Capítulo 6 - Sangue Ruim

Tontura se apossou sobre Clary, como se todo o ar tivesse sido sugado de fora da sala. Ela tentou se afastar, mas tropeçou e acertou a porta com seu ombro. Ela bateu com um estrondo, e Jace e a garota se separaram. Clary congelou. Ambos estavam olhando para ela.
Ela notou que a garota tinha cabelo escuro e liso na altura dos ombros e era extremamente bonita. Os botões acima de sua blusa estavam desabotoados, mostrando uma tira do rendado sutiã. Clary sentiu como se fosse desabar. As mãos da garota foram para sua blusa, rapidamente fechando os botões. Ela não parecia contente.
— Me desculpe — ela disse com uma careta — quem é você?
Clary não respondeu. Estava olhando para Jace, que estava olhando para ela incredulamente. Sua pele estava drenada de toda cor, mostrando os círculos escuros em torno de seus olhos. Ele fitava Clary como se olhasse para o cano de uma arma.
— Aline — a voz de Jace era sem calor ou cor — esta é minha irmã, Clary.
— Ah, Ah — o rosto de Aline relaxou em um sorriso um pouco embaraçado — desculpe! Que modo de conhecê-la. Oi, eu sou Aline.
Ela avançou para Clary, ainda sorrindo, sua mão estendida. Acho que não posso tocá-la, Clary pensou com um penetrante sentimento de horror. Ela olhou para Jace, que pareceu ler a expressão nos olhos dela. Sem sorrir, ele pegou Aline pelos ombros e disse algo no ouvido dela. Ela pareceu surpresa, deu de ombros, e seguiu para a porta sem outra palavra, o que deixou Clary sozinha com Jace. Sozinha com alguém que ainda estava olhando para ela como se ela fosse o seu pior pesadelo vindo à tona.
— Jace — ela disse, e deu um passo em direção a ele.
Ele se afastou para longe dela como se estivesse revestida de alguma coisa venenosa.
— O quê, em nome do Anjo, Clary, você está fazendo aqui?
Apesar de tudo, a dureza no seu tom machucou.
— Você poderia pelo menos fingir que estava feliz em me ver. Mesmo um pouquinho.
— Eu não estou feliz em te ver — ele disse.
Alguma de sua cor tinha voltado, mas as sombras debaixo de seus olhos ainda eram manchas cinza contra sua pele. Clary esperou que ele continuasse, mas ele pareceu se contentar em apenas olhar para ela em indisfarçável horror. Ela notou com uma distraída clareza que ele estava usando um suéter preto que pendia em seus pulsos como se ele tivesse perdido peso, e que as unhas em suas mãos estavam sutilmente roídas.
— Nem mesmo um pouco.
— Esse não é você — ela falou — odeio quando você age desse jeito...
— Ah, você odeia isso, não é? Bem, seria melhor eu parar de fazer isso, então. Quero dizer, você faz tudo que eu te peço, né?
— Você não tinha o direito de fazer o que fez! — ela rebateu, subitamente furiosa. — Mentir para mim dessa forma. Você não tinha o direito...
— Eu tinha todo o direito! — ele gritou. — Eu tinha todo o direito, sua estúpida, garota estúpida. Eu sou seu irmão e eu...
— E você o quê? Você manda em mim? Você não manda em mim, quer seja meu irmão ou não!
A porta atrás de Clary voou aberta. Era Alec, sombriamente vestido em um longo casaco azul escuro, seus cabelos negro desalinhado. Ele usava botas lamacentas e uma expressão incrédula em seu habitual rosto calmo.
— O que em todas as possíveis dimensões está acontecendo aqui? — ele disse, olhando de Jace para Clary com espanto. — Vocês dois estão tentando matar um ao outro?
— De modo algum — Jace disse. Com se por mágica, Clary viu que tudo tinha sido apagado: sua raiva e seu pânico, ele estava calmamente gelado de novo. — Clary estava apenas saindo.
— Bom — Alec respondeu — porque eu preciso falar com você, Jace.
— Ninguém nesta casa nunca mais diz, “oi, legal ver você”? — Clary expôs para ninguém em particular.
Era muito mais fácil fazer Alec se sentir culpado do que Isabelle.
— É bom ver você, Clary — ele disse — exceto, é claro, pelo fato de que não era realmente para você estar aqui. Isabelle me disse que você chegou aqui por conta própria de alguma forma, e eu estou impressionado...
— Você poderia não incentivá-la? — Jace indagou.
— Mas eu realmente, realmente preciso falar com Jace sobre uma coisa. Você pode nos dar alguns minutos?
— Eu preciso falar com ele também — ela rebateu — sobre nossa mãe...
— Eu não estou com vontade de falar com nenhum de vocês, na realidade — Jace observou.
— Sim, você quer — Alec respondeu — você quer realmente falar comigo sobre isso.
— Eu duvido disso — Jace tinha virado seu olhar de volta para Clary — você não veio aqui sozinha, veio? — ele disse lentamente, como se percebendo que a situação era pior do que ele tinha pensado. — Quem veio com você?
Não havia nenhum interesse em mentir sobre isso.
— Luke. Luke veio comigo.
Jace empalideceu.
— Mas Luke é um Ser do Submundo. Você sabe o que a Clave faz com Seres do Submundo não registrados que vêm à Cidade de Vidro... que cruza as barreiras sem permissão? Vir a Idris é uma coisa, mas entrar em Alicante? Sem falar com ninguém?
— Não — Clary respondeu, em um meio sussurro — mas eu sei o que você vai dizer...
— Que se você e Luke não voltarem para Nova York imediatamente, serão descobertos?
Por um momento Jace ficou em silêncio, encontrando os olhos dela com os seus. O desespero em sua expressão a chocou. Ele era quem estava ameaçando-a, afinal, não o contrário.
