Capítulo 5 - Pecado dos Pais

A escuridão das prisões na Cidade do Silêncio era mais profunda do que qualquer escuridão que Jace tinha conhecido. Ele não podia ver a forma de sua mão em frente a seus olhos, não podia ver o chão da cela. O que ele conhecia da cela, sabia pela luz da tocha da primeira vez que ele veio, guiado para baixo por um contingente de Irmãos do Silêncio, que abriram o portão da cela de barras para ele e o jogaram lá dentro como se ele fosse um criminoso comum.
Então de novo, provavelmente é o que pensavam que fosse.
Ele sabia que a cela tinha um piso de pedra, que três das paredes eram talhadas na rocha e que a quarta era feito de barras de metal estreitamente espaçadas, as extremidades fincadas profundamente na rocha. Sabia que havia uma porta nessas barras.
Também sabia que uma barra de metal corria ao longo do muro a oeste porque os Irmãos do Silêncio tinham anexado um par de algemas de prata nessa barra, prendendo seu pulso. Ele podia andar para cima e para baixo na cela uns poucos passos, chacoalhando como o fantasma de Marley, mas aquilo era o mais longe que podia ir. Já tinha friccionado seu punho direito puxando, sem pensar, na algema. Pelo menos ele era canhoto, um pequeno ponto brilhante na escuridão impenetrável. Não que isso importasse muito, mas era reconfortante ter livre sua melhor mão de luta.
Jace começou outro lento passeio no comprimento de sua cela, os dedos ao longo da parede enquanto andava. Era enervante não saber que horas eram. Em Idris, seu pai tinha lhe ensinado a ver o tempo pelo ângulo do sol, pelo comprimento da sombra da tarde, pela posição das estrelas no céu noturno. Mas não havia estrelas aqui. Na verdade, ele tinha começado a se perguntar se iria ver o céu novamente.
Jace pausou. Se perguntou por que imaginou isso. É claro que ele iria ver o céu novamente. A Clave não iria matá-lo. A penalidade de morte era reservada para assassinos. O tremor do medo, contudo, permaneceu com ele em seu peito, uma estranha pontada de dor.
Jace não era exatamente propenso a fortuitos ataques de pânico – Alec teria dito que ele poderia ser beneficiado com um pouco mais no caminho da covardia construtiva. Medo era algo que nunca tinha afetado-o muito.
Ele pensou em Maryse dizendo, Você nunca teve medo do escuro.
Isso era verdade. A ansiedade era antinatural. Havia mais do que isso na simples escuridão.
Ele tomou outra respiração superficial. Só tinha que passar uma noite. Uma noite. Era. Deu outro passo a frente. Sua algema tiniu secamente.
Um som fendeu o ar, congelando-o em seus passos. Era um ganido alto ululante, um som de puro terror insano. Aquilo pareceu vir mais e mais como uma nota tocada desafinada em um violino, crescendo mais alto, mais fino e nítido até que foi abruptamente cortado.
Jace xingou. Seus ouvidos estavam retinindo, e ele podia sentir o gosto de terror em sua boca, como metal amargo. Quem poderia pensar que o medo tinha um gosto? Pressionou suas costas contra a parede da cela, disposto a se acalmar.
O som veio de novo, desta vez mais alto e, em seguida, houve outro grito, e mais outro. Algo quebrou acima de sua cabeça, e Jace mergulhou involuntariamente antes de se lembrar que estava há vários níveis abaixo do chão. Ele ouviu outro desabamento e uma imagem se formou em sua mente: as portas do mausoléu esmagadas abertas, os corpos de Caçadores de Sombras mortos há séculos balançando livres, nada mais do que esqueletos segurados por tendões secos, arrastando-se através dos pisos brancos da Cidade do Silêncio, descarnados, dedos ossudos...
Chega!
Com um suspiro de esforço, Jace forçou a visão para longe. Os mortos não voltam. E, além disso, eram os corpos de Nephilim como ele mesmo, seus irmãos e irmãs mortos. Ele não tinha nada a temer vindo deles.
Então por que estava com medo?
Ele fechou a mão em punhos, as unhas cravando nas palmas. Aquele pânico era vergonhoso para ele. Jace seria seu mestre. Teria que esmagá-lo. Ele tomou uma respiração profunda, enchendo seus pulmões, assim que outro grito soou, muito alto. A respiração raspou para fora de seu peito quando alguma coisa colidiu muito alto, muito próximo a ele, e ele viu um súbito clarão de luz, uma quente flor de fogo apunhalando dentro de seus olhos.
Um Irmão Jeremiah assustado estava à vista, a mão direita segurando uma tocha ainda queimando, seu capuz de pergaminho caído para revelar uma face retorcida em uma expressão de terror grotesca. Sua boca costurada fechada intercalava aberta em um grito sem som, os fios rasgados cobertos com sangue pendiam em seus lábios desfiados.
Sangue, preto à luz da tocha, estava espalhado em seu manto. Ele deu uns poucos passos vacilantes a frente, suas mãos estendidas... e então, enquanto Jace assistia em total incredulidade, Jeremiah arremessou-se a frente e caiu precipitadamente para o chão.
Jace ouviu o estilhaçar dos ossos do corpo do arquivista atingindo o solo e a tocha faiscou, rolando da mão de Jeremiah e em direção a calha cortada rasa no piso de pedra, do lado de fora da porta com as barras.
Jace se pôs de joelhos instantaneamente, esticando-se tanto quanto as correntes permitiam, seus dedos alcançando a tocha. Ele não a alcançou o bastante. A luz estava apagando rapidamente, mas pelo seu brilho esmorecido, ele podia ver o rosto morto de Jeremiah virado na direção dele, sangue ainda vertendo de sua boca aberta.
Seus dentes eram deformados tocos pretos.
Jace sentiu como se algo pesado estivesse pressionando seu peito. Os Irmãos do Silêncio nunca abriram suas bocas, nunca tinham falado, rido ou gritado. Mas este havia sido o som que Jace tinha ouvido, ele tinha certeza disso agora – os gritos de homens que não tinham gritado em metade de um século, o som de terror mais profundo e poderoso que as antigas runas do Silêncio. Mas o que poderia ser? E onde estavam os outros Irmãos?
Jace queria gritar por ajuda, mas o peso ainda estava em seu peito, pressionando abaixo. Ele parecia não conseguir ar suficiente. Se arremessou para a tocha de novo e sentiu um dos pequenos ossos do seu pulso quebrar. Dor acertou seu braço, mas aquilo deu a ele o centímetro extra que ele precisava. Ele arrastou a tocha em sua mão e a levantou.
Enquanto a chama saltava de volta a vida, ele ouviu outro ruído. Um ruído pesado, uma espécie de feio e arrastado escorregar. Os pelos de sua nuca se eriçaram, afiados como agulhas. Ele impulsionou a tocha para frente, enviando um salpicar de luz selvagem dançando acima das paredes, iluminando brilhantemente as sombras.
Não havia nada lá.
Em vez de alívio, entretanto, ele sentiu o terror se intensificar. Agora estava respirando profundamente o ar em grandes sugadas acentuadas, como se estivesse debaixo d’água. O medo fazia tudo pior porque era desconhecido. O que tinha acontecido com ele? Ele tinha de repente se tornado um covarde?
Sacudiu com vigor a mão contra a algema, esperando que a dor clareasse sua cabeça. Ela não o fez.
Ouviu o barulho de novo, o retumbante escorregar, e agora estava próximo. Havia outro som também, por trás de arrastar, um suave e constante sussurro. Ele nunca tinha ouvido um som tão maligno. Metade de sua mente preenchida com horror, ele cambaleou de volta a parede e levantou a tocha em sua mão.
Por um momento, brilhante como a luz do dia, ele viu todo o quarto: a cela, as barras da porta, o piso de pedra abaixo e o corpo morto de Jeremiah amontoado contra o chão. Havia uma porta logo atrás de Jeremiah. Ela se abriu lentamente. Algo ondulou seu caminho através da porta. Algo grande, escuro e sem forma. Olhos como gelo queimando, afundados em profunda escuridão, observaram Jace com um rosnar de divertimento. Então a coisa se arremessou a frente. Uma grande nuvem de vapor revolvente se ergueu a frente dos olhos de Jace como uma onda varrendo toda a superfície do oceano. A última coisa que ele viu foi a chama de sua tocha gotejando verde e azul, antes de ser engolida pela escuridão.

***

Beijar Simon era agradável. Era uma calma agradável, como descansar em uma rede em um dia de verão com um livro e um copo de limonada. Era o tipo de coisa que você poderia se manter fazendo e não se sentir entediada, apreensiva, desconsertada ou incomodada por qualquer coisa, exceto o fato de que a barra de metal na cabeceira da cama estava escavando suas costas.
— Ai — Clary disse, tentando se esquivar para longe das barras e não tendo sucesso.
— Eu machuquei você? — Simon se levantou a seu lado, parecendo preocupado.
Ou talvez fosse só que sem o seus óculos, seus olhos pareciam duas vezes maiores e escuros.
— Não, não você... a cama. Ela é como um instrumento de tortura.
— Eu não percebi — ele disse entristecido, enquanto ela agarrava um travesseiro do chão, onde ele tinha caído, e o colocou debaixo deles.
— Você não — ela riu — onde nós estávamos?
— Bem, meu rosto estava aproximadamente de onde está agora, mas o seu estava bastante próximo do meu. Isso é o que eu me lembro, de qualquer maneira.
— Que romântico.
Ela puxou-o para baixo, acima dela, onde ele se equilibrou em seus cotovelos. Seus corpos na posição nitidamente alinhada, e ela podia sentir o coração dele através de suas roupas. Seus cílios, normalmente escondidos atrás dos óculos, tocavam sua bochecha quando ele se inclinou para beijá-la. Ela deixou sair um riso um pouco inseguro.
— Isso é estranho para você? — Ela sussurrou.
— Não. Acho que quando você imagina algo frequentemente, a realidade disso parece...
— Anticlímax?
— Não. Não! — Simon empurrou-se para trás, olhando para ela com uma convicção cega. — Não pense jamais isso. Isso é o oposto de anticlímax. Isso é...
Ela suprimiu a gargalhada que borbulhava em seu peito.
— Ok, talvez você não queira dizer, também.
Ele semicerrou os olhos, sua boca se curvando em um sorriso.
— Ok, agora eu quero dizer algo inteligente em resposta a você, mas tudo o que eu penso é...
Ela sorriu para ele.
— Que você quer sexo?
— Pare com isso — ele prendeu suas mãos na dela, apoiando-as na colcha, e olhou abaixo para elas, gravemente — que eu te amo.
— Então você não quer sexo?
Ele largou suas mãos.
— Eu não diria isso.
Ela riu e empurrou o peito dele com ambas as mãos.
— Me deixe levantar.
Ele pareceu alarmado.
— Eu não quis dizer que só queria sexo...
— Não é isso. Eu quero colocar meu pijama. Não posso ficar te namorando seriamente quando ainda estou de meias.
Ele observou pesarosamente enquanto ela pegava seu pijama no armário e se dirigia ao banheiro. Puxando a porta para fechar, ela fez uma careta para ele.
— Já volto.
O que quer que ele tenha dito em resposta, se perdeu quando Clary fechou a porta. Ela escovou seus dentes e, em seguida, deixou a água da pia correr por um longo tempo, olhando a si mesma no armário de remédios. Seus cabelos estavam bagunçados e suas bochechas vermelhas. Aquilo contava como resplandecer?, Ela se perguntou. Era suposto que pessoas apaixonadas brilhavam, não era? Ou talvez apenas as mulheres grávidas. Ela não conseguia se lembrar exatamente, mas certamente devia parecer um pouco diferente. Afinal, esta era sua primeira sessão real de beijos longos que já teve – e tinha sido legal, disse a si mesma, seguro, agradável e confortável.
É claro, ela tinha beijado Jace na noite de seu aniversário e aquilo não tinha sido seguro, agradável e confortável de forma alguma. Tinha sido como uma veia se abrindo para algo desconhecido dentro de seu corpo, algo quente, doce e mais penetrante do que sangue.
Não pense em Jace.
Ela viu seus olhos escurecerem e sabia que seu corpo se lembrava, mesmo que sua mente não quisesse. Deixou a água fria correr e a jogou sobre o rosto antes de alcançar seu pijama.
Ótimo, percebeu, tinha trazido a parte de baixo e a parte de cima não. Mesmo que Simon apreciasse, parecia cedo demais aparecer em um arranjo para dormir sem camiseta.
Ela voltou ao quarto só para descobrir que Simon estava dormindo no centro da cama, agarrado ao travesseiro como se aquilo fosse uma pessoa. Ela abafou um riso.
— Simon... — ela sussurrou.
Então ouviu dois bipes afinados que marcavam que uma mensagem de texto tinha acabado de chegar em seu celular. O telefone estava descansando na mesa ao lado da cama; Clary o pegou e viu que a mensagem vinha de Isabelle.
Ela abriu o telefone e percorreu apressadamente o texto. Leu-o duas vezes para ter certeza de que não estava imaginando coisas. então correu para seu armário para pegar seu casaco.

***

— Jonathan.
A voz falou na escuridão: lenta, escura, familiar como a dor. Jace piscou duas vezes e viu apenas a escuridão. Ele estremeceu. Estava deitado no chão frio de pedra. Deve ter desmaiado. Ele sentiu uma pontada de fúria por sua própria fraqueza, sua própria fragilidade. Rolou de lado, seu pulso dilacerado palpitando na algema.
— Tem alguém aí?
— Certamente você reconhece o seu próprio pai, Jonathan.
A voz veio novamente e Jace a reconheceu; o som de metal antigo que deslizava próximo a um tom sem som. Ele tentou se erguer em seus pés, mas seus calçados escorregaram em uma poça de alguma coisa e ele patinou para trás, os ombros acertando a parede dura de pedra. Sua algema chacoalhou como um coro de sinos ao vento.
— Você está ferido?
Uma luz resplandeceu acima, cegando os olhos de Jace. Ele piscou para longe as lágrimas que queimavam e viu Valentim de pé do outro lado das barras, ao lado do corpo do Irmão Jeremiah. Uma brilhante pedra enfeitiçada enviava um afiado brilho esbranquiçado para dentro do quarto.
Jace pôde ver as manchas antigas de sangue nas paredes – e sangue recente, um pequeno lago daquilo, que tinha sido derramado da boca aberta de Jeremiah. Ele sentiu seu estômago girar e apertar, e pensou na amorfa forma negra que tinha visto antes, com olhos brilhando como joias queimando.
— Aquela coisa — ele sufocou — onde está ela? O que era?
— Você está ferido — Valentim moveu-se para mais perto das barras — quem ordenou que você fosse preso aqui? Foi a Clave? Os Lightwood?
— Foi a Inquisidora.
Jace olhou abaixo para si mesmo. Havia mais sangue nas pernas de sua calça e em sua blusa. Não podia dizer se algum era dele. Sangue estava escorrendo lentamente pela sua algema.
Valentim considerou-o pensativamente através das barras. Era a primeira vez em anos que Jace viu seu pai em uma verdadeira roupa de batalha – o couro pesado das roupas de Caçador de Sombras que permitiam liberdade de movimentos enquanto protegia a pele contra a maioria dos tipos de venenos de demônio; as braçadeiras laminadas de liga de prata e ouro em seus braços e pernas, cada uma marcada com um série de grifos e runas. Havia uma larga faixa em todo o seu peito e o cabo de uma espada fulgindo acima do ombro. Valentim abaixou, colocando seus frios olhos negros no nível dos de Jace. Jace estava surpreso por não encontrar nenhuma raiva neles.
— A Inquisidora e a Clave são a mesma coisa. E os Lightwood nunca deveriam ter permitido que isso acontecesse. Eu nunca teria deixado ninguém fazer isso com você.
Jace pressionou seus ombros contra a parede; era o mais longe que ele poderia ir de seu pai.
— Você veio aqui para me matar?
— Te matar? Por que eu iria querer te matar?
— Bem, por que você matou Jeremiah? E não se incomode em me contar alguma história sobre como você estava por perto e ele espontaneamente morreu. Eu sei que você fez isso.
Pela primeira vez, Valentim olhou para o corpo do Irmão Jeremiah.
— Eu matei-o, e o resto dos Irmãos do Silêncio também. Eles tinham uma coisa que eu precisava.
— O quê? Um senso de decência?
— Isto — Valentim respondeu, e puxou a espada de seu ombro em um rápido circular — Maellartach.
Jace sufocou um suspiro de surpresa que subiu em sua garganta. Ele reconhecia aquilo bem o suficiente: a enorme e pesada lâmina de prata da Espada que tinha o cabo na forma de duas asas, aquela pendurada acima das Estrelas Falantes no salão do conselho dos Irmãos do Silêncio.
— Você tirou a espada dos Irmãos do Silêncio?
— Ela nunca foi deles. Ela pertence a todos os Nephilim. Esta foi a lâmina com que o Anjo direcionou Adão e Eva para fora do jardim. E colocou a leste do jardim do Éden querubins, e uma espada flamejante que se revolvia em todo o caminho — ele citou, observando a espada.
Jace lambeu seus lábios secos.
— O que você vai fazer com ela?
— Eu vou te dizer o que — Valentim disse — quando eu achar que posso confiar em você, e você souber que pode confiar em mim.
— Confiar em você? Depois da forma como você escapou através do Portal de Renwick e o quebrou para que eu não pudesse ir atrás de você? E do modo como tentou matar Clary?
— Eu nunca teria machucado sua irmã — Valentim respondeu, com um flash de raiva — não mais do que eu iria machucar você.
— Tudo o que você fez foi me machucar! Eram os Lightwood que me protegiam!
— Não sou quem prendeu você aqui. Não sou quem traiu e suspeitou de você. Estes são os Lightwood e seus amigos da Clave — Valentim pausou — ver você desse jeito – o modo como te trataram, e você ainda permanece impassível. Estou orgulhoso de você.
Com aquilo, Jace olhou em surpresa, tão rapidamente que sentiu uma onda de tontura. A mão dele deu um insistente pulsar. Ele empurrou a dor abaixo e para trás, até que sua respiração ficasse regular.
— O quê?
— Eu percebo agora que o que fiz em Renwick foi errado — Valentim continuou — eu estava te imaginando como o garotinho que eu tinha deixado para trás em Idris, obediente a cada desejo meu. Em vez disso, encontrei um homem obstinado. Independente e corajoso, ainda que eu tenha te tratado como uma criança; não me admira que você tenha se rebelado contra mim.
— Rebelado? Eu... — a garganta de Jace se apertou, cortando as palavras que ele queria dizer.
Seu coração começou batendo em um ritmo que havia começado com o pulsar em sua mão.
Valentim continuou energicamente.
— Eu nunca tive a chance de explicar meu passado para você, te dizer o porquê eu tenho feito as coisas que eu faço.
— Não há nada há explicar. Você matou meus avós. Manteve minha mãe prisioneira. Matou outros Caçadores de Sombras para favorecer seus próprios fins.
Cada palavra na boca de Jace tinha gosto de veneno.
— Você só sabe metade dos fatos, Jonathan. Eu menti quando você era uma criança porque você era muito jovem para entender. Agora é velho o suficiente para saber a verdade.
— Então me diga a verdade.
Valentim o alcançou através das barras da cela e descansou a mão acima de Jace. A áspera textura nos dedos dele eram exatamente do jeito que eram quando Jace tinha dez anos de idade.
— Eu quero confiar em você, Jonathan — ele disse — posso?
Jace quis responder, mas as palavras não vinham. Sentia em seu peito que uma barra de ferro estava sendo lentamente apertada em torno dele, cortando a respiração aos poucos.
— Eu desejo... — ele sussurrou.
Um ruído soou acima deles. Um barulho como um som estridente de uma porta metálica; então Jace ouviu passos nos degraus, sussurros ecoando nas paredes de pedra da cidade. Valentim ficou de pé, fechando a mão sobre a pedra enfeitiçada até que ela fosse apenas um turvo brilho e ele mesmo era uma sombra pouco delineada.
— Mais rápido do que eu pensei — ele murmurou, e olhou para Jace através das barras.
Jace tentou vê-lo, mas não era possível enxergar nada mais que escuridão além da fraca iluminação da pedra enfeitiçada. Ele pensou na forma escura revolvente que tinha visto antes, esmagando toda a luz.
— O que está vindo? O que é isso? — ele exigiu, lutando para se erguer.
— Eu tenho que ir. Mas nós não terminamos, você e eu.
Jace colocou suas mãos nas barras.
— Me solte. Seja lá o que for, eu quero ser capaz de lutar com ele.
— Te libertar dificilmente seria benéfico agora.
Valentim fechou sua mão na pedra enfeitiçada completamente. Ela piscou, mergulhando a sala na escuridão. Jace se lançou contra as barras, sua mão quebrada gritando em protesto e dor.
— Não! — ele gritou. — Pai, por favor.
— Quando você quiser me encontrar, vai me encontrar.
E então só houve o som de seus passos retrocedendo rapidamente e Jace respirando irregularmente tombou contra as barras.

***

No percurso de metrô cidade acima, Clary se encontrou incapaz de se sentar. Andou para cima e para baixo no vagão vazio, os fones do iPod pendendo ao redor de seu pescoço. Isabelle não atendeu ao telefone quando Clary tinha ligado para ela, e um irracional senso de preocupação roía o interior de Clary.
Ela pensou em Jace no Caçador da Lua, coberto com sangue. Seus dentes a mostra rosnando em raiva, ele parecia mais com um lobisomem do que com um Caçador de Sombras encarregado de proteger os humanos e manter os Seres do Submundo na linha.
Ela subiu os degraus da estação da rua noventa e sete, só diminuindo o passo quando se aproximou da esquina onde o Instituto erguia-se como uma enorme sombra cinza. Tinha estado quente lá embaixo nos túneis, e o suor em sua nuca picava friamente enquanto ela percorria o caminho no concreto rachado, em frente a porta do Instituto.
Clary se aproximou da enorme sineta de ferro que pendia da viga mestra, então hesitou. Ela era uma Caçadora de Sombras, não era? Tinha o direito de estar no Instituto tanto quanto os Lightwood. Com um ímpeto de determinação, ela agarrou a maçaneta da porta, tentando se lembrar das palavras que Jace tinha falado.
— Em nome do Anjo, eu...
A porta se abriu para a escuridão estrelada com as chamas de dezenas de pequenas velas. Enquanto ela se apressava entre os bancos, as velas piscaram como se estivessem rindo dela. Alcançou o elevador e fechou as portas retinindo, apunhalando os botões com um dedo tremendo. Ela desejou que seu nervosismo diminuísse – estava preocupada com Jace ou apenas preocupada por voltar a ver Jace?
Seu rosto, emoldurado pelo colarinho levantado de seu casaco, parecia muito branco e pequeno, os olhos grandes e verde-escuros, a boca pálida e mordida. Nada bonita, pensou com desânimo, e forçou o pensamento de volta. O que importava como ela se parecia? Jace não ligava. Jace não podia ligar.
O elevador chegou com uma parada rangente e Clary empurrou a porta.
Church estava esperando por ela no saguão. Ele saudou-a com um miau decepcionado.
— O que há de errado, Church?
A voz dela soou estranhamente alta no espaço quieto. Ela se perguntou se havia alguém no Instituto. Talvez apenas ela. Esse pensamento lhe deu arrepios.
— Tem alguém em casa?
O persa virou as costas e foi a frente pelo corredor. Eles passaram pela sala de música e a biblioteca, ambas vazias, antes que Church virasse outro canto e sentasse em frente a uma porta fechada. Certo, então. Eles estão aqui, sua expressão parecia dizer.
Antes que ela pudesse bater, a porta se abriu, revelando Isabelle em pé sobre o limiar, os pés descalços, um par de jeans e um suéter violeta suave. Ela falou quando viu Clary.
— Eu pensei ter escutado alguém vindo pelo corredor, mas não achei que fosse você. O que você está fazendo aqui?
Clary encarou-a.
— Você me enviou uma mensagem de texto. Disse que a Inquisidora tinha prendido Jace na cadeia.
— Clary! — Isabelle olhou acima e abaixo no corredor, mordendo o seu lábio. — Eu não queria dizer que você tinha que vir correndo para cá agora mesmo.
Clary ficou horrorizada.
— Isabelle! Cadeia!
— Sim, mas... — Com um suspiro derrotado, Isabelle ficou de lado, gesticulando para Clary entrar em seu quarto. — Olha, você poderia vir também. E você, xô — ela disse, acenando uma mão para Church — vá vigiar o elevador.
Church deu a ela um olhar horrorizado, deitou de barriga, e foi dormir.
— Gatos — Isabelle murmurou, e bateu a porta.
— Hey, Clary — Alec estava sentado na cama desarrumada de Isabelle, seus pés calçados pendendo para o lado — o que você está fazendo aqui?
Clary se sentou no banquinho acolchoado em frente a gloriosamente bagunçada penteadeira de Isabelle.
— Isabelle me enviou uma mensagem. Ela me disse o que aconteceu com Jace.
Isabelle e Alec trocaram um olhar significativo.
— Ah, vamos lá Alec — Isabelle disse — achei que ela deveria saber. Eu não sabia que ela viria correndo para cá!
O estômago de Clary revirou.
— É claro que eu vim! Ele está bem? O que no Inferno faria a Inquisidora atirá-lo na prisão?
— Não é uma exatamente prisão. Ele está na Cidade do Silêncio — Alec explicou, sentando-se ereto e puxando um dos travesseiros de Isabelle sobre seu colo. Ele separou preguiçosamente as franjas costuradas que adornavam os cantos dela.
— Na Cidade do Silêncio? Por quê?
Alec hesitou.
— Há celas embaixo da Cidade do Silêncio. Eles mantêm criminosos lá às vezes antes de os deportarem para Idris para serem julgados perante um Conselho. Pessoas que realmente fizeram coisas ruins. Assassinos, vampiros renegados, Caçadores de Sombras que quebram o Pacto. Lá onde Jace está agora.
— Trancafiado com um bando de assassinos? — Clary ficou em seus pés, escandalizada. — O que há de errado com vocês? Por que não estão indignados?
Alec e Isabelle trocaram outro olhar.
— É só por uma noite — Isabelle respondeu — e não há mais ninguém lá embaixo com ele. Nós perguntamos.
— Mas por quê? O que foi que Jace fez?
— Ele desrespeitou a Inquisidora. Foi isso, que eu saiba — Alec disse.
Isabelle se empoleirou na ponta da penteadeira.
— É inacreditável.
— Então a Inquisidora deve estar maluca — Clary opinou.
— Ela não é, na verdade — Alec disse — se Jace estivesse em seu exército mundano, acha que ele estaria autorizado a responder os seus superiores? Absolutamente não.
— Bem, não durante uma guerra. Mas Jace não é um soldado.
— Mas nós todos somos soldados. Jace é tanto quanto o resto de nós. Há uma hierarquia de comando e a Inquisidora está perto do topo. Jace está perto do fim. Ele deveria tê-la tratado com mais respeito.
— Se vocês concordam que ele deveria estar na cadeia, porque me pediram para vir até aqui? Só para eu concordar com vocês? Eu não vejo o ponto. O que vocês querem que eu faça?
— Nós não dissemos que ele deveria estar na cadeia — Isabelle rebateu — apenas que ele não deveria ter respondido a um dos membros mais importantes da Clave. Além disso — ela acrescentou em uma voz pequena — eu achei que você pudesse ajudar.
— Ajudar? Como?
— Eu te disse antes — Alec falou — na metade do tempo parece que ele está tentando matar a si mesmo, ele tem que aprender a cuidar de si próprio, e isso inclui colaborar com a Inquisidora.
— E você acha que eu posso ajudá-lo a fazer isso? — Clary perguntou, a descrença colorindo sua voz.
— Eu não tenho certeza se alguém pode fazer Jace se acalmar — Isabelle respondeu — mas acho que você pode lembrá-lo que ele tem algo pelo o que viver.
Alec olhou para o travesseiro que estava em sua mão e deu um puxão repentino e selvagem na franja. As contas caíram no cobertor de Isabelle como um banho de chuva localizada.
— Alec, não.
Clary queria dizer a Isabelle que eles eram a família de Jace, não ela, que as suas vozes carregavam mais importância para ele do que jamais saberiam. Mas ela matinha a voz de Jace em sua cabeça dizendo: Eu nunca senti que pertencia a qualquer lugar. Mas você me faz sentir que eu pertenço.
— Nós podemos ir a Cidade do Silêncio para vê-lo?
— Você vai dizer a ele para cooperar com a Inquisidora? — Alec exigiu.
Clary considerou.
— Quero ouvir o que ele tem a dizer primeiro.
Alec largou o travesseiro sobre a cama e se levantou, fazendo uma careta. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, houve uma batida na porta. Isabelle se levantou da penteadeira e foi atender.
Era um pequeno garoto de cabelos escuros, seus olhos meio escondidos pelos óculos. Usava jeans e um moletom de tamanho desproporcional e carregava um livro em uma mão.
— Max — Isabelle disse, com alguma surpresa — pensei que você estivesse dormindo.
— Eu estava na sala de armas — o menino disse – ele tinha de ser o caçula dos Lightwood — mas ouvi barulhos vindo da biblioteca. Acho que alguém pode estar tentando entrar em contato com o Instituto — ele espreitou ao redor de Isabelle para Clary — quem é essa?
— Esta é a Clary — Alec apresentou — é a irmã do Jace.
Os olhos de Max se arregalaram.
— Eu pensei que Jace não tinha nenhum irmão ou irmã.
— Isso é o que todos nós pensávamos — Alec disse, pegando o suéter que tinha largado em cima da cadeira de Isabelle e puxando com força.
Seu cabelo irradiou em torno de sua cabeça como um suave halo escuro, arrepiado com a eletricidade estática. Ele a empurrou impacientemente.
— Seria melhor eu ir para a biblioteca.
— Nós vamos — Isabelle corrigiu, pegando seu chicote dourado, que estava retorcido como uma corda brilhante para fora de uma gaveta e deslizando o punho através de seu cinto. — Talvez algo tenha acontecido.
— Onde estão seus pais? — Clary perguntou.
— Eles foram chamados há poucas horas. Uma fada foi assassinada no Central Park. A Inquisidora foi com eles — Alec explicou.
— Vocês não quiseram ir?
— Não, não fomos convidados — Isabelle jogou as duas tranças escuras no topo da cabeça e prendeu os rolos de cabelo numa pequena adaga de vidro — você pode olhar Max? Nós já estaremos de volta.
— Mas... — Clary protestou.
— Nós estaremos de volta.
Isabelle se lançou no corredor, com Alec em seus calcanhares. No momento em que a porta se fechou atrás deles, Clary se sentou na cama e olhou Max com apreensão. Ela nunca tinha passado muito tempo em torno de crianças – e sua mãe nunca a tinha deixado ser babá – ela não tinha muita certeza o que falar para elas ou como diverti-las.
Ajudou um pouco que este particular menininho a lembrasse de Simon quando tinha aquela idade, com seus braços e pernas magros, e óculos que pareciam muito grandes em seus rosto.
Max retornou seu olhar com uma análise de sua própria visão, não tímido, mas pensativo e contido.
— Quantos anos você tem? — ele falou finalmente.
Clary foi tomada de surpresa.
— Que idade eu pareço?
— Quatorze.
— Eu tenho dezesseis, mas as pessoas sempre pensam que eu sou mais nova porque eu sou baixa.
Max acenou.
— Eu também. Eu tenho nove, mas as pessoas sempre pensam que eu tenho sete.
— Você parece ter nove para mim. O que você está segurando? É um livro?
Max trouxe a mão que estava atrás de suas costas. Ele estava segurando uma larga e plana brochura, aproximadamente do tamanho de uma dessas pequenas revistas que eram vendidas nos caixas de mercearias. Aquela tinha uma capa brilhantemente colorida com manuscritos de kanji japoneses e embaixo as palavras em inglês. Clary riu.
— Naruto — ela disse — eu não sabia que você gostava de mangá. Onde conseguiu isso?
— No aeroporto. Eu gosto das figuras, mas não sei como se lê.
— Aqui, dê ele para mim — ela o folheou aberto, mostrando as páginas — você começa de trás, da direita para a esquerda em vez da esquerda para direita. E lê cada página em sentido horário. Você sabe o que significa?
— Claro — Max disse.
Por um momento, Clary ficou preocupada de tê-lo aborrecido.
Ele pareceu bastante satisfeito. Porém, quando pegou o livro de volta e o virou para a última página, falou:
— Este é número nove. Acho que eu devo conseguir os outros oito antes de ler este.
— Essa é uma boa ideia. Talvez você possa arranjar alguém que o leve ao Midtown Comics ou ao Forbidden Planet.
— Forbidden Planet? — Max pareceu confuso, mas antes que Clary pudesse explicar, Isabelle rompeu através da porta, claramente ofegando.
— Era alguém tentando constatar o Instituto — ela contou, antes que Clary pudesse perguntar — um dos irmãos do silêncio. Algo aconteceu na Cidade dos Ossos.
— Que tipo de coisa?
— Eu não sei. Eu nunca tinha ouvido falar dos Irmãos do Silêncio pedindo por ajuda antes — Isabelle estava claramente angustiada. Ela se virou para seu irmão — Max, vá para seu quarto e fique lá, ok?
Max apertou sua mandíbula.
— Você e Alec vão sair?
— Sim.
— Para a Cidade do Silêncio?
— Max...
— Eu quero ir.
Isabelle balançou a cabeça; o cabo da adaga na parte de trás de sua cabeça brilhou como um ponto de fogo.
— Absolutamente não. Você é muito jovem.
— Você também não tem dezoito!
Isabelle se virou para Clary com um olhar meio de ansiedade e meio de desespero.
— Clary, venha aqui por um segundo, por favor.
Clary se levantou confusamente. Isabelle agarrou-a pelo braço e a puxou para fora do quarto, fechando a porta atrás dela. Houve um baque quando Max se jogou contra ela.
— Maldição — Isabelle disse, segurando a maçaneta — você pode pegar a minha estela para mim, por favor? Está em meu bolso...
Apressadamente, Clary pegou a estela que Luke tinha dado a ela mais cedo naquela noite.
— Use a minha.
Com alguns rápidos movimentos, Isabelle esculpiu uma runa de trancar na porta.
Clary ainda podia ouvir os protestos de Max vindos do outro lado enquanto Isabelle se afastava da porta, fazendo careta e entregando a estela para Clary.
— Eu não sabia que você tinha uma dessas.
— Era da minha mãe — Clary respondeu, então mentalmente reprovou a si mesma. É da minha mãe. É da minha mãe.
— Uh — Isabelle socou a porta com um batida — Max, tem algumas barras na gaveta da minha cômoda se você tiver fome. Nós vamos estar de volta o mais rápido que pudermos.
Houve outro grito indignado vindo de trás da porta. Com uma encolhida de ombros, Isabelle virou as costas e se apressou pelo corredor, com Clary a seu lado.
— O que a mensagem dizia? — Clary exigiu. — Só que havia problemas?
— Que houve um ataque. Foi isso.
Alec estava esperando por elas no lado de fora da biblioteca. Estava usando uma armadura de couro preto por cima de suas roupas. Protetores protegiam seus braços e marcas circulavam sua garganta e pulsos. Lâminas serafim, cada uma nomeada por um anjo, brilhavam no cinto ao redor de sua cintura.
— Você está pronta? — ele disse para sua irmã. — E cuidou de Max?
Enquanto Alec traçava os padrões de runas ao longo das costas das mãos e no interior dos pulsos de Isabelle, ele olhou para Clary.
— Você provavelmente deveria ir para casa. Não vai desejar estar aqui quando a Inquisidora voltar.
— Eu quero ir com vocês — Clary respondeu, as palavras se derramando antes que ela pudesse detê-las.
Isabelle afastou uma de suas mãos de Alec e soprou as marcas em sua pele como se estivesse esfriando uma xícara de café muito quente.
— Você parece com Max.
— Max tem nove. Eu sou da mesma idade que você.
— Mas você não tem nenhum treinamento — Alec argumentou — vai ser apenas um peso.
— Não, eu não vou. Você também já esteve dentro da Cidade do Silêncio? — Clary reclamou. — Eu estive. Sei como entrar. Sei como achar meu caminho.
Alec se endireitou, colocando sua estela distante.
— Eu não acho que...
Isabelle interrompeu.
— Ela tem um ponto, na verdade. Acho que ela poderia vir, se quiser.
Alec pareceu surpreendido.
— A última vez que nós enfrentamos um demônio, ela apenas se assustou e gritou — vendo o olhar ácido de Clary, ele lhe atirou um olhar de desculpas — sinto muito, mas é verdade.
— Eu acho que ela precisa de uma chance para aprender — Isabelle opinou. — Você sabe o que sempre Jace diz. Às vezes você não tem que procurar o perigo, às vezes o perigo te encontra.
— Você não pode me trancar como fez com Max — Clary adicionou, vendo a resolução enfraquecendo de Alec — eu não sou uma criança. E sei onde é a Cidade dos Ossos. Posso encontrar o caminho sem vocês.
Alec se virou, balançando a cabeça e murmurando algo sobre garotas. Isabelle segurou a mão de Clary.
— Me dê a sua estela. É hora de você ganhar algumas marcas.

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