Capítulo 19 - Peniel

Maia estava silenciosa a maior parte do caminho para a floresta, mantendo sua cabeça baixa e olhando de um lado para o outro apenas ocasionalmente, seu nariz enrugado em concentração.
Simon se perguntou se ela estava farejando seu caminho, e decidiu que apesar de que poderia ser um pouco estranho, isso certamente contava como um talento útil. Ele também descobriu que não tinha que se apressar para se emparelhar com ela, não importasse o quão rápida ela se movia. Mesmo quando eles alcançaram a trilha que levava para dentro da floresta e Maia começou a correr – rapidamente, silenciosamente, e mantendo-se baixa no terreno – ele não teve problemas em acompanhar seu passo. Era uma das coisas sobre ser um vampiro que ele podia honestamente dizer que gostava.
Acabou muito rápido; a mata espessou e eles estavam correndo entre as árvores bastante marcadas, o terreno grosso enraizado e denso com folhas caídas. Os galhos acima faziam padrões de rendas contra o céu estrelado.
Eles emergiram das árvores em uma clareira pontilhada com grandes rochas que brilhavam como largos dentes brancos. Havia amontoadas pilhas de folhas aqui e ali, como se alguém tivesse passado um ancinho gigante sobre o lugar.
— Raphael! — Maia tinha vertido suas mãos ao redor de sua boca e estava chamando em uma voz alta o suficiente para assustar as aves dos topos altos das árvores. — Raphael, apareça!
Silêncio. Então as sombras farfalharam; houve um macio som de passos, como chuva batendo em um telhado de lata. As folhas empilhadas no chão explodiram no ar em minúsculos ciclones. Simon ouviu Maia tossir; ela tinha suas mãos acima, como se para limpar as folhas de seu rosto, seus olhos.
Tão subitamente quanto o vento tinha vindo, ele se assentou. Raphael estava lá, a poucos metros de Simon. Cercando-o estava um grupo de vampiros, pálidos e imóveis como árvores no luar. Suas expressões eram frias, esvaziadas para uma exposta hostilidade. Ele reconheceu alguns deles do Hotel Dumort: a pequena Lily e o loiro Jacob, seus olhos tão estreitos quanto facas. Mas havia tantos deles que ele nunca tinha visto antes.
Raphael andou a frente. Sua pele era pálida, seus olhos rodeados com sombras escuras, mas ele sorriu quando viu Simon.
— Diurno — ele falou — você veio.
— Eu vim — Simon disse — estou aqui, então... está acabado.
— Isso está longe de estar acabado, Diurno — Raphael olhou em direção a Maia — licantropo. Volte para seu líder do bando e agradeça-o pela mudança de ideia. Diga a ele que as Crianças da Noite irão lutar ao lado de seu povo na Planície de Brocelind.
O rosto de Maia formou uma careta.
— Luke não mudou...
Simon interrompeu-a rapidamente.
— Está tudo bem, Maia. Vá.
Seus olhos eram luminosos e tristes.
— Simon, pense. Você não tem que fazer isso.
— Sim, eu tenho — seu tom era firme — Maia, muito obrigado por me trazer aqui. Agora vá.
— Simon...
Ele baixou sua voz.
— Se você não for, eles irão matar nós dois. E tudo isso terá sido por nada. Vá. Por favor.
Ela acenou e se afastou, mudando enquanto se virava. Num momento ela era uma frágil garota humana, suas tranças presas com contas balançando sobre os ombros e no próximo ela tinha atingido o terreno em quatro patas, um rápido e silencioso lobo. Ela se atirou da clareira e desapareceu dentro das sombras.
Simon se voltou para os vampiros – e quase gritou; Raphael estava em pé diretamente na frente dele, a centímetros. De perto, sua pele sustentava o intrigante traçado escuro da fome. Simon pensou naquela noite no Hotel Dumort – rostos aparecendo das sombras, risos fugazes, o cheiro de sangue – e estremeceu.
Raphael alcançou Simon e segurou-o pelos ombros, o aperto de suas enganosamente suaves mãos como ferro.
— Vire sua cabeça — pediu — e olhe para as estrelas; será mais fácil desse jeito.
— Então você vai me matar — Simon falou.
Para a sua surpresa, ele não sentiu medo, ou até mesmo particularmente agitado; tudo parecia diminuído para uma perfeita claridade. Ele estava simultaneamente alerta de cada folha nos galhos acima dele, cada minúscula pedra sobre o chão, cada par de olhos que descansava sobre ele.
— O que você pensava? — Raphael perguntou – um pouco tristemente, Simon pensou. — Isso não é pessoal, eu lhe asseguro. É como eu disse antes – você é muito perigoso para ser permitido que continue como é. Se eu soubesse que você se tornaria...
— Você nunca teria me deixado rastejar para fora da sepultura. Eu sei.
Raphael encontrou seus olhos.
— Todos fazem o que tem que fazer para sobreviver. Dessa forma nós somos como humanos — seus dentes de agulha deslizaram de suas bainhas como delicadas navalhas — fique parado. Será rápido.
Ele se inclinou para frente.
— Espere — Simon disse, e quando Raphael se puxou de volta com uma careta, ele disse novamente, com mais força: — espere. Há algo que eu tenho que mostrar a você.
Raphael sibilou baixinho.
— Você teria mais vantagem ajudando, do que tentando me atrasar, Diurno.
— Eu estou. Há algo que eu pensei que você deveria ver.
Simon ergueu e tirou seu cabelo de sua testa. Parecia um gesto tolo, até mesmo teatral, mas enquanto ele fazia isso, viu o rosto branco desesperado de Clary enquanto ela olhava para ele, a estela na mão, e pensou, bem, pelo seu bem, eu pelo menos tentei.
O efeito sobre Raphael foi assustador e instantâneo. Ele oscilou para trás como se Simon tivesse brandido um crucifixo para ele, seus olhos arregalando.
— Diurno — ele cuspiu — quem fez isso em você?
Simon apenas olhou. Ele não estava certo da reação que tinha esperado, mas essa não tinha sido uma.
— Clary — Raphael falou, respondendo a sua própria pergunta — é claro. Só um poder como o dela poderia permitir isso – um vampiro, marcado, e com uma marca como essa...
— Uma marca como o quê? — Jacob indagou, o esbelto garoto loiro em pé atrás de Raphael.
O resto dos vampiros estava olhando também, com expressões que misturavam confusão e crescente medo. Qualquer coisa que assustasse Raphael, Simon pensou, era certo que os assustaria também.
— Esta marca — Raphael disse, ainda olhando só para Simon — não é uma daquelas do Livro Cinza. É uma marca mais velha do que aquelas. Uma das antigas, desenhas pela mão do próprio Criador.
Ele esticou o braço para tocar a testa de Simon, mas não pareceu capaz de levar a si mesmo a fazer isso. Sua mão pairou por um momento, e então caiu para seu lado.
— Essas marcas são mencionadas, mas eu nunca tinha visto uma. E esta...
— “Portanto qualquer que matar a Caim, sete vezes será castigado. E o Senhor pôs um sinal em Caim, para que não o matasse qualquer que o achasse.” — Simon recitou. — Você pode tentar me matar, Raphael. Mas eu não aconselharia isso.
— A marca de Caim — Jacob disse em descrença — esta marca em você é a marca de Caim?
— Mate-o — disse uma vampira ruiva que estava perto de Jacob. Ela falou com um pesado sotaque russo, Simon pensou, apesar de não ter certeza — mate-o de qualquer maneira.
A expressão de Raphael era um misto de fúria e descrença.
— Eu não irei — ele disse — qualquer dano feito a ele irá repercutir no executor sete vezes. Esta é a natureza da marca. É claro que, se algum de vocês quiser tomar o risco, sem dúvida, seja meu convidado.
Ninguém falou ou se moveu.
— Eu pensei que não — Raphael continuou. Seus olhos sondaram Simon — como a rainha má em um conto de fadas, Lucian Graymark me enviou uma maçã envenenada. Suponho que ele esperava que eu ferisse você, e colhesse a punição que se seguiria.
— Não — Simon respondeu rapidamente — não – Luke nem mesmo sabe o que eu fiz. Seu gesto foi feito de boa fé. Você tem que honrá-lo.
— E então você escolheu isso? — Pela primeira vez havia algo mais do que desprezo, Simon pensou, no modo que Raphael estava olhando para ele. — Este não é um simples encanto de proteção, Diurno. Você sabe qual era a punição de Caim? — ele falou suavemente, como se dividindo um segredo com Simon. “E agora tu és amaldiçoado sobre a terra. Um fugitivo e vagabundo serás tu.”
— Então eu irei vagar, se é isso do que se trata. Eu farei o que tenho que fazer.
— Tudo isso, tudo isso pelos Nephilim.
— Não só pelos Nephilim. Eu estou fazendo isso por vocês, também. Mesmo se você queira isso — ele levantou sua voz para que os vampiros em silêncio ao redor deles o pudessem ouvir — vocês estavam preocupados que se outros vampiros soubessem o que tinha acontecido comigo, pensassem que o sangue do Caçador de Sombras pudesse fazê-los andar na luz também. Mas esse não é o motivo de eu ter este poder. Isso foi algo que Valentim fez. Uma experiência. Ele causou isso, não Jace. E isso não pode ser refeito. Não vai acontecer de novo.
— Imagino que ele esteja dizendo a verdade — Jacob se pronunciou, para a surpresa de Simon — eu certamente tinha conhecido uma ou duas das Crianças da Noite que tinham provado um Caçador de Sombras no passado. Nenhum deles desenvolveu uma afeição pela luz do sol.
— Uma coisa era recusar ajudar os Caçadores de Sombras antes — Simon disse, se virando de volta para Raphael — mas agora, agora que eles me enviaram para você...
Ele deixou o resto da sentença se perdurar no ar, incompleta.
— Não tente fazer chantagem comigo, Diurno — Raphael alertou — uma vez que as Crianças da Noites tenham feito uma promessa, eles a honram, não importa o quão duramente são tratados — ele sorriu ligeiramente, os dentes de agulha cintilando no escuro — existe apenas uma coisa. Um último ato que eu requeiro de você para provar que realmente você aqui em boa fé.
A tensão que ele colocou nas duas últimas palavras era sobrecarregada com frieza.
— E o que é? — Simon perguntou.
— Nós não seremos os únicos vampiros a lutar na batalha de Lucian Graymark. Você irá.

***

Jace abriu seus olhos sob um redemoinho prata. Sua boca estava cheia com um líquido amargo. Ele tossiu, imaginando por um momento se estava se afogando – mas se assim, ele estava em terra seca.
Se sentou ereto com as costas apoiadas contra uma estalagmite, e percebeu que suas mãos estavam presas atrás. Ele tossiu de novo e o sal preencheu sua boca. Ele não estava se afogando, ele notou, só engasgando com sangue.
— Acordado, irmãozinho?
Sebastian se ajoelhou em frente a ele, um pedaço de corda em suas mãos, seu sorriso como uma faca desembainhada.
— Bom. Eu estava com medo por um momento que eu tivesse matado você um pouco cedo demais.
Jace virou sua cabeça para o lado e cuspiu um bocado de sangue no chão. Sentia que havia um balão sendo inflado dentro de sua cabeça, pressionando o interior do seu crânio. O redemoinho prateado acima de sua cabeça diminuiu e acalmou para um brilhante padrão de estrelas visíveis através do buraco no teto da caverna.
— Esperando por uma ocasião especial para me matar? O Natal está chegando.
Sebastian deu a Jace um olhar pensativo.
— Você tem uma boca esperta. Não aprendeu isso de Valentim. O que você aprendeu dele? Não me parece que ele ensinou muito sobre luta também — ele se inclinou para mais perto — você sabe o que ele me deu no meu nono aniversário? Uma lição. Ele me ensinou que há um lugar nas costas de um homem que se você enfiar uma lâmina, pode perfurar seu coração e decepar sua espinha, tudo de uma vez. O quevocê ganhou no seu nono aniversário, garoto anjinho? Um biscoito?
— Nono aniversário? — Jace engoliu duro. — Então me diga, em que buraco ele estava te mantendo enquanto eu estava crescendo? Por que eu não me lembro de ver você ao redor da mansão.
— Eu cresci neste vale — Sebastian lançou seu queixo em direção à saída da caverna — não me lembro de ver você por aqui também, pensando nisso. Embora eu soubesse sobre você. Aposto que você não sabia sobre mim.
Jace balançou a cabeça.
— Valentim não era muito dado a alardear sobre você. Eu não posso imaginar o porquê.
Os olhos de Sebastian reluziram.
— É fácil de ver agora, a semelhança com Valentim: a mesma combinação rara de cabelo branco prata e olhos negros, os mesmos ossos finos que em outro rosto menos fortemente moldado teriam parecido delicados.
— Eu sabia tudo sobre você. Mas você não sabia nada sobre mim, não é? — Sebastian ficou em seus pés. — Eu queria que você estivesse vivo para assistir isso, irmãozinho. Então observe, e observe cuidadosamente.
Com um movimento tão rápido que era quase invisível, ele puxou a espada de sua bainha para seu peito. Ela tinha um cabo prateado, e como a Espada Mortal, brilhava com uma luz escura e sombria. Um padrão de estrelas estava gravado na superfície da lâmina negra; a espada capturou o verdadeiro céu estrelado enquanto Sebastian virava a lâmina, que queimou como fogo.
Jace prendeu sua respiração. Ele se perguntou se Sebastian ia meramente matá-lo; mas não, Sebastian já teria matado-o enquanto ele estava inconsciente, se esta fosse sua intenção. Jace observou enquanto Sebastian se movia em direção ao centro da câmara, a espada presa levemente em sua mão, apesar de ela parecer bastante pesada. Sua mente estava girando.
Como Valentim podia ter outro filho? Quem era sua mãe? Alguém mais do Círculo? Ela era mais velho ou mais novo do que Jace?
Sebastian tinha alcançado a enorme estalagmite tingida de vermelho no centro da sala. Ela pareceu pulsar enquanto ele se aproximava, e a fumaça dentro dela serpenteou mais rápido.
Sebastian semicerrou seus olhos e levantou a espada. Ele disse algo – uma palavra em uma linguagem de demônio soando dura – e trouxe a espada, forte e rápida, em um retalhante arco.
O topo da estalagmite foi cortado. Dentro, ela era oca como um tubo de ensaio, preenchido com uma enorme fumaça preta e vermelha, que girava para cima como gás escapando de um balão furado. Houve um rugido – menos um som do que um tipo de pressão explosiva. Jace sentiu seus ouvidos estalarem. De repente ficou difícil respirar. Ele queria agarrar a gola de sua camisa, mas não podia mover suas mãos: elas estavam amarradas muito fortemente atrás dele.
Sebastian estava meio escondido atrás da vertente coluna vermelha e preta. Ela estava enrolando, girando acima.
— Olhe! — Ele gritou, seu rosto brilhando.
Seus olhos estavam iluminados, seus cabelos brancos chicoteando sobre o vento crescente, e Jace se perguntou se seu pai tinha parecido como aquilo quando era jovem: terrível e ainda de alguma forma fascinante.
— Observe e contemple o exército de Valentim!
Sua voz foi sobreposta então pelo som. Era um som como de maré quebrando na praia, o quebrar de uma enorme onda, carregando enormes detritos, os ossos esmagados de todas cidades, o ataque de um grande e maléfico poder. Uma coluna enorme girando, precipitando, negrume ondulando emanou da estalagmite quebrada, concentrando-se acima no ar, despejando em direção – e através da lacuna no teto da caverna.
Demônios. Eles subiam gritando, ganindo e rosnando, uma agitada massa de garras, unhas, dentes e olhos queimando. Jace se recordou de quando estava deitado no convés do navio de Valentim enquanto o céu, a terra e o mar, tudo ao redor se tornava um pesadelo. Isso era pior.
Era como se a terra tivesse se rasgado e o Inferno tivesse se derramado por ela. Os demônios carregavam um fedor como milhares de cadáveres apodrecendo.
As mãos de Jace se contorceram uma contra a outra, torceram até que as cordas cortassem seus pulsos e eles sangrassem. Um gosto azedo cresceu em sua boca, e ele engasgou em sangue e bile enquanto os últimos demônios subiam e desapareciam acima, um escuro dilúvio de horror, borrando as estrelas.
Jace pensou que poderia ter desmaiado por um minuto ou dois. Certamente, houve um período de escuridão durante o qual o grito e uivo acima apagou e ele pareceu suspenso no espaço, colocado entre a terra e o céu, sentindo uma sensação de desapego que era de alguma forma... serena.
Acabou cedo demais. Subitamente ele foi jogado de volta a seu corpo, seus pulsos em agonia, seus ombros pressionados para trás, o fedor dos demônios tão pesado no ar que ele virou sua cabeça de lado e tentou vomitar no chão, sem conseguir.
Ele ouviu uma risada seca e olhou para cima, engolindo duro o ácido em sua garganta. Sebastian se ajoelhou sobre ele, suas pernas fazendo força nas de Jace, seus olhos brilhando.
— Está tudo bem, irmãozinho. Eles se foram.
Os olhos de Jace estavam lacrimejando, sua garganta arranhando. Sua voz veio em um grasnar.
— Ele disse meia-noite. Valentim disse para abrir à meia-noite. Não pode ser meia-noite ainda.
— Eu sempre percebi que é melhor pedir desculpas do que permissão nesse tipo de situação — Sebastian olhou acima para o agora céu vazio — deve levar a eles cinco minutos para chegarem daqui até a Planície Brocelind, um pouco menos de tempo que meu pai chegará ao lago. Eu quero ver algum sangue Nephilim derramado. quero que eles se atormentem e morram no chão. Eles merecem a vergonha antes de caírem no esquecimento.
— Você realmente acha que os Nephilim têm tão pouca chance contra os demônios? Não é como se eles estivessem despreparados...
Sebastian o dispensou com um aceno de seu pulso.
— Eu pensei que você estava nos ouvindo. Você não entendeu o plano? Você não sabe o que meu pai vai fazer?
Jace não nada disse.
— Foi bom você me levar a Hodge aquela noite. Se ele não tivesse revelado que o Espelho que nós procurávamos estava no Lago Lyn, eu não tenho certeza se esta noite teria sido possível. Por que quem carregar o primeiro dos dois Instrumentos Mortais e se manter perante o Espelho Mortal pode invocar o Anjo Raziel nele, como o Caçador de Sombras Jonathan fez mil anos atrás. E uma vez que você invoque o Anjo, pode pedir a ele uma coisa. Uma tarefa. Um... favor.
— Um favor? — Jace se sentiu todo frio. — E Valentim exigirá a derrota dos Caçadores de Sombras em Brocelind?
Sebastian se levantou.
— Isso seria um desperdício. Não, ele irá exigir que todos os Caçadores de Sombras que não tiverem bebido do Cálice Mortal – todos os que não são seus seguidores – sejam despojados de seus poderes. Eles não serão mais Nephilim. E como tal, carregando as marcas que têm... — ele sorriu — eles se tornarão Esquecidos, presas fáceis para os demônios, e aqueles Seres do Submundo que não escaparem serão rapidamente erradicados.
As orelhas de Jace tiniram com um duro e metálico som. Ele sentiu tontura.
— Mesmo Valentim. Mesmo Valentim, nunca faria isso...
— Por favor — Sebastian falou — você realmente acha que meu pai não vai do começo ao fim com o que ele planejou?
— Nosso pai — Jace corrigiu.
Sebastian deu uma olhada abaixo para ele. Seu cabelo era um halo branco; ele parecia como um tipo de anjo mal que poderia ter seguido Lúcifer para fora do céu.
— Me desculpe — ele observou, com certa diversão — você está rezando?
— Não. Eu disse nosso pai. Eu me refiro a Valentim. Não o seu pai. Nosso.
Por um momento, Sebastian estava sem expressão; então os cantos de sua boca curvaram-se acima, e ele sorriu.
— Garoto anjinho. Você é um tolo, não é – como meu pai sempre dizia.
— Por que você fica me chamando disso? — Jace exigiu. — Por que você diz tolices sobre anjos...
— Deus, você não sabe de nada, não é? Meu pai nunca disse uma palavra a você que não foi uma mentira?
Jace balançou a cabeça. Ele tinha puxado as cordas prendendo seus pulsos, mas a cada vez que as puxava, elas pareciam se apertar mais. Ele podia sentir o esmagar de seus pulsos em cada um de seus dedos.
— Como você sabe que ele não estava mentido para você?
— Por que eu sou o seu sangue. Eu sou como ele. Quando ele se for, eu irei governar a Clave depois dele.
— Eu não iria me gabar de ser como ele se eu fosse você.
— Há isso também — a voz de Sebastian era sem emoção — eu não finjo ser outra coisa que não sou. Eu não me comporto como se estivesse horrorizado com o que meu pai faz, o que precisa fazer para salvar seu povo, mesmo que eles não queiram – ou, se você me perguntar, mereçam – ser poupados. Quem você preferiria ter como um filho, um garoto que se orgulha de quem é seu pai ou um que acovarda-se em vergonha e medo?
— Eu não tenho medo de Valentim — Jace disse.
— Você não deveria ter. Deve ter medo de mim.
Houve algo em sua voz que fez Jace abandonar sua luta contra as amarras e olhar acima. Sebastian ainda estava segurando sua maldosa espada reluzente. Era uma coisa escura e bonita, Jace pensou, mesmo quando Sebastian abaixou a ponta dela para que descansasse acima da clavícula de Jace, picando seu pomo de adão.
Jace se esforçou para manter sua voz firme.
— Então o que agora? Você vai me matar enquanto estou amarrado? O pensamento de uma luta comigo te assusta tanto assim?
Nada, nem um flutuar de emoção, passou através do rosto pálido de Sebastian.
— Você não é uma ameaça para mim. Você é uma praga. Uma chateação.
— Então por que você não desamarra minhas mãos?
Sebastian, totalmente parado, olhou para ele. Ele parecia como uma estátua, Jace pensou, como a estátua de algum a muito príncipe morto – alguém que tinha morrido jovem e corrompido. Era a diferença entre Sebastian e Valentim; apesar de eles compartilharem o mesmo olhar frio de mármore, Sebastian tinha um ar sobre ele de algo arruinado – algo destruído pouco a pouco do interior.
— Eu não sou tolo — Sebastian falou — e você não pode me tentar. Eu te deixei vivo apenas tempo suficiente para que você pudesse ver os demônios. Quando você morrer agora, e retornar aos seus anjos ancestrais, pode dizer a eles que não há mais lugar para eles neste mundo. Eles fracassaram com a Clave, e a Clave não precisa mais deles. Nós temos Valentim agora.
— Você está me matando por que quer que eu dê uma mensagem a Deus para você? — Jace balançou a cabeça, a ponta da espada raspando em sua garganta. — Você é mais maluco do que pensava.
Sebastian apenas sorriu e empurrou a lâmina ligeiramente mais profundo; quando Jace engoliu, ele podia sentia a ponta dela pressionando sua traqueia.
— Se você tiver algumas orações, irmãozinho, diga-as agora.
— Eu não tenho nenhuma oração, embora eu tenha uma mensagem. Para o nosso pai. Você vai dar a ele?
— É claro — Sebastian respondeu facilmente, mas houve algo no modo com que ele disse isso, um cintilar de hesitação antes de falar, que confirmou o que Jace já estava pensando.
— Você está mentindo. Não dará a ele a mensagem porque não vai dizer o que você fez. Ele nunca pediu para você me matar, e não vai ficar feliz quando descobrir.
— Bobagem. Você não é nada para ele.
— Você acha que ele nunca saberá o que aconteceu comigo se me matar agora, aqui. Pode dizer a ele que eu morri na batalha, ou ele irá presumir que foi isso o que aconteceu. Mas você está errado se pensa que ele não saberá. Valentim sempre sabe.
— Você não sabe o que está falando — Sebastian rebateu, mas seu rosto estava apertado.
Jace manteve-se falando, pressionando sua vantagem.
— Entretanto, você não pode esconder o que está fazendo. Há uma testemunha.
— Uma testemunha? — Sebastian pareceu quase surpreso, o que Jace contou como algo de uma vitória. — Do que você está falando?
— O corvo. Ele está observando das sombras. Ele irá contar tudo a Valentim.
— Hugin?
O olhar de Sebastian subiu, e embora o corvo não estivesse em lugar algum para ser visto, o rosto de Sebastian quando ele olhou de volta para Jace estava cheio de dúvida.
— Se Valentim souber que você me assassinou enquanto eu estava amarrado e indefeso, ele vai ficar enojado — Jace continuou, e ouviu sua própria voz cair dentro da cadência da de seu pai, do modo que ele falava quando queria algo: suave e persuasiva — ele irá te chamar de covarde. Nunca irá te perdoar.
Sebastian nada disse. Ele estava olhando para Jace, seus lábios contorcendo, ódio e fúria atrás de seus olhos como veneno.
— Me desamarre. Me desamarre e lute comigo. É a única maneira.
Os lábios de Sebastian retorceram de novo, duros, e dessa vez Jace pensou que ele tivesse ido longe demais. Sebastian puxou a espada e a levantou, e o luar explodiu nela em mil cacos de prata, prata como as estrelas, prata como a cor de seu cabelo. Ele desnudou seus dentes – e o assobio da espada cortou o ar noturno com um grito enquanto Sebastian a trazia abaixo em um arco.

***

Clary se sentou sobre os degraus da plataforma no Salão de Acordos, segurando a estela em suas mãos. Nunca tinha se sentido tão sozinha. O Salão estava absolutamente, totalmente vazio. Clary tinha procurado em todos os lugares por Isabelle, uma vez que todos os lutadores tinham passado pelo Portal, mas não tinha sido capaz de encontrá-la.
Aline tinha dito a ela que Isabelle provavelmente estava de volta à casa dos Penhallow, onde Aline e uns poucos adolescentes foram destinados a cuidar de pelo menos uma dúzia de crianças abaixo da idade para lutar. Ela tinha tentado conseguir que Clary fosse com ela, mas Clary tinha recusado. Se não pudesse encontrar Isabelle, preferia estar sozinha do que com estranhos.
Ou assim ela tinha pensado. Sentada aqui, ela encontrou o silêncio, e o vazio tinha se tornado mais e mais opressivo. Ainda assim, Clary não se moveu. Ela estava tentando não pensar em Jace, em Simon, sua mãe, Luke ou Alec – e o único jeito de não pensar que ela tinha encontrado era permanecer imóvel e olhar para um único quadrado de mármore no chão, contando as rachaduras nele várias vezes.
Havia seis. Um, dois, três. Quatro, cinco, seis. Ele terminou de contar e começou novamente, do começo. Um...
O céu acima explodiu.
Ou pelo menos era o que ele parecia. Clary atirou sua cabeça para trás e olhou acima, através do telhado transparente do Salão. O céu tinha estado escuro um momento atrás; agora era uma massa revolvente de chamas e escuridão, com uma feia luz laranja.
Coisas se moviam contra aquela luz – coisas hediondas que ela não queria ver, coisas que a deixaram grata pela escuridão da visão dela. O ocasional vislumbre era ruim o suficiente. A claraboia transparente acima ondulou e curvou enquanto a horda de demônios passava, como se ela tivesse sido distorcida pelo tremendo calor.
Por fim, houve um som como um tiro, uma enorme rachadura apareceu no vidro, araneiforme em sua inúmeras fissuras. Clary mergulhou, cobrindo sua cabeça com suas mãos, enquanto o vidro chovia ao redor dela como lágrimas.

***

Eles estavam quase no campo de batalha quando o som veio, rasgando a noite ao meio. Num momento as árvores estavam tão silenciosas quanto os vampiros ocultos. No momento seguinte, o céu foi iluminado com um infernal brilho laranja.
Simon oscilou e quase caiu; ele segurou um tronco de árvore para se firmar e olhar acima, quase incapaz de acreditar no que estava vendo. Todos ao redor dele estavam olhando acima para o céu, seus rostos brancos como flores florescendo a noite, elevados para apanhar o luar enquanto pesadelo após pesadelo corria através do céu.

***

— Você continua desmaiando em cima de mim — Sebastian observou — isso é extremamente chato.
Jace abriu seus olhos. Dor lançou por sua cabeça. Ele ergueu as mãos para tocar seu rosto – e percebeu que suas mãos não estavam mais amarradas atrás dele. Um pedaço de corda arrastava-se de seu pulso. Sua mão voltou do rosto preta de sangue, escuro ao luar.
Ele olhou para cima. Já não estavam mais na caverna: ele estava deitado sobre a terra macia e a grama no chão do vale, não muito distante da casa de pedra. Ele podia ouvir o som da água no riacho, claramente perto. Os galhos das árvores acima bloqueavam um pouco do luar, mas ainda era bastante claro.
— Levante-se — Sebastian ordenou — você tem cinco segundos antes que eu te mate onde você está.
Jace se pôs de pé tão lentamente quanto pensava que pudesse. Ele ainda estava um pouco tonto. Lutando por equilíbrio, ele cravou o calcanhar de suas botas na terra suave, tentando dar a si mesmo alguma estabilidade.
— Por que você me trouxe aqui?
— Duas razões — Sebastian disse — uma, eu me diverti te golpeando. Duas, seria ruim para ambos ter sangue no chão daquela caverna. Acredite. E eu pretendo derramar bastante de seu sangue.
Jace sentiu o seu cinto e seu coração afundou. Ou ele tinha derrubado a maioria de suas armas enquanto Sebastian tinha arrastado-o através dos túneis, ou mais provavelmente, Sebastian tinha jogado-as fora. Tudo o que ele tinha deixado era uma adaga. Era uma lâmina curta – muito curta, não páreo para a espada.
— Isto não é muito de uma arma — Sebastian sorriu, e o branco ofuscou a escuridão.
— Eu não posso lutar com isso — Jace disse, tentando soar trêmulo e nervoso.
— Que vergonha.
Sebastian se aproximou de Jace, sorrindo. Ele estava segurando sua espada frouxamente, teatralmente despreocupado, as pontas de seus dedos batendo um leve ritmo sobre o cabo. Se houvesse alguma abertura para ele, Jace pensou, provavelmente esta era. Ele colocou seu braço para trás e esmurrou o rosto de Sebastian tão forte quanto podia.
Osso triturou sob os nós dos dedos. O golpe enviou Sebastian deitado. Ele derrapou para trás na terra, a espada voando de seu aperto. Jace a pegou enquanto se lançava a frente, e um segundo depois ele estava em pé sobre Sebastian, a espada na mão.
O nariz de Sebastian estava sangrando, o sangue uma faixa escarlate através de seu rosto. Ele se ergueu e puxou seu colarinho de lado, desnudando sua garganta pálida.
— Então vá em frente. Me mate já.
Jace hesitou. Ele não quis hesitar, mas foi assim: uma importuna relutância em matar alguém deitado indefeso no chão em frente a ele. Jace se lembrou de Valentim insultando-o, de volta ao Renwick, desafiando seu filho a matá-lo, e Jace não tinha sido capaz de fazer isso. Mas Sebastian era um assassino. Ele tinha matado Max e Hodge. Jace levantou a espada.
E Sebastian irrompeu para fora do chão, mais rápido do que o olho podia seguir. Ele pareceu voar no ar, realizando uma elegante cambalhota para trás e aterrissando graciosamente na grama a um metro de distância. Enquanto ele o fazia, chutou a mão de Jace. O chute enviou a espada girando para fora do alcance de Jace. Sebastian a pegou no ar, rindo, e cortando com a espada, chicoteando-a em direção ao coração de Jace.
Jace saltou para trás e a lâmina dividiu o ar bem em frente a ele, cortando a frente de sua camisa. Houve uma picada de dor e Jace sentiu o sangue se derramar do talho raso através de seu peito.
Sebastian sorriu, avançando em direção a Jace, que se impeliu para trás, tateando sua insuficiente adaga do cinto enquanto recuava. Ele olhou ao redor, desesperadamente esperando que houvesse algo que ele pudesse usar como uma arma – uma vara longa, qualquer coisa. Não havia nada em torno dele a não ser a grama, o rio correndo e as árvores acima, espalhando seus galhos grossos acima como uma rede verde.
Subitamente ele se lembrou da configuração Malachi em que a Inquisidora o tinha prendido. Sebastian não era o único que podia saltar.
Sebastian lançou a espada novamente, mas Jace já tinha saltado – direto no ar. O menor galho da árvore estava a vinte metros acima; ele se segurou nele, balançando a si mesmo para cima.
Ajoelhando sobre o galho, ele viu Sebastian, no chão, girando ao redor e olhando para cima. Jace arremessou a adaga e ouviu Sebastian gritar. Sem fôlego, ele se endireitou... E Sebastian estava subitamente no galho ao lado dele. Seu rosto pálido estava ruborizado pela irritação, seu braço da espada jorrando sangue. Ele tinha largado a espada na grama, o que pareceu meramente igualá-los, Jace pensou, já que sua adaga tinha ido também.
Ele viu com alguma satisfação que pela primeira vez Sebastian parecia zangado – zangado e surpreso, como se um animal que ele pensasse que fosse domesticado tivesse mordido-o.
— Aquilo foi engraçado — Sebastian disse — mas agora acabou.
Ele se lançou em Jace, prendendo-o ao redor da cintura, acertando-o no galho. Eles caíram os vinte metros através do ar, agarrados juntos, golpeando um ao outro – e batendo forte no chão, forte o suficiente para que Jace visse estrelas atrás de seus olhos. Ele agarrou o braço ferido de Sebastian e cravou seus dedos nele; Sebastian gritou e com as costas da mão bateu no rosto de Jace. A boca de Jace se encheu com sangue salgado; ele engasgou enquanto os dois rolavam juntos pela terra, socando um ao outro.
Jace sentiu um súbito choque de gelo; eles tinham rolado na ligeira inclinação para o rio e estavam deitados meio dentro, meio fora da água. Sebastian arfou, e Jace aproveitou a oportunidade para agarrar a garganta do outro garoto e fechar sua mão ao redor dela, apertando. Sebastian arfou, segurando o pulso de Jace e sacudindo-o para trás, forte o suficiente para quebrar os ossos.
Jace se ouviu gritar como se à distância, e Sebastian pressionou a vantagem, girando o pulso quebrado impiedosamente até que Jace o largasse e caísse de costas na fria lama molhada, seu braço um uivo de agonia.
Meio ajoelhado sobre o peito de Jace, um joelho pressionando forte em suas costelas, Sebastian sorriu para ele. Seus olhos brilharam branco e pretos vindos de uma máscara de sujeira e sangue. Algo brilhou em sua mão direita. A adaga de Jace; ele deve tê-la pegado do chão. Sua ponta descansava diretamente sobre o coração de Jace.
— E nós nos encontramos exatamente onde estávamos cinco minutos atrás — Sebastian observou — você teve sua chance, Wayland. Algumas últimas palavras?
Jace encarou seu inimigo, sua boca correndo sangue, seus olhos ardendo com o suor, sentindo apenas uma sensação de total e vazia exaustão. Era assim que ele realmente iria morrer?
— Wayland? Você sabe que esse não é meu nome.
— Você tem tanto direito de reivindicá-lo tanto quanto o nome Morgenstern — Sebastian respondeu.
Ele se curvou a frente, inclinando seu peso na adaga. A adaga perfurou a pele de Jace, enviando uma quente punhalada de dor através de seu corpo. O rosto de Sebastian estava a centímetros de distância, sua voz um sibilante sussurro.
— Você realmente acha que é filho de Valentim? Realmente acha que uma coisa choramingante e patética como você era digno de seu um Morgenstern, de ser meu irmão? — Ele jogou seu cabelo branco para trás. Estava liso com suor e água do riacho. — Você foi trocado. Meu pai trucidou um corpo para te retirar e fazer de você uma de suas experiências. Ele tentou te criar como seu próprio filho, mas você era fraco demais para ser algo bom para ele. Você não podia ser um guerreiro. Não era nada. Inútil. Então ele te jogou fora, para os Lightwood e esperou que você pudesse ser de alguma utilidade para ele mais tarde, como uma isca. Ou um engodo. Ele nunca te amou.
Jace piscou, seus olhos queimando.
— Então você...
— Eu sou o filho de Valentim. Jonathan Christopher Morgenstern. Você nunca teve nenhum direito a este nome. Você é um fantasma. Um impostor.
Seus olhos estavam negros e cintilando, como as carapaças de insetos mortos, e de repente Jace ouviu a voz de mãe, como se em um sonho – mas ela não era sua mãe – dizendo Jonathan não é mais um bebê. Ele não é nem mesmo humano; ele é um monstro.
— É você — Jace sufocou — o com o sangue de demônio. Não eu.
— Isso mesmo — a adaga deslizou outro milímetro dentro da carne de Jace. Sebastian ainda estava rindo, mas era um sorriso contraído, como de uma caveira — você é o garoto anjo. Eu ouvi tudo sobre você. Com seu lindo rosto de anjo, suas lindas maneiras e sua delicadeza, delicados sentimentos. Você nem mesmo pôde assistir um pássaro morrer sem chorar. Não me admira que Valentim tinha vergonha de você.
— Não — Jace esqueceu o sangue em sua boca, esqueceu a dor — você é de quem ele estava envergonhado. Acha que ele não te levou com ele para o lago por que precisava que você ficasse aqui e abrisse o Portal à meia-noite? Como se ele não soubesse que você não seria capaz de esperar. Ele te não levou com ele porque estava com vergonha de comparecer em frente ao Anjo e mostrar a ele o que tinha feito. Mostrar a coisa que ele fez. Mostrar você.
Jace encarou Sebastian – ele podia sentir uma terrível, triunfante pena queimando em seus próprios olhos.
— Ele sabia que não há nada humano em você. Talvez ele te ame, mas te odeia também...
— Cale a boca!
Sebastian empurrou abaixo a adaga, girando o cabo. Jace arqueou para trás com um grito, e a agonia explodiu como um relâmpago atrás de seus olhos. Eu vou morrer,ele pensou. Eu estou morrendo. É isso. Ele se perguntou se seu coração já tinha sido perfurado. Sabia agora o que deveria ser uma borboleta pregada em uma tábua. Ele tentou falar, tentou dizer um nome, mas nada veio por sua boca, a não ser mais sangue. E ainda assim Sebastian pareceu ler o seus olhos.
— Clary. Eu tinha quase me esquecido. Você está apaixonado por ela, não está? A vergonha do seu indecente impulso incestuoso deve quase ter te matado. Que pena que você não sabia que ela não era realmente sua irmã. Você poderia ter passado o resto de sua vida com ela, se apenas não fosse tão estúpido.
Ele se inclinou, empurrando a faca com mais força, sua ponta friccionando o osso. Ele falou no ouvido de Jace, a voz tão suave quanto um sussurro.
— Ela amava você, também. Mantenha isso em mente enquanto você morre.
Escuridão inundou surgindo dos cantos da visão de Jace, como tinta derramada sobre uma fotografia, borrando a imagem. De repente, não havia nenhuma dor. Ele nada sentiu, nem mesmo o peso de Sebastian sobre ele, como se ele estivesse flutuando. O rosto de Sebastian foi levado pela correnteza acima dele, branco contra a escuridão, a adaga levantou-se em sua mão.
Alguma coisa ouro brilhante cintilou no pulso de Sebastian, como se ele estivesse usando uma pulseira. Mas aquilo não era uma pulseira, por que ela estava se movendo.
Sebastian olhou em direção a sua mão, surpreso, enquanto a adaga caía de seu desprendido aperto e acertava a lama com um som audível.
Então a mão por si mesma separou-se do seu pulso, batendo no terreno ao lado. Jace olhou espantado enquanto a mão cortada de Sebastian saltava e vinha descansar contra um par de botas altas. As botas estavam anexadas a um par de pernas delicadas, elevando para um esguio torso e um familiar rosto coberto com uma cascata de cabelos negros. Jace ergueu seus olhos e viu Isabelle, seu chicote embebido com sangue, seus olhos fixados sobre Sebastian, que estava olhando para o toco ensanguentado de seu pulso com a boca aberta em espanto.
Isabelle sorriu maldosamente.
— Isso foi por Max, seu bastardo.
— Cadela — Sebastian sibilou – e pulou para seus pés enquanto o chicote de Isabelle vinha retalhante com uma incrível velocidade.
Ele mergulhou de lado e se foi. Houve um farfalhar – ele deve ter desaparecido dentro das árvores, Jace pensou, embora sua dor fosse demais para ele virar sua cabeça e olhar.
— Jace!
Isabelle se ajoelhou perto dele, sua estela brilhando na mão esquerda. Seus olhos estavam brilhantes com lágrimas; ele devia estar bem ruim, Jace notou, para Isabelle olhar assim.
— Isabelle — ele tentou dizer.
Ele queria dizer para ela ir, para correr, que não importasse o quanto espetacular, corajosa e talentosa ela era – e ela era todas as coisas – ela não era páreo para Sebastian. E não havia nenhum modo que Sebastian iria deixar uma pequena coisa como sua mão cortada fora, pará-lo. Mas tudo o que veio pela boca de Jace foi uma espécie de ruído gorgolejante.
— Não fale — ele sentiu a ponta da estela queimar contra a pele de seu peito — você vai ficar bem — Isabelle sorriu tremulamente para ele — você provavelmente está se perguntando o que diabos estou fazendo aqui. Eu não sei o quanto você sabe – eu não sei o que Sebastian disse a você – mas você não é filho de Valentim.
A iratze estava quase terminada; Jace já podia sentir a dor desaparecendo. Ele acenou ligeiramente, tentando dizer a ela: Eu sei.
— À propósito, eu não estava vindo procurar depois que você escapou, porque você disse no seu bilhete para não o fazer, e eu entendi isso. Mas não havia jeito de eu deixar você morrer pensando que tem sangue de demônio, ou sem te dizer que não há nada de errado com você, apesar de honestamente, como você poderia ter pensado algo tão estúpido em primeiro lugar...
A mão de Isabelle tremeu, e ela congelou, não querendo estragar a runa.
— E você precisava saber que Clary não é sua irmã — ela continuou, mais gentilmente — porque... porque você precisava. Então eu fiz Magnus me ajudar a te rastrear. Eu usei aquele soldadinho de madeira que você deu para Max. Não achei que Magnus teria feito isso normalmente, mas vamos apenas dizer que ele estava em umextraordinariamente bom humor, e eu podia ter dito a ele que Alec queria que ele fizesse isso – ainda que não fosse estritamente a verdade, mas seria um momento antes que ele descobrisse que sai. E uma vez que eu sabia onde você estava, bem, ele já tinha criado esse Portal, e eu sou muito boa em escapulir...
Isabelle gritou.
Jace tentou se aproximar dela, mas ela estava além de seu alcance, sendo levantada, arremessada para o lado. Seu chicote caiu da mão. Ela se arrastou para seus joelhos, mas Sebastian já estava na frente dela. Seus olhos queimando com fúria, e havia um tecido amarrado na ponta de seu pulso. Isabelle se lançou para seu chicote, mas Sebastian se moveu mais rápido. Ele girou e chutou-a forte. Sua bota se conectou com a costela. Jace pensou que quase pôde ouvir o estalo das costelas de Isabelle enquanto ela voava para trás, aterrissando sem jeito. Ele a ouviu gritar – Isabelle, que nunca tinha gritado em dor – enquanto Sebastian a chutava de novo e então apanhou o chicote dela, brandindo-o em sua mão.
Jace rolou de lado. A quase terminada iratze tinha ajudado, mas a dor em seu peito ainda era ainda ruim, e ele sabia, em uma espécie de forma desligada, que o fato de ele estar tossindo sangue provavelmente significava que ele tinha um pulmão perfurado. Ele não tinha certeza de quanto tempo tinha. Minutos, provavelmente.
Agarrou a adaga onde Sebastian tinha largado-a, próxima aos restos macabros de sua mão. Jace ficou de pé. O cheiro de sangue estava em todo lugar. Ele pensou na visão de Magnus, o mundo tornando-se sangue, e sua mão escorregadia apertou sobre o cabo da adaga.
Ele deu um passo a frente. E então outro. Cada passo parecia como se ele estivesse arrastando seus pés através de cimento. Isabelle estava gritando maldições para Sebastian, que estava rindo enquanto ele trazia seu chicote abaixo pelo corpo dela. Seus gritos puxavam Jace a frente como um peixe preso num anzol, mas eles ficavam mais fracos enquanto ele se movia. O mundo estava girando ao redor dele como um brinquedo de parque.
Mais um passo, Jace disse a si mesmo. Mais um.
Sebastian estava de costas para ele; estava concentrado em Isabelle. Ele provavelmente pensava que Jace já estava morto. E ele quase estava.
Um passo, disse a si mesmo, mas ele não podia fazê-lo, não podia se mover, não podia se induzir a arrastar seus pés mais a frente. Escuridão estava correndo nos cantos de sua visão – uma escuridão mais profunda do que a escuridão do sono. Uma escuridão que ia apagar tudo o que ele estava vendo e levá-lo a um descanso que seria absoluto. Paz.
Ele pensou, de repente, em Clary... Clary como ele tinha visto pela última vez, dormindo, com seu cabelo espalhado por sobre todo o travesseiro e a bochecha sobre sua mão. Ele tinha pensado então que nunca tinha visto nada tão em paz em sua vida, mas é claro que ela só tinha estado dormindo, como qualquer um poderia dormir. E não tinha sido a paz dela que o tinha surpreendido, mas a sua própria. A paz que ele sentia de estar com ela não era nada que ele tinha conhecido antes.
Dor abalou sua espinha, e ele notou com surpresa que de algum modo, sem nenhuma vontade própria, suas pernas tinham se movido no último passo crucial.
Sebastian tinha seu braço para trás, o chicote brilhando em sua mão; Isabelle estava deitada sobre a grama, um monte amarrotado, não mais gritando – não mais se movendo.
— Sua cadelinha Lightwood — Sebastian estava dizendo — eu deveria ter esmagado sua cara com aquele martelo quando tive a chance...
E Jace trouxe sua mão acima, com a adaga nela, e afundou a lâmina nas costas de Sebastian.
Sebastian tropeçou, o chicote caindo de sua mão. Ele se virou lentamente e olhou para Jace, e Jace pensou, com um distante horror, que talvez Sebastian realmente não fosse humano, que não era capaz de ser morto depois de tudo. O rosto de Sebastian estava em branco, a hostilidade tinha ido dele, o fogo escuro em seus olhos. Ele não parecia mais como Valentim, apesar de tudo. Ele pareceu... assustado.
Ele abriu sua boca, como se quisesse dizer algo para Jace, mas seus joelhos já estavam desmoronando. Ele caiu no chão, a força de sua queda enviou-o deslizando abaixo na inclinação para o rio. Ele veio descansar sobre seus pés, seus olhos fitando cegamente o céu; a água corria ao redor dele, carregando faixas escuras de seu sangue correnteza abaixo.
Ele me ensinou que há um lugar nas costas de um homem que se você enfiar uma lâmina, pode perfurar seu coração e decepar sua espinha, tudo de uma vez, Sebastian tinha dito. Acho que nós ganhamos o mesmo presente de aniversário aquele ano, irmão, Jace pensou. Não ganhamos?
— Jace! — Era Isabelle, seu rosto ensaguentado, lutando para uma posição sentada. — Jace!
Ele tentou se virar na direção dela, tentou dizer alguma coisa, mas suas palavras se foram. Ele deslizou para seus joelhos. Um forte peso estava pressionando sobre seus ombros, e a terra estava chamando por ele, puxando para baixo, baixo, baixo. Ele mal estava consciente de Isabelle gritando seu nome enquanto a escuridão o carregava para longe.

***

Simon era um veterano de incontáveis batalhas. Quer dizer, se você contasse as batalhas empenhadas enquanto jogava Dungeons and Dragons. Seu amigo Eric era um fanático por história militar e era ele quem geralmente organizava a parte das guerras nos jogos, o que envolvia dezenas de minúsculo bonequinhos que se moviam em linha reta através de uma paisagem plana desenhada sobre papel corrido. Aquele era o jeito que ele sempre tinha pensado de batalhas – ou o jeito que elas eram nos filmes, com dois grupos em pessoas avançando umas contra as outras, através de uma plana extensão de terra. Linhas retas e ordenadamente em progressão.
Não era nada como aquilo.
Era o caos, uma luta de gritos e movimentos, e a paisagem não era plana, mas uma massa de lama e sangue agitada em um espesso e instável grude.
Simon tinha imaginado que as Crianças da Noite estariam caminhando para o campo de batalha e seriam saudados por alguém no comando; imaginou que ele veria a batalha a uma distância primeiro e seria capaz de observar enquanto os dois lados iam ao encontro de um contra o outro. Mas não houve saudação, e não haviam lados. A batalha se agigantava fora da escuridão como se ele tivesse se desviado por acidente de um lado deserto da rua em um tumulto no meio da Times Square – subitamente haviam multidões agitando-se ao redor dele, mãos o agarrando, empurrando-o para fora do caminho, e os vampiros estavam se espalhando, mergulhando dentro da batalha sem sequer um olhar para ele.
E lá estavam os demônios – demônios por toda parte, e ele nunca tinha imaginado a espécie de sons que eles podiam fazer, os gritos, assovios e rosnares, e o que era pior, os sons de rasgar, triturar e faminta satisfação. Simon desejou que ele pudesse desligar sua audição vampira, mas ele não podia, e os sons eram como facas picando em seus tímpanos.
Ele tropeçou num corpo deitado meio dentro e meio fora da lama, virou para ver se ajuda era necessária e viu que o Caçador de Sombras aos seus pés estava partido dos ombros para cima. Osso branco fulgiu contra a terra escura, e apesar da natureza vampira de Simon, ele se sentiu nauseado.
Eu devo ser o único vampiro no mundo enjoado pela visão de sangue, ele pensou, e então algo bateu forte por trás e ele caiu, escorregando numa ladeira de lama em um buraco.
Simon não era o único corpo lá embaixo. Ele rolou de costas justo quando um demônio aproximou-se sobre ele. Parecia como a imagem da morte vinda de uma xilogravura medieval – um esqueleto animado, um machado ensanguentado agarrado em uma mão ossuda. Simon se atirou para o lado enquanto a lâmina descia, a centímetros de seu rosto. O esqueleto fez um ruído desapontado sibilante e suspendeu o machado de novo... E foi atingido de lado por um taco de madeira. O esqueleto explodiu como uma piñata recheada com ossos. Eles chacoalharam em pedaços com um som como castanholas batendo antes de desaparecer na escuridão.
Um Caçador de Sombras estava de pé perto de Simon. Não era um que ele tinha visto antes. Um homem alto, barbudo e salpicado de sangue, que correu uma mão sobre sua testa enquanto olhava abaixo para Simon, deixando uma faixa escura atrás.
— Você está bem?
Atordoado, Simon acenou e começou a se arrastar para seus pés.
— Obrigado.
O estranho se inclinou abaixo, oferecendo uma mão para ajudar Simon a se levantar. Simon aceitou – e saiu voando do buraco. Ele aterrissou na borda em seus pés, derrapando sobre a lama molhada. O estranho ofereceu um sorriso tímido.
— Desculpe. Força de Ser do Submundo – meu parceiro é um lobisomem. Eu não estou acostumado a isso — ele espreitou o rosto de Simon — você é um vampiro, não é?
— Como você sabe?
O homem sorriu. E foi um tipo de sorriso cansado, mas não havia nada de não amigável nele.
— Suas presas. Elas saem quando você está lutando. Eu sei porque...
Ele se interrompeu. Simon podia ter preenchido o resto para ele: eu sei porque eu matei uma boa série de vampiros.
— De qualquer modo, obrigado. Por lutar conosco.
— Eu... — Simon estava prestes a dizer que ele não tinha exatamente lutado ainda.
Ou contribuído com alguma coisa, realmente. Ele se virou para dizer, e depois que exatamente uma palavra saiu de sua boca, algo impossivelmente enorme, com garras e asas esfarrapadas – desceu do céu e cravou suas garras nas costas do Caçador de Sombras.
O homem nem mesmo gritou. Sua cabeça caiu para trás, como se ele estivesse olhando em surpresa, se perguntando o que tinha segurado-o – e então ele se foi, chicoteando acima no vazio céu negro em um chiar de dentes e asas. Seu bastão bateu no chão aos pés de Simon.
Simon não se moveu. A coisa toda, do momento em que ele tinha caído dentro do buraco, tinha levado menos do que um minuto. Ele se virou entorpecidamente, olhando ao redor para as espadas girando através da escuridão, para as penetrantes garras dos demônios, os pontos de iluminação que corriam aqui e ali através da escuridão como vagalumes se lançando através das folhagens – e então ele percebeu o que eram. As luzes brilhantes eram lâminas serafim.
Ele não podia ver os Lightwood, ou os Penhallow, ou Luke, ou qualquer um que pudesse reconhecer. Ele não era um Caçador de Sombras. E ainda assim um homem tinha agradecido a ele, agradecido por lutar. O que ele tinha dito a Clary era verdade – esta também era sua batalha, e ele era necessário aqui. Não o Simon humano, que era gentil, geeky e odiava a visão de sangue, mas o vampiro Simon, uma criatura que nem ele mesmo mal conhecia.
Vampiros de verdade sabem que estão mortos, Raphael tinha dito. Mas Simon não se sentia morto. Ele nunca sentiu mais vivo. Ele se virou enquanto um demônio se agigantava a sua frente: este era uma coisa lagarto, escamoso, com dentes de roedor. Ele se arrastou sobre Simon com as garras pretas estendidas.
Simon saltou. Ele atingiu a lateral sólida da coisa e se agarrou, suas unhas cavando dentro, as escamas cedendo sob seu aperto. A marca em sua testa pulsou enquanto ele afundava suas presas dentro do pescoço do demônio.
Seu gosto horrível.

***

Quando o vidro parou de cair, havia um buraco no teto com vários metros de largura, como se um meteoro tivesse colidido ali. O ar frio soprou através da lacuna. Tremendo, Clary ficou de pé, limpando o pó de vidro de suas roupas.
A luz de bruxa que tinha iluminado o salão tinha se extinguido: estava escuro lá dentro agora, espesso com sombras e poeira. A fraca iluminação do Portal desaparecendo na praça era apenas visível, brilhante através das portas da frente abertas.
Provavelmente não é mais seguro ficar aqui, Clary pensou. Ela deveria ir para os Penhallow e se juntar a Aline.
Estava a meio caminho no Salão quando passos soaram no piso de mármore. Com o coração golpeando, ela se virou e viu Malachi, uma longa sombra na meia luz, caminhando em direção à plataforma. Mas o que é que ele ainda está fazendo aqui? Ele não deveria estar com o resto dos Caçadores de Sombras no campo de batalha?
Enquanto ele se aproximava da plataforma, ela notou algo que a fez pôr a mão sobre sua boca, sufocando um grito de surpresa. Havia uma forma escura arqueada empoleirada sobre o ombro de Malachi. Um pássaro. Um corvo, para ser exata.
Hugo.
Clary mergulhou para se abaixar atrás de um pilar enquanto Malachi subia os degraus da plataforma. Havia algo inequivocamente furtivo no modo como ele olhava de um lado para o outro. Aparentemente contente por não estar sendo observado, ele puxou algo pequeno e brilhante de seu bolso e deslizou ele para seu dedo. Um anel? Ele o tocou e girou, e Clary se lembrou de Hodge na biblioteca do Instituto, pegando o anel da mão de Jace.
O ar em frente à Malachi tremulou fracamente, como se com o calor. Uma voz falou vinda dele, uma voz familiar, fria e culta, agora tocada com um fraco aborrecimento.
— O que é, Malachi? Eu não estou com bom humor para conversinhas agora.
— Meu senhor Valentim — Malachi disse. Sua costumeira hostilidade tinha sido trocada por uma pegajosa adulação — Hugin me visitou um momento atrás, trazendo novidades. Presumi que você já alcançou o Espelho, e então ele me procurou. Eu achei que você deveria querer saber.
O tom de Valentim foi agudo.
— Muito bem. Quais as novidades?
— É seu filho, senhor. Seu outro filho. Hugin o localizou no vale para a caverna. Ele pode até ter te seguido através dos túneis para o lago.
Clary agarrou o pilar com dedos embranquecidos. Eles estavam falando sobre Jace.
Valentim rosnou.
— Ele encontrou seu irmão lá?
— Hugin disse que deixou os dois lutando.
Clary sentiu seu estômago revirar. Jace, lutando com Sebastian? Ela pensou no modo que Sebastian tinha levantado Jace na Garde e o lançado como se ele não pesasse nada. Uma onda de pânico agitou sobre ela, tão intensa que por um momento seus ouvidos zumbiram. No momento a sala nadou fora do foco, ela tinha perdido o que Valentim tivesse dito a Malachi em retorno.
— São velhos o suficiente para serem marcados, mas não velhos o suficiente para lutar, que me preocupam — Malachi estava dizendo agora — eles não votam na decisão do Conselho. Parece injusto puni-los do mesmo modo que aqueles que estão lutando.
— Eu considerei isso — a voz de Valentim era um retumbar baixo — já que adolescentes são mais superficialmente marcados, leva a eles mais tempo para se tornarem Esquecidos. Vários dias, pelo menos. Acredito que isso pode também ser reversível.
— Enquanto aqueles de nós que tiverem bebido do Cálice Mortal permanecerão totalmente não afetados?
— Eu estou ocupado, Malachi. Eu disse que você estará a salvo. Estou confiando minha própria vida para este processo. Tenha alguma fé.
Malachi curvou sua cabeça.
— Eu tenho muita fé, meu senhor. Tenho mantido-a há anos, em silêncio, servindo-o sempre.
— E você será recompensado — Valentim disse.
Malachi olhou acima.
— Meu senhor...
Mas o ar tinha parado de tremular. Valentim tinha partido. Malachi franziu as sobrancelhas, então marchou descendo os degraus da plataforma e em direção às portas da frente. Clary se encolheu contra o pilar, desesperadamente esperando que ele não pudesse vê-la.
Seu coração estava golpeando. O que tinha sido tudo aquilo? O que era tudo isso sobre os Esquecidos? A resposta surgiu no canto de sua mente, mas ela parecia tão horrível para se ponderar. Mesmo Valentim não seria...
Então algo voou para seu rosto, uma forma escura. Ela mal teve tempo de erguer seus braços para cobrir seus olhos quando alguma coisa retalhou as costas de suas mãos. Ela ouviu um feroz crocitar, e asas batendo contra seus punhos levantados.
— Hugin! Chega! — Era a voz acentuada de Malachi. — Hugin!
Houve um outro crocitar e uma pancada, e então silêncio. Clary baixou seus braços e viu o corvo deitado imóvel aos pés do Cônsul – desmaiado ou morto, ela não podia dizer. Com um resmungo, Malachi chutou o corvo selvagemente para fora de seu caminho e caminhou em direção a Clary, irritado. Ele a segurou pelo seu punho sangrando e a levantou a seus pés.
— Garota estúpida — ele disse — quanto tempo você esteve ouvindo?
— Tempo suficiente para saber que você é um do Círculo — ela cuspiu, torcendo o pulso do aperto dele, mas ele segurava firme — você está do lado de Valentim.
— Só há um lado — a voz veio em um assobio — a Clave é tola, desgovernada, estimulada por meio-humanos e monstros. Tudo o que eu quero é algo puro, devolver a sua antiga glória. Uma meta que você acharia que cada Caçador de Sombras teria aprovado, mas não... eles ouvem os tolos e amantes de demônios com você e Lucian Graymark. E agora você enviou os mais nobres Nephilim para morrer nesta ridícula batalha – um gesto vazio que não dará em nada. Valentim já começou o ritual; logo o Anjo irá se elevar, e então os Nephilim se tornarão Esquecidos. Só estarão a salvo aqueles sob a proteção de Valentim...
— Isso é assassinato! Ele está assassinando Caçadores de Sombras!
— Não assassinando — o Cônsul disse. Sua voz tinia com uma paixão fanática — limpando. Valentim fará um novo mundo de Caçadores de Sombras, um mundo purificado da fraqueza e corrupção.
— Fraqueza e corrupção não estão no mundo — Clary rebateu — estão naspessoas. E sempre estarão. O mundo precisa de pessoas boas para equilibrá-lo. E vocês estão planejando matar todas elas.
Ele olhou para Clary por um momento com honesta surpresa, como se estivesse espantado com a força em seu tom.
— Bonitas palavras vindas de uma garota que traiu seu próprio pai.
Malachi se jogou em direção a ela, puxando brutalmente em seu pulso.
— Talvez nós devamos ver o quanto Valentim se importaria de ver se eu ensinasse a você...
Mas Clary nunca soube o que ele queria ensinar a ela. Uma forma escura se lançou entre eles – asas ampliadas e garras estendidas. O corvo atingiu Malachi com a ponta de uma garra, rasgando um sangrento talho através de sua face. Com um grito, o Cônsul soltou Clary e levantou seus braços, mas Hugo tinha circulado de volta e estava retalhando-o cruelmente com bico e garras. Malachi tropeçou para trás, braços se debatendo, até que ele atingiu o canto de um banco, com força. Ele caiu desequilibrado, se esparramando depois com um grito estrangulado – rapidamente cortado.
Clary correu para onde Malachi estava dobrado sobre o piso de mármore, um circulo de sangue já se reunindo ao redor dele. Ele tinha aterrissado em uma pilha de vidro do teto quebrado, e um dos cacos recortados tinha perfurado sua garganta.
Hugo ainda estava pairando no ar, circulando o corpo de Malachi. Ele deu um triunfante crocitar enquanto Clary olhava para ele – aparentemente, ele não tinha apreciado os chutes e golpes. Malachi deveria ter sabido melhor ao atacar uma das criaturas de Valentim, Clary pensou azedamente. O pássaro não era mais clemente do que seu mestre.
Mas não havia tempo para pensar em Malachi agora. Alec tinha dito que havia barreiras ao redor do lago, e que se alguém passasse em um Portal lá, um alarme seria disparado.
Valentim provavelmente já estava no espelho – não havia tempo a perder. Impelindo-se lentamente para longe do corvo, Clary se virou e se lançou em direção às portas da frente do Salão e para o Portal além.

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