— Jace — Alec quebrou o silêncio, uma ponta de pânico arrastando-se em sua voz — você se perguntou onde eu estive o dia todo?
— Isso é um casaco novo que você está usando — Jace falou sem olhar para seu amigo — acho que você foi às compras. Embora o porquê de você estar tão ansioso em me incomodar sobre isso, eu não tenho ideia.
— Eu não fui às compras — Alec replicou furiosamente — eu fui...
A porta se abriu novamente. Em um agitar de vestido branco, Isabelle se lançou dentro, fechando a porta atrás dela. Ela olhou para Clary e agitou sua cabeça.
— Eu disse a você que ele iria ficar maluco. Não disse?
— Ah, o “eu te disse” — Jace comentou — é sempre um movimento clássico.
Clary olhou para ele com horror.
— Como você pode fazer piada? — ela sussurrou. — Você apenas ameaçou Luke. Luke, que gosta de você e confia em você. Por que ele é um Ser do Submundo. O que há de errado com você?
Isabelle parecia horrorizada.
— Luke está aqui? Ah, Clary...
— Ele não está aqui — Clary falou — ele partiu... esta manhã... eu não sei para onde ele foi. Mas posso certamente ver agora o porquê de ele ter ido.
Ela mal podia suportar olhar para Jace.
— Ótimo. Você venceu. Nós nunca deveríamos ter vindo. Eu nunca deveria ter feito aquele Portal...
— Feito um Portal? — Isabelle parecia desnorteada. — Clary, só um bruxo pode fazer um Portal. E não há muitos deles. O único Portal aqui em Idris fica na Garde.
— Que é o que eu tinha para falar com você — Alec sibilou para Jace.
Ele parecia, Clary viu com surpresa, pior do que tinha estado antes; parecia como se fosse desmaiar.
— Sobre a missão da noite passada... a coisa que eu tinha que entregar na Garde...
— Alec, pare. Pare — Jace disse, o pungente desespero em sua voz interrompeu o outro garoto.
Alec fechou a boca e ficou olhando para Jace, seu lábio preso em seus dentes. Mas Jace parecia não vê-lo; estava olhando para Clary, e seus olhos eram duros como vidro.
Finalmente, ele falou:
— Você está certa — ele disse em uma voz sufocada, como se tivesse que forçar para fora as palavras — nunca deveria ter vindo. Sei que eu te disse que é por não ser seguro para você aqui, mas esta não era a verdade. A verdade é que eu não te quero aqui por que você é imprudente e descuidada e vai atrapalhar tudo. É como você é. Você não é cuidadosa, Clary.
— Atrapalhar... tudo? — Clary não conseguia pega ar suficiente em seus pulmões para mais nada, só um sussurro.
— Ah, Jace — Isabelle falou miseravelmente, como se fosse ele quem tivesse se machucado.
Ele não olhou para Izzy. Seu olhar estava fixo em Clary.
— Você sempre vai em frente sem pensar — ele continuou — sabe disso, Clary. Nós nunca terminaríamos no Dumort se não fosse por você.
— E Simon estaria morto! Isso não conta para nada? Talvez fosse imprudente, mas...
A voz dele aumentou.
— Mas?
— Mas não é como se cada decisão que eu fiz tenha sido má! Você disse, depois do que eu fiz no barco, disse que eu salvei a vida de todos...
Todo o restante de cor no rosto de Jace foi embora. Ele disse, com uma súbita e impressionante maldade:
— Cale a boca, Clary, CALE A BOCA...
— No navio? — O olhar de Alec dançou entre eles, perplexo. — O que aconteceu no navio? Jace...
— Eu só disse aquilo para você parar de choramingar! — Jace gritou, ignorando Alec, ignorando tudo, menos Clary. Ela podia sentir a força de sua súbita raiva como uma onda ameaçando derrubá-la. — Você é um desastre para nós, Clary! Você é uma mundana, sempre será uma, nunca será uma Caçadora de Sombras. Você não sabe pensar como nós fazemos, pensar sobre o que é melhor para todos... tudo o que você pensa é sobre si mesma! Mas há uma guerra agora, ou vai haver, e eu não tenho tempo nem inclinação para te seguir por aí, tentando me certificar de que não vai conseguir que um de nós seja morto.
Ela apenas o fitou. Ela não podia pensar em nada para dizer; ele nunca tinha falado com ela assim. Nem mesmo tinha imaginado ele falando assim. Não obstante, por tudo o que tinha feito a ele no passado, ele nunca tinha falado como se a odiasse antes.
— Vá para casa, Clary — ele terminou. Soava muito cansado, como se o esforço de dizer a ela como realmente sentia o tivesse drenado — vá para casa.
Todos os planos dela se evaporaram... ela meio que formou esperanças de ir atrás de Fell, salvar sua mãe, até mesmo encontrar Luke... nada importava, nenhuma palavra veio. Ela cruzou a porta. Alec e Isabelle se moveram para deixá-la passar. Nenhum deles olhava para ela; em vez disso fitavam o ar, suas expressões chocadas e embaraçadas.
Clary sabia que provavelmente deveria se sentir humilhada tanto quanto com raiva, mas não se sentiu. Ela se sentia apenas morta por dentro.
Se virou na porta e olhou para trás. Jace estava olhando para as suas costas. A luz que fluía através da janela atrás dele deixava sua face na sombra; tudo o que ela podia ver era os pontos brilhantes do sol que varriam seu cabelo loiro, como cacos de vidro quebrado.
— Quando você me disse pela primeira vez que Valentim era seu pai, eu não acreditei — ela disse — não só porque eu não queria que isso fosse verdade, mas porque você não era nada como ele. Nunca pensei que você era como ele. Mas você é. Você é.
Ela se foi do quarto, batendo a porta atrás.

***

— Eles vão me matar de fome — Simon disse.
Ele estava deitado no chão da cela, a pedra fria embaixo de suas costas. Daquele ângulo, todavia, ele podia ver o céu através da janela.
Nos dias após Simon ter se tornado um vampiro, quando ele pensou que nunca mais veria a luz do dia novamente, ele se achava pensando incessantemente sobre o sol e o céu. Sobre os modos como a cor do céu mudava durante o dia: o céu pálido de manhã, o azul quente no meio do dia e a escuridão cobalto do crepúsculo. Ele deitava na escuridão com um desfile de tons azuis em sua mente, assim poderia passar o curto e desagradável descanso no resto de sua vida neste espaço pequenino, com apenas um trecho do céu visível através de uma única janela de barras na parede.
— Você ouviu o que eu disse? — Ele levantou sua voz. — O Inquisidor vai me matar de fome. Sem sangue.
Houve um ruído murmurante. Um audível suspiro. Então Samuel falou.
— Eu te ouvi. Só não sei o que você quer que eu faça a respeito. — ele pausou — lamento por você, Diurno, se isso ajuda.
— Realmente não. O Inquisidor quer que eu minta. Quer que eu diga que os Lightwood estavam em aliança com Valentim. Então ele me mandará para casa — ele rolou sobre seu estômago, as pedras golpeando sua pele — não importa. Eu não sei por que estou dizendo tudo isso a você. Você provavelmente não tem ideia do que estou falando.
Samuel fez um barulho entre uma risada e uma tosse.
— Na verdade, eu sei. Eu conheci os Lightwood. Nós estávamos no Círculo juntos. Os Lightwood, os Wayland, os Pangborn, os Herondale, os Penhallow. Todas as grandes famílias de Alicante.
— E Hodge Starkweather — Simon acrescentou, pensando no tutor dos Lightwoods — ele estava também, não estava?
— Estava — Samuel confirmou — mas sua família dificilmente era uma... respeitada. Hodge mostrou-se promissor uma vez, mas temo que não viveu para isso — ele se interrompeu — Aldertree sempre odiou os Lightwood, é claro, desde que nós éramos crianças. Ele não era rico, inteligente ou atraente, e bem, eles não eram gentis com ele. Acho que ele nem mesmo superou isso.
— Rico? — Simon perguntou. — Eu pensei que todos os Caçadores de Sombras fossem pagos pela Clave. Como... eu não sei, comunismo ou algo do tipo.
— Na teoria, todos os Caçadores de Sombras são pagos de forma justa e igual. Alguns, como aqueles com altas posições na Clave, ou aqueles com grande responsabilidade – gerenciar um Instituto, por exemplo... recebem um salário mais alto. Então há aqueles que vivem fora de Idris e optam por ganhar dinheiro no mundo mundano; isso não é proibido, desde que eles separem uma parte dele para a Clave. Mas... — Samuel hesitou... — você viu a casa dos Penhallow, não viu? O que acha daquilo?
Simon lançou sua mente de volta.
— Muito luxuosa — Simon lembrou.
— É uma das casas mais belas em Alicante. E eles têm outra casa, uma mansão fora do país. Quase todas as famílias ricas têm. Veja, há outro modo para os Nephilim obterem riquezas. Eles chamam de “espólios”. Qualquer coisa pertencente a um demônio ou Ser do Submundo que é morto por um Caçador de Sombras se torna propriedade do Caçador de Sombras. Então se um bruxo rico quebrar a Lei, e for morto por um Nephilim...
Simon estremeceu.
— Então matar Seres do Submundo é um negócio lucrativo?
— Pode ser — Samuel disse amargamente — se você não for muito exigente sobre quem mata. Você pode ver porque há tanta oposição nos Acordos. Corta as rendas das pessoas, tendo que ter cuidados sobre assassinar Seres do Submundo. Talvez esse seja o motivo de eu ter me juntado ao Círculo. Minha família nunca foi rica, e ser desprezado por não aceitar dinheiro de sangue... — ele se interrompeu.
— Mas o Círculo assassinou Seres do Submundo também — Simon disse.
— Porque pensavam que era seu dever sagrado — Samuel respondeu — não por ganância. Embora eu não possa imaginar agora por que eu mesmo pensava que isso importava — ele soou exausto — assim era Valentim. Ele tinha um jeito de ser. Podia te convencer de qualquer coisa. Eu me lembro de estar em pé ao lado dele com as mãos cobertas de sangue, olhando para o corpo de uma mulher morta, e pensando só que o que eu estava fazendo tinha que ser certo, por que Valentim disse que era.
— Uma Ser do Submundo morta?
Samuel respirou asperamente do outro lado da parede.
— Você deve entender, eu teria feito qualquer coisa que ele pedisse. Qualquer um de nós faria. Os Lightwood também. O Inquisidor sabe disso, e é o que ele deseja explorar. Mas você deve saber... que se você der o que quer e jogar a culpa nos Lightwood, há a chance de que ele vá te matar para calar sua boca. Dependerá se a ideia de ser misericordioso fizer dele mais poderoso no momento.
— Isso não importa — Simon disse — eu não vou fazer isso. Não vou trair os Lightwood.
— Sério? — Samuel soava não convencido. — Há alguma razão para isso? Você se importa com os Lightwood tanto assim?
— Qualquer coisa que eu disser sobre eles será uma mentira.
— Mas essa pode ser a mentira que ele quer ouvir. Você quer ir para casa, não quer?
Simon olhou para a parede como se pudesse de alguma forma ver através dela o homem no outro lado.
— É isso o que você faria? Mentir para ele?
Samuel tossiu... um tipo de tosse ruidosa, como se ele não estivesse muito saudável. Então de novo, era úmido e frio aqui, não que incomodasse Simon, mas teria provavelmente incomodado muito um humano normal.
— Eu não tomaria uma lição de moral de mim. Mas sim, eu provavelmente o faria. Eu sempre salvo a minha própria pele primeiro.
— Tenho certeza de que isso não é verdade.
— Na verdade — Samuel disse — é isso. Uma coisa que você vai aprender quando ficar mais velho, Simon, é que quando as pessoas dizem algo desagradável sobre si mesmas, geralmente é a verdade.
Mas eu não vou ficar mais velho, Simon pensou. Alto, ele falou:
— Essa é a primeira vez que você me chamou de Simon. Simon e não Diurno.
— Suponho que sim.
— E quanto aos Lightwood, não é que eu goste deles tanto assim. Quero dizer, gosto de Isabelle, e tipo gosto de Alec e Jace, também. Mas há essa garota. E Jace é seu irmão.
Quando Samuel replicou, ele soou, pela primeira vez, genuinamente divertido.
— Não há sempre uma garota?



No momento em que a porta se fechou atrás de Clary, Jace desmoronou contra a parede, como se suas pernas tivessem sido cortadas de debaixo dele. Ele parecia cinza com um misto de horror, choque e o que parecia quase como... alívio, como se uma catástrofe tivesse sido estreitamente evitada.
— Jace — Alec disse dando um passo em direção a seu amigo — você realmente acha...
Jace falou em voz baixa, interrompendo Alec:
— Saiam. Apenas saiam, vocês dois.
— E então você vai fazer o quê? — Isabelle demandou. — Arruinar a sua vida ainda mais? O que no Inferno foi aquilo?
Jace balançou a cabeça.
— Eu a mandei para casa. Era a melhor coisa para ela.
— Você fez um Inferno maior do que enviá-la para casa. Você destruiu ela. Você viu o rosto dela?
— Valeu a pena — Jace disse — você não entenderia.
— Para ela talvez — ela replicou — espero que acabe valendo a pena para você.
Jace virou seu rosto para longe.
— Só... me deixe sozinho, Isabelle. Por favor.
Isabelle lançou um olhar assustado para seu irmão. Jace nunca disse “por favor”. Alec pôs a mão no ombro dela.
— Não importa, Jace — ele falou, tão gentilmente quanto podia — eu tenho certeza de que ela vai ficar bem.
Jace levantou a cabeça e olhou para Alec sem realmente estar olhando para ele... ele parecia estar fitando o nada.
— Não, ela não vai. Mas eu sabia disso. Falando nisso, você poderia me dizer o que te trouxe aqui. Você parecia pensar que era bastante importante na hora.
Alec tirou a mão do ombro de Isabelle.
— Eu não queria te dizer na frente de Clary...
Os olhos de Jace finalmente se focaram em Alec.
— Não queria me dizer o que na frente de Clary?
Alec hesitou. Ele raramente tinha visto Jace tão chateado, e podia imaginar o efeito mais adiante que desagradáveis surpresas poderiam ter sobre ele. Jace tinha que saber.
— Ontem — ele contou, em um voz baixa — quando eu levei Simon para a Garde, Malachi me disse que Magnus Bane encontraria Simon do outro lado do Portal, em Nova York. Então eu enviei uma mensagem de fogo para Magnus. Recebi de volta a dele esta manhã. Ele nunca encontrou Simon em Nova York. Na verdade, disse que não há nenhum Portal ativo em Nova York desde que Clary veio.
— Talvez Malachi estivesse errado — Isabelle sugeriu, depois de um rápido olhar no rosto acinzentado de Jace — talvez alguém mais encontrou Simon do outro lado. E Magnus podia estar errado sobre o Portal em atividade...
Alec balançou a cabeça.
— Eu fui para a Garde esta manhã com mamãe. Eu queria perguntar a Malachi sobre isso, mas quando o vi... eu não sei por que... mergulhei num recesso na parede. Eu não podia vê-lo, porém eu o ouvi falando com um dos guardas. Dizendo a eles para trazerem o vampiro porque o Inquisidor queria falar com ele novamente.
— Você tem certeza que eles queriam dizer Simon? — Isabelle perguntou, mas não havia acusação em sua voz. — Talvez...
— Eles estavam falando sobre quão estúpido o Ser do Submundo tinha sido em acreditar que eles iriam apenas mandá-lo de volta para Nova York sem questioná-lo. Um deles disse que ele não podia acreditar em alguém que tinha tido a ousadia de trazê-lo para Alicante para começar. E Malachi disse, “Bem, o que você espera vindo do filho de Valentim?”
— Oh — Isabelle sussurrou — ah meu Deus — ela olhou através da sala — Jace...
As mãos de Jace estavam fechadas em punhos. Seus olhos pareciam fundos, como se estivessem impulsionados para dentro de seu crânio. Em outras circunstâncias, Alec teria colocado uma mão no ombro dele, mas não agora, alguma coisa em Jace o fez se segurar.
— Se não tivesse sido eu quem o trouxe — Jace disse em uma voz baixa e medida, como se ele estivesse recitando algo — talvez eles apenas o tivessem deixado ir para casa. Talvez eles tivessem acreditado...
— Não — Alec interrompeu — não, Jace, não é sua culpa. Você salvou a vida dele.
— Salvei, então a Clave pode torturá-lo. Permita-me. Quando Clary descobrir... — Ele balançou sua cabeça cegamente. — Ela vai pensar que eu o trouxe aqui de propósito, o dei para a Clave sabendo o que eles fariam.
— Ela não irá pensar isso. Você não tinha nenhuma razão para fazer uma coisa como essa.
— Talvez — Jace falou, lentamente — mas depois de como eu a tratei...
— Ninguém iria pensar que você faria isso, Jace — Isabelle opinou — ninguém que te conhece. Ninguém...
Mas Jace não esperaria para descobrir o que mais alguém pensaria. Em vez disso, ele se virou e andou para a janela panorâmica que dava para o canal. Ele ficou lá por um momento, a luz vindo da janela refletindo as pontas de seu cabelo dourado. Então ele se moveu tão rapidamente que Alec não teve tempo de reagir. Naquela hora ele viu o que estava acontecendo e se lançou para impedir, mas era já era tarde demais.
Houve uma colisão... o som de estilhaçar... e um súbito salpicar de vidro quebrado como um jato de estrelas irregulares. Jace olhou abaixo para sua mão com um interesse clínico enquanto largas gotas vermelhas de sangue reuniam-se e espalhavam-se abaixo no chão a seus pés.
Isabelle olhou de Jace para o buraco no vidro, linhas irradiando para fora do centro vazio, uma teia de aranha de fissuras finas prateadas.
— Ah, Jace — ela disse, a voz tão suave quanto Alec jamais tinha ouvido — como no Inferno vamos explicar isso para os Penhallow?

***

De alguma forma, Clary saiu da casa. Ela não tinha certeza de como... tudo era um rápido borrão de escadas e corredores, e então ela estava correndo para a porta da frente e para fora dela e de alguma forma estava nos degraus da frente da casa dos Penhallow, tentando decidir se ia ou não vomitar nas roseiras. Elas estavam na posição ideal para se vomitar nelas, e seu estômago estava girando dolorosamente, mas na verdade é que tudo o que ela tinha comido era a sopa que a estava sustentando. Ela não podia pensar em nada em seu estômago para vomitar.
Ela fez seu caminho degraus abaixo e virou cegamente fora do portão da frente – não podia se lembrar de qual direção tinha vindo ou de como voltar para a casa de Amatis, mas não parecia importar muito. Não era como se ela estivesse desejando voltar e explicar para Luke que eles tinham que deixar Alicante ou Jace iria entregá-los para a Clave. Talvez Jace estivesse certo. Talvez ela fosse imprudente e descuidada.
Ela nunca pensou sobre como as coisas que fazia impactava as pessoas que ela amava. O rosto de Simon lampejou através de sua visão, forte como uma fotografia, e então o de Luke...
Ela parou e se inclinou contra um poste. O quadrado de vidro fixo parecia como um tipo de lâmpada a gás que cobria os clássicos postes em frente das construções em Park Slope. De alguma forma, ele parecia tranquilizador.
— Clary!
Era uma voz de garoto, ansiosa. Imediatamente Clary pensou: Jace. Ela girou ao redor.
Não era Jace. Sebastian, o garoto de cabelo escuro da sala de estar dos Penhallow, estava em pé na frente dela, arfando um pouco como se tivesse seguido-a abaixo na rua numa corrida.
Ela sentiu a mesma sensação que tinha tido mais cedo brotar, quando o viu pela primeira vez... reconhecimento, misturado com algo mais que ela não podia identificar. Aquilo não era gostar ou desgostar... era um tipo de atração, como se alguma coisa a puxasse na direção desse garoto que ela não conhecia. Talvez fosse apenas o jeito que ele parecia.
Ele era bonito, tão bonito quanto Jace, embora onde Jace fosse todo dourado, este garoto era pálido e sombreado. Ainda agora, embaixo da luz da lâmpada, ela podia ver que sua semelhança com seu príncipe imaginário não era exatamente como ela tinha pensado. Mesmo suas cores eram diferentes. Era apenas algo no formato do rosto dele, a maneira como ele se mantinha, um obscuro mistério em seus olhos...
— Você está bem? — ele perguntou. Sua voz era suave. — Você saiu correndo de casa como...
Sua voz falhou enquanto ele a olhava. Ela ainda estava agarrada ao poste como se precisasse dele para mantê-la em pé.
— O que aconteceu?
— Eu tive uma briga com Jace — ela explicou, tentando manter sua voz contínua — você sabe como é.
— Na verdade, não — ele soou quase se desculpando — eu não tenho nenhuma irmã ou irmãos.
— Sortudo — ela respondeu, e ficou estarrecida com a amargura em sua própria voz.
— Você não quer dizer isso.
Ele deu um passo mais próximo a ela, e enquanto o fazia, a lâmpada tremeluziu sobre, lançando uma piscina de luz de bruxa branca sobre ambos.
Sebastian olhou acima para a luz e sorriu.
— É um sinal.
— Um sinal de quê?
— Um sinal de que você deveria me deixar te levar até em casa.
— Mas eu não tenho nenhuma ideia de onde é — ela disse, percebendo — escapei para vir aqui. Eu não me lembro por qual caminho vim.
— Bem, com quem você está ficando?
Ela hesitou antes de responder.
— Não vou dizer a ninguém — ele falou — juro pelo Anjo.
Ela o fitou. Esse era um grande juramento, para um Caçador de Sombras.
— Tudo bem — Clary disse, antes que pudesse considerar sua decisão — estou ficando com Amatis Herondale.
— Ótimo. Eu sei exatamente onde ela mora — ele ofereceu seu braço a ela — podemos?
Ela deu um sorriso.
— Você é do tipo insistente, sabe.
Ele deu de ombros.
— Tenho um fetiche por donzelas em perigo.
— Não seja machista.
— De modo algum. Meus serviços também estão disponíveis para cavalheiros em perigo. É uma oportunidade igual de fetiche — ele disse, e, com um florear, ofereceu seu braço novamente.
Dessa vez, ela o pegou.

***

Alec fechou a porta do pequeno sótão e se virou para enfrentar Jace. Seus olhos eram normalmente da cor do Lago Lyn, um pálido, azul tranquilo, mas a cor tendia a mudar com seu humor. No momento eles eram da cor do Rio East durante uma tempestade. Sua expressão era tempestuosa também.
— Sente-se — ele falou para Jace, apontando a cadeira baixa próxima da janela triangular — vou pegar as bandagens.
Jace se sentou. O quarto que ele dividia com Alec no topo da casa dos Penhallow era pequeno, com duas camas estreitas, cada uma contra uma parede. Suas roupas estavam penduradas em uma fileira de ganchos na parede. Havia uma única janela, deixando entrar uma luz esmaecida – estava ficando escuro agora, e o céu lá fora do vidro era azul índigo.
Jace observou enquanto Alec se ajoelhava para arrancar a mala de debaixo de sua cama e a abria. Ele inspecionou ruidosamente o conteúdo antes de ficar de pé com um caixa em suas mãos. Jace reconheceu-a como a caixa de suprimentos médicos que eles usavam às vezes quando as runas não eram uma opção – antissépticos, ataduras, tesoura e gaze.
— Você não vai usar uma runa de cura? — Jace perguntou, mais por curiosidade do que por qualquer outra coisa.
— Não. Você pode só... — Alec se interrompeu, arremessando a caixa na cama com um inaudível palavrão.
Ele foi para a pequena pia na parede e lavou suas mãos com tanta força que a água espalhou-se acima em um fino spray. Jace o observou com uma distante curiosidade. Sua mão tinha começado a queimar com uma entorpecida e ardente dor. Alec recuperou a caixa, puxando um cadeira oposta a de Jace, e lançou-se a si mesmo naquilo.
— Me dê sua mão.
Jace ergueu a mão. Ele tinha que admitir que parecia bem ruim. Todas as quatro juntas estavam divididas abertas com explosões estelares vermelhas. O sangue seco grudava nos dedos, uma fragmentada luva vermelha amarronzada. Alec fez uma careta.
— Você é um idiota.
— Obrigado.
Ele observou pacientemente enquanto Alec se curvava em sua mão com um par de pinças e gentilmente cutucava um pedaço de vidro fincado em sua pele.
— Então, por que não?
— Por que não, o quê?
— Por que não usar uma runa de cura? Esse não é um ferimento de demônio.
— Porque — Alec pegou uma garrafa azul de antisséptico — acho que seria bom para você sentir dor. Você pode curar como um mundano. Lenta e feiamente. Talvez você aprenda alguma coisa — ele espalhou o líquido ardente sobre os cortes de Jace — embora eu duvide disso.
— Eu posso sempre fazer minha própria runa de cura, você sabe.
Alec começou a envolver uma faixa de atadura em torno da mão de Jace.
— Só se você quiser que eu diga aos Penhallow o que realmente aconteceu com sua janela, ao invés de deixá-los pensar que foi um acidente.
Ele sacudiu um nó nas ataduras apertando, fazendo Jace se contrair.
— Sim, você diria — Jace inclinou sua cabeça para o lado — não percebi que meu ataque à janela deixaria você tão chateado.
— É só...
Terminado os curativos, Alec olhou a mão de Jace, a mão que ele ainda estava segurando entre as suas. Era um amontoado de ataduras, manchadas com sangue onde os dedos de Alec tinham tocado.
— Por que você faz essas coisas consigo mesmo? Não só o que você fez na janela, mas o modo como você falou com Clary. Do que está se punindo? Você não pode impedir o que sente.
A voz de Jace estava uniforme.
— Como eu me sinto?
— Eu vejo o modo como você olha para ela — os olhos de Alec estavam remotos, vendo algo além de Jace, algo que não estava lá — e você não pode tê-la. Talvez você apenas nunca soubesse como era querer algo que você não podia ter antes.
Jace olhou para ele firmemente.
— O que há entre você e Magnus Bane?
A cabeça de Alec se jogou para trás.
— Eu não... não há nada...
— Eu não sou burro. Você foi direto para Magnus depois que falou com Malachi, antes você falaria comigo ou Isabelle ou qualquer pessoa...
— Por que ele era o único que podia responder minha pergunta, esse é o porquê. Não há nada entre nós — Alec disse... e então, segurando o olhar no rosto de Jace, adicionou com grande relutância — não mais. Não há nada mais entre nós. Ok?
— Eu espero que não seja por minha causa — Jace falou.
Alec ficou branco e se puxou para trás, como se estivesse se preparando para se desviar de um golpe.
— O que você quer dizer?
— Eu sei como você acha que se sente sobre mim. Entretanto, não sente. Você apenas gosta de mim por que sou seguro. Não há risco. E então nunca teve que tentar um relacionamento real já que pode me usar como desculpa.
Jace sabia que estava sendo cruel, e ele mal se importava. Machucar as pessoas que ele amava era quase tão bom quanto machucar a si mesmo quando estava com este tipo de humor.
— Eu entendi — Alec disse firmemente — primeiro Clary, então sua mão, agora eu. Para o Inferno com você, Jace.
— Você não acredita em mim? — Jace perguntou. — Ótimo. Vá em frente. Me beije agora mesmo.
Alec olhou para ele com horror.
— Exatamente. Apesar da minha incrível boa aparência, você na verdade não gosta de mim desse jeito. E se estiver se afastando Magnus, não é por minha causa. É por que você está assustado demais para dizer a alguém que você realmente ama. O amor nos faz mentirosos. A Rainha Seelie me disse isso. Então não me julgue por mentir sobre como eu me sinto. Você faz isso também — ele se levantou — e agora, quero que você faça isso novamente.
O rosto de Alec estava rígido com a dor.
— O que você quer dizer?
— Minta para mim — Jace respondeu, pegando sua jaqueta do gancho da parede e jogando-a nos ombros — é o pôr-do-sol. Eles vão começar a voltar da Garde agora mesmo. E preciso que você diga a todos que eu não estou me sentindo bem e que é o motivo de eu não descer. Diga a eles que eu me senti fraco e tropecei, e assim a janela quebrou.
Alec inclinou a cabeça para trás e olhou diretamente para Jace.
— Ótimo, se você me disser para onde realmente está indo.
— Até a Garde — Jace revelou — estou ido tirar Simon da prisão.



A mãe de Clary sempre tinha chamado a hora do dia entre o crepúsculo e o anoitecer de “a hora azul.” Ela disse que a luz era mais forte e mais incomum, e que era a melhor hora para pintar. Clary nunca tinha entendido realmente o que ela queria dizer, mas agora, fazendo seu caminho através de Alicante no crepúsculo, entendeu.
A hora azul em Nova York não era realmente azul; era muita apagada pelas luzes da rua e os sinais de néon. Jocelyn devia ter pensado em Idris, onde a luz caía em retalhos de puro violeta através das construções da cidade, e as lâmpadas que jogavam piscinas circulares de luz branca tão brilhantes que Clary esperou sentir calor quando andava através dela.
Desejou que sua mãe estivesse ali com ela. Jocelyn poderia ter apontado as partes de Alicante que eram familiares para ela, que tinham um lugar em suas memórias. Mas ela nunca disse nada dessas coisas a você. Manteve-as em segredo por um propósito. E agora você pode não saber nunca. Uma dor aguda – meio raiva e meio arrependimento – agarrou-se ao coração de Clary.
— Você está terrivelmente quieta — Sebastian observou.
Eles estavam passando sobre a ponte do canal, as laterais da construção esculpidas com runas.
— Só me perguntando em quantos problemas mais eu vou estar quando eu voltar. Eu tinha escalado uma janela para sair, mas Amatis provavelmente notou que eu saí agora.
Sebastian fez uma careta.
— Por que você escapou? Não estava autorizada a vir ver seu irmão?
— Não era para eu estar em Alicante — Clary respondeu — era para eu estar em casa, assistindo seguramente das linhas secundárias.
— Ah. Isso explica muita coisa.
— Explica? — ela captou um curioso olhar esgueira dele.
Sombras azuis prendiam-se em seu cabelo escuro.
— Todo mundo pareceu empalidecer quando seu nome veio mais cedo. Eu entendi que havia algum problema entre seu irmão e você.
— Problema? Bem, esse é um modo que colocar isso.
— Você não gosta muito dele?
— Gostar de Jace?
Ela tinha pensado tanto nisso estas últimas semanas, se amava Jace Wayland e como, que nunca tinha parado para considerar se gostava dele.
— Desculpa. Ele é da família... não é realmente sobre se você gosta dele ou não.
— Eu gosto dele — ela disse, surpreendendo a si mesma — eu gosto, é só que... ele me deixa furiosa. Ele me diz o que eu posso e não posso fazer...
— Parece que não funciona muito bem — Sebastian comentou.
— O que você quer dizer?
— Você parece fazer o que quer de qualquer forma.
— Acho que sim — a observação a assustou, vindo de um quase estranho — mas parece que eu o deixei mais furioso do que eu pensei.
— Ele irá se recuperar — o tom de Sebastian era de desdém.
Clary olhou para ele curiosamente.
— Você gosta dele?
— Eu gosto dele. Mas não acho que ele goste muito de mim — Sebastian soou sentido — tudo o que eu digo parece chateá-lo.
Eles viraram a rua em uma larga praça de pavimento circular, rodeada com altos e estreitos edifícios. No centro estava uma estátua de bronze de um anjo... o Anjo, aquele que tinha dado seu sangue para fazer a raça de Caçadores de Sombras. No extremo norte da praça estava uma enorme estrutura de pedra branca. Uma queda de água de degraus largos de mármore davam acima para um arco de pilares, atrás do que estava um par de largas portas duplas. O efeito geral na luz noturna era impressionante – e estranhamente familiar. Clary se perguntou se ela tinha visto uma imagem deste lugar antes. Talvez sua mãe tivesse pintado uma?
— Esta é a Praça do Anjo — Sebastian apresentou — e este é o Grande Salão do Anjo. Os acordos foram assinados lá primeiro, desde que os Seres do Submundo não são permitidos entrar na Garde – agora é chamado de Salão dos Acordos. É um lugar central de encontros – celebrações são realizadas lá, casamentos, festas, todo o tipo de coisa. Esse é o centro da cidade. Eles dizem que todos os caminhos levam ao Salão.
— Parece um pouco com uma igreja... mas vocês não têm igrejas aqui, têm?
— Não precisamos — Sebastian respondeu — as torres demoníacas nos mantêm a salvo. Não precisamos de nada mais. Esse é o motivo de eu gostas de vir aqui. Ele dá uma sensação de... tranquilidade.
Clary olhou para ele com surpresa.
— Então, você não mora aqui?
— Não. Eu moro em Paris. Só estou visitando Aline... ela é minha prima. Minha mãe e Patrick são irmãos. Os pais de Aline dirigem o Instituto em Beijing há anos. Eles se mudaram de volta a Alicante cerca de uma década atrás.
— Eles eram... os Penhallow não eram do Círculo, eram?
Um olhar espantado relampejou no rosto de Sebastian. Ele estava em silêncio quando eles viraram e deixaram a praça atrás deles, fazendo seu caminho dentro de um aglomerado de ruas escuras.
— Por que você me pergunta isso? — ele indagou finalmente.
— Bem... porque os Lightwood eram.
Eles passaram debaixo de um poste. Clary olhou de esguelha para Sebastian. No seu longo casaco escuro e blusa branca, debaixo da piscina de luz, ele parecia como uma ilustração em preto e branco de um cavalheiro vindo de um álbum vitoriano. Seu cabelo negro curvava-se contra suas têmporas de um modo que ela desejou desenhá-lo em nanquim.
— Você tem que entender que boa metade de jovens Caçadores de Sombras em Idris eram parte do Círculo, e muitos daqueles que não eram de Idris também. Tio Patrick foi em seus primeiros dias, mas ele saiu do Circulo uma vez que começou a notar o quão sério Valentim era. Nenhum dos pais de Aline fez parte da Revolta – meu tio foi para Beijing para ficar longe de Valentim e conheceu a mãe de Aline no Instituto de lá. Quando os Lightwood e os outros membros do Círculo foram julgados por traição contra a Clave, eles foram enviados para Nova York em vez de serem amaldiçoados. Então os Lightwood tem sido sempre gratos.
— E os seus pais? — Clary perguntou — eles estavam na irmandade?
— Não realmente. Minha mãe era mais jovem do que Patrick... ele enviou-a para Paris quando foi para Beijing. Conheceu meu pai lá.
— Sua mãe é mais nova do que Patrick?
— Ela está morta — Sebastian respondeu — meu pai, também. Minha tia Élodie me educou.
— Ah — Clary disse, se sentindo estúpida — me desculpe.
— Eu não lembro deles. Não realmente. Quando eu era mais novo, desejei que eu tivesse uma irmã mais velha ou um irmão, alguém que pudesse me dizer como era ter eles como pais — ele olhou para ela pensativamente — posso te perguntar uma coisa, Clary? Por que você veio para Idris quando sabia o quão ruim seu irmão iria achar?
Antes que ela pudesse respondê-lo, eles emergiram de um beco estreito que para um familiar pátio não iluminado, o abandono no centro cintilando ao luar.
— Praça Cirtern — Sebastian falou, uma nota inconfundível de desapontamento em sua voz — nós chegamos aqui mais rápido do que pensei.
Clary olhou para a ponte construída que atravessava as proximidades do canal. Ele podia ver a casa de Amatis à distância. Todas as janelas estavam iluminadas.
Ela suspirou.
— Eu posso voltar por mim mesma daqui, obrigada.
— Você não quer que eu caminhe com você para a...
— Não. Não a menos que você queira entrar em apuros também.
— Você acha que eu ia ficar em apuros? Por estar sendo cavalheiro o suficiente para te acompanhar até em casa?
— Não era pra ninguém saber que estou em Alicante. Era para ser um segredo. E sem ofensa, mas você é um estranho.
— Eu gostaria de não ser — ele disse — eu gostaria de te conhecer melhor.
Ele estava olhando para ela com uma mistura de diversão e certa timidez, como se não tivesse certeza de como o que ele tinha dito seria recebido.
