Capítulo 5 - Um Problema de Memória

A luz da tarde acordou Clary, um feixe pálido que caía diretamente sobre a face dela, iluminando o interior de suas pálpebras em um rosa forte. Ela se mexeu impacientemente, cuidadosamente abrindo seus olhos.
A febre tinha passado, e assim a sensação que seus ossos estava fundidos e quebrados dentro dela também. Ela sentou-se e olhou em torno curiosa. Estava no que devia ser o quarto de hóspedes de Amatis – ele era pequeno, pintado de branco, a cama com um cobertor de tecido trançado. Cortinas com laços estavam puxadas para trás sobre as janelas redondas, deixando círculos de luz.
Ela se sentou lentamente, esperando que a tontura viesse. Nada aconteceu. Se sentia completamente saudável, até bem descansada. Saindo da cama, olhou para si. Alguém tinha lhe colocado um pijama branco e engomado, embora estivesse agora enrugado e grande demais para ela; suas mangas penduradas, passando da linha dos dedos.
Ela foi para uma das janelas circulares e espreitou lá fora. Casas amontoadas de pedras cor de ouro antigo cresciam ao lado de uma colina, os telhados pareciam ser de bronze. A lateral da casa era virada para um estreito jardim tornando-se marrom e dourado com o outono. Uma grade contornava a casa; uma única roseira pendurada nela, soltando pétalas amarronzadas.
A maçaneta chacoalhou e Clary subiu apressadamente na cama antes de Amatis entrar, segurando uma bandeja em suas mãos. Ela levantou as sobrancelhas quando viu que Clary estava acordada, mas nada disse.
— Onde está Luke? — Clary demandou, tirando o cobertor de si para estar a vontade.
Amatis colocou a bandeja na mesa ao lado da cama. Havia uma caneca de alguma coisa quente nela, e algumas fatias de pão com manteiga.
— Você deve comer alguma coisa. Vai se sentir melhor.
— Eu me sinto bem — Clary respondeu — onde está Luke?
Ela estava em uma cadeira com espaldar alto; e Clary a considerou calmamente. Na luz do dia, Clary podia ver mais claramente as linhas em seu rosto – ela parecia muitos anos mais velha que a mãe de Clary, embora elas não pudessem ser tão afastadas pela idade. Seu cabelo castanho era pontilhado com cinza, os olhos coroados com rosa escuro, como se estivesse estado chorando.
— Ele não está aqui.
— Não aqui como se ele apenas tivesse ido à esquina buscar algumas latinhas de Diet Coke e uma caixa de Krispy Kremes, ou não aqui como...
— Ele saiu esta manhã, cedo, depois de ter ficado ao seu lado a noite toda. Quanto ao seu destino, ele não foi específico.
O tom de Amatis era seco. Se Clary não se sentisse tão desprezada, poderia estar divertida por notar que isso a fez soar muito parecida com Luke.
— Quando ele viveu aqui, antes de ter deixado Idris, depois que ele estava... Mudado... ele liderou um bando de lobisomens que fez seu lar na Floresta Brocelind. Disse que ia voltar para eles, mas não disse por que ou por quanto tempo... só que ele iria estar de volta em poucos dias.
— Ele apenas... me deixou aqui? E supostamente eu sento por aqui e espero por ele?
— Bem, ele não podia exatamente te levar com ele, podia? — Amatis perguntou... — E não vai ser fácil para você sair de casa. Você quebrou a Lei vindo aqui como veio, e a Clave não vai fazer vista grossa disso, ou ser generosa sobre deixar você partir.
— Eu não quero ir para casa — Clary tentou recolher-se — vim aqui para... para encontrar alguém. Eu tenho algo a fazer.
— Luke me disse. Me deixe lhe dar um conselho... você irá encontrar Ragnor Fell se ele quiser ser encontrado.
— Mas...
— Clarissa — Amatis olhava para ela especulativamente — estamos esperando um ataque de Valentim a qualquer momento. Quase todos Caçadores de Sombras em Idris está aqui na cidade, dentro das barreiras. Ficar em Alicante é a coisa mais segura para você.
Clary se sentou congelada. Racionalmente, as palavras de Amatis faziam sentido, mas isso não fez muito para acalmar a voz dentro dela gritando que não podia esperar. Ela tinha que achar Ragnor Fell agora; ele tinha que salvar sua mãe agora e tinha que ir agora. Ela freou seu pânico e tentou falar casualmente.
— Luke nunca me disse que ele tinha uma irmã.
— Não — Amatis concordou — ele não diria. Nós não somos... próximos.
— Luke disse que seu sobrenome era Herondale. Mas este é o sobrenome da Inquisidora, não é?
— Era — Amatis respondeu, e seu rosto apertou como se as palavras a afligissem — ela era a minha sogra.
O que foi que Luke contou a Clary sobre a Inquisidora? Que ela tinha tido um filho, que ele foi casado com uma mulher com “indesejáveis conexões familiares.”
— Você foi casada com Stephen Herondale?
Amatis pareceu surpresa.
— Você sabe o nome dele?
— E sei... Luke me disse... mas pensei que a esposa dele tivesse morrido. Pensei que era o porquê de a Inquisidora ser tão... — horrível, ela quis dizer, mas pareceu cruel para se dizer — amarga — terminou finalmente.
Amatis alcançou a caneca que tinha trazido; sua mão tremeu um pouco enquanto ela a levantava.
— Sim, ela morreu. Se matou. Esta foi Céline... a segunda esposa de Stephen. Eu fui a primeira.
— E vocês se divorciaram?
— Algo como isso — Amatis impulsionou a caneca para Clary — olha, beba isso. Você tem que colocar alguma coisa em seu estômago.
Distraída, Clary apanhou a caneca e engoliu. O líquido dentro era rico e salgado – não chá, como ela pensara, mas sopa.
— Ok. Então o que aconteceu?
Amatis estava olhando à distância.
— Nós estávamos no Círculo, Stephen e eu, junto com todos os outros. Quando Luke foi... quando o que aconteceu com Luke aconteceu, Valentim precisou de um novo tenente. Ele escolheu Stephen. E quando escolheu Stephen, decidiu que talvez não fosse adequado a mulher de seu amigo mais próximo e conselheiro ser alguém cujo irmão era...
— Um lobisomem.
— Ele usou outra palavra — Amatis soava amarga — convenceu Stephen a anular nosso casamento e encontrar outra esposa, uma que Valentim escolheu para ele. Céline era tão jovem... tão completamente obediente.
— Isso é horrível.
Amatis agitou a cabeça com uma delicada risada.
— Isso foi muito tempo atrás. Stephen era gentil, eu suponho. Ele me deu esta casa e se mudou para a mansão dos Herondale com seus pais e Céline. Eu nunca mais o vi depois disso. Deixei o Círculo, é claro. Eles não teriam mais precisado de mim. A única deles que ainda me visitava era Jocelyn. Ela mesma me disse que quando saiu para ver Luke... — ela empurrou seu cabelo grisalho para trás de suas orelhas — ouvi o que aconteceu com Stephen na revolta, depois que tudo tinha acabado. E Céline... eu a tinha odiado, mas fiquei triste por ela. Ela cortou seus pulsos, disseram... sangue por todo lugar... — Amatis deu um profundo suspiro — vi Imogen no funeral de Stephen, quando eles colocaram o corpo dentro do mausoléu dos Herondale. Ela nem mesmo pareceu me reconhecer. Fizeram dela a Inquisidora não muito depois disso. A Clave sentiu que não havia mais ninguém que teria caçado os membros formadores do Círculo mais implacavelmente do que ela... e eles estavam certos. Se ela pudesse levar para longe suas memórias de Stephen em seu sangue, ela teria.
Clary pensou nos olhos frios da Inquisidora, seu estreito e duro olhar, e tentou sentir pena dela.
— Eu acho que isso a tornou louca — Clary opinou — realmente louca. Ela era horrível para mim... mas muito mais para Jace. Era como se o quisesse morto.
— Isso faz sentido. Você se parece com sua mãe, e sua mãe lhe criou, mas seu irmão... — ela inclinou sua cabeça de lado — ele se parece tanto com Valentim quanto você parece com Jocelyn?
— Não. Jace apenas se parece como ele mesmo — um arrepio passou através dela ao pensar em Jace — ele está aqui em Alicante — ela falou, pensando alto — se eu pudesse vê-lo...
— Não — Amatis interrompeu rispidez — você não pode sair de casa para ver ninguém. E definitivamente não para ver ser irmão.
— Não sair da casa? — Clary estava horrorizada. — Quer dizer que eu estou presa aqui? Como uma prisioneira?
— É só por um dia ou dois. E além do mais, você não está bem. Precisa se recuperar. A água do lago quase te matou.
— Mas Jace...
— É um dos Lightwood. Você não pode ir até lá. No momento em que eles te verem, dirão a Clave que você está aqui. E então você não será a única com problemas com a Lei. Luke também.
Mas os Lightwood não me trairiam para a Clave. Eles não farão isso... as palavras morreram em seus lábios. Não havia jeito de ela ser capaz de convencer Amatis que os Lightwood que ela conheceu há quinze anos não existiam mais, que Robert e Maryse não eram mais fiéis fanáticos. Esta mulher podia ser a irmã de Luke, mas ainda era uma estranha para Clary. Ele não a tinha visto em dezesseis anos... nem mesmo mencionado que ela existia. Clary se inclinou contra os travesseiros, fingindo cansaço.
— Você está certa. Eu não me sinto bem. Acho melhor dormir.
— Boa ideia — Amatis se inclinou e pegou a caneca vazia de sua mão — se você quiser tomar um banho, o banheiro é do outro lado. E há um baú com minhas roupas antigas ao pé da cama. Você parece estar com o tamanho que eu tinha quando era da sua idade, então elas devem servir. Ao contrário desses pijamas — ela adicionou, e sorriu, um fraco sorriso que Clary não retornou.
Ela estava muito ocupada lutando com a compulsão de golpear o colchão em frustração.
No momento que a porta se fechou atrás de Amatis, Clary se arrastou para fora da cama e se guiou para o banheiro, esperando que ficar sob a água quente ajudasse a clarear sua cabeça. Para seu alívio, por seus modos antiquados, os Caçadores de Sombra pareciam acreditar no encanamento moderno e água quente. Havia ainda um sabão com aroma cítrico para lavar o persistente cheiro do Lago Lyn de seu cabelo. No momento que saiu do banho, envolvida em duas toalhas, estava se sentindo muito melhor.
No quarto ela inspecionou o baú de Amatis. Suas roupas estavam empacotadas ordenadamente entre camadas de papel enrugado. Lá estavam o que pareciam ser roupas escolares – suéteres de lã de carneiro com uma insígnia que parecia como quatro Cs consecutivos costurados sobre o bolso do peito, saias pregueadas, e blusas de botão com punhos estreitos. Havia um vestido branco envolvido em camadas de papel de seda – um vestido de casamento, Clary pensou, e o colocou de lado cuidadosamente. Debaixo dele havia outro vestido, este feito de seda prateada, com tiras enfeitadas segurando fios delgados. Clary não podia imaginar Amatis nele, mas...este é o tipo de coisa que minha mãe poderia ter vestido quando saía para dançar com Valentim, não pôde evitar em pensar, e deixou o vestido deslizar de volta ao baú, sua textura suave e fria contra seus dedos.
