Capítulo 4 - Diurno
A noite tinha caído quando Simon e Alec deixaram a casa dos Penhallow e se dirigiram colina acima em direção à Garde. As ruas da cidade eram estreitas e retorcidas, prosseguindo com faixas de pedras pálidas no luar. O ar era frio, embora Simon o sentisse apenas remotamente.
Alec andava em silêncio, caminhando a frente de Simon como se fingisse estar sozinho. Em sua vida passada, Simon teria se apressado, ofegando, para se manter ao lado, agora ele descobriu que podia acompanhar os passos só acelerando seus pés.
— Que merda é essa — Simon disse finalmente, enquanto Alec olhava impertinentemente a frente — indo preso com minha escolta.
Alec deu de ombros.
— Tenho dezoito. Eu sou um adulto, por isso tenho que ser o responsável. Eu sou o único que pode entrar e sair da Garde quando a Clave está em sessão, e além do mais, o Cônsul me conhece.
— O que é um Cônsul?
— Ele é como um alto oficial da Clave. Conta os votos do conselho, interpreta a Lei, aconselha o Inquisidor e a Clave. Se você está a frente de um Instituto e se prolonga em um problema que não sabe como lidar, você chama o Cônsul.
— Ele aconselha o Inquisidor? Eu pensei... a Inquisidora não está morta?
Alec bufou.
— Isso é como dizer “o presidente está morto?” Sim, a Inquisidora morreu; agora já há um novo. Inquisidor Aldertree.
Simon olhou colina abaixo em direção à água escura dos canais. Tinham deixado a cidade para trás e estavam pisando uma estreita estrada entre árvores sombrias.
— Eu vou te dizer, Inquisições nunca funcionaram bem para o meu povo no passado.
Alec o olhava sem expressão.
— Deixa pra lá. Só uma piada de história mundana. Você não estaria interessado.
— Você não é um mundano — Alec apontou — esse é o motivo de Aline e Sebastian estarem tão excitados em darem uma olhada em você. Não que você possa dizer isso de Sebastian; ele sempre age como se já tivesse visto de tudo.
Simon falou sem pensar:
— Ele e Isabelle estão... tem alguma coisa acontecendo ali?
Alec começou a gargalhar.
— Isabelle e Sebastian? Dificilmente. Sebastian é um cara legal... Isabelle só gosta de namorar garotos completamente inapropriados, que nossos pais vão odiar. Mundanos, Seres do Submundo, criminosos insignificantes...
— Obrigado — Simon apontou — fico feliz em ser classificado como elemento criminoso.
— Acho que ela faz isso por atenção — Alec disse — ela é a única garota da família também, então tem que se manter provando o quão dura ela é. Ou pelo menos isso é o que ela acha.
— Ou talvez ela esteja tentando tirar a atenção de você — Simon sugeriu, quase distraído — você sabe, desde que seus pais não sabem que você é gay e tudo.
Alec parou no meio da estrada tão repentinamente que Simon quase colidiu com ele.
— Não, mas aparentemente, todo mundo sabe.
— Menos Jace — Simon observou — ele não sabe, não é?
Alec tomou um profundo fôlego. Ele estava pálido, Simon pensou, ou era apenas o luar, levando a cor de tudo? Seus olhos pareciam negros na escuridão.
— Eu realmente não vejo como isso é da sua conta. A menos que você esteja tentando me ameaçar.
— Tentando te ameaçar você? — Simon foi surpreendido. — Eu não estou...
— Então por quê? — Alec perguntou, e havia lá uma súbita e acentuada vulnerabilidade em sua voz que surpreendeu Simon. — Por que trazer isso à tona?
— Porque você parece me odiar a maior parte do tempo. Eu não levo isso pro lado pessoal, mesmo que eu tenha salvado a sua vida. Você parece o tipo que odeia todo mundo. E além do mais, nós não temos praticamente nada em comum. Mas eu vejo você olhando para Jace, e eu vejo a mim mesmo olhando para Clary, e eu calculo... que talvez nós tenhamos uma coisa em comum. E talvez isso poderia fazer você gostar de mim pelo menos um pouco.
— Então você não vai contar para Jace? Quero dizer... você disse a Clary como se sentia e...
— E não foi a melhor ideia — Simon completou — agora eu me pergunto o tempo todo como voltar depois de uma coisa dessas. Se nós podemos mesmo ser amigos novamente, ou se o que nós tínhamos se quebrou em pedaços. Não por causa dela, mas por minha causa. Talvez se eu encontrar alguém...
— Alguém — Alec repetiu.
Ele tinha começado a andar novamente, muito rapidamente, olhando para a estrada a frente.
Simon se apressou para alcançá-lo.
— Você sabe o que quero dizer. Por exemplo, eu acho que Magnus Bane realmente gosta de você. E ele é muito legal. A propósito, ele dá grandes festas. Mesmo se você se tornar um rato nela.
— Obrigado pelo conselho — a voz de Alec era seca — mas não acho que ele gosta de mim tanto assim. Ele mal falou comigo quando veio abrir o Portal no Instituto.
— Talvez você devesse ligar para ele — Simon sugeriu, tentando não pensar tão duramente no quão estranho era dar um conselho a um caçador de demônio sobre a possibilidade de namorar um bruxo.
— Não dá — Alec respondeu — sem telefones em Idris. Não importa, de qualquer modo — seu tom foi abrupto — estamos aqui. Esta é a Garde.
Uma grande parede erguia-se em frente a eles, com um par de enormes portões. Eram esculpidos com os serpenteantes padrões angulares de runas, e embora Simon não pudesse lê-las como Clary, havia algo deslumbrante em sua complexidade e a sensação de poder que emanava delas. Os portões eram guardados por estátuas de pedra de anjo, seus rostos ferozes e lindos. Cada um segurava uma espada esculpida em suas mãos, e uma criatura retorcida – uma mistura de rato, morcego e lagarto, com desagradáveis dentes afiados – deitada morta a seus pés. Simon parou para olhar para eles por um longo momento. Demônios, ele acreditava... mas podiam facilmente ser vampiros.
Alec empurrou o portão e gesticulou para Simon passar. Uma vez dentro, ele piscou em torno em confusão. Desde que tinha se tornado um vampiro, sua visão noturna tinha se afiado para um laser como claridade, mas as dezenas de tochas alinhadas no caminho para as portas da Garde eram feitas de pedra enfeitiçada, e a forte luz branca parecia branquear tudo. Ele estava vagamente consciente de Alec guiando-o em direção a um estreito caminho de pedra que brilhava com a iluminação refletida, e então havia alguém parado no caminho em frente a ele, bloqueado sua passagem com um braço levantado.
— Então, este é o vampiro?
A voz que falava era profunda o suficiente para ser quase um rugido. Simon olhou acima, a luz picando seus olhos... eles teriam lacrimejado se ainda fosse capaz de derramar lágrimas. Pedra enfeitiçada, ele pensou, luz do anjo, me queima. Acho que isso não me surpreende.
O homem em pé na frente deles era muito alto, com a pele macilenta esticada sobre os ossos proeminentes do rosto. Mas de perto – uma cúpula aparada de cabelo preto, sua testa era alta, seu nariz afilado e romano. Sua expressão enquanto ele olhava abaixo para Simon era o olhar de um viajante de metrô observando um grande rato correr para frente e para trás nos trilhos, meio que esperando que um trem viesse e o esmagasse.
— Este é Simon — Alec apresentou, um pouco incerto — Simon, este é o Cônsul Malachi Dieudonné. O Portal está pronto, senhor?
— Sim — Malachi respondeu. Sua voz era dura e carregava um ligeiro sotaque — tudo está em prontidão. Venha, Ser do Submundo — ele acenou para Simon — quanto mais cedo isso acabar, melhor.
Simon se moveu para o oficial, mas Alec o parou com uma mão em seu braço.
— Só um momento — ele disse, se dirigindo ao Cônsul — ele vai ser enviado diretamente de volta a Manhattan? E lá haverá alguém esperando do outro lado por ele?
— Sem dúvida — Malachi respondeu — o bruxo Magnus Bane. Desde que ele tolamente permitiu que o vampiro entrasse em Idris em primeiro lugar, ele tomou responsabilidade por seu retorno.
— Se Magnus não tivesse deixado que Simon entrasse pelo Portal, ele teria morrido — Alec respondeu, um pouco severamente.
— Talvez. Isso é o que seus pais dizem, e a Clave optou por acreditar neles. Contra meu conselho, na verdade. Ainda assim, não é compreensivo trazer Seres do Submundo para dentro da Cidade de Vidro.
— Não havia nada de compreensivo sobre isso — raiva surgiu no peito de Simon — nós estávamos sob ataque...
Malachi virou seu olhar sobre Simon.
— Você vai falar depois que tivermos falado, Ser do Submundo, não antes.
A mão de Alec apertou o braço de Simon. Havia um olhar em seu rosto – meio hesitação, meio suspeita, como se ele estivesse duvidando de sua sabedoria em trazer Simon ali, depois de tudo.
— Agora, Cônsul, realmente!
A voz carregada através do pátio era alta, um pouco sem fôlego, e Simon viu com alguma surpresa que ela pertencia a um homem, baixo e gordinho se apressando na direção deles. Ele estava usando um folgado manto cinza sobre sua vestimenta de Caçador de Sombras, e sua careca cintilava na pedra enfeitiçada.
— Não há necessidade de assustar o nosso convidado.
— Convidado? — Malachi pareceu indignado.
O pequeno homem parou perante Alec e Simon e riu para ambos.
— Estamos tão felizes... satisfeitos, realmente... que você decidiu cooperar com nosso pedido para retornar para Nova York. Faz tudo ser mais fácil — ele piscou para Simon, que olhou de volta para ele em confusão.
Ele não achou que iria conhecer um Caçador de Sombras que parecia feliz em vê-lo – não quando ele era um mundano, e definitivamente não agora que ele era um vampiro.
— Ah, eu quase me esqueci! — O homenzinho bateu em sua própria testa em remorso. — Eu deveria ter me apresentado. Eu sou o Inquisidor... o novo Inquisidor. Inquisidor Aldertree é o meu nome — Aldertree segurou sua mão para Simon, e em um tumulto de confusão Simon a pegou. — E você. Seu nome é Simon?
— Sim — Simon respondeu, puxando sua mão de volta, tão breve quanto podia. O aperto de Aldertree era desagradavelmente úmido e pegajoso — não há necessidade de me agradecer por cooperar. Tudo o que eu quero é ir para casa.
— Tenho certeza de que você vai, tenho certeza de que você vai!
Apesar do tom jovial de Aldertree, algo brotou em todo seu rosto enquanto ele falava – uma expressão que Simon não pôde identificar. Ela se foi em um momento, enquanto Aldertree sorria e gesticulava em direção ao estreito caminho que revestia ao longo da Garde.
— Por aqui, Simon, se você não se importa.
Simon se moveu, e Alec fez como se fosse segui-lo. O Inquisidor levantou uma mão.
— Isso é tudo o que precisamos de você, Alexander. Obrigado por sua ajuda.
— Mas Simon... — Alec começou.
— Vai estar bem — o Inquisidor assegurou a ele — Malachi, por favor mostre a Alexander a saída. E dê a ele uma pedra de runa de luz para ele voltar para casa caso não tenha trazido uma. O caminho pode ser complicado à noite.
E com outro beatífico sorriso, ele moveu rapidamente Simon para longe, deixando Alec olhando após eles dois.
***
O mundo se incendiava em torno de Clary em um quase tangível borrão enquanto Luke a carregava sobre o limiar da casa e por um longo corredor, Amatis apressando-se a frente deles com sua pedra enfeitiçada. Mas do que meio delirante, ela olhou enquanto o corredor desdobrava-se adiante, aumentando mais e mais como um corredor de um pesadelo.
O mundo virou de lado. De repente ela estava deitada em uma superfície fria, e mãos estavam passando um cobertor sobre ela. Olhos azuis olhavam para ela.
— Ela parece tão doente, Lucian — Amatis disse, em uma voz que era deturpada e desfigurada como uma velha gravação — o que aconteceu com ela?
— Ela bebeu cerca de metade do Lago Lyn.
O som da voz de Luke enfraqueceu, e por um momento a visão de Clary clareou: ela estava deitada no pavimentado chão frio de uma cozinha, e em algum lugar acima dela a cabeça de Luke estava inspecionando um armário. A cozinha tinha paredes amarelas descascadas e um antiquado fogão preto colocado contra uma parede; chamas saltavam atrás do fogão rangente, fazendo seus olhos doerem.
— Anis, beladona e hellbore... — Luke virou-se para longe do armário com o braço cheio de recipientes de vidro — você pode ferver essas juntas, Amatis? Eu vou movê-la para mais perto do fogão. Ela está tremendo.
Clary tentou falar que não necessitava ser aquecida, que ela estava queimando, mas os sons que vieram de sua boca não eram os que ela tencionava. Ela se ouviu choramingar enquanto Luke a levantava, e então lá estava o calor, derretendo seu lado esquerdo – ela nem mesmo tinha percebido que estava fria. Os dentes apertados juntos duramente, ela sentiu o gosto de sangue na boca. O mundo começou a tremer em torno dela como água agitada em um vidro.
— O Lago dos Sonhos? — A voz de Amatis estava cheia de incredulidade.
Clary não podia vê-la claramente, mas parecia estar próxima ao fogão, uma longa colher de madeira na mão.
— O que vocês estavam fazendo lá? Jocelyn sabe onde...
E o mundo desapareceu, ou pelo menos o mundo real, a cozinha com as paredes amarelas e o confortável fogo atrás da grelha. No lugar, ela viu as águas do Lago Lyn, com fogo refletido nelas como se na superfície de um pedaço de vidro polido. Anjos estavam caminhando sobre o vidro – anjos com asas brancas que se penduravam ensanguentadas e quebradas em suas costas, e cada um deles tinha o rosto de Jace. E então lá havia outros anjos, com asas de sombras negras, e eles tocavam suas mãos no fogo e riam...
— Ela continua chamando por seu irmão — a voz de Amatis soava oca, como se filtrada vindo impossivelmente alta acima — ele está com os Lightwood, não está? Eles estão ficando com os Penhallow na Rua Princewater. Eu podia...
— Não — Luke disse severamente — não. É melhor que Jace não saiba sobre isso.
Eu estava chamando por Jace? Por que eu faria isso?, Clary se perguntou, mas o pensamento foi de curta duração; a escuridão veio novamente.
Dessa vez ela sonhou com Alec e Isabelle; ambos se olhavam como se tivessem tido uma luta feroz, seus rostos marcados com poeira e lágrimas; então eles se foram, e ela sonhou com um homem sem rosto com asa negras brotando das costas como as de um morcego. Sangue corria de sua boca quando ele sorriu.
Orando para que suas visões desaparecessem, Clary apertou seus olhos...
Foi um longo tempo antes que ela viesse à tona novamente ao som de vozes.
— Beba isto — Luke pediu — Clary, você tem que beber isso.
E então lá estavam suas mãos e o fluído sendo gotejado em sua boca por um pano encharcado. Tinha gosto amargo e horrível, Clary sufocou e engasgou sobre ele, mas as mãos eram firmes. Ela engoliu, passando a dor em sua garganta inchada.
— Aí está — Luke disse — isso deve melhorar.
Clary abriu os olhos lentamente. Ajoelhado ao seu lado estavam Luke e Amatis, seus quase idênticos olhos azuis preenchidos com igual preocupação. Ela olhou atrás deles e nada viu – nem anjos ou demônios com asas de morcego, só as paredes amarelas e uma chaleira rosa pálida balançando precariamente em um peitoril.
— Eu vou morrer? — Ela sussurrou.
Luke sorriu cansadamente.
— Não. Vai demorar um pouco para você voltar a entrar em forma, mas vai sobreviver.
— Ok.
Ela estava exausta demais para sentir qualquer coisa, mesmo alívio. Sentia como se todos os seus ossos tivessem sido removidos, deixando um fraco revestimento de pele para trás. Olhando adormecida através de seus cílios, ela disse, quase sem pensar.
— Seus olhos são os mesmos.
Luke piscou.
— Os mesmos do quê?
— Dos dela — Clary respondeu, movendo seu sonolento olhar para Amatis, que parecia perplexa — o mesmo azul.
O fantasma de um sorriso passou sobre o rosto de Luke.
— Bem, isso não é surpreendente, considerando. Eu não tive a chance de apresentá-la adequadamente antes. Clary, esta é Amatis Herondale. Minha irmã.
***
O Inquisidor caiu em silêncio no momento que Alec e o oficial estavam fora do alcance da voz. Simon o seguiu pelo caminho estreito, iluminado pela pedra enfeitiçada, tentando não entortar os olhos. Ele estava consciente da Garde se elevando em torno dele como o lado de um navio se elevando no oceano; luzes resplandeciam vindo de suas janelas, manchando o céu com uma luz prateada. Havia janelas baixas também, colocadas no nível do solo. Várias eram trancadas, e só havia escuridão dentro.
Eles alcançaram uma porta de madeira fixada em um arco na lateral do prédio. Aldertree se moveu para abrir o cadeado, e o estômago de Simon apertou. Pessoas, ele tinha notado desde que ele esse tornou um vampiro, tinham um cheiro em torno delas que mudava de acordo com seus humores. O Inquisidor fedia a algo amargo e forte como café, mas muito mais desagradável. Simon sentiu a espetada de dor em sua mandíbula, o que significava que suas presas queriam sair, e ele a contraiu de volta enquanto passava pela porta atrás do Inquisidor.
O corredor além era longo e branco, quase como um túnel, como se tivesse sido escavado em rocha branca. O Inquisidor se apressou, sua pedra enfeitiçada encobrindo claramente as paredes. Para um tipo de homem de pernas curtas, ele se movia notavelmente rápido, virando a cabeça de um lado para o outro enquanto seguia, seu nariz enrugando como se estivesse cheirando o ar.
Simon tinha se apressado para manter o ritmo enquanto eles passavam por um conjunto de imensas portas duplas, largamente abertas como asas. No corredor adiante, Simon podia ver um anfiteatro com fileiras e fileiras de cadeiras nela, cada uma ocupada por um Caçador de Sombras coberto de preto.
Vozes ecoavam das paredes, muitas se elevavam em raiva, e Simon pegou pedaços da conversa enquanto passava, as palavras se borrando enquanto os oradores sobrepunham-se uns aos outros.
— Mas não temos nenhuma prova do que Valentim quer. Ele não comunicou seus desejos para ninguém...
— O que importa o que ele quer? Ele é um traidor e um mentiroso; você realmente acha que qualquer tentativa de apaziguá-lo será um benéfico para nós no final?
— Você sabia que uma patrulha encontrou o corpo de uma criança lobisomem nos arredores de Brocelind? Parece que Valentim completou o ritual aqui em Idris.
— Com dois dos Instrumentos Mortais em sua posse, ele é mais poderoso do que qualquer Nephilim tem o direito de ser. Podemos não ter escolha...
— Meu primo morreu no navio em Nova York! Não há como deixar Valentim sair dessa com o que ele já tem feito! Tem que haver retaliação!
Simon hesitou, curioso em ouvir mais, mas o Inquisidor estava zunindo em torno dele como uma gorda e irritante abelha.
— Me acompanhe, me acompanhe — ele disse, sacudindo sua pedra enfeitiçada — nós não temos muito tempo a perder. Eu devo estar de volta à reunião antes que ela termine.
Relutantemente, Simon permitiu que o Inquisidor o empurrasse ao longo do corredor, a palavra “retaliação” ainda ecoando em seus ouvidos. A lembrança da noite no navio era fria e desagradável. Quando eles alcançaram uma porta esculpida com uma única e absoluta runa preta, o Inquisidor sacou uma chave e a destrancou, conduzindo Simon adentro com um amplo gesto de boas vindas.
A sala além era vazia, decorada com uma única tapeçaria que mostrava um anjo subindo de um lago, agarrando uma espada em uma mão e um cálice na outra. O fato que ele tinha visto o Cálice e a Espada antes momentaneamente distraiu Simon. Não até ele ouvir o clique de uma fechadura que ele notou que o Inquisidor tinha fechado a porta atrás dele, prendendo ambos dentro.
Simon olhou ao redor. Não havia mobília na sala, além de um banco com uma mesa baixa ao lado dela.
— O Portal... ele está por aqui? — perguntou incerto.
— Simon, Simon — Aldertree esfregou suas mãos juntas como se antecipando uma festa de aniversário ou algum evento prazeroso — você está realmente com pressa de sair? Há algumas perguntas que eu tinha esperado tanto que você respondesse primeiro...
— Ok — Simon deu de ombros desconfortavelmente — pergunte o que quiser, eu acho.
— Como você é cooperativo! Como é maravilhoso — Aldertree irradiou — então, há quanto tempo exatamente você tem sido um vampiro?
— Cerca de duas semanas.
— E como isso aconteceu? Eles atacaram você na rua, ou talvez em sua cama à noite? Você sabe exatamente quem transformou você?
— Bem... não exatamente.
— Mas, meu menino! — Aldertree gritou. — Como você não sabe de algo como isso?
O olhar que ele dirigia a Simon era aberto e curioso. Ele parecia tão inofensivo, Simon pensou. Como o avô de alguém ou um velho tio engraçado. Simon dever ter imaginado o cheiro amargo.
— Isso não é realmente tão simples — Simon respondeu, e passou a explicar sobre suas duas idas ao Dumort, uma como um rato e a segunda sob uma compulsão tão forte que ele sentia como um gigante conjunto de pinças segurando-o em seu aperto e levando-o exatamente para onde eles queriam que fosse.
