Capítulo 8 - A Corte Seelie

No sonho, Clary era criança novamente, andando pela estreita faixa da praia perto da calçada em Coney Island. O ar estava forte com o cheiro de cachorros-quentes e amendoins torrados, e com o murmúrio de crianças. O mar surgiu à distância, sua superfície azul acinzentada viva com a luz do sol.
Ela podia se ver como se estivesse longe, usando um pijama de criança um tamanho maior que o seu. As bainhas do pijama de botões arrastavam-se pela praia. A areia suja grudava entre os dedos dos pés, o cabelo estava preso fortemente contra a nuca. Não havia nuvens e o céu estava azul e claro, mas ela estremeceu enquanto caminhava ao longo do perímetro da água em direção a uma figura turva.
Quando se aproximou, a figura ficou subitamente clara, como se Clary tivesse focado as lentes de uma câmera. Era sua mãe, ajoelhada nas ruínas de um castelo de areia semiconstruído. Usava o mesmo vestido branco que Valentim colocou nela em Renwick. Em sua mão estava um galho retorcido, prateado pela longa exposição ao sal e ao vento.
— Você veio para me ajudar? — Sua mãe perguntou, levantando a cabeça.
O cabelo de Jocelyn estava solto e balançava livre ao vento, fazendo-a parecer mais jovem do que era.
— Há muito para fazer e tão pouco tempo.
Clary engoliu contra o caroço em sua garganta.
— Mãe... eu sinto sua falta, mãe.
Jocelyn sorriu.
— Sinto sua falta também, querida. Mas não parti, sabe. Eu estou apenas dormindo.
— Então como é que eu acordo você? — Clary sussurrou, mas sua mãe estava olhando para o mar, o rosto preocupado. O céu tinha se tornado um crepúsculo cinza-ferro e as nuvens negras pareciam pedras pesadas.
— Venha aqui — Jocelyn pediu, e quando Clary foi até ela, ela continuou — firme o seu braço.
Clary o fez. Jocelyn moveu o galho retorcido sobre sua pele. O toque picou como uma estela queimando, e deixou a mesma linha grossa negra para trás. A runa que Jocelyn desenhou tinha um formato que Clary nunca viu, mas a achou instintivamente tranquilizante aos seus olhos.
— O que isso faz?
— Deve protegê-la.
A mãe de Clary a soltou.
— Contra o quê?
Jocelyn não respondeu, apenas olhou em direção ao mar. Clary se virou e viu que o mar tinha retrocedido, deixando pilhas de lixo repulsivo, montes de algas e peixes se debatendo desesperadamente. A água tinha se reunido em uma grande onda, subindo tal qual uma montanha, como uma avalanche pronta para cair. Os murmúrios das crianças na calçada tinham se transformado em gritos. Enquanto Clary olhava em horror, percebeu que a lateral da onda estava transparente como uma membrana, e através dela, ela podia ver coisas que pareciam se mover debaixo da superfície do mar, grandes coisas escuras sem forma se empurrando contra a membrana da água. Ela levantou suas mãos...
E acordou, arfando, seu coração batendo dolorosamente contra suas costelas. Ela estava em sua cama no quarto de hóspedes da casa de Luke, a luz da tarde filtrando através das cortinas. Seu cabelo estava emplastrado na nuca com o suor, e seu braço queimava e doía. Quando se sentou e ligou a luz da cabeceira, viu sem surpresa a Marca preta que corria no comprimento de seu antebraço.
Quando foi para a cozinha, encontrou um café da manhã deixado por Luke para ela na forma de um bolo de tâmaras em uma caixa de papelão salpicada de manteiga. Ele também tinha deixado um bilhete preso na geladeira. Fui ao hospital.
Clary comeu o bolo a caminho de encontrar com Simon. Ele estava supostamente na esquina da Bedford na parada do Trem L com a Rua Cinco, mas Simon não estava.
Ela sentiu um ligeiro puxão de ansiedade antes de se lembrar que havia uma loja de CDs na esquina com a Seis.
Ele, é claro, estava escolhendo CDs na seção de lançamentos. Usava um casaco cor de ferrugem com uma manga rasgada e uma camiseta azul que ostentava o logotipo de um garoto usando fone de ouvidos e dançando com uma galinha. Simon sorriu quando a viu.
— Eric acha que nós devemos mudar o nome de nossa banda para Mojo Pie — ele disse como saudação.
— O que é isto agora? Eu esqueci.
— Champagne Enema — ele respondeu, selecionando o CD You La Tengo.
— Troque isso. A propósito, eu sei o que sua camiseta quer dizer.
— Não, você não sabe — ele foi ao caixa da loja para pagar pelo CD — você é uma boa garota.
Lá fora, o vento estava frio e refrescante. Clary puxou seu cachecol listrado ao redor do queixo.
— Fiquei preocupada quando não te vi na estação L.
Simon puxou sua toca de lã para baixo, piscando como se a luz do sol machucasse seus olhos.
— Desculpe. Eu me lembrei que precisava desse CD, e pensei...
— Tudo bem — ela acenou uma mão para ele — sou eu. Eu entro em pânico facilmente hoje em dia.
— Bem, depois de tudo que você passou, ninguém pode te culpar — Simon soou contrito — eu ainda não acredito no que aconteceu na Cidade do Silêncio. Não acredito que você esteve lá.
— Nem Luke. Ele ficou completamente fora de si.
— Tenho certeza.
Eles estavam caminhando pelo McCarren Park, a grama debaixo de seus pés ficando num tom marrom de inverno, o ar cheio de luz dourada. Cachorros corriam para longe de suas coleiras entre as árvores.
