sim, com certeza — Magnus concordou.

***

O corvo voou em círculos lentos e preguiçosos, fazendo seu caminho acima dos topos das árvores em direção à parede oriental do vale. A lua estava alta, eliminando a necessidade da pedra enfeitiçada enquanto Jace o seguia, mantendo-se nas beiradas das árvores. A montanha se elevava, uma enorme parede de pedra cinza.
O caminho do corvo parecia estar seguindo a curva da correnteza enquanto ele continuava seu caminho a oeste, desaparecendo finalmente dentro de uma estreita fissura na parede. Jace quase torceu seu tornozelo várias vezes na rocha molhada e desejou poder xingar alto, mas Hugo com certeza o ouviria. Curvado em um desconfortável meio agachar, ele se concentrou em não quebrar uma perna ao invés disso.
Sua camisa estava ensopada com suor quando ele se aproximou da borda do vale. Por um momento, pensou que tinha perdido Hugo de vista, e seu coração caiu – então ele viu a forma preta mergulhando enquanto o corvo descia lentamente e desaparecia num buraco escuro na rocha do vale.
Jace correu a frente – era um tipo de alívio correr ao invés de rastejar. Enquanto ele se aproximava da fissura, podia ver um buraco muito mais largo, mais escuro além dele – uma enseada.
Tateando sua pedra enfeitiçada para fora de seu bolso, Jace mergulhou atrás do corvo.
Só uma pequena luz penetrava através da boca da caverna, e depois de uns poucos passos a mesma era engolida pela opressiva escuridão. Jace levantou sua pedra enfeitiçada e deixou a iluminação esvaziar de seus dedos. Primeiro pensou que de alguma forma ele encontrou seu caminho para o lado de fora novamente, e que as estrelas eram visíveis acima, em toda sua cintilante glória. As estrelas nunca brilhavam em algum lugar do modo como brilhavam em Idris – e elas não estavam brilhando agora. A luz captou dezenas de faiscantes depósitos de mica na rocha ao redor dele, e as paredes vieram à vida com brilhantes pontos de luz.
Elas mostraram que Jace estava de pé em um estreito espaço cinzelado de rocha sólida, a entrada da gruta atrás dele, duas escuras ramificações de tuneis a frente. Jace pensou nas histórias que seu pai tinha contado sobre heróis perdidos em labirintos que usavam uma corda ou fio para encontrar seu caminho de volta. Ele não tinha nenhuma dessas coisas com ele.
Sse moveu próximo aos túneis e ficou em silêncio por um longo momento, escutando. Ele ouviu o gotejar de água, fracamente, de algum lugar distante; um corredeira de uma correnteza, um farfalhar como de asas, e... vozes.
Ele se jogou para trás. As vozes estavam vindo do túnel à esquerda, tinha certeza disso. Ele correu seu polegar sobre a pedra enfeitiçada para apagá-la, até que ela tivesse um leve brilho que era só o suficiente para iluminar seu caminho. Então ele mergulhou dentro da escuridão.

***

— Você está falando sério, Simon? Realmente é verdade? Isso é fantástico! É maravilhoso!
Isabelle puxou a mão de seu irmão.
— Alec, você ouviu o que Simon disse? Jace não é filho de Valentim. Ele nunca foi.
— Então ele é filho de quem? — Alec replicou, apesar de Simon ter a sensação que ele só estava parcialmente prestando atenção.
Ele parecia estar procurando ao redor do salão por alguma coisa. Seus pais estavam de pé a pouca distância, franzindo o cenho em sua direção. Simon tinha estado preocupado em ter que explicar o negócio todo para eles também, mas eles gentilmente permitiram a ele uns poucos minutos com Isabelle e Alec sozinho.
— Quem se importa! — Isabelle jogou suas mãos acima em prazer, então franziu a sobrancelha. — Na verdade, isso é importante. Quem era seu pai? Michael Wayland afinal?
Simon balançou sua cabeça.
— Stephen Herondale.
— Então ele era o neto da Inquisidora — Alec notou — que deve ser o motivo de ela...
Ele se interrompeu, olhando à distância.
— Motivo de ela o quê? — Isabelle exigiu. — Alec, preste atenção. Ou pelo menos nos diga o que você está procurando.
— Não o que. Quem. Magnus. Eu queria perguntar se ele quer ser meu parceiro nesta batalha. Mas eu não tenho ideia de onde ele está. Você o viu? — Ele perguntou, direcionando sua pergunta a Simon.
Simon agitou sua cabeça.
— Ele estava lá em cima na plataforma com Clary, mas... — ele suspendeu seu pescoço para olhar — não está agora. Provavelmente está na multidão em algum lugar.
— Sério? Você vai pedir a ele para ser seu parceiro? — Isabelle perguntou — é como uma valsa, esse negócio de parceria, exceto a matança.
— Sim, exatamente como uma valsa — Simon disse.
— Talvez eu peça para você ser meu parceiro, Simon — Isabelle disse, levantando uma sobrancelha delicadamente.
Alec fez uma careta. Ele estava, como o resto dos Caçadores de Sombras, inteiramente equipado – todo de preto, com um cinto em que se pendurava múltiplas armas. Um arco estava preso nas costas; Simon estava feliz em ver que ele tinha encontrado um substituto por um que Sebastian tinha quebrado.
— Isabelle, você não precisa de um parceiro porque não vai lutar. Você é muito jovem. E se você até mesmo pensar nisso, eu te mato — sua cabeça se ergueu — espere... aquele é Magnus?
Isabelle, seguindo seu olhar, bufou.
— Alec, aquele é um lobisomem. Uma garota lobisomem. Na verdade, é a qual-é-seu-nome. May.
— Maia — Simon corrigiu.
Ela estava em pé ao longe, usando calças marrons de couro e uma camiseta preta apertada que dizia: SEJA LÁ O QUE NÃO ME MATE... SERIA MELHOR COMEÇAR A CORRER. Um cordão prendia seu cabelo trançado. Ela se virou como se sentindo seus olhos nela, e sorriu. Simon sorriu de volta. Isabelle olhou feio. Simon parou de sorrir rapidamente – quando exatamente sua vida tinha ficado tão complicada?
O rosto de Alec se iluminou.
— Lá está Magnus — ele disse, e saiu sem um olhar para trás, cortando caminho através na multidão para o espaço onde o bruxo alto estava.
A surpresa de Magnus enquanto Alec se aproximava dele era visível, mesmo a esta distância.
— É tipo doce — Isabelle comentou, olhando para eles — você sabe, de um jeito pouco convincente.
— Por que pouco convincente?
— Porque — Isabelle explicou — Alec está tentando fazer Magnus levar ele a sério, mas nunca contou aos nossos pais sobre Magnus, ou mesmo que ele gosta, você sabe...
— De bruxos? — Simon sugeriu.
— Muito engraçado — Isabelle o encarou — você sabe o que eu quero dizer. O que está acontecendo aqui é...
— O que está acontecendo, exatamente? — Maia perguntou, ao alcance de voz. — Quero dizer, eu não entendi completamente essa coisa de parceiros. Como é que isso deve funcionar?
— Como aquilo? — Simon apontou em direção a Alec e Magnus, que estavam um pouco aparte da multidão, em seu próprio pequeno espaço.
Alec estava puxando a mão de Magnus, seu rosto decidido, o cabelo escuro caindo e escondendo seus olhos.
— Então todos nós temos que fazer aquilo? — Maia perguntou. — Nos aproximar, quero dizer.
— Só se você for lutar — Isabelle disse, olhando para a outra garota friamente — você não parecer ter dezoito ainda.
Maia sorriu forçadamente.
— Eu não sou uma Caçadora de Sombras. Licantropos são considerados adultos aos dezesseis.
— Bem, você vai ter que se aproximar então — Isabelle respondeu — de um Caçador de Sombras. Então é melhor você procurar por um.
— Mas... — Maia, ainda estava olhando Alec e Magnus, se interrompendo e levantando suas sobrancelhas.
Simon virou para ver o que ela estava olhando – e viu. Alec tinha seus braços ao redor de Magnus e estava beijando-o, bem na boca. Magnus, que parecia estar em estado de choque, ficou congelado. Vários grupos de pessoas – Caçadores de Sombras e Seres do Submundo igualmente – estavam olhando e sussurrando. Olhando de lado, Simon viu os Lightwood, seus olhos arregalados, boquiabertos pela exibição. Maryse tinha a mão sobre sua boca.
Maia parecia perplexa.
— Espere um segundo. Todos nós temos que fazer aquilo também?

***

Pela sexta vez, Clary escaneou a multidão, procurando por Simon. Ela não conseguia encontrá-lo. O salão era uma massa revolvente de Caçadores de Sombras e Seres do Submundo, a multidão derramava-se através das portas abertas e sobre os degraus lá fora. Em todos os lugares havia um faiscar de estelas enquanto Seres do Submundo e Caçadores de Sombras vinham em pares e marcavam um ao outro. Clary viu Maryse Lightwood erguer a mão para uma fada alta de pele verde que era tão pálida e régia quanto ela era.
Patrick Penhallow estava solenemente trocando marcas com um bruxo cujo cabelo brilhava com faíscas azuis. Através das portas do Salão, Clary pôde ver o cintilar brilhante do Portal na praça. A luz das estrelas era filtrada pelo vidro da claraboia, emprestando um ar surreal a tudo aquilo.
— Incrível, não é? — Luke perguntou. Ele estava na beira da plataforma, olhando abaixo para o salão. — Caçadores de Sombras e Seres do Submundo, misturando-se na mesma sala. Trabalhando juntos.
Ele soava espantado. Tudo o que Clary podia pensar era que ela desejava que Jace estivesse aqui para ver o que estava acontecendo. Ela não podia colocar de lado seu temor por ele, não importava quão forte tentava. A ideia de que ele podia enfrentar Valentim, arriscar sua vida porque pensava que era amaldiçoado – que ele podia morrer sem nunca saber que isso não era a verdade...
— Clary — Jocelyn chamou, com um traço de divertimento — você ouviu o que eu disse?
— Eu ouvi — Clary respondeu — e isso é incrível, eu sei.
Jocelyn colocou a mão na cabeça de Clary.
— Isso não é o que eu estava dizendo. Luke e eu estaremos ambos lutando. Eu sei que você sabe disso. Você vai ficar aqui com Isabelle e as outras crianças.
— Eu não sou criança.
— Eu sei que você não é, mas você é muito jovem para lutar. E mesmo que não fosse, você nunca foi treinada.
— Eu não quero apenas me sentar aqui e não fazer nada.
— Nada? — Jocelyn disse em espanto. — Clary, nada disso estaria acontecendo se não fosse por você. Nós nunca teríamos uma chance de lutar se não fosse por você. Eu estou tão orgulhosa. Eu só queria te dizer que apesar de Luke e eu estarmos indo, nós iremos voltar. Tudo vai ficar bem.
Clary olhou acima para sua mãe, dentro de seus olhos verdes tão como ela mesma.
— Mãe. Não minta.
Jocelyn deu um forte suspiro e se levantou, puxando sua mão de volta. Antes que ela pudesse dizer alguma coisa, algo captou os olhos de Clary – um rosto familiar na multidão.
Uma figura magra e sombria, movendo-se propositadamente na direção deles, deslizando através do salão amontoado com deliberada e surpreendente facilidade – como se ele pudesse fluir através da multidão como fumaça através das lacunas de uma grade.
E ele estava, Clary notou, enquanto ele se aproximava da plataforma. Era Raphael, vestido na mesma blusa branca e calças pretas que ela o tinha visto da primeira vez. Ela tinha esquecido do quão pequeno ele era. Mal parecia ter catorze anos enquanto subia as escadas, seu rosto magro, calmo e angelical, com um coroinha montado nos degraus de uma capela.
— Raphael — a voz de Luke segurava o espanto, misturado com alívio — não achei que você viria. As Crianças da Noite reconsideraram se juntar a nós na luta contra Valentim? Há ainda um assento no Conselho aberto para você, se quiser tê-lo.
Ele ergueu uma mão para Raphael.
Os claros e adoráveis olhos de Raphael o consideraram inexpressivamente.
— Eu não posso apertar mãos com você, lobisomem.
Quando Luke pareceu ofendido, ele sorriu, apenas o suficiente para mostrar as pontas brancas de seus dentes de presa.
— Eu sou uma projeção — ele explicou, levantando sua mão para que todos pudessem ver a luz que brilhava através dela — eu não posso tocar nada.
— Mas... — Luke olhou acima para o luar se derramando através do telhado — por que... — ele baixou a mão — Bem, estou feliz por você estar aqui. Qualquer que seja o motivo porque você escolheu aparecer.
Raphael balançou a cabeça. Por um momento, seus olhos demoraram-se em Clary – um olhar que ela realmente não gostou – e então ele mudou seu olhar para Jocelyn, e seu sorriso se ampliou.
— Você, a esposa de Valentim. Outros da minha espécie, que lutaram com você na Revolta, me contaram sobre você. Admito que nunca pensei que eu te veria.
Jocelyn inclinou sua cabeça.
— Muitas das Crianças da Noite lutaram bravamente. Sua presença aqui indica que nós poderemos lutar um ao lado do outro mais uma vez?
Era estranho, Clary pensou, ouvir sua mãe falar em um modo frio e formal, e ainda assim parecer natural para Jocelyn. Tão natural a sua maneira quanto estar sentada no chão em um macacão velho, segurando um pincel manchado de tinta.
— Eu espero que sim — Raphael disse, e seu olhar varreu Clary novamente, como o toque de uma mão fria — nós temos só uma exigência, um simples – e pequeno – pedido. Se isso for cumprido, as Crianças da Noite de muitas terras irão com muita alegria para a batalha ao seu lado.
— O assento no Conselho — Luke disse — é claro – isso pode ser formalizado, os documentos assinados dentro da hora...
— Não o assento do Conselho. Outra coisa.
— Outra... coisa? — Luke repetiu sem expressão. — O que é? Eu asseguro a você, se isso estiver em nosso poder...
— Ah, está — o sorriso de Raphael era ofuscante — na verdade, é algo que está dentro das paredes deste Salão enquanto nós falamos — ele se virou e gesticulou graciosamente em direção a multidão — é o garoto Simon que nós queremos. O Diurno.

***

O túnel era longo e contorcido, ziguezagueando sobre si mesmo como se Jace estivesse rastejando nas entranhas de um enorme monstro. Cheirava a pedra molhada, cinzas e algo mais, algo úmido e estranho que lembrava um pouco do cheiro da Cidade dos Ossos.
Finalmente o túnel se abriu em uma câmara circular. Enormes estalactites, suas superfícies tão polidas quanto pedras preciosas, estavam penduradas no acidentado teto alto. O chão era tão plano como se tivesse sido polido, alternando aqui e ali com misteriosos padrões de reluzente pedra incrustrada. Uma série de ásperas estalagmites circulava a câmara. No centro da sala ficava uma única e enorme estalagmite de quartzo, elevando-se do chão como uma gigantesca presa, padronizada aqui e ali com um design avermelhado. Espreitando mais de perto, Jace viu que as laterais da estalagmite eram transparentes, o padrão avermelhado era resultado de algo agitando e se movendo dentro dele, como um tubo de teste cheio de fumaça colorida.
Acima a luz era filtrada vinda de um buraco circular na pedra, uma janela natural. A câmara tinha certamente sido resultado do trabalho de alguém, não um acidente – o intrincado padrão traçado no chão fazia isso muito óbvio – mas quem teria escavado essa enorme câmara subterrânea, e por quê?
Um afiado crocitar ecoou através da sala, enviando um choque nos nervos de Jace. Ele mergulhou atrás de uma volumosa estalagmite, extinguindo a luz da pedra enfeitiçada, quando duas figuras emergiram das sombras na extremidade da sala e se moveram em direção a ele, suas cabeças curvadas juntas em conversa. Foi só quando alcançaram o centro da sala e a luz bateu sobre eles é que Jace os reconheceu.
Sebastian.
E Valentim.

***

Esperando evitar a multidão, Simon fez o caminho mais longo de volta à plataforma, mergulhando atrás das fileiras de pilares que alinhavam as laterais do Salão.
Parecia estranho que Alec, apenas um ano ou dois mais velho que Isabelle, estivesse saindo para lutar em uma guerra e o resto deles estivesse ficando para trás. E Isabelle parecia calma sobre isso. Sem choro, sem histeria. Era como se ela tivesse esperado por isso. Talvez ela tivesse. Talvez todos estivessem.
Ele estava perto dos degraus da plataforma quando olhou para cima e viu, para sua surpresa, Raphael de pé em frente a Luke, mostrando sua habitual quase falta de expressão. Luke, por outro lado, parecia agitado – ele estava balançando a cabeça, suas mãos acima em protesto, e Jocelyn, ao lado dele, parecia indignada.
Simon não podia ver o rosto de Clary – ela estava de costas para ele – mas a conhecia bem o suficiente para reconhecer a tensão em seus ombros. Não querendo que Raphael o visse, Simon mergulhou atrás de um pilar, escutando. Mesmo acima do burburinho da multidão, ele era capaz de ouvir a voz elevada de Luke.
— Isto está fora de questão — Luke estava dizendo — não posso acreditar até mesmo que você pediu.
— E eu não acredito que você recusaria — a voz de Raphael era fria, clara e afiada – ainda alta para um jovem garoto — é só uma pequena coisa.
— Não é uma coisa — Clary soava zangada — é Simon. Ele é uma pessoa.
— Ele é um vampiro — Raphael disse — algo que você parece se manter esquecendo.
— Você não é um vampiro também? — Jocelyn perguntou, seu tom era tão frio quanto sempre tinha sido quando Clary e Simon entravam em apuros por algo estúpido. — Você está dizendo que sua vida não tem valor?
Simon pressionou a si mesmo contra o pilar. O que está acontecendo?
— Minha vida tem um grande valor — Raphael respondeu — sendo, ao contrário de vocês, eterna. Não há fim que eu possa efetuar, enquanto na sua há um claro fim pela qual você está preocupada. Mas esse não é o problema. Ele é um vampiro, um dos meus próprios, e eu o estou pedindo de volta.
— Você não pode tê-lo de volta — Clary rebateu — nunca o teve em primeiro lugar. Você nunca esteve nem mesmo interessado nele também, até que descobriu que ele podia caminhar por aí na luz do dia...
— Possivelmente, mas não pela razão que você pensa — ele ergueu a cabeça, seus brilhantes e suaves olhos escuros rápidos como os de um pássaro — nenhum vampiro deveria ter o poder que ele tem, assim como nenhum Caçador de Sombras deveria ter o poder que você e seu irmão tem. Por anos nos tinha sido dito que nós éramos errados e não naturais. Mas isto... isto não é natural.
— Raphael — o tom de Luke era de advertência — não sei o que você está esperando. Mas não há chance de que vamos deixar você machucar Simon.
— Mas vocês irão deixar Valentim e seu exército de demônios ferirem todas essas pessoas, seus aliados — Raphael fez um gesto abrangindo todo o salão — irá deixá-los arriscar suas vidas por sua conta própria, mas não irão dar a Simon a mesma escolha? Talvez ele fizesse diferente — ele baixou seu braço — você sabe que nós não iremos lutar de outra forma. As Crianças da Noite não terão parte neste dia.
— Então não terão parte nele — Luke disse — eu não comprarei sua cooperação com uma vida inocente. Eu não sou Valentim.
Raphael se virou para Jocelyn.
— E quanto a você, Caçadora de Sombras? Você vai deixar este lobisomem decidir o que é melhor para o seu povo?
Jocelyn estava olhando para Raphael como se ele fosse uma barata que ela encontrou rastejando no seu limpo chão da cozinha. Muito lentamente, ela respondeu:
— Se você encostar um dedo em Simon, vampiro, eu vou cortar você em pedacinhos e alimentar o meu gato. Entendeu?
A boca de Raphael se apertou.
— Muito bem. Quando você estiver morrendo na Planície Brocelind, poderá perguntar a si mesma se uma vida realmente valia por tantas.
Ele desapareceu. Luke se virou rapidamente para Clary, mas Simon não estava mais olhando o grupo: ele estava olhando para suas mãos. Tinha pensado que elas estariam tremendo, mas estavam tão imóveis quanto as de um cadáver. Muito lentamente, ele as fechou em punhos.

***

Valentim parecia como sempre, um homem grande em equipamento de Caçador de Sombras, ombros largos em contradição com suas finas feições do rosto. Ele tinha a Espada Mortal presa nas costas com uma bolsa volumosa. Usava um cinto largo com numerosas armas: adagas largas de caça, punhais estreitos, facas de esfolar.
Olhando para Valentim por detrás da rocha, Jace sentiu o que sempre sentia agora quando pensava em seu pai... uma persistente afeição familiar corroída com tristeza, desapontamento e desconfiança. Era estranho ver seu pai com Sebastian, que parecia... diferente. Ele usava equipamento também, e uma longa espada com cabo de prata presa em sua cintura, mas não era o que ele estava usando que surpreendeu Jace. Era seu cabelo, não mais uma coroa de cachos escuros, mas loiro, loiro brilhante, um tipo de ouro branco. Combinava com ele, na verdade, melhor do que o cabelo escuro; sua pele não mais parecia surpreendentemente pálida. Ele deve ter pintado seu cabelo para se assemelhar ao verdadeiro Sebastian Verlac, e assim era ele na realidade.
Uma amarga onda de ódio fluiu por Jace, e lhe custou toda a sua força de vontade se manter escondido atrás da rocha e não se arremessar para envolver as mãos ao redor do pescoço de Sebastian.
Hugo crocitou novamente e lançou-se abaixo para aterrissar no ombro de Valentim. Um estranho golpe acertou ao ver o corvo na posição que tinha se tornado tão familiar a ele pelos anos que tinha conhecido Hodge. Hugo tinha praticamente vivido no ombro do tutor, e vê-lo sobre o de Valentim parecia estranho, até mesmo errado, apesar de tudo o que Hodge tinha feito.
Valentim estendeu o braço e alisou as brilhantes penas da ave, acenando como se os dois estivessem em uma profunda conversa. Sebastian assistia, suas pálidas sobrancelhas arquearam.
— Alguma palavra de Alicante? — ele perguntou enquanto Hugo se elevava do ombro de Valentim e subia ao ar novamente, suas asas quase tocando as estalactites.
— Nada tão compreensível quanto eu gostaria — Valentim respondeu.
O som da voz de seu pai, frio e sereno como sempre, passou sobre Jace como uma seta. Suas mãos se apertaram involuntariamente e ele as pressionou contra as coxas, grato pelo volume da rocha escondê-lo da visão.
— Uma coisa é certa. A Clave está aliando-se com a força de Seres do Submundo de Luke.
Sebastian fez uma careta.
— Mas Malachi disse...
— Malachi falhou — a mandíbula de Valentim estava apertada.
Para surpresa de Jace, Sebastian se moveu a frente e colocou uma mão sobre o braço de Valentim. Havia algo naquele toque – algo íntimo e confiante – que fez o estômago de Jace sentir como se ele tivesse sido invadido por um ninho de vermes. Ninguém tocava Valentim daquele jeito. Mesmo ele nunca tinha tocado seu pai daquele jeito.
— Você está chateado? — Sebastian perguntou, e o mesmo tom estava em sua voz, a mesma grotesca e peculiar suposição de familiaridade.
— A Clave está muito mais perdida do que eu tinha pensado. Eu sabia que os Lightwood estavam corrompidos além da esperança, e esse tipo de corrupção é contagiosa. É o motivo de eu ter tentado mantê-los longe de Idris. Mas para o resto ter tão facilmente suas mentes cheias com o veneno de Lucian, quando ele nem mesmo é um Nephilim...
O desgosto de Valentim era claro, mas ele não se moveu para longe de Sebastian, Jace percebeu com crescente descrença, ele não moveu a mão do garoto de seu ombro.
— Eu estou desapontado. Pensei que eles veriam a razão. Eu teria preferido não acabar as coisas desse modo.
Sebastian pareceu divertido.
— Eu não concordo. Pense neles, prontos para a batalha, indo para a glória, só para descobrir que nada disso importa. Que seus gestos são inúteis. Pense nos olhares em seus rostos.
Sua boca se esticou em um sorriso.
— Jonathan — Valentim suspirou — esta é uma necessidade horrível, nada para ter prazer.
Jonathan? Jace agarrou-se à rocha, suas mãos subitamente escorregadias. Por que Valentim chamaria Sebastian pelo meu nome? Era um engano? Mas Sebastian não pareceu surpreso.
— Não é melhor se eu apreciar o que estou fazendo? — Sebastian perguntou. — Eu certamente me diverti em Alicante. Os Lightwood eram melhores companhias do que você me levou a pensar, especialmente aquela Isabelle. Nós certamente dividimos um ponto alto. E quanto a Clary...
Só de ouvir Sebastian dizer o nome de Clary fez o coração de Jace saltar em uma súbita batida dolorosa.
— Ela não era de modo algum como eu pensava que seria — Sebastian continuou petulantemente — ela não era nada como eu.
— Não há ninguém mais no mundo como você, Jonathan. E quanto a Clary, ela sempre foi exatamente como sua mãe.
— Ela não irá admitir o que realmente quer. Ainda não. Mas ela irá aparecer.
Valentim levantou uma sobrancelha.
— O que você quer dizer com “aparecer”?
Sebastian sorriu, um sorriso que encheu Jace com uma quase incontrolável fúria. Ele mordeu forte seu lábio, provando sangue.
— Ah, você sabe — Sebastian disse — para o nosso lado. Eu não posso esperar. Enganá-la foi a maior diversão que eu tive em anos.
— Você não devia estar se divertindo. Era para você descobrir o que ela estava procurando. E quando ela o encontrou... sem você, eu poderia adicionar – você deixou-a dar para um bruxo. E então falhou em trazê-la com você quando saiu, apesar da ameaça que ela representa para nós. Não exatamente um glorioso sucesso, Jonathan.
— Eu tentei trazê-la. Eles não a deixaram fora de suas vistas, e eu não podia exatamente sequestrá-la no meio do Salão do Acordos — Sebastian soou mal humorado — além do mais, eu disse a você, ela não tem nenhuma ideia de como usar aquele poder dela de runas. Ela é ingênua demais para representar qualquer perigo...
— Seja lá o que a Clave está planejando agora, ela está no centro — Valentim apontou — Hugin disse. Ele a viu sobre a plataforma no Salão dos Acordos. Se ela mostrar a Clave seu poder...
Jace sentiu um flash de medo por Clary, misturado com um estranho tipo de orgulho – é claro que ela era o centro das coisas. Esta era a sua Clary.
— Então eles irão lutar — Sebastian completou — que é o que nós queremos, não é? Clary não importa. É a batalha que importa.
— Você a subestima, acho — Valentim disse quietamente.
— Eu estive observando-a — Sebastian respondeu — se seu poder fosse tão ilimitado quanto você parece achar, ela poderia tê-lo usado para tirar seu amigo vampirinho fora da prisão – ou salvar aquele tolo do Hodge quando ele estava morrendo...
— Poder não deve ser ilimitado para seres mortais. E quanto a Hodge, talvez você pudesse mostrar um pouco mais de controle em relação a sua morte, desde que foi você quem o matou.
— Ele estava prestes a contar sobre o Anjo. Eu tive que fazer isso.
— Você queria. Você sempre faz — Valentim tirou um par de pesadas luvas de couro de seu bolso e as puxou lentamente — talvez ele tenha dito a eles. Talvez não. Todos esses anos que ele cuidou de Jace no Instituto deve ter se perguntado o que era que ele estava cuidando. Hodge era um dos poucos que sabia que havia mais de um garoto. Eu sabia que ele não me trairia... era covarde demais para isso.
Ele flexionou seus dedos dentro das luvas, franzindo a testa.
Mais de um garoto? Sobre o que Valentim estava falando?
Sebastian afastou Hodge com um aceno de sua mão.
— Quem se importa com o que ele pensava? Ele está morto, e bons ventos o levem — seus olhos brilharam sombriamente — você está indo para o lago agora?
— Sim. Você sabe bem o que precisa ser feito? — Valentim empurrou seu queixo em direção à espada na cintura de Sebastian. — Use isto. Ela não é a Espada Mortal, mas sua aliança é suficientemente demoníaca para este propósito.
— Posso ir ao lago com você? — A voz de Sebastian tinha tomado um distinto tom choroso. — Nós não podemos libertar o exército agora?
— Não é meia-noite ainda. Eu disse que daria a eles até meia-noite. Eles ainda podem mudar de ideia.
— Eles não vão...
— Eu dei a minha palavra. Estarei de prontidão — o tom de Valentim era final — se você não escutar nada vindo de Malachi até a meia-noite, abra o portão — vendo a hesitação de Sebastian, Valentim pareceu impaciente — eu preciso que você faça isso, Jonathan. Não posso esperar aqui até meia-noite; vai me levar quase uma hora para ir ao lago pelos túneis, e não tenho intenção de deixar a batalha se arrastar por muito tempo. As futuras gerações devem saber o quão rapidamente a Clave perdeu, quão decisiva foi a nossa vitória.
— É só que eu vou lamentar perder a invocação. Eu queria estar lá quando você fizer isso.
O olhar de Sebastian foi saudoso, mas havia algo calculado por baixo dele, algo sarcástico, planejado e estranhamente, deliberadamente... frio. Não que Valentim parecesse aborrecido.
Para a confusão de Jace, Valentim o rosto de Sebastian, um rápido e indisfarçado gesto afetuoso, antes de se virar e se mover para o canto da caverna, onde uma massa de sombras espessas se juntavam. Ele pausou lá, uma pálida figura contra a escuridão.
— Jonathan — ele chamou, e Jace olhou acima, incapaz de se impedir — você verá o rosto do Anjo um dia. Afinal, você irá herdar os Instrumentos Mortais uma vez que eu me for. Talvez um dia, também, irá invocar Raziel.
— Eu gostaria disso — Sebastian respondeu, e ficou tão imóvel enquanto Valentim, com um aceno final, desapareceu na escuridão.
A voz de Sebastian caiu para um sussurro.
— Eu gostaria muito disso — ele rosnou — eu gostaria de cuspir no seu rosto bastardo.
Ele girou, seu rosto uma máscara branca na luz fraca.
— Você também pode sair Jace. Sei que você está aqui.
Jace congelou – mas só por um segundo. Seu corpo se moveu antes que sua mente tivesse tempo para se recuperar, catapultando-o para seus pés. Ele correu para a entrada do túnel, pensando apenas em fazer algo do lado de fora, enviar uma mensagem, de algum modo, para Luke. Mas a entrada foi bloqueada. Sebastian estava lá, sua expressão fria e mordaz, seus braços estendidos, os dedos quase tocando as paredes do túnel.
— Realmente — ele comentou — você não achou que era mais rápido do que eu, achou?
Jace derrapou em uma parada. Seu coração bateu desigual em seu peito, mas sua voz era firme.
— Desde que sou melhor que você em qualquer outra coisa concebível, isso é evidente.
Sebastian apenas sorriu.
— Eu podia ouvir seu coração batendo — ele disse suavemente — quando você estava me olhando com Valentim. Isso te incomodou?
— Que você parece estar namorando meu pai? — Jace deu de ombros. — Você é um pouco novo para ele, para ser honesto.
— O quê?
Pela primeira vez desde que Jace tinha conhecido ele, Sebastian pareceu boquiaberto. Jace foi capaz de apreciar isso só por um momento, porém, antes que a compostura de Sebastian retornasse. Mas havia um escuro brilho em seus olhos que indicou que ele não tinha esquecido.
— Eu me perguntei sobre você algumas vezes — Sebastian continuou, na mesma voz suave — parecia haver algo em você na ocasião, algo atrás desses seus olhos amarelos. Um flash de inteligência, ao contrário do resto da sua nojenta estúpida família adotiva. Mas eu achava que era só uma atitude. Você é tão tolo quanto o resto, apesar de sua década de boa educação.
— O que você sabe sobre minha educação?
— Mais do que você possa pensar — Sebastian baixou suas mãos — o mesmo homem que trouxe você, me trouxe. Só que ele não cansou de mim depois dos primeiros dez anos.
— O que você quer dizer?
A voz de Jace veio em um sussurro, e então, enquanto ele olhava para um imóvel Sebastian, rosto sério, ele pareceu ver o outro garoto como se pela primeira vez – o cabelo quase branco, os olhos pretos cor de carvão, as linhas duras em seu rosto, como algo cinzelado na pedra – e ele viu em sua mente o rosto de seu pai quando o anjo tinha mostrado, jovem, acentuado, alerta e ávido, e ele soube.
— Você — ele disse — Valentim é seu pai. Você é meu irmão.
Mas Sebastian não estava mais de pé em frente a ele; estava subitamente atrás dele, e seus braços estavam ao redor dos ombros de Jace como se quisesse abraçá-lo, mas suas mãos estavam fechadas em punhos.
— Olá e adeus, meu irmão — ele cuspiu, e então seu braços ergueram-se e apertaram, cortando a respiração de Jace.

***

Clary estava exausta. Uma entorpecente e martelante dor de cabeça, o efeito colateral de desenhar a runa Aliança, tinha se alojado em seu lobo frontal. Ela sentia como alguém tentando chutar uma porta do lado errado.
— Você está bem? — Jocelyn colocou sua mão sobre o ombro de Clary. — Você parece que não está se sentindo bem.
Clary olhou abaixo – e viu a runa preta araneiforme que cruzava as costas da mão de sua mãe, a gêmea de uma sobre a palma de Luke. Seu estômago apertou. Ela estava conseguindo lidar com o fato que dentro de umas poucas horas sua mãe poderia na verdade poderia estar lutando contra um exército de demônios – mas só por teimosia empurrava o pensamento cada vez que ele vinha à tona.
— Só estou me perguntando onde Simon está — Clary levantou — eu vou buscá-lo.
— Lá embaixo?
Jocelyn olhou preocupada para a multidão. Ela estava diminuindo agora, Clary notou, enquanto aqueles que tinham sido marcados inundavam as portas da frente para a praça lá fora. Malachi estava em pé nas portas, seu rosto de bronze impassível enquanto ele dirigia os Seres do Submundo e Caçadores de Sombras.
— Eu vou ficar bem — Clary avançou passando sua mãe e Luke em direção aos degraus da plataforma — já volto.
Pessoas se viraram para olhar enquanto ela descia os degraus e deslizava para a multidão. Ela podia sentir os olhos nela, o peso dos olhares. Escaneou a multidão, procurando pelos Lightwood ou Simon, mas não viu ninguém – era difícil não ver o suficiente sobre o amontoado de gente, considerando quão baixa ela era. Com um suspiro, Clary deslizou em direção ao lado oeste do Salão, onde a multidão era menor.
No momento em que ela se aproximou de uma alta linha de pilares de mármore, uma mão surgiu e a puxou de lado. Clary teve tempo de arfar de surpresa, e então estava em pé na escuridão atrás do mais largo dos pilares, suas costas contra a parede de mármore frio, as mãos de Simon apertando seus braços.
— Não grite, ok? Sou só eu — ele disse.
— É claro que eu não vou gritar. Não seja ridículo.
Clary olhou de um lado para o outro, se perguntando o que estava acontecendo – ela podia ver apenas partes do largo salão entre os pilares.
— Mas o que é essa coisa de espião James Bond? Eu estava mesmo vindo procurar você.
— Eu sei. Estive esperando você descer da plataforma. Queria falar com você onde ninguém pudesse nos ouvir — ele lambeu seus lábios nervosamente — eu ouvi o que Raphael disse. O que ele queria.
— Ah, Simon — os ombros de Clary afundaram — olha, nada aconteceu. Luke mandou ele...
— Talvez ele não devesse. Talvez ele devesse ter dado a Raphael o que ele queria.
Ela piscou para ele.
— Você quer dizer você? Não seja estúpido. Não tem jeito...
— Há um jeito — o aperto em seus braços aumentou — eu quero fazer isso. Quero que Luke diga a Raphael que o trato está de pé. Ou direi eu mesmo.
— Eu sei o que você está fazendo — Clary protestou — e eu o respeito e o admiro por isto, mas você não deve fazer isso, Simon, não precisa. O que Raphael está pedindo é errado, e ninguém irá te julgar por não se sacrificar por uma guerra que não é sua luta...
— Mas é. O que Raphael disse estava correto. Eu sou um vampiro, e você se mantém esquecendo disso. Ou talvez você apenas queira esquecer. Mas eu sou um Ser do Submundo e você é uma Caçadora de Sombras, e esta luta é nossa.
— Mas você não é como eles...
— Eu sou um deles — ele falou lentamente, deliberadamente, como se para ter certeza absoluta de que ela entendeu cada palavra que ele estava dizendo — e sempre serei. Se os Seres do Submundo lutarem nesta guerra com os Caçadores de Sombras, sem a participação do povo de Raphael, então não haverá assento no Conselho para as Crianças da Noite. Eles não serão parte do mundo que Luke está tentando criar, um mundo onde Caçadores de Sombras e Seres do Submundo trabalham juntos, estão juntos. Os vampiros serão excluídos disso. Eles serão os inimigos dos Caçadores de Sombras. Eu serei seu inimigo.
— Eu nunca poderia ser sua inimiga.
— Isso iria me matar — Simon disse simplesmente — mas não posso ajudar em nada recuando e fingindo que não sou parte disso. E não estou pedindo sua permissão. Eu gostaria de sua ajuda. Mas se você não a der para mim, vou pedir a Maia para me levar ao acampamento vampiro de qualquer modo, e eu me entregarei a Raphael. Você entendeu?
Ela olhou para ele. Simon estava segurando seus braços tão apertado que ela podia sentir o sangue pulsando na pele debaixo de suas mãos. Ela correu sua língua sobre seus lábios secos, gosto amargo na boca.
— O que eu posso fazer — ela sussurrou — para te ajudar você?
Ela olhou para ele incredulamente enquanto Simon falava. Clary já estava agitando sua cabeça antes que ele terminasse, seu cabelo chicoteando para trás e a frente, quase cobrindo seus olhos.
— Não. Esta é uma ideia louca, Simon. Isso não é um dom; é uma punição...
— Talvez não para mim — Simon disse.
Ele olhou em direção à multidão, e Clary viu Maia em pé lá, olhando-os, sua expressão abertamente curiosa. Ela estava claramente esperando por Simon. Tão rápido, Clary pensou. Isso tudo está acontecendo muito rápido.
— É melhor do que a alternativa, Clary.
— Não...
— Isso pode não me machucar no todo. Quero dizer, eu já tenho sido punido, certo? Eu já não posso ir a uma igreja, uma sinagoga, não posso dizer... eu não posso dizer nomes santos, não posso envelhecer, já estou excluído de uma vida normal. Talvez isso não vá mudar nada.
— Mas talvez vá.
Ele soltou os braços dela, e puxou a estela de Patrick de seu cinto. Ele a segurou para ela.
— Clary. Faça isto por mim. Por favor.
Ela pegou sua estela com dedos dormentes e a levantou, tocando o fim dela na pele de Simon, bem acima de seus olhos.
A primeira marca, Magnus tinha dito. A primeira genuína. Clary pensou nela e sua estela começou a se mover do modo que um dançarino começa a se mover quando a música começa. Linhas negras traçavam pela sua testa como um flor se abrindo em uma velocidade de filme girando. Quando terminou, sua mão direita doía e espetava, mas enquanto a puxava de volta e encarava, ela sabia que tinha desenhado uma coisa perfeita, estranha e antiga, algo vindo do princípio da história. Ela queimava como uma estrela acima dos olhos de Simon enquanto ele roçava seu dedos na testa, sua expressão deslumbrada e confusa.
— Eu posso senti-la. Como uma queimadura.
— Eu não sei o que irá acontecer — ela sussurrou — não sei a longo prazo quais efeitos colaterais ela terá.
Com um torto meio sorriso, ele levantou a mão para tocar a bochecha dela.
— Vamos esperar que nós tenhamos a chance de descobrir.

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