— E então veja só — ele terminou — no momento em que eu caminhei na porta do hotel, eu fui atacado... não sei qual deles foi que me transformou, ou se foram todos eles de algum modo.
O Inquisidor cacarejou.
— Ah querido, ah querido. Isso não é nada bom. Isso é muito preocupante.
— Eu certamente pensei assim — Simon concordou.
— A Clave não vai ficar satisfeita.
— O quê? — Simon estava confuso. — Em que a Clave se importa em como eu me tornei um vampiro?
— Bem, isso seria uma coisa se você fosse atacado — Aldertree disse justificando — mas se você apenas andou até lá e, bem, deu a si mesmo para os vampiros, está vendo? Isso parece um pouco como se você quisesse ser um.
— Eu não queria ser um! Esse não foi o motivo de eu ir ao hotel!
— É claro, é claro — a voz de Aldertree era calmante — vamos passar para outro tópico, certo? — Sem esperar por uma resposta, ele continuou. — Como é que os vampiros deixaram você sobreviver para se erguer novamente, jovem Simon? Considerando que você ultrapassou o território deles, seu procedimento normal teria sido se alimentar até que você morresse, e então queimar seu corpo para impedir que você se erguesse.
Simon abriu a boca para responder, para dizer ao Inquisidor como Raphael tinha levado ele para o Instituto, e como Clary, Jace e Isabelle trouxeram ele ao cemitério e o observaram cavar seu caminho para fora do seu próprio túmulo. Então ele hesitou. Ele tinha só uma vaga ideia de como a Lei funcionava, mas duvidava que de algum modo fosse norma do procedimento do Caçador de Sombras vigiar um vampiro enquanto ele se erguia, ou providenciar a eles sangue para sua primeira refeição.
— Eu não sei. Não tenho ideia do porquê eles me transformaram ao invés de me matarem.
— Mas um deles deve ter deixado você beber seu sangue, ou você não seria... bem, o que você é hoje. Você está dizendo que não sabe quem foi seu vampiro criador?
Meu vampiro criador? Simon nunca tinha pensado daquela maneira... ele tinha tomado o sangue de Raphael em sua boca quase por acidente. E era duro de se pensar de um menino vampiro como um criador de algum tipo.
— Eu temo que não.
— Oh, querido — o Inquisidor suspirou — o mais desventurado.
— O que é desventurado?
— Bem, que você está mentido para mim, meu menino — Aldertree agitou a cabeça — e eu tinha esperado tanto que você cooperasse. Isso é terrível, simplesmente terrível. Você não consideraria me dizer a verdade? Apenas como um favor?
— Eu estou dizendo a você a verdade!
O Inquisidor murchou como uma flor fora da água.
— Que vergonha — ele suspirou novamente — que vergonha.
Ele cruzou a sala e então bateu acentuadamente na porta, ainda balançando a cabeça.
— O que está acontecendo? — Alarme e confusão tingiam a voz de Simon. — E sobre o Portal?
— O Portal? — Aldertree deu uma risadinha. — Você realmente não acha que eu estava te deixando ir, acha?
Antes que Simon pudesse dizer uma palavra em resposta, a porta explodiu aberta e Caçadores de Sombras em vestimentas negras verteram dentro da sala, agarrando-o. Ele se debateu enquanto mãos fortes agarravam seus braços. Um capuz foi colocado sobre sua cabeça, cegando-o. Ele chutou a escuridão; seu pé acertou algo e ele ouviu alguém xingar.
Ele foi sacudido para trás violentamente; uma voz acalorada rosnou em seu ouvido:
— Faça isso novamente, vampiro, e eu vou derramar água benta em sua garganta e te observar morrer vomitando sangue.
— Já chega! — A voz fina e preocupada do Inquisidor subiu como um balão. — Não haverá mais ameaças! E só estou tentando ensinar ao nosso convidado uma lição — ele deve ter se movido a frente, por que Simon sentiu o estranho e amargo cheiro de novo, abafado através do capuz — Simon, Simon — Aldertree disse. — Eu estava tão feliz em conhecer você. Espero que uma noite nas celas da Garde tenha o efeito desejado e de manhã você vai estar um pouco mais cooperativo. Ainda vejo um futuro brilhante para nós, uma vez que nós acabemos esse pequeno contratempo — suas mãos desceram sobre os ombro de Simon — levem-no para baixo, Nephilim.
Simon gritou alto, mas seus gritos foram abafados pelo capuz. Os Caçadores de Sombras o arrastaram da sala e empurraram-no por uma série sem fim de corredores como labirintos, girando e virando. Eventualmente, eles alcançaram um conjunto de escadas e ele foi impulsionado para baixo dela com toda a força, seus pés deslizando sobre os degraus. Ele não podia dizer nada sobre onde estavam... exceto que havia um cheiro confinado e pesado ao redor deles, como pedra molhada, e que o ar estava crescendo úmido e frio À medida que eles desciam.
Finalmente eles pararam. Houve um som de atrito, como ferro raspando sobre a pedra, e Simon foi jogado a frente para aterrissar de quatro no piso duro. Houve um alto tinido metálico como o de uma porta sendo batida fechada, e o som de passos se afastando, o eco de botas na pedra diminuindo fracamente enquanto ele firmava-se em seus pés.
Ele puxou o capuz da cabeça e jogou no chão. A sensação pesada, quente e sufocante em todo seu rosto foi varrida, e ele lutou pela urgência de aspirar por ar – ar que ele não tinha. Sabia que aquilo era só um reflexo, mas seu peito doeu como se tivesse sido privado do ar.
Estava em um quadrado de pedra árida, com apenas uma única janela colocada na parede acima da pequena cama de aparência desconfortável. Através de uma porta baixa, Simon podia ver um pequeno banheiro com uma pia e um sanitário. A parede oeste do quarto era também espessa, com barras de ferro que corriam do chão até o teto, fincadas profundamente no chão. Uma porta dobradiça de ferro, feita de barra, era fixada na parede; estava instalada com uma maçaneta de bronze, que era esculpida em toda sua face com uma densa runa negra. Na realidade, todas as barras eram esculpidas com runas; mesmo as barras na janela eram envolvidas com linhas areinoformes nelas.
Embora ele soubesse que a porta da cela devia estar trancada, Simon não podia evitar; ele caminhou através do chão e segurou a maçaneta. Uma dor abrasadora veio através de sua mão. Ele gritou e sacudiu seu braço para trás, olhando. Finos fios de fumaça subiram de sua palma queimada; um intrincado desenho tinha sido carbonizado na pele. Parecia como uma pequena estrela de Davi dentro de um círculo, com delicadas runas desenhadas em cada espaço vazio entre as linhas.
A dor era sentida como inflamação. Simon fechou sua mão enquanto um arfar subia para seus lábios.
— O que é isso? — ele sussurrou, sabendo que ninguém podia ouvi-lo.
— É o selo de Salomão — uma voz respondeu — ele contém, eles alegam, um dos verdadeiros nomes de Deus. Repele demônios, e sua espécie também, sendo um artigo de sua fé.
Simon se endireitou, meio esquecido da dor em sua mão.
— Quem está aí? Quem disse isso?
Houve uma pausa. E então:
— Eu estou na cela ao lado da sua, Diurno — a voz era de um homem, adulto, ligeiramente rouca — os guardas estiveram aqui a metade do dia falando sobre como te manter encurralado. Então eu não me incomodaria em tentar abrir a cela. É melhor você guardar suas forças para encontrar o que a Clave quer de você.
— Eles não podem me segurar aqui — Simon protestou — eu não pertenço a este mundo. Minha família vai notar que eu estou desaparecido... meus professores...
— Eles vão cuidar disso. Há magias simples o suficiente... um bruxo iniciante poderia suprir seus pais com a ilusão de que há uma razão perfeitamente legitima para sua ausência. Uma viagem escolar. Uma visita à família. Isso pode ser feito — não havia ameaça na voz, e nenhuma tristeza; era a realidade — você realmente acha que eles nunca fizeram um Ser do Submundo desaparecer antes?
— Quem é você? — A voz de Simon falhou. — Você é um Ser do Submundo também? É aqui onde ele nos mantém?
Dessa vez não houve resposta. Simon chamou novamente, mas seu vizinho tinha evidentemente decidido que tinha dito tudo o que queria dizer. Nada respondeu aos gritos de Simon, apenas o silêncio.
A dor em sua mão enfraqueceu. Olhando abaixo, Simon viu que a pele já não parecia queimada, mas a marca do selo estava impresso em sua palma como se tivesse sido desenhada com tinta. Ele olhou atrás das barras da cela. Notou agora que nem todas tinham runas: esculpidas entre elas estavam estrelas de Davi e linhas do Torá em hebreu.
Os entalhes pareciam novos.
Os guardas estiveram aqui a metade do dia falando sobre como manter você encurralado, a voz havia dito.
Mas isso não tinha sido só porque ele era um vampiro, ridiculamente, era em parte por que ele era judeu. Tinham gastado metade do dia esculpindo o selo de Salomão naquela maçaneta, então iria queimar quando ele tocasse. Tinha tomado tempo deles para tornar seus objetos de fé contra ele. Por algum motivo, a concretização do afastamento da última posse de Simon. Ele afundou na cama, a cabeça nas mãos.
***
A Rua Princewater estava escura quando Alec retornou da Garde, as janelas das casas fechadas e sombreadas, só a ocasional luz de pedras enfeitiçadas lançando uma piscina de iluminação branca no calçamento.
Jace estava sentado sobre a parede baixa de pedra que circulava a frente do jardim dos Penhallow, seu cabelo muito brilhante debaixo da luz da lâmpada de rua mais próxima. Ele olhava acima enquanto Alec se aproximava, e estremeceu um pouco. Estava usando só um leve casaco, Alec percebeu, e tinha aumentado o frio desde que o sol tinha se posto. O cheiro das últimas rosas perdurava no ar frio como perfume fino.
Alec afundou na parede ao lado de Jace.
— Você esteve aqui fora esperando por mim esse tempo todo?
— Quem disse que eu estou esperando você?
— Foi tudo bem, se é com isso que você estava preocupado. Deixei Simon com o Inquisidor.
— Você deixou ele? Você não ficou para ter certeza de que tudo ia ficar bem?
— Foi tudo bem — Alec repetiu — o Inquisidor disse que o levaria para dentro pessoalmente e o enviaria de volta...
— O Inquisidor disse, o Inquisidor disse — Jace interrompeu — o último Inquisidor que conhecemos ultrapassou completamente seu comando – se ela não tivesse morrido, a Clave teria privado-a de sua posição, talvez até mesmo amaldiçoado-a. Como dizer que este Inquisidor não é um louco pelo trabalho também?
— Ele parecia bem. Até legal, Ele foi perfeitamente polido com Simon. Olha. Jace... assim é como a Clave trabalha. Nós não entendemos o controle de tudo o que acontece. Mas você tem que confiar neles, porque de outro modo tudo se transforma em caos.
— Mas eles ferraram demais recentemente... você tem que admitir isso.
— Talvez. Mas se você começar a pensar que sabe mais do que a Clave e mais do que a Lei, o que te faz melhor do que o Inquisidor? Ou Valentim?
Jace hesitou. Ele olhava como se Alec tivesse batido nele, ou pior.
O estômago de Alec caiu.
— Me desculpe — ele aproximou uma mão — eu não quis dizer isso...
Um feixe de brilhante luz amarela cortou o jardim de repente. Alec olhou acima para ver Isabelle emoldurada na janela da frente aberta, luz fluindo em torno dela. Ela era só uma silhueta, mas ele podia dizer pelas mãos em seus quadris que ela estava chateada.
— O que vocês estão fazendo ai fora? — ela chamou. — Todo mundo está se perguntando onde vocês estão.
Alec se virou para seu amigo.
— Jace...
Mas Jace tinha levantado, ignorando a mão estendida de Alec.
— É melhor que você esteja certo sobre a Clave — foi tudo o que ele disse.
Alec observou enquanto Jace caminhava de volta para a casa. Espontaneamente, a voz de Simon veio em sua mente. Agora eu me pergunto o tempo todo como voltar depois de uma coisa dessas. Se nós podemos mesmo ser amigos novamente, ou se o que nós tínhamos se quebrou em pedaços. Não por causa dela, mas por minha causa.
A porta da frente se fechou, deixando Alec sentado no jardim parcialmente iluminado. Ele fechou seus olhos por um momento, a imagem de um rosto pairando atrás das pálpebras. Não o rosto de Jace, para variar. Os olhos no rosto eram verdes, pupilas fendidas.
Olhos de gato.
Abrindo seus olhos, ele alcançou sua bolsa e puxou uma caneta e um pedaço de papel, rasgando do caderno espiral... que ele usava como um diário. Escreveu algumas palavras nele e então, com sua estela, traçou a runa de fogo na parte inferior da página. Ela subiu mais rápido do que ele tinha pensado que teria; Alec deixou o papel ir enquanto ele queimava, flutuando no meio do ar como um vagalume. Logo tudo o que havia era uma fina corrente de cinzas, peneirada como pó branco através das roseiras.
Comentários
Postar um comentário
Nada de spoilers! :)