Todas as coisas mudam em minha vida, e o mundo permanece o mesmo, Clary pensou.
— Você falou com Jace desde o que aconteceu? — Simon perguntou, mantendo sua voz neutra.
— Não, mas eu chequei com Isabelle e Alec algumas vezes. Aparentemente, ele está bem.
— Ele pediu para ver você? É por isso que estamos indo?
— Ele não tem que pedir — Clary tentou manter a irritação fora da voz enquanto eles se viravam para a rua de Magnus.
Ela era alinhada com baixos prédios de fábricas que tinham sido convertidos em lofts e estúdios por artísticos – e ricos – residentes. A maioria dos carros estacionados ao longo da beira da calçada era cara.
Quando eles se aproximaram do edifício de Magnus, Clary viu uma figura esguia saiu de sua posição sentada na varanda. Alec. Ele estava usando um longo casaco preto feito de um rígido material um pouco brilhante que os Caçadores de Sombras gostavam de utilizar em seu equipamento. Suas mãos e garganta estavam marcadas com runas, e era evidente o fraco tremular no ar ao redor dele, que estava encantado com invisibilidade.
— Eu não sabia que você estava trazendo o mundano — seus olhos azuis piscaram nervosamente em Simon.
— Isso é o que eu gosto sobre seu pessoal — Simon comentou — vocês sempre me fazem sentir muito bem-vindo.
— Ah, vamos lá, Alec. Qual é o problema? Não é como se Simon não tivesse estado lá antes.
Alec deu um suspiro teatral, deu de ombros e liderou o caminho acima. Ele abriu a porta do apartamento de Magnus utilizando uma fina chave prateada, que enfiou dentro do bolso no peito de sua jaqueta no momento que terminou, como se desejasse que ninguém reparasse.
À luz do dia, o apartamento parecia do jeito que uma boate vazia poderia parecer durante as horas fechadas: escura, suja e inesperadamente pequena. As paredes eram nuas, brilhos aqui e ali com pintura de glitter, e o assoalho onde as fadas tinham dançado uma semana atrás estava empenado e brilhoso com o tempo.
— Oi, oi — Magnus se arrastou em direção a eles.
Ele estava usando um roupão de banho de seda verde aberto por cima de uma camisa de malha prata e jeans pretos. Uma pedra vermelha piscava em sua orelha direita.
— Alec, meu querido. Clary. E garoto-rato.
Ele curvou-se em direção a Simon, que pareceu chateado.
— A que devo o prazer?
— Nós viemos para ver Jace — Clary respondeu — ele está bem?
— Eu não sei — Magnus disse — ele normalmente só fica deitado no chão sem se mover?
— O que... — Alec começou, e Magnus caiu na risada. — Isso não tem graça.
— Você é tão fácil de tirar do sério. E sim, seu amigo está bem. Bem, exceto que ele se mantém colocando todas as minhas coisas fora do lugar tentando limpar. Agora eu não posso encontrar nada. Ele é compulsivo.
— Jace gosta de suas coisas limpas — Clary falou, pensando no quarto dele igual ao de um monge no Instituto.
— Bem, eu não — Magnus estava olhando Alec com o canto de seu olho enquanto Alec começava a se afastar em uma meia distância, a cara fechada — Jace está lá, se você quiser vê-lo — ele apontou em direção a uma porta no final da sala — lá dentro.
Era um esconderijo de tamanho médio, surpreendentemente aconchegante, com paredes manchadas, cortinas de veludo nas janelas e poltronas de tecido drapeado largadas como grandes icebergs coloridos num mar de carpete bege. Um sofá rosa choque estava arrumado com lençóis e um cobertor. Próximo a ele estava uma mala recheada de roupas. Nenhuma luz vinha das pesadas cortinas; a única fonte de iluminação era a piscante tela da televisão, que cintilava brilhantemente apesar do fato de o aparelho não estar conectado na tomada.
— O que está pensando? — Magnus perguntou.
— O que não usar.
Uma voz familiar falou lentamente, emanada de uma figura esparramada em uma das poltronas. Ele se inclinou à frente e por um momento Clary pensou que Jace iria levantar e saudá-los. Ao invés disso, ele balançou a cabeça para a tela.
— Calças cáqui de cós alto? Quem usaria isso? — Ele se virou e olhou para Magnus. — Poder sobrenatural quase ilimitado e tudo o que você faz é utilizá-lo para assistir reprises. Que desperdício.
— Além disso, a TiVo passa muito da mesma coisa — ressaltou Simon.
— Meu jeito é mais barato — Magnus bateu suas mãos e o quarto foi subitamente inundado de luz.
Jace caiu na cadeira, levantando um braço para cobrir o rosto.
— Você pode fazer isso sem mágica?
— Na verdade — Simon disse — sim. Se você assistisse os infocomerciais, saberia como.
Clary sentiu que o clima no quarto estava se deteriorando.
— Já chega — ela interrompeu.
Olhou para Jace, que tinha abaixado seu braço e estava piscando ressentidamente pela luz.
— Nós precisamos conversar — ela continuou — todos nós. Sobre o que vamos fazer agora.
— Eu estava indo assistir Project Runway — Jace respondeu — é o próximo.
— Não, você não vai — Magnus replicou. Ele bateu seus dedos e a TV desligou, liberando uma pequena nuvem de fumaça quando a imagem morreu — você precisa lidar com isso.
— Subitamente você está interessado em resolver meus problemas?
— Estou interessado em ter meu apartamento de volta. E estou cansado de você limpando o tempo todo — Magnus estalou seus dedos novamente, ameaçadoramente — levante-se.
— Ou você será o próximo a virar fumaça — Simon observou com satisfação.
— Ninