Capítulo 4 - A Arte dos Oito Membros

Aqui está conservada a ânsia de grandes
corações e coisas nobres que ascenderam acima da
maré, a palavra mágica essa maravilha alada
começa, a sabedoria acumulada que nunca morre.

As palavras estavam gravadas nas portas da frente da Biblioteca Pública do Brooklyn no Grand Army Plaza. Simon estava sentado nos degraus da frente, olhando para a fachada. As inscrições brilhavam contra a pedra em um dourado embotado, cada palavra brilhando em momentânea vida quando os faróis dos carros refletiam.
A biblioteca sempre tinha sido um dos seus lugares favoritos quando era criança. Havia uma entrada separada para crianças na lateral, e lá ele encontrava Clary todos os sábados, durante anos. Eles escolhiam uma pilha de livros e iam para o Jardim Botânico, onde podiam ler por horas, estendidos na grama, o som do tráfego um constante zumbido a distância.
Como tinha terminado ali naquela noite, ele não sabia. Afastou-se de casa tão rápido quanto pôde, só para perceber que não tinha lugar para ir. Não ousava ir para a casa de Clary – ela ficaria horrorizada com o que ele fez, e desejaria que ele voltasse para consertar. Eric e os outros caras não entenderiam. Jace não gostava dele, e, além disso, ele não podia ir para o Instituto. Era uma igreja, e a razão dos Nephilim viverem lá, em primeiro lugar, era precisamente para manter criaturas como ele fora.
Eventualmente, percebeu a quem poderia ligar, mas o pensamento foi desagradável o suficiente e ele levou certo tempo para tomar coragem.
Simon escutou a moto antes de a vir, o alto rugido do motor cortando os sons do leve tráfego na Grand Army Plaza. A moto inclinou-se na curva e subiu na calçada, então se empinou e se atirou nos degraus. Simon se moveu para o lado enquanto ela aterrissava levemente ao seu lado e Raphael soltava o guidão.
A moto ficou instantaneamente quieta. Motos vampiras eram abastecidas por espíritos demoníacos e respondiam como bichos de estimação aos desejos de seus donos. Simon as achava aterrorizantes.
— Você queria me ver, Diurno? — Raphael, tão elegante como sempre em uma jaqueta preta e jeans parecendo caros, desmontou e inclinou sua moto contra o corrimão da biblioteca. — É melhor que seja bom. Não percorri por nada todo o caminho até o Brooklyn. Raphael Santiago não pertence a um subúrbio.
— Ah, bom. Você está começando a falar de si mesmo na terceira pessoa. Esse não é um sinal de megalomania iminente ou algo assim.
Raphael encolheu os ombros.
— Você também pode me dizer o que quer, ou eu partirei. É com você — ele olhou para seu relógio — você tem trinta segundos.
— Eu disse a minha mãe que sou um vampiro.
As sobrancelhas de Raphael se ergueram. Elas eram muito finas e escuras. Em momentos menos generosos, Simon às vezes se perguntava se elas eram pintadas.
— E o que aconteceu?
— Ela me chamou de monstro e tentou me exorcizar.
A lembrança fez o gosto amargo de sangue antigo subir na garganta de Simon.
— E então?
— E então eu não tenho certeza do que aconteceu. Comecei a falar com ela em uma voz realmente estranha, calma, dizendo a ela que nada aconteceu e que tudo era um sonho.
— E ela acreditou em você.
— Ela acreditou em mim — Simon confirmou, relutante.
— É claro que ela acreditou. Porque você é um vampiro. Esse é um poder que nós temos. O encanto. A fascinação. O poder de persuasão, você chamaria. Você pode convencer mundanos de quase qualquer coisa, se aprender como usar a habilidade corretamente.
— Mas eu não queria usar isso nela. Ela é minha mãe. Tem algum jeito de tirar isso... algum modo de consertar?
— Consertar para que ela te odeie de novo? Para que ela pense que você é um monstro? Esta é uma estranha definição de conserto.
— Eu não me importo. Há um jeito?
— Não — Raphael respondeu contente — não há. Você saberia sobre tudo isso, é claro, se não desdenhasse tanto a sua própria espécie.
— Tudo bem. Aja como se eu rejeitasse vocês. Não é como se você tentasse me matar ou algo assim.
Raphael deu de ombros.
— Aquilo foi política. Nada pessoal.
Ele se inclinou contra o corrimão e cruzou os braços sobre o peito. Estava usando luvas pretas de motociclista. Simon teve que admitir que ele parecia bem legal.
— Por favor, me diga que você não me trouxe aqui para poder me contar uma estória muito chata sobre sua irmã.
— Minha mãe — Simon corrigiu.
Raphael acenou uma mão desdenhosa.
— Tanto faz. Alguma mulher em sua vida te rejeitou. Essa não será a última vez, posso te dizer. Por que você está me incomodando a respeito disso?
— Queria saber se eu poderia ir e ficar no Dumort — Simon disse, botando as palavras para fora tão rápido que não poderia voltar atrás.
Ele mal podia acreditar no que estava pedindo. Suas memórias do hotel vampiro eram memórias de sangue, terror e dor. Mas era um lugar para ir, um lugar onde ninguém o olharia, e então não teria que ir para casa. Ele era um vampiro. Era estúpido estar com medo de um hotel cheio de outros vampiros.
— Não tenho outro lugar para ir.
Os olhos de Raphael cintilaram.
— Aha — ele disse, com um leve triunfo que Simon, particularmente, não gostou — agora você quer algo de mim.
— Suponho que sim. Embora seja esquisito que você esteja tão animado sobre isso, Raphael.
Raphael bufou.
— Se você quer ficar no Dumort, não se dirigirá a mim como Raphael, mas como Mestre, Majestade ou Grande Líder.
Simon se retesou.
— E quanto a Camille?
Raphael continuou.
— O que você quer dizer?
— Você sempre me disse que não era realmente o líder dos vampiros — Simon comentou brandamente — então, em Idris, você me contou que era alguém chamado Camille. Você disse que ela não tinha voltado para Nova York ainda. Mas, presumo, quando voltar, ela será a mestra, ou algo assim?
O olhar de Raphael escureceu.
— Não acho que gosto da sua linha de questionamento, Diurno.
— Eu tenho o direito de saber das coisas.
— Não. Você não tem. Você vem a mim, me perguntando se pode ficar em meu hotel porque não tem nenhum outro lugar para ir. Não por que você deseja estar com outros de sua espécie. Você nos evita.
— Algo que, como já apontei, tem a ver com a época que você tentou me matar.
— O Dumort não é uma casa provisória para vampiros relutantes — Raphael continuou — você vive entre humanos, anda a luz do dia, toca em sua banda estúpida – sim, não pense que eu não sei sobre isso. Em todos os sentidos você não aceita realmente o que é. E enquanto isso for verdade, você não é bem-vindo ao Dumort.
Simon se lembrou de Camille. No momento que seus seguidores virem que você está comigo, eles o deixaram e virão para mim. Eu acredito que eles são leais a mim, sob o temor dele. Uma vez que nos virem juntos, esse temor desaparecerá, e eles virão para o nosso lado.
— Sabe, eu tive outras ofertas — Simon falou.
Raphael olhou para ele como se ele estivesse louco.
— Ofertas de quê?
— Só... ofertas — Simon disse debilmente.
— Você é horrível em política, Simon Lewis. Sugiro que você não tente de novo.
— Ótimo. Eu vim aqui para lhe dizer algo, mas agora não vou.
— Eu suponho que você também vai jogar fora o presente de aniversário que trouxe para mim — Raphael rebateu — isso tudo é muito trágico.
Ele apanhou sua moto e jogou uma perna sobre ela, enquanto o motor voltava à vida. Faíscas vermelhas voaram do cano do escapamento.
— Se você me incomodar de novo, Diurno, é melhor que seja por uma boa razão. Ou eu não serei indulgente.
E, com isso, a moto foi para frente e acima. Simon virou sua cabeça para olhar enquanto Raphael, como o anjo de mesmo nome, voava para o céu deixando um rastro de fogo.

***

Clary sentou-se com seu caderno de desenho sobre os joelhos e roeu a ponta de seu lápis pensativamente. Ela tinha desenhado Jace dezenas de vezes – achava que essa era sua versão de escrita da maioria das garotas sobre seus namorados em seus diários – mas ela nunca pareceu ser capaz de captá-lo exatamente. Era quase impossível fazê-lo ficar imóvel, então ela achou que agora, enquanto ele estava dormindo, seria perfeito – mas ainda não estava saindo do modo que ela queria. Simplesmente não parecia com ele.
Ela lançou o caderno de rascunhos sobre o cobertor com um suspiro de exasperação e puxou seus joelhos para cima, olhando-o de cima. Não tinha esperado que ele caísse no sono. Eles tinham ido ao Central Park para almoçar e treinar lá fora, enquanto o tempo ainda estava bom.
Tinham feito uma daquelas coisas. As embalagens do Taki estavam na grama ao lado do cobertor. Jace não tinha comido muito, mexendo no yakissoba com gergelim em um padrão incoerente antes de colocá-la de lado e se arremessar sobre o cobertor, olhando para o céu.
Clary sentou-se olhando para ele, o modo que as nuvens refletiam em seus olhos claros, o contorno dos músculos nos braços cruzados atrás de sua cabeça, a faixa de pele perfeita revelada entre a bainha de sua camiseta e o cós de seus jeans. Ela desejou estender-se e deslizar a mão ao longo de sua barriga lisa. Ao invés disso ela desviou seus olhos, buscando seu caderno de desenho. Quando se voltou, lápis na mão, os olhos dele estavam fechados e sua respiração suave e nivelada.
Estava agora no terceiro esboço de sua ilustração, e não havia nem de perto um desenho que a satisfizesse. Olhando para ele agora, ela se perguntou, por que, por Deus, ela não podia desenhá-lo.
A luz era perfeita. A suave luz de outubro brilhava dourada em seu cabelo e pele já dourados. Seus cílios fechados eram levemente mais escuros do que seu cabelo. Uma de suas mãos estava cobrindo frouxamente seu peito, a outra aberta a seu lado. Seu rosto estava relaxado e vulnerável, era difícil capturar os traços dele desse modo. Parecia... estranho.
Naquele preciso momento, ele se mexeu. Ele tinha começado a fazer pequenos sons arfantes em seu sono, seus olhos mexendo-se de um lado para outro por trás duas pálpebras. Sua mão sacudiu, apertando o seu peito, e ele se sentou tão subitamente que quase bateu em Clary.
Os olhos de Jace se arregalaram. Por um momento ele pareceu pasmo; ele tinha ficado assustadoramente pálido.
— Jace? — Clary não pôde esconder sua surpresa.
Os olhos dele se focaram nela. Um momento depois ele a tinha puxado sem nenhuma de sua habitual gentileza; a puxou para seu colo e a beijou impetuosamente, as mãos em seu cabelo.
Ela podia sentir o martelar do coração dele com o dela, e sentiu suas bochechas corarem. Eles estavam em um parque público, pensou, e as pessoas provavelmente estavam olhando.
— Whoa — ele disse, se afastando, seus lábios curvados em um sorriso — desculpe-me. Provavelmente você não estava esperando por isso.
— Foi uma bela surpresa — sua voz soava baixa e rouca aos seus próprios ouvidos — sobre o que você estava sonhando?
— Você — ele torceu um cacho de seu cabelo ruivo ao redor do dedo — eu sempre sonho com você.
Clary, ainda apoiada no colo dele, rebateu:
— Ah, é? Por que achei que você estava tendo um pesadelo.
Ele inclinou sua cabeça para trás para olhar para ela.
— Às vezes eu sonho que você se foi. Fico imaginando quando você perceberá quão melhor poderia estar se me deixar.
Ela tocou seu rosto com as pontas dos dedos, delicadamente correndo-os na superfície de suas maçãs do rosto, para a curva de sua boca. Jace nunca disse coisas como aquela a mais ninguém, a não ser ela. Alec e Isabelle sabiam, por viver com ele e amá-lo, que por baixo daquela armadura protetora de humor e pretensa arrogância, os fragmentos afiados de memória e infância ainda o rasgavam. Mas Clary era a única a quem ele dizia as palavras em voz alta. Ela sacudiu a cabeça e seu cabelo caiu na testa. Ela o puxou impaciente.
— Eu gostaria de poder dizer as coisas do modo como você. Tudo o que você diz, as palavras que escolhe, são tão perfeitas. Sempre acha a citação certa, ou a coisa certa a se dizer para me fazer acreditar que você me ama. Se eu não posso convencer você que eu nunca vou te deixar...
Ele segurou a mão dela.
— Apenas diga isso de novo.
— Eu nunca vou te deixar — ela repetiu.
— Não importa o que acontecer, o que eu faça?
— Eu nunca desistirei de você. Nunca. O que eu sinto por você... — ela tropeçou nas palavras — é a coisa mais importante que eu já senti.
Droga, ela pensou. Aquilo soava completamente estúpido. Mas Jace não pareceu pensar assim. Ele sorriu melancólico.
— L’amor che move il sole e l’altre stelle.
— Isso é latim?
— Italiano — ele respondeu — Dante.
Clary correu a ponta de seus dedos sobre os lábios dele, e ele estremeceu.
— Eu não falo italiano — ela observou, muito suavemente.
— Significa que o amor é a força mais poderosa no mundo. Que o amor pode fazer qualquer coisa.
Ela puxou a mão da dele, alerta de que enquanto fazia isso, Jace a estava observando através de seus olhos semicerrados. Ela fechou suas mãos ao redor da nuca dele, se inclinou para frente e tocou os lábios dele com os dela – não um beijo, desta vez, só um roçar de lábios contra o outro.
Foi o suficiente. Clary sentiu o pulso dele acelerar, e Jace se inclinou para frente, tentando capturar sua boca, mas ela balançou a cabeça, sacudindo o cabelo ao redor deles como uma cortina que os esconderia dos olhos de todos os outros no parque.
— Se você está cansado, nós poderíamos voltar para o Instituto — ela disse em um meio sussurro — tirar um cochilo. Nós não dormimos juntos na mesma cama desde... desde Idris.
Seus olhares se prenderam, e ela sabia que ele estava se lembrando da mesma coisa. A luz pálida filtrando através da janela do pequeno quarto de hóspedes de Amatis, o desespero na voz de Jace. Eu só quero deitar com você e acordar com você, apenas uma vez, uma em minha vida. Aquela noite inteira, deitados lado a lado, apenas suas mãos se tocando.
Eles tinham se tocado muito mais desde aquela noite, mas nunca tinham passado a noite juntos. Jace sabia também que ela estava oferecendo mais do que um cochilo em um dos quartos não utilizados no Instituto. Ela tinha certeza que ele podia ver isso em seus olhos – mesmo que por si própria não soubesse exatamente o quanto estava oferecendo. Mas não importava. Jace nunca pediria nada que ela não quisesse dar.
— Eu quero — o calor que ela viu nos olhos dele, a instabilidade em sua voz, disse a ela que ele não estava mentindo — mas... nós não podemos — ele olhou firme para os pulsos dela, e os trouxe abaixo, segurando suas mãos entre eles, fazendo uma barreira.
Os olhos de Clary se arregalaram.
— Por que não?
Ele tomou fôlego.
— Nós viemos aqui para treinar, e devemos treinar. Se vamos namorar todo o tempo em que deveríamos estar supostamente treinando, vão proibir que eu a treine.
— De qualquer modo, eles não vão contratar outra pessoa para me treinar o tempo inteiro?
— Sim — ele respondeu, levantando-se e a puxando com ele — e eu estou preocupado em você pegar o hábito de namorar seus instrutores. Você terá problemas namorando-o também.
— Não seja machista. Eles podem achar uma instrutora para mim.
— Nesse caso você tem minha permissão de namorá-la, desde que eu possa olhar.
— Legal — Clary sorriu, se curvando para dobrar o cobertor que eles tinham trazido para se sentar — você só está preocupado de eles contratarem um instrutor e ele ser mais gostoso do que você.
As sobrancelhas de Jace subiram.
— Mais gostoso do que eu?
— Poderia acontecer — Clary confirmou — sabe, teoricamente?
— Teoricamente, o planeta poderia de repente rachar no meio, me deixando de um lado e você do outro, para sempre e tragicamente separados, mas eu não estou preocupado sobre isso também. Algumas coisas — Jace disse, com seu habitual sorriso torto — são simplesmente muito improváveis para se preocupar.
Ele estendeu a mão. Ela a tomou, e juntos cruzaram o campo, indo para um bosque de árvores na margem do campo leste que só os Caçadores de Sombras pareciam conhecer. Clary suspeitava que estivesse enfeitiçado, desde que ela e Jace treinavam lá com frequência e ninguém nunca os tinha interrompido, exceto Isabelle ou Maryse.
O Central Park no outono era um turbilhão de cores. As árvores alinhadas no campo tinham posto suas brilhantes cores e transformado o verde em resplandecente dourado, vermelho, cobre e laranja avermelhado.
Era um belo dia para uma caminhada romântica através do parque, para beijos trocados sobre uma das pontes de pedra. Mas isso não ia acontecer. Obviamente, até onde tocava a Jace, o parque era uma extensão da sala de treinamentos do Instituto, e eles estavam lá para treinar Clary em vários exercícios envolvendo reconhecimento de terreno, técnicas de fuga e evasão, e matar coisas com suas mãos desarmadas.
Normalmente ela estaria animada em aprender como matar coisas apenas com as suas mãos. Mas havia algo sobre Jace. Ela não podia se livrar da sensação incômoda de que algo estava seriamente errado. Se pelo menos houvesse uma runa, ela pensou, que pudesse fazê-lo dizer o que estava realmente sentindo. Mas ela nunca criaria uma runa como aquela, se lembrou apressadamente. Seria antiético usar seu poder para poder controlar alguém.
E além do mais, desde que ela criou a runa de ligação em Idris, seu poder tinha permanecido, aparentemente, adormecido. Ela não sentia urgência em desenhar antigas runas, não tinha tido visões de novas runas. Maryse havia dito que tentariam trazer um especialista em runas para ensiná-la, uma vez que o treinamento realmente estava em andamento, mas até agora isso não tinha acontecido. Não que Clary se importasse, na verdade. Tinha que admitir que não estava certa se lamentaria se o seu poder tivesse desaparecido para sempre.
— Haverá momentos em que você encontrará um demônio e não terá uma arma de combate — Jace estava dizendo, enquanto eles passavam por uma fileira de árvores carregadas de folhas, cujas cores iam da gama do verde ao dourado brilhante — nesse momento, não entre em pânico. Primeiro, você tem que se lembrar de que qualquer coisa pode ser uma arma. Um galho de árvore, um punhado de moedas – elas dão ótimos socos ingleses – um sapato, qualquer coisa. E segundo, mantenha em mente que você é uma arma. Na teoria, quando você terminar com o treinamento, deverá ser capaz de fazer um buraco na parede com um chute ou nocautear um alce com um único soco.
— Eu nunca bateria em um alce — Clary apontou — eles estão em extinção.
Jace sorriu levemente, e se virou para encará-la. Eles tinham alcançado uma pequena clareira no centro do bosque. Havia runas nos troncos das árvores que os cercavam, fazendo dali um lugar dos Caçadores de Sombras.
— Há um antigo estilo de luta chamado muay thai — ele continuou — você já ouviu falar?
Ela sacudiu a cabeça. O sol estava brilhante e firme, e Clary estava com muito calor em sua calça de moletom e blusa de exercícios. Jace tirou a jaqueta e se voltou para ela, flexionando sua mão de pianista. Seus olhos eram intensamente dourados na luz de outono. Marcas para velocidade, agilidade e força formavam um padrão de trepadeiras ao redor de seus pulsos e na elevação de cada bíceps, desaparecendo debaixo das mangas de sua camiseta. Ela se perguntava por que ele tinha se incomodado em marcar-se como se ela fosse um adversário a ser considerado.
— Escutei um rumor que o novo instrutor que vamos ter na próxima semana é um mestre em muay thai — Jace contou — e sambo, lethwei, tomoi, krav maga, jiu jitsu e em outros que francamente eu não me lembro do nome, mas que envolve matar pessoas com pequenas varetas ou algo assim. Meu ponto é, ele ou ela não está acostumado a trabalhar com alguém de sua idade que é tão inexperiente quanto você, então se nós te ensinarmos um pouco do básico, espero que isso o faça se sentir um pouco mais generoso em relação a você — ele colocou suas mãos nos quadris dela — agora se vire e me enfrente.
Clary fez como o instruído. Encarando um ao outro desse jeito, sua cabeça batia na ponta do queixo dele. Ela descansou suas mãos levemente em seus bíceps.
— Muay thai é chamado de a “arte dos oito membros” porque você utiliza não só seus punhos e pés como pontos de ataque, mas também seus joelhos e cotovelos. Primeiro, você tem que atrair seu oponente, então esmurrá-lo com cada um de seus pontos de ataque até que ele ou ela caia.
— E isso funciona com demônios? — Clary levantou suas sobrancelhas.
— Os menores — Jace se moveu para mais perto dela — ok. Estenda sua mão e agarre a minha nuca.
Só era possível fazer o instruído se ficasse nas pontas de seus pés. Não pela primeira vez, Clary amaldiçoou o fato que ela fosse tão baixa.
— Agora você levanta sua outra mão e faz a mesma coisa, então suas mãos circulam ao redor do meu pescoço.
Ela o fez. A nuca de Jace estava quente pelo sol, e seu cabelo suave fazia cócegas em seus dedos. Seus corpos estavam pressionados um contra o outro, ela podia sentir o anel que usava em uma corrente ao redor de seu pescoço pressionado entre eles como uma pedra entre duas palmas.
— Numa luta real, você faria este movimento mais rápido — ele observou.
A menos que ela estivesse imaginando, a voz dele estava um pouco desigual.
— A contenção sobre mim lhe dá vantagem. Você vai utilizar esta vantagem para se puxar a frente e adicionar o impulso para o seu joelho chutar acima...
— Pelos céus — disse uma voz fria, entretida — apenas seis semanas e já estão agarrando a garganta um do outro? Quão depressa o amor mortal enfraquece.
Soltando-se de seu abraço em Jace, Clary girou, embora já soubesse quem era. A Rainha da Corte Seelie estava de pé nas sombras entre duas árvores. Se Clary não soubesse que ela estava lá, se perguntava se teria a visto. A Rainha vestia um vestido tão verde quanto a grama, e seu cabelo, caindo em torno dos ombros, eram da cor de uma folha terracota. Ela era tão bonita e espantosa quanto um fim de estação. Clary nunca confiou nela.
— O que você está fazendo aqui? — Jace perguntou, seus olhos estreitos. — Este é um lugar de Caçadores de Sombras.
— E eu tenho notícias do interesse dos Caçadores de Sombras.
Enquanto a Rainha vinha graciosamente à frente, o sol perfurava através das árvores e cintilava no círculo de bagas dourados que ela usava ao redor de sua cabeça. Clary algumas vezes se perguntava se a Rainha planejava essas entradas dramáticas, e se sim, como.
— Houve outra morte.
— Que tipo de morte?
— Outro de vocês. Um Nephilim morto — havia um certo deleite no modo em que a Rainha falou — o corpo foi descoberto neste amanhecer, embaixo da Ponte Oak. Como você sabe, o parque é meu domínio. Um humano morto não tem a ver comigo, mas o morto não parecia ser de origem mundana. O corpo foi trazido à Corte para ser examinado por meus especialistas. Eles pronunciaram que o mortal era um de vocês.
Clary olhou rapidamente para Jace, lembrando-se da notícia da morte do Caçador de Sombras, dois dias antes. Ela podia dizer que Jace estava pensando a mesma coisa; ele tinha empalidecido.
— Onde está o corpo?
— Você está preocupado sobre minha hospitalidade? Ele aguarda em minha Corte, e lhe asseguro que nós proporcionamos ao corpo dele todo o respeito que daríamos a um Caçador de Sombras vivo. Agora que um dos meus tem um lugar no Conselho ao lado dos seus, você não pode duvidar de nossa boa fé.
— Como sempre, a boa fé e a minha senhora andam de mãos dadas.
O sarcasmo na voz de Jace era claro, mas a Rainha apenas sorriu. Ela gostava de Jace, Clary sempre achou, do modo em que as fadas gostavam de coisas belas porque elas eram bonitas. Ela não achava que a Rainha gostava dela, e o sentimento era mútuo.
— E por que nos dá esta mensagem, ao invés de dá-la a Maryse? A etiqueta mandaria...
— Ah, a etiqueta — a Rainha afastou a convenção com um acenar de sua mão — você estava aqui. Pareceu oportuno.
Jace deu a ela outro olhar estreito e abriu seu telefone. Ele gesticulou para Clary ficar onde estava e se afastou. Ela podia ouvi-lo dizendo, “Maryse?” enquanto o telefone respondia, e então sua voz foi engolida pelos gritos nos campos de jogos próximos.