— Sebastian — ela disse, com um súbito sentimento de devastador cansaço — estou feliz que você queira me conhecer. Mas eu só não tenho energia para te conhecer. Desculpe.
— Eu não queria dizer...
Mas ela já estava se afastando dele, em direção à ponte. No meio do caminho, se virou ao redor e olhou de volta para Sebastian. Ele estava parecendo estranhamente desprezado em um trecho do luar, seus cabelos pretos caindo sobre seu rosto.
— Ragnor Fell — ela disse.
Ele olhou para ela.
— O quê?
— Você me perguntou por que eu vim aqui mesmo sabendo que não era para vir — Clary explicou — minha mãe está doente. Realmente doente. Talvez morrendo. A única coisa que pode ajudá-la, a única pessoa que pode ajudar, é um bruxo chamado Ragnor Fell. Só que eu não tenho nenhuma ideia de onde encontrá-lo.
— Clary...
Ela virou de volta em direção a casa.
— Boa noite, Sebastian.
Foi uma difícil escalada pela grade, mais do que tinha descer. As botas de Clary escorregaram várias vezes no muro de pedra úmido, e ela estava aliviada quando finalmente subiu no peitoril da janela e meio pulou, meio caiu dentro do quarto.
Sua euforia teve vida curta. Tão logo suas botas tinham acertado o chão, uma luz brilhante reluziu, uma suave explosão que iluminou o quarto para uma brilhante luz do dia.
Amatis estava sentada no canto da cama, suas costas muito eretas, uma pedra enfeitiçada na mão. Ela queimava com uma pungente luz que não parecia suavizar as rígidas marcas de seu rosto ou as linhas dos cantos de sua boca. Ela olhou para Clary em silêncio por vários longos momentos.
— Nestas roupas, você se parece com Jocelyn.
Clary lutou em seus pés.
— Eu... me desculpe — ela disse — sobre sair desse jeito...
Amatis fechou sua mão ao redor da pedra enfeitiçada, apagando seu brilho. Clary piscou no súbito obscurecimento.
— Troque esta roupa — Amatis disse — e me encontre lá embaixo na cozinha. E nem mesmo pense em escapar para fora pela janela — ela adicionou — ou da próxima vez que você retornar para esta casa, vai encontrá-la fechada para você.
Engolindo duro, Clary acenou.
Amatis levantou-se e saiu sem outra palavra. Rapidamente, Clary retirou sua vestimenta e colocou suas próprias roupas, que estavam penduradas na extremidade da cama, agora secas. Seus jeans estavam um pouco duros, mas era legal usar sua familiar camiseta.
Sacudindo seu cabelo enrolado para trás, ela seguiu para baixo.
A última vez que tinha visto o piso inferior da casa de Amatis, tinha estado delirante e alucinando. Se lembrou dos longos corredores se alongando para a infinidade e um enorme relógio de pêndulo cujo tique-taque tinha soado como as batidas de um coração morrendo. Agora ela encontrou-se em uma pequena e acolhedora sala de estar, com mobília simples de madeira e um tapete de pano no chão. O tamanho pequeno e as luzes brilhantes lembraram a ela um pouco de sua própria sala de estar na casa no Brooklyn. Ele cruzou o cômodo em silêncio e entrou na cozinha, onde um fogo queimava na grelha, banhando a sala com uma luz morna amarelada.
Amatis estava sentada a mesa. Ela tinha um xale azul envolvido em torno de seus ombros, que fazia seu cabelo parecer mais cinza.
— Hey — Clary pairou na entrada.
Ela não podia dizer se Amatis estava com raiva ou não.
— Suponho que eu dificilmente preciso perguntar onde você foi — ela disse, sem olhar acima da mesa — você foi ver Jonathan, não foi? Suponho que eu devia ter esperado. Talvez se eu tivesse meus próprios filhos, saberia quando uma criança mentisse para mim. Mas eu tinha tanta esperança, desta vez pelo menos, em não desapontar completamente meu irmão.
— Desapontar Luke?
— Você sabe o que aconteceu quando ele foi mordido? — Amatis olhava direto para ela. — Quando meu irmão foi mordido por um lobisomem... e é claro que ele foi, Valentim estava sempre tomando estúpidos riscos consigo mesmo e seus seguidores, era apenas uma questão de tempo. Ele veio e me disse o que aconteceu, o quão assustado estava que pudesse ter contraído a doença licantropa. E eu disse... eu disse...
— Amatis, você não tem que me contar...
— Eu não sabia. Depois que ele Mudou, depois que ele fugiu daqui, Jocelyn lutou e lutou para me convencer de que ele ainda era, por dentro, a mesma pessoa, ainda meu irmão. Se não tivesse sido por ela, eu nunca teria concordado em vê-lo de novo. Eu o deixei ficar aqui quando ele veio antes da Revolta – deixei ele se esconder no porão – mas eu podia dizer que ele realmente não confiava em mim, não depois de eu ter virado as costas para ele. Acho que ele ainda não confia.
— Ele confia em você o suficiente para me trazer quando eu estava doente. Confia em você o suficiente para me deixar aqui com você...
— Ele não tinha lugar algum para ir — Amatis respondeu — e veja como eu me saí com você. Eu não pude sequer manter você em casa por um único dia.
Clary vacilou. Isso era pior do que levar uma bronca.
— Não é sua culpa. Eu menti para você e escapei. Não havia nada que você pudesse fazer sobre isso.
— Ah, Clary. Você não vê? Há sempre algo que você pode fazer. É só que apenas pessoas como eu sempre dizem o contrário. Eu disse a mim mesma que não havia nada que eu pudesse fazer sobre Stephen me deixar. E eu recusei estar presente nas reuniões da Clave por que disse a mim mesma que não havia nada que eu pudesse fazer para influenciar suas decisões, mesmo quando eu odeio o que eles fazem. Mas então quando eu escolhi fazer alguma coisa... bem, eu nem mesmo posso fazer uma coisa certa — seus olhos cintilaram, duros e brilhantes na luz do fogo — vá para cama, Clary — ela terminou — e a partir de agora, você pode ir e vir como quiser. Eu não posso fazer nada para te impedir. Depois de tudo, como eu disse, não há nada que eu possa fazer.
— Amatis...
— Não — Amatis balançou a cabeça — apenas vá para a cama. Por favor.
Sua voz segurava uma nota de finalidade. Ela se virou, como se Clary já tivesse partido, e olhou para parede, sem pestanejar.
Clary girou em seus calcanhares e correu até as escadas. No quarto de hóspedes, ela chutou a porta atrás dela e se jogou sobre a cama. Ela pensou que queria chorar, mas as lágrimas não vieram. Jace me odeia, pensou. Amatis me odeia. Eu nunca cheguei a dizer adeus para Simon. Minha mãe está morrendo. E Luke me abandonou. Eu estou sozinha. Eu nunca estive tão sozinha, e isso tudo é por minha culpa.
Talvez esse fosse o motivo de ela não poder chorar, percebeu, fitando com o olhar seco para o teto. Qual era a importância em chorar quando não havia ninguém para te confortar? E o que era pior, quando você nem mesmo podia se confortar?

Comentários

  1. pelo anjo kkkjkjkkkkk jace eu te odeio por gritar com a clary assim kkjkjkjkkk mais eu ainda te amo

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  2. Se eu fosse a clary não seria tão submissa e não deixaria ninguém falar assim comigo seja meu irmão ou namorado ou qualquer coisa ou mesmo q fosse um deus grego em forma de gente eu n sairia do jeito q ela saiu não sem dar uma resposta kkk

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  3. Jace idiota kkkl e q ODIO da clary tbmmmm

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  4. eu acho que clary precisava ouvir aquelas coisas, é ruim mas é tudo verdade, ela é imprudente

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Nada de spoilers! :)

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