E então havia a vestimenta de Caçador de Sombras, embalada bem no fundo. Clary puxou aquelas roupas e as espalhou curiosamente em seu colo. A primeira vez que ela tinha visto Jace e os Lightwood, eles usavam vestimentas de combate: blusas justas e calças flexíveis, de material escuro. De perto, ela podia ver que o material não era lycra, mas um couro firme e fino curtido bastante até se tornar flexível. Havia uma jaqueta – do tipo blusão – com zíper e calças que tinham complicados cintos de presilhas. Os cintos dos Caçadores de Sombras eram grandes coisas robustas, feitos para guardas armas.
Ela devia é claro, colocar um dos suéteres ou talvez uma saia. Provavelmente era o que Amatis pretendia que ela fizesse. Mas alguma coisa sobre a vestimenta de combate chamava por ela; ela sempre esteve curiosa, se perguntando como seria...
Alguns minutos mais tarde, as toalhas estavam penduradas sobre uma barra aos pés da cama e Clary estava se observando no espelho com surpresa e não uma pequena diversão. A vestimenta serviu – era apertada, mas não muito justa, e abraçava as curvas de suas pernas e peito. Na verdade, fazia parecer que ela tinha curvas, o que era um tipo de mentira. Isso não podia fazê-la parecer formidável – ela duvidava que qualquer coisa pudesse fazer isso – mas pelo menos ela parecia mais alta, e seu cabelo contra o material preto era extraordinariamente brilhante. Na verdade... eu pareço como minha mãe, Clary pensou num impulso.
E assim era. Jocelyn sempre teve um duro âmago de tenacidade embaixo de seu olhar de boneca. Clary sempre tinha se perguntado o que tinha acontecido no passado de sua mãe para torná-la do jeito que era... forte e firme, teimosa e sem medo. Seu irmão se parece com Valentim como você se parece com Jocelyn?, Amatis tinha perguntado, e Clary tinha desejado dizer que ela não parecia de modo algum com sua mãe, que sua mãe era bonita e ela não. Mas a Jocelyn que Amatis tinha conhecido era a garota que tinha conspirado para derrubar Valentim, que tinha forjado secretamente uma aliança entre os Nephilim e Seres do Submundo, que tinha quebrado o Círculo e salvado os Acordos. A Jocelyn que nunca teria concordado em ficar calmamente dentro desta casa e esperado enquanto tudo em seu mundo desmoronava.
Sem parar para pensar, Clary cruzou o quarto e puxou o ferrolho da porta, trancando. Então foi para a janela e a abriu. As grades estavam lá, agarradas na lateral da parede de pedra como... como uma escada, Clary disse a si mesma. Apenas como uma escada – e escadas são perfeitamente seguras. Tomando um profundo fôlego, ela rastejou para o peitoril da janela.

***

Os guardas voltaram para Simon na manhã seguinte, despertando-o de um irrequieto sono, atormentado com estranhos sonhos. Dessa vez eles não o vendaram enquanto o levavam escadas acima, e ele lançou um rápido olhar para a porta da cela próxima dele. Se tinha a esperança de um olhar do dono da voz rouca que tinha falado com ele na noite passada, ficou desapontado. A única coisa visível através das barras era o que parecia uma pilha de farrapos descartados.
Os guardas apressaram Simon ao longo de uma série de corredores cinzentos, dando-lhe rápidas sacudidas se ele olhasse por muito tempo em uma direção. Finalmente eles pausaram em uma sala ricamente coberta de papéis de parede. Havia retratos nas paredes de diferentes homens e mulheres em vestimentas de Caçadores de Sombras, as molduras decoradas com padrões de runas. Abaixo de um dos maiores retratos estava um sofá vermelho em que o Inquisidor estava sentado, segurando o que parecia com uma taça de prata em sua mão. Ele segurou-a acima para Simon.
— Sangue? — ele perguntou. — Você deve estar com fome agora.
Ele inclinou a taça em direção a Simon, e a visão do líquido vermelho o acertou como o cheiro. Suas veias tencionaram em direção ao sangue, como cordas debaixo do controle de um mestre de fantoches. A sensação era desagradável, quase dolorosa.
— Isso é... humano?
Aldertree riu.
— Meu menino! Não seja ridículo. É sangue de veado. Perfeitamente fresco.
Simon nada disse. Seu lábio inferior picou onde suas presas tinham deslizado, e ele provou seu próprio sangue na boca. Isso o preencheu com náusea.
O rosto de Aldertree contorceu com uma ameixa seca.
— Ah, meu Deus — ele se virou para os guardas — nos deixem, senhores — ele disse, e os homens se viraram para ir.
Apenas o Cônsul parou na porta, olhando de volta para Simon com um olhar de inconfundível nojo.
— Não, obrigado — Simon disse através da densidade em sua boca — eu não quero o sangue.
— Suas presas dizem o contrário, jovem Simon — Aldertree respondeu alegremente — aqui. Pegue.
Ele segurou a taça, e o cheiro do sangue parecia flutuar através da sala como o cheiro de rosas através de um jardim.
Os incisivos de Simon perfuraram abaixo, agora totalmente estendidos, cortando seu lábio. A dor era como um tapa; ele avançou, quase sem vontade, e agarrou a taça da mão do Inquisidor. Ele a drenou em três goles, e então, percebendo o que tinha feito, colocou-a abaixo no braço do sofá. Suas mãos estavam tremendo. Inquisidor, um; ele pensou. Eu, zero.
— Acredito que sua noite na cela não foi muito agradável? Elas não são câmaras de tortura, meu menino, mas um espaço para uma reflexão forçada. Eu acho que reflexão absolutamente centraliza a mente, não é? É essencial para limpar o pensamento. Espero que você tinha pensado nisso. Você parece com um jovem rapaz pensativo — o Inquisidor virou sua cabeça de lado — eu levei um cobertor para você com minhas próprias mãos, você sabe. Eu não queria que você ficasse resfriado.
— Eu sou um vampiro — Simon disse — nós não pegamos gripe.
— Ah — o Inquisidor parecia desapontado.
— Eu gostei das Estrelas de Davi e o Selo de Salomão — Simon adicionou secamente — é sempre legal ver alguém tendo um interesse em minha religião.
— Ah, sim, é claro, é claro! — Aldertree se alegrou. — Maravilhosos os entalhes, não? Absolutamente encantadores, e é claro, infalíveis. Eu tinha imaginado que qualquer tentativa de tocar a porta da cela derreteria a pele de sua mão! — Ele gargalhou, claramente divertido pelo pensamento. — Em todo caso, poderia dar um passo para atrás, meu rapaz? Apenas como um favor, um puro favor, você entende.
Simon deu um passo para trás.
Nada aconteceu, mas os olhos do Inquisidor esbugalharam, a pele inchada em torno deles parecendo se esticar e brilhar.
— Estou vendo — ele sugou o ar.
— O que você vê?
— Olhe para onde você está, jovem Simon. Olhe tudo em você.
Simon olhou ao redor... nada tinha mudado sobre o quarto, e tomou um momento para ele notar o que Aldertree queria dizer. Ele estava em pé em um brilhante trecho de sol que angulava através da alta janela acima. Aldertree quase contorceu-se com o entusiasmo.
— Você está em pé direto sob a luz do sol, e não tem nenhum efeito. Eu quase não teria acreditado... eu quero dizer, foi me falado, é claro, mas eu nunca vi nada como isso antes.
Simon nada disse. Não parecia haver nada a dizer.
— A pergunta para você, é claro — Aldertree continuou — será que você sabe por que é assim?
— Talvez eu seja mais legal que os outros vampiros.
Simon imediatamente lamentou o que tinha dito. Os olhos de Aldertree se estreitaram, e uma veia destacou em sua têmpora como um verme gordo. Claramente, ele não gostava de piadas a não ser que fosse ele quem as fizesse.
— Muito engraçado, muito engraçado. Me deixe perguntar isso: Você tem sido um Diurno desde o momento em que se ergueu do túmulo?
— Não — Simon respondeu com cuidado — não. Primeiro o sol me queimou. Mesmo um trecho de luz poderia queimar minha pele.
— Deveria — Aldertree deu um vigoroso aceno, como se para dizer que era a forma como as coisas deveriam ser — então quando foi a primeira vez que você percebeu que podia andar na luz do dia sem se machucar?
— Foi na manhã depois do grande combate no barco de Valentim...
— Quando Valentim te capturou, está correto? Ele te capturou e o manteve seu prisioneiro em seu navio, pretendendo usar seu sangue para completar o Ritual da Conversão Infernal.
— Eu acho que você sabe tudo — Simon observou — dificilmente precisa de mim.
— Ah, não, não de modo algum! — Aldetree gritou, atirando acima suas mãos.
Ele tinha mãos muito pequenas, Simon notou, tão pequenas que elas pareciam um pouco fora do lugar nas extremidades de seus braços rechonchudos.
— Você tem tanto para contribuir, meu querido menino! Por exemplo, eu não posso me impedir de perguntar se houve algo que aconteceu no navio, algo que mudou você. Há alguma coisa que você possa pensar?
Eu bebi o sangue de Jace, Simon pensou, meio inclinado a repetir isso para o Inquisidor, apenas para ser desagradável – e então, com um choque, percebeu, Eu bebi o sangue de Jace. Poderia ter sido o que o transformou? Isso era possível? E se fosse possível ou não, podia dizer ao Inquisidor o que Jace tinha feito? Proteger Clary era uma coisa; proteger Jace era outra. Ele não devia nada a Jace.
Exceto que não era estritamente a verdade. Jace tinha oferecido a ele seu sangue para beber, tinha salvo sua vida com isso. Poderia outro Caçador de Sombras ter feito isso para um vampiro? E mesmo que ele tivesse feito isso só por causa de Clary, importava? Ele pensou em si mesmo dizendo, eu podia ter matado você. E Jace: Eu teria deixado. Não havia como dizer em que tipo de problemas Jace se meteria se a Clave soubesse que ele tinha salvado a vida de Simon, e a maneira como o tinha feito.
— Eu não me lembro de nada no navio — Simon falou — acho que Valentim deve ter me drogado ou algo assim.
A expressão de Aldertree caiu.
— Essas são notícias terríveis. Terríveis. Eu lamento tanto ouvir isso.
— Eu lamento também — Simon disse, embora não lamentasse.
— Então não há uma única coisa que você se lembre? Nenhum detalhe específico?
— Eu só me lembro de desmaiar quando Valentim me atacou, e então acordei mais tarde na... na caminhonete de Luke, seguindo para casa. Eu não me lembro de mais nada.
— Oh Deus, oh Deus — Aldertree puxou seu casaco em torno dele — vejo que os Lightwood parecem particularmente gostar de você, mas os outros membros da Clave não são assim... compreensivos. Você foi capturado por Valentim, imergiu deste confronto com um peculiar novo poder que não tinha antes, e agora encontrou seu caminho para o coração de Idris. Você vê como isso se parece?
Se o coração de Simon ainda fosse capaz de bater, ele estaria correndo.
— Você acha que eu sou um espião de Valentim.
Aldertree pareceu chocado.
— Meu menino, meu menino... eu confio em você, é claro. Confio inteiramente em você! Mas a Clave, ah, a Clave, temo que eles possam ser muito desconfiados. Nós tínhamos tanta esperança que você fosse capaz de nos ajudar. Veja... e eu não estaria dizendo isso a você, mas sinto que posso confiar em você, querido menino... mas a Clave está em terríveis dificuldades.
— A Clave? — Simon sentiu-se tonto. — Mas o que é que isso tem haver com...
— Veja bem — Aldertree continuou — a Clave está dividida ao meio – uma guerra consigo mesma, você poderia assim dizer, em uma hora de guerra. Erros foram cometidos, pelo Inquisidor anterior e outros... talvez seja melhor não insistir. Mas você vê, a própria autoridade da Clave, do Cônsul e o Inquisidor, está sob controvérsia. Valentim sempre pareceu estar um passo a frente de nós, como se soubesse nossos planos com antecedência. O Conselho não vai escutar o meu conselho ou o de Malachi, não depois do que aconteceu em Nova York.
— Pensei que fosse a Inquisidora...
— E Malachi era aquele que a aconselhava. Agora, é claro, ele não tinha ideia de que ela iria enlouquecer como o fez...
— Mas — Simon interrompeu, um pouco azedamente — este é um problema de aparências.
Uma veia destacou na testa de Aldertree novamente.
— Inteligente. E você está certo. Aparências são significativas, e nunca mais do que política. Você pode sempre influenciar a multidão, providenciar que tenha uma boa história — ele se inclinou a frente, seu olhos focados em Simon — agora me deixe lhe contar uma história. Os Lightwood foram uma vez do Círculo. Em dado momento, desistiram e foi concedido perdão desde que ficassem fora de Idris, fossem para Nova York e dirigissem o Instituto lá. Seu registro de inocência começou a vencer quando eles voltaram a ganhar confiança da Clave. Mas todo o tempo eles sabiam que Valentim estava vivo. Todo o tempo foram seus leais servos. Levaram seu filho...
— Mas eles não sabiam...
— Fique calado — o Inquisidor rosnou, e Simon fechou a boca — eles o ajudaram a encontrar os Instrumentos Mortais e o ajudaram com o Ritual de Conversão Infernal. Quando a Inquisidora descobriu que eles estavam agindo secretamente, cuidaram para ela ser morta durante a batalha no navio. E agora eles estão aqui, no coração da Clave, para espionar nossos planos e revelá-los para Valentim como tem feito, então ele pode nos derrotar, e finalmente, curvar todos os Nephilim À sua vontade. E eles te trouxeram com eles... você, um vampiro que pode ficar sob o sol... para nos distrair de seus verdadeiros planos: o retorno do Círculo para sua antiga glória e a destruição da Lei — o Inquisidor se inclinou a frente, seus olhos de porquinho cintilando — o que você acha desse história, vampiro?
— Eu acho que é louca. E ela tem mais buracos do que na Avenida Kent no Brooklyn – que, por sinal, não tem sido pavimentada há anos. Eu não sei o que você está esperando realizar com isso...
— Esperando? — Aldertree ecoou. — Eu não espero, Ser do Submundo. Eu sei em meu coração. Sei que é meu dever sagrado salvar a Clave.
— Com uma mentira? — Simon disse.
— Com uma história — Aldertree corrigiu — grandes políticos tecem histórias para inspirar seu povo.
— Não há nada em inspirador em culpar os Lightwood por tudo...
— Alguns devem ser sacrificados — Aldertree disse, seu rosto brilhando com uma suada luz — uma vez que o Conselho tenha um inimigo comum, e uma razão para confiar na Clave novamente, eles irão se unir. Qual o custo de uma família, pesando contra tudo isso? Na verdade, duvido que algo vá acontecer às crianças Lightwood. Elas não serão punidas. Bem, talvez o garoto mais velho. Mas os outros...
— Você não pode fazer isso. Ninguém vai acreditar nesta história.
— As pessoas acreditam no que querem acreditar — Aldertree replicou — e a Clave quer alguém para culpar. Eu posso dar isso a eles. Tudo o que eu preciso é você.
— Eu? O que isso tem haver comigo?
— Confesse — o rosto do Inquisidor estava vermelho com o excitamento agora — confesse que você é um servo dos Lightwood, que é totalmente de Valentim. Confesse e eu vou lhe mostrar clemência. Vou enviá-lo de volta a seu próprio povo. Eu juro. Mas preciso de sua confissão para a Clave acreditar.
— Você quer que eu confesse uma mentira.
Simon sabia que estava repetindo o que o Inquisidor já tinha dito, mas sua mente estava girando; ele não podia segurar um único pensamento. Os rostos dos Lightwood passavam através de sua mente – Alec, segurando sua respiração a caminho da Garde; os olhos escuros de Isabelle virando-se para ele; Max inclinado sobre um livro. E Jace. Jace era um deles tanto quanto se ele partilhasse seu sangue Lightwood. O Inquisidor não tinha dito o nome dele, mas Simon sabia que Jace iria pagar junto com o resto deles. E o que ele sofresse, Clary sofreria. Como isso aconteceu, Simon pensou, ele estava atado a essas pessoas, pessoas que pensavam nele como nada mais do que um Ser do Submundo, na melhor das hipóteses, um meio-humano. Seus olhos se levantaram para os estranhos cor de carvão do Inquisidor Aldertree; olhar dentro deles era como olhar para escuridão.
— Não. Não, eu não vou fazer isso.
— O sangue que eu dei a você — Aldertree respondeu — é todo o sangue que você vai ver até que me dê uma resposta diferente — não havia gentileza em sua voz, nem mesmo uma falsa gentileza — você ficaria surpreso a quanta sede pode chegar.
Simon nada disse.