Com uma sensação de frio terror, ela olhou para a Rainha. Não tinha visto a senhora da Corte Seelie desde sua última noite em Idris, e lá, Clary não tinha sido exatamente educada com ela. Duvidava que a Rainha tivesse esquecido ou perdoado-a por aquilo. Você realmente recusaria um favor da Rainha da Corte Seelie?
— Ouvi dizer que Meliorn conseguiu um assento no Conselho — Clary disse — a senhora deve estar satisfeita.
— De fato — a Rainha olhou para ela com diversão — eu estou suficientemente encantada.
— Então, sem ressentimentos, certo?
O sorriso da Rainha se tornou gelado ao redor no canto dos lábios, como gelo na superfície de um lago.
— Suponho que se refere à minha oferta, que você tão rudemente declinou — ela disse — como sabe, meu objetivo foi, apesar de tudo, realizado; a perda, imagino que a maioria concorda, foi sua.
— Eu não queria seu trato — Clary tentou manter afastada a aspereza de sua voz, e falhou — sabe, as pessoas não fazem o que você quer o tempo todo.
— Não pense em me dar um sermão, criança — os olhos da Rainha seguiram Jace, que estava andando nas margens das árvores, o telefone na mão — ele é bonito. Eu posso ver porque você o ama. Mas você alguma vez já se perguntou o que atrai para você?
Clary não disse nada para aquilo; não parecia haver nada a dizer.
— O sangue do Céu une vocês — a Rainha continuou — sangue atrai sangue, sob a pele. Mas amor e sangue não são os mesmos.
— Enigmas — Clary disse com raiva — você quer dizer algo quando fala desse jeito?
— Ele está ligado a você. Mas ele te ama?
Clary sentiu suas mãos se contraírem. Ela ansiou testar na Rainha algum dos novos movimentos de luta que tinha aprendido, mas sabia quão imprudente isso seria.
— Sim, ele ama.
— E ele te quer? Pois amor e desejo não são sempre um.
— Isso não é da sua conta — Clary respondeu em poucas palavras, mas viu que os olhos da Rainha sobre ela eram tão afiados quanto alfinetes.
— Você o quer como nunca quis outra coisa. Mas ele sente o mesmo? — A voz suave da Rainha era implacável. — Ele poderia ter qualquer coisa ou qualquer um que deseje. Você se pergunta por que ele te escolheu? Se pergunta se ele se arrepende disso? Se ele mudou em relação a você?
Clary sentiu as lágrimas picarem atrás de seus olhos.
— Não, ele não.
Embora ela pensasse em seu rosto no elevador naquela noite, e o modo como tinha dito a ela para ir para casa quando ela tinha se oferecido para ficar.
— Você me disse que não desejava fazer um acordo comigo, pois não havia nada que eu pudesse dar a você. Disse que não havia nada no mundo que você quisesse — os olhos da Rainha cintilaram — quando você imagina sua vida sem ele, ainda sente o mesmo?
Por que você está fazendo isso comigo?, Clary queria gritar, mas ela não disse nada, então a Rainha Fada olhou atrás dela, e sorriu, dizendo:
— Limpe suas lágrimas, pois ele retorna. Não fará bem nenhum para ele te ver chorar.
Clary esfregou apressadamente seus olhos com as costas da mão e se virou. Jace estava caminhando na direção delas, fazendo uma careta.
— Maryse está a caminho da Corte. Onde a Rainha foi?
Clary olhou para ele, surpresa.
— Ela está aqui — começou, se virando, e se interrompeu.
Jace estava certo. A rainha se fora, apenas um farfalhar de folhas aos pés de Clary mostrava onde ela tinha estado.

***

Simon, sua jaqueta acolchoada debaixo da cabeça, estava deitado de costas, olhando para o teto esburacado da garagem de Eric, com uma sensação de terrível fatalidade. Sua mochila estava aos seus pés, o telefone pressionado contra sua orelha. Mesmo agora, a familiaridade da voz de Clary na outra extremidade era a única coisa que o mantinha longe de desmoronar completamente.
— Simon, eu lamento tanto — ele podia dizer que Clary estava em algum lugar na cidade. O alto volume do tráfego soava atrás dela, abafando sua voz — você realmente está na garagem do Eric? Ele sabe que você está aí?
— Não. Ninguém está em casa neste momento, e eu tenho a chave da garagem. Parecia um lugar para ir. A propósito, onde você está?
— Na cidade.
Para os brooklynianos, Manhattan era sempre “a cidade”. Nenhuma outra metrópole existia.
— Eu estava treinando com Jace, mas então ele teve que voltar para o Instituto para algum tipo de negócio da Clave. Eu voltei para o Luke agora — um carro buzinou alto ao fundo — olha, você quer ficar com a gente? Poderia dormir no sofá do Luke.
Simon hesitou. Ele tinha boas memórias da casa de Luke. Em todos esses anos que ele conhecia Clary, Luke tinha vivido na mesma desgastada, mas agradável casa germinada sobre a livraria. Clary tinha uma chave, e ela e Simon tinham passado várias horas agradáveis lá, lendo livros que eles “pegavam emprestado” da loja lá embaixo, ou assistindo filmes antigos na TV. Embora, as coisas fossem diferentes agora.
— Talvez minha mãe pudesse conversar com a sua — Clary sugeriu, soando preocupada com seu silêncio — fazê-la entender.
— Fazê-la entender que eu sou um vampiro? Clary, eu acho que ela entende isso, de um modo estranho. Isso não significa que ela vai aceitar ou ficar bem com isso.
— Bem, você só não pode continuar fazendo com que ela esqueça isso também, Simon. Não vai funcionar para sempre.
— Por que não?
Ele sabia que não estava sendo razoável, mas deitado sobre o chão duro, cercado pelo cheiro de gasolina e sussurros das aranhas esticando suas teias nos cantos da garagem, sentia-se mais solitário do que jamais sentiu, razoável parecia bem distante.
— Por que então todo o seu relacionamento com ela será uma mentira. Você nunca vai poder voltar para casa...
— Então o quê? — Simon interrompeu rispidamente. — Essa é a parte da maldição, não é? Um fugitivo e um errante tu deves ser.
Apesar dos ruídos de tráfego e o som de conversas ao fundo, ele podia ouvir o súbito arfar de Clary.
— Você acha que eu deveria falar a ela sobre isso também? — ele perguntou. — Como você pôs a marca de Caim em mim? Como eu sou, basicamente, uma maldição ambulante? Acha que ela vai querer isso em sua casa?
O fundo ficou silencioso; Clary devia ter se enfiado em um beco. Ele podia ouvi-la lutando para afastar as lágrimas quando respondeu:
— Simon, eu lamento tanto. Você sabe que eu lamento...
— Não é sua culpa — ele se sentiu subitamente cansado. Isso mesmo, aterrorizar sua mãe e depois fazer sua melhor amiga chorar. Um belo dia para você, Simon. — Olha, obviamente eu não deveria estar perto de pessoas agora. Eu apenas vou ficar por aqui, e irei dar de cara com o Eric quando ele chegar em casa.
Ela fez som de uma risada sufocada através das lágrimas.
— O que, Eric não conta como “pessoas”?
— Eu volto a falar sobre isso com você mais tarde — ele disse, e hesitou — ligo amanhã, tudo bem?
— Você me verá amanhã. Prometeu vir para a prova de roupa comigo, lembra-se?
— Uau. Eu realmente devo te amar.
— Eu sei — ela respondeu — eu também te amo.
Simon desligou o telefone e deitou-se, abraçando-o contra seu peito. Era engraçado, pensou. Agora ele podia dizer “eu te amo” para Clary, quando por anos tinha lutado para dizer aquelas palavras e não fora capaz tirá-las de sua boca. Agora, que elas não significavam mais a mesma coisa, era fácil.
Algumas vezes ele se perguntava o que teria acontecido se nunca houvesse um Jace Wayland. Se Clary nunca tivesse descoberto que ela era uma Caçadora de Sombras. Mas ele afastou esse pensamento – inútil, não vá por aí. Você não pode mudar o passado. Só pode seguir em frente.
Não que ele tivesse alguma ideia do que o futuro implicava. Ele não podia ficar na garagem de Eric para sempre. Mesmo no seu atual humor, tinha que admitir que era um lugar triste para se ficar. Ele não estava com frio – não sentia mais frio ou calor na verdade – mas o chão era duro, e ele estava tendo dificuldade em dormir. Desejou que pudesse entorpecer seus sentidos. O barulho alto do tráfego lá fora não estava o deixando descansar, tal como o desagradável fedor de gasolina. Mas era a inquietante preocupação do que fazer em seguida que era o pior.
Ele tinha se livrado da maior parte de seu suprimento de sangue e escondeu resto em sua mochila. Era o suficiente para alguns dias, e então, ele estaria com problemas. Eric, onde quer que estivesse, certamente deixaria Simon ficar em sua casa se precisasse, mas isso poderia resultar nos pais de Eric ligando para a mãe de Simon. E desde que ela pensava que o filho estava em uma excursão escolar, isso não faria bem algum.
Dias, ele pensou. Essa era a quantidade de tempo que ele tinha. Antes de ele ir atrás de sangue, antes que sua mãe começasse a se perguntar onde ele estava e ligar para a escola, procurando por ele. Antes que ela começasse a se lembrar.
Ele era um vampiro agora. Era para ele ter a eternidade. Mas o que ele tinha eram dias.
Fora tão cuidadoso. Fez tanto para ter o que achava ser uma vida normal – escola, amigos, sua própria casa, seu próprio quarto. Se esforçou, mas isso era a vida. Outras opções pareciam tão sombrias e solitárias que não valiam pensar sobre elas.
E a voz de Camille ainda soava em sua cabeça. Mas e daqui dez anos, quando você terá vinte e seis? Em vinte anos? Trinta? Acha que ninguém vai notar que enquanto eles envelhecem e mudam, você não?
A situação que ele tinha criado para si mesmo, entalhado tão cuidadosamente no formato de sua antiga vida, nunca fora permanente, ele pensava agora, com um afundar em seu peito, nunca poderia ter sido. Ele se apegou a sombras e memórias.
Pensou de novo em Camille, em sua oferta. Soava melhor agora que antes. Uma oferta de uma família, mesmo que não fosse a família que ele queria. Tinha cerca de três dias antes que ela viesse à procura de sua resposta. E o que ele diria quando ela o fizesse? Achava que sabia, mas agora não tinha tanta certeza.
Um ranger interrompeu seu devaneio. A porta da garagem estava abrindo, a luz brilhante avançando no interior escuro do espaço. Simon sentou-se, seu corpo inteiro, de repente, alerta.
— Eric?
— Nah. Sou eu, Kyle.
— Kyle? — Simon perguntou inexpressivamente, antes que ele se lembrasse – o cara que eles tinham concordado em tomar como cantor principal. Simon quase deitou no chão de novo. — Ah, Certo. Nenhum dos outros caras está aqui agora, então se você estava esperando ensaiar...
— Tudo bem. Não é o motivo de eu vir — Kyle entrou na garagem, piscando na escuridão, suas mãos nos bolsos de trás do jeans — você é... qual é o seu nome? O baixista, certo?
Simon ficou de pé, limpando a poeira do chão da garagem de suas roupas.
— Eu sou o Simon.
Kyle olhou em torno, um perplexo sulco em suas sobrancelhas.
— Acho que deixei minhas chaves aqui ontem. Procurei por elas por toda parte. Ei, lá estão elas.
Ele mergulhou atrás da bateria e emergiu um segundo depois, chacoalhando o grupo de chaves triunfantemente em sua mão. Ele parecia o mesmo de um dia antes. Vestia uma camiseta azul hoje, por baixo da jaqueta de couro, e uma medalha dourada de um santo brilhava em torno do seu pescoço. Seu cabelo escuro estava mais bagunçado do que nunca.
— Então — Kyle falou, inclinando-se contra um dos microfones — você estava, tipo, dormindo aqui? No chão?
Simon concordou.
— Fui expulso da minha casa.
Não era precisamente a verdade, mas era tudo que sentia que ia dizer.
Kyle concordou com simpatia.
— Sua mãe descobriu seu baseado escondido, é? Que droga.
— Não, não... baseado escondido — Simon deu de ombros — nós tivemos uma diferença de opinião sobre meu estilo de vida.
— Então ela descobriu sobre suas duas namoradas? — Kyle sorriu.
Ele era bonito, Simon teve que admitir, mas ao contrário de Jace, que parecia saber exatamente quão bonito era, Kyle parecia como alguém que provavelmente não tinha escovado seu cabelo por semanas. Embora houvesse uma aberta docilidade amigável nele que era apelativa.
— Sim, Kirk me contou sobre isso. Bom para você, cara.
Simon sacudiu a cabeça.
— Não foi isso.
Houve um curto silêncio entre eles, e então:
— Eu... não moro em casa, também — Kyle contou — parti há alguns anos — ele envolveu seus braços ao redor de si mesmo, baixando sua cabeça. Sua voz estava baixa — eu não tenho falado com meus pais desde então. Quero dizer, estou fazendo tudo certo por minha conta, mas... eu entendo.
— Suas tatuagens — Simon observou, tocando seus próprios braços levemente — o que elas significam?
Kyle esticou seus braços.
— Shanti shanti shanti — ele disse — são mantras hinduístas. Sânscrito. Orações para paz.
Normalmente, Simon teria pensado que se tatuar em sânscrito era um tipo de pretensão. Mas no momento, ele não falou o que pensava.
— Shalom — ele disse.
Kyle piscou para ele.
— O quê?
— Significa paz — Simon explicou — em hebreu. Eu estava apenas pensando que as palavras soavam semelhantes.
Kyle deu a ele um longo olhar. Ele pareceu estar deliberando. Finalmente, ele falou:
— Isso vai parecer meio maluco...
— Ah, eu não sei. Minha definição de maluco tem se tornado bastante flexível nos últimos meses.
— ... mas eu tenho um apartamento. Na Alphabet City. E meu colega de quarto acabou de se mudar. É um dois quartos, então você poderia ficar no espaço dele. Há uma cama lá e tudo.
Simon hesitou. Por um lado, ele não conhecia Kyle, e se mudar para o apartamento de um completo estranho parecia ser uma jogada estúpida de proporções épicas. Kyle poderia vir a ser um assassino em série, apesar de suas tatuagens de paz. Por outro lado, ninguém conhecia Kyle direito também, o que significava que ninguém iria procurá-lo lá. E o que importava se Kyle fosse um assassino? Ele pensou amargamente. Seria pior para Kyle do que para ele, como tinha sido para aquele ladrão, noite passada.
— Sabe — ele respondeu — acho que aceitarei, se estiver tudo bem.
Kyle acenou.
— Minha caminhonete está lá fora se você quiser uma carona para a cidade comigo.
Simon se curvou para pegar sua mochila e se endireitou com ela no ombro. Deslizou o telefone no bolso e estendeu as mãos, indicando sua prontidão.
— Vamos lá.

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