— Outra noite nas celas, então — o Inquisidor falou, ficando de pé e alcançando um sino para chamar os guardas — é bastante tranquilo lá embaixo, não é? Acho que uma atmosfera tranquila pode ajudar você com um pequeno problema de memória... não acha?

***

Embora Clary tivesse dito a si mesma que se lembrava do caminho que tinha vindo com Luke na noite passada, isso acabou não se tornando totalmente verdade. Guiar-se em direção ao centro da cidade parecia a melhor tentativa para obter direções, mas uma vez que ela encontrou o pátio também vazio, não podia se lembrar de virar para a esquerda ou direita. Ela virou à esquerda, o que a levou em um bairro de ruas retorcidas, uma muito parecida com a outra, e deixando-a mais terrivelmente perdida que antes.
Finalmente Clary emergiu em uma rua larga, alinhada com lojas. Pedestres se apressavam nela de ambos os lados, nenhum deles dando a ela um segundo olhar. Alguns deles e estavam vestidos para combate, embora a maioria não: estava frio lá fora, e compridos casacos antiquados eram a ordem do dia. O vento era forte, e com uma aflição Clary pensou em seu casaco de veludo verde, pendurado no quarto de hospedes de Amatis.
Luke não tinha mentido quando disse que Caçadores de Sombras tinham vindo do mundo inteiro para a reunião. Clary passou por uma mulher indiana em um lindo sari dourado, um par de espadas curvas penduradas numa corrente em torno de sua cintura. Mais ao longe, um homem usava uma túnica nômade branca, consultando o que parecia com um mapa de ruas.
A visão dele deu coragem a Clary para se aproximar de uma mulher passando em um pesado casaco de brocado e perguntar a ela o caminho para a rua Princewater. Se havia mesmo uma hora quando os habitantes da cidade não estariam necessariamente suspeitando de alguém que não parecia saber onde estava indo, esta seria a hora.
Seus instintos estavam certos. Sem um traço de hesitação a mulher deu a ela uma apressada série de direções.
— E depois à direita no fim do Canal Oldcastle, passando pela ponte de pedra, e lá onde você encontrará Princewater — ela deu a Clary um sorriso — visitando alguém em particular?
— Os Penhallow.
— Ah, esta é a casa azul, ornamentada em dourado, de costas ao canal. É um lugar grande... você não tem como perder.
Ela estava meio certa. Era um lugar grande, mas Clary passou direto por ela antes de notar seu erro e desviar de volta para olhar de novo. Era na verdade mais índigo do que azul, ela pensou, mas ninguém notava as cores daquele modo. A maioria das pessoas não poderia dizer a diferença entre amarelo e açafrão. Como se elas estivessem próximas uma da outra! E a ornamentação da casa não era dourado; era bronze. Um bonito bronze escurecido, como se a casa tivesse muitos anos, e provavelmente tinha. Tudo neste lugar parecia tão antigo...
Chega, Clary disse a si mesma. Ela sempre fazia isso quando estava nervosa, deixar sua mente vagar sobre todos os tipos de direção aleatória. Ela esfregou as mãos nas calças, suas palmas estavam suadas e úmidas. O material parecia áspero e seco contra sua pele, como escamas de cobra.
Ela escalou os degraus e segurou o pesado batedor da porta. Era moldado como um par de asas de anjo, e quando ela deixou-o cair, pôde ouvir o som ecoando como o badalar de um enorme sino. Um momento depois, a porta foi aberta e Isabelle Lightwood estava parada no limiar, seus olhos arregalados com o choque.
— Clary?
Clary sorriu fracamente.
— Oi, Isabelle.
Isabelle se inclinou contra a batente, sua expressão sombria.
— Ah, merda.

***

De volta à cela, Simon caiu na cama, ouvindo os passos dos guardas retirando-se enquanto eles marchavam para longe da porta. Outra noite. Outra noite aqui embaixo na prisão, enquanto o Inquisidor espera eu me “lembrar”. Em todos seus piores temores, seus piores pesadelos, nunca tinha ocorrido a Simon que alguém poderia pensar que ele estava aliado com Valentim. Valentim odiava Seres do Submundo, notavelmente. Tinha apunhalado-o e drenado seu sangue e deixado-lhe para morrer. Embora, certamente, o Inquisidor não soubesse disso.
Havia um ruído do outro lado da parede da cela.
— Tenho que admitir, eu me perguntava se você voltaria — disse a voz rouca que Simon se lembrava da noite passada — acho que você não deu ao Inquisidor o que ele queria.
— Acho que não — Simon confirmou, aproximando-se da parede.
Ele correu seus dedos sobre a pedra como se procurando por uma rachadura nela, algo por onde ele pudesse ver, mas não havia nada.
— Quem é você?
— Ele é um homem obstinado, Aldertree — a voz disse, como se Simon não tivesse falado — ele vai continuar tentando.
Simon se inclinou contra a parede úmida.
— Então aposto que eu vou ficar aqui por enquanto.
— Suponho que você não estaria disposto a me dizer o que ele quer de você?
— Por que você quer saber?
A risada que respondeu Simon soava com metal arranhando na pedra.
— Estou nesta cela há mais tempo que você, Diurno, e como pode ver, não há muito para manter a mente ocupada. Nenhuma distração ajuda.
Simon entrelaçou as mãos sobre seu estômago. O sangue do veado tinha apaziguado um pouco de sua fome, mas não tinha sido suficiente. Seu corpo ainda doía com a sede.
— Você continua me chamando disso. Diurno.
— Eu ouvi os guardas falando sobre você. Um vampiro que pode andar na luz do dia. Ninguém nunca viu nada como isso antes.
— E ainda assim você tem uma palavra para isso. Conveniente.
— É uma palavra de Ser do Submundo, não da Clave. Eles tem lendas sobre criaturas como você. Estou surpreso que você não saiba disso.
— Eu não tenho sido exatamente um Ser do Submundo por muito tempo — Simon disse — e você parece saber muito sobre mim.
— Os guardas gostam de fofocar — a voz respondeu — e os Lightwood aparecendo no Portal com um vampiro morrendo ensanguentado... é um boa fofoca. Embora eu tenha que dizer que não esperava que você aparecesse aqui... não até que eles começaram a arrumar a cela para você. Estou surpreso com os Lightwood serem responsáveis por isso.
— Por que eles não seriam? — Simon perguntou amargamente. — Eu sou um nada. Sou um Ser do Submundo.
— Talvez para o Cônsul. Mas os Lightwood...
— O que tem eles?
Houve uma curta pausa.
— Aqueles Caçadores de Sombras que vivem fora de Idris... especialmente aqueles que dirigem Institutos... tendem a ser mais tolerantes. A Clave local, por outro lado, é boa negociadora... inflexível.
— E quanto a você? — Simon indagou. — Você é um Ser do Submundo?
— Um Ser do Submundo?
Simon não podia ter certeza, mas havia uma ponta de raiva na voz do estranho, como se ele se ressentisse da pergunta.
— Meu nome é Samuel. Samuel Blackburn. Eu sou um Nephilim. Anos atrás eu era do Círculo, com Valentim. Eu massacrei Seres do Submundo na Revolta. Eu não era um deles.
— Ah — Simon engoliu.
Ele sentiu gosto de sal. Os membros do Circulo de Valentim tinham sido capturados e punidos pela Clave, ele lembrou, exceto aqueles como os Lightwood, que tinham conseguido fazer negócios ou aceitar o exílio em troca do perdão.
— Você tem estado aqui desde então?
— Não. Depois da Revolta, eu escapei de Idris antes que eu pudesse ser pego. Fiquei longe por anos... anos... até que como um tolo, pensando que eu tivesse sido esquecido, voltei. É claro que eles me pegaram no momento em que retornei. A Clave tem seus modos de rastrear inimigos. Eles me arrastaram em frente ao Inquisidor e eu fui interrogado por dias. Quando terminaram, me jogaram aqui — Samuel suspirou — em francês, este tipo de prisão é chamada de oubliette. Quer dizer “um lugar esquecido”. É onde você joga o lixo que não quer se lembrar, então ele pode apodrecer sem te incomodar com seu cheiro.
— Ótimo. Eu sou um Ser do Submundo, então sou um lixo. Mas você não. Você é um Nephilim.
— Eu sou um Nephilim que estava em aliança com Valentim. Isso não me faz melhor do que você. Pior, até. Sou um vira-casaca.
— Mas existem muitos outros Caçadores de Sombras que costumavam ser membros do Círculo – os Lightwood e os Penhallow...
— Todos eles desistiram. Viraram suas costas para Valentim. Eu não.
— Você não? Mas por que não?
— Porque eu tenho mais medo de Valentim do que da Clave — Samuel disse — e se você for esperto, Diurno, terá também.

***

— Mas era para você estar em Nova York! — Isabelle exclamou. — Jace disse que você mudou de ideia sobre vir. Ele disse que você queria ficar com sua mãe!
— Jace mentiu — Clary disse firmemente — ele não me queria aqui, então mentiu para mim sobre quando vocês iriam e também mentiu para vocês sobre eu ter mudado de ideia. Lembra quando você me disse que ele nunca mentia? Isso não é verdade.
— Ele normalmente nunca o faz — Isabelle respondeu, ficando pálida — olha, você ter vindo aqui... quero dizer, isso tem algum coisa haver com Simon?
— Com Simon? Não. Simon esta seguro em Nova York, graças a Deus. Embora ele vai ficar realmente chateado de não ter dito adeus para mim — a expressão vazia de Isabelle estava começando a aborrecer Clary — vamos lá, Isabelle. Me deixe entrar. Eu preciso ver Jace.
— Então... você veio aqui por conta própria? Você teve a permissão da Clave? Por favor, me diga que teve a permissão da Clave.
— Não exatamente...
— Você quebrou a Lei? — A voz de Isabelle se elevou, e então continuou, quase em um sussurro. — Se Jace descobrir, ele vai ficar louco. Clary, você tem que ir para casa.
— Não. Eu tinha que estar aqui — Clary respondeu, não certa de onde sua teimosia estava vindo — e preciso falar com Jace.
— Agora não é uma boa hora — Isabelle olhou ao redor ansiosamente, esperando que houvesse alguém que ela pudesse apelar para ajudar a remover Clary do local — por favor, apenas volte para Nova York. Por favor?
— Eu pensei que você gostasse de mim, Izzy — Clary tentou fazê-la culpada.
Isabelle mordeu seu lábio. Ela estava usando um vestido branco e tinha seu cabelo preso por grampos e parecia mais jovem do que era. Atrás dela, Clary podia ver o alto teto da entrada, com o que parecia antigas pinturas à óleo.
— Eu gosto de você. É só que Jace... ah meu Deus, o que você está vestindo? Onde você conseguiu essa vestimenta de batalha?
Clary olhou abaixo para si mesma.
— É uma longa história.
— Você não pode vir aqui desse jeito. Se Jace te ver...
— Ah, então o quê? Isabelle, eu vim aqui por causa da minha mãe... por minha mãe. Jace pode não me querer aqui, mas ele não pode me fazer ficar em casa. Era para eu estar aqui. Minha mãe espera que eu faça isso por ela. Você faria isso por sua mãe, não faria?
— É claro que faria. Mas Clary, Jace tem suas razões...
— Então eu adoraria ouvi-las — Clary mergulhou debaixo do braço de Isabelle e entrou na casa.
— Clary! — Isabelle gritou, e lançou-se atrás dela, mas Clary já estava a meio caminho do corredor.
Ela viu, com a metade de sua mente que não estava se concentrando em evitar Isabelle, que a casa era construída como a de Amatis, alta e estreita, mas consideravelmente maior e mais ricamente decorada. O corredor se abria para uma sala com janelas altas que davam para um largo canal. Barcos brancos trilhavam a água, suas velas levadas pela corrente como dentes de leão jogados ao vento. Um garoto de cabelo escuro estava sentado sobre um sofá perto de uma janela, aparentemente lendo um livro.
— Sebastian! — Isabelle chamou. — Não a deixe ir para cima.
O garoto olhou acima, assustado... e um momento depois estava em frente a Clary, bloqueando seu caminho para as escadas. Clary escorregou numa parada... ela nunca tinha visto ninguém se mover tão rápido antes, exceto Jace. O garoto não estava nem mesmo sem fôlego; na verdade, estava sorrindo para ela.
— Então esta é a famosa Clary.
O sorriso iluminou seu rosto, e Clary sentiu seu coração parar. Por anos ela tinha desenhado sua própria história em quadrinhos... o conto do filho de um rei que estava sob uma maldição que significava que todos que ele amasse iriam morrer. Ela tinha colocado tudo o que tinha sonhado em seu príncipe misterioso, romântico e sombrio, e aqui estava ele, em pé em frente a ela... a mesma pele pálida, o mesmo caimento do cabelo, e os olhos tão escuros, as pupilas pareciam se misturar com a íris. Os mesmos ossos altos do rosto, os profundos olhos adornados com longos cílios. Ela sabia que nunca tinha posto os olhos neste garoto antes, e ainda...
O garoto parecia perplexo.
— Eu... nós nos conhecemos antes?
Sem palavras, Clary balançou a cabeça.
— Sebastian! — O cabelo de Isabelle tinha soltado dos grampos e se pendurava sobre seus ombros, e ela estava furiosa. — Não seja legal com ela. Ela não devia estar aqui. Clary, vá para casa.
Com um esforço, Clary girou seu olhar para longe de Sebastian e lançou uma encarada para Isabelle.
— O que, voltar para Nova York? E como eu vou chegar lá?
— Como você chegou aqui? — Sebastian indagou. — Infiltrar-se em Alicante é um talento.
— Eu vim através de um Portal — Clary respondeu.
— Um Portal? — Isabelle parecia espantada. — Mas não havia um Portal em Nova York. Valentim destruiu os dois...
— Eu não devo nenhuma explicação a você. Não até que você me dê algumas. Uma por exemplo, onde está Jace?
— Ele não está aqui — Isabelle respondeu, exatamente ao mesmo tempo que Sebastian disse:
— Ele está lá em cima.
Isabelle se virou para ele.
— Sebastian! Cale a boca.
Sebastian pareceu perplexo.
— Mas ela é sua irmã. Ele não iria querer vê-la?
Isabelle abriu a boca e então a fechou novamente. Clary podia ver que ela estava pesando a conveniência de explicar seu complicado relacionamento com Jace para o completamente distraído Sebastian contra a conveniência de se lançar em uma desagradável surpresa sobre Jace. Finalmente, ela ergueu as mãos em um gesto de desespero.
— Ótimo, Clary — ela disse com uma rara – para Isabelle – quantidade de raiva em sua voz — vá em frente e faça o que quiser, independente de quem se machuca. Você sempre faz, não é?
Ai. Clary atirou-lhe um olhar de reprovação antes de se voltar para Sebastian, que andou silenciosamente para fora de seu caminho. Ela lançou-se para as escadas, vagamente consciente das vozes abaixo dela enquanto Isabelle gritava para o infeliz Sebastian. Mas aquela era Isabelle... se havia um garoto envolvido e a culpa precisava ser alfinetada em alguém, Isabelle iria jogá-la nele.
A escadaria alargou em um hall que dava para uma janela que mostrava a cidade. Um garoto estava sentado na alcova, lendo. Ele olhou acima enquanto Clary subia as escadas, e piscou em surpresa.
— Eu te conheço.
— Oi, Max. Sou a Clary... irmã de Jace. Lembra-se?
A expressão de Max se iluminou.
— Você me mostrou como ler Naruto — ele disse, erguendo seu mangá para ela — olhe, eu tenho outro. Este é chamado...
— Max, eu não posso falar agora. Prometo olhar seu mangá depois, mas você sabe onde Jace está?
A animação de Max caiu.
— Aquela sala — ele disse, e apontou para a última porta no final do corredor — eu queria ir para lá com ele, mas ele me disse que tinha que fazer coisa de gente grande. Todo mundo está sempre me dizendo isso.
— Me desculpe — Clary falou, mas sua mente não estava mais no diálogo.
Ela foi correndo a frente... o que diria para Jace quando o visse, o que ele diria para ela? Movendo-se no corredor para a porta, ela pensou, seria melhor ser amigável, e não zangada; gritar com ele só vai deixá-lo na defensiva. Ele tem que entender que eu pertenço a aqui, como ele. Eu não preciso ser protegida como uma peça delicada de porcelana chinesa. Eu sou forte também...
Ela abriu a porta. O cômodo parecia ser um tipo de biblioteca, as paredes alinhadas com livros. Era brilhantemente iluminada, luz fluindo através de uma janela alta panorâmica. E no meio da sala estava Jace. Ele não estava sozinho, de maneira alguma. Havia uma garota de cabelos escuros com ele, uma garota que Clary nunca tinha visto antes, e os dois estavam entrelaçados juntos em um abraço apaixonado.

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Nada de spoilers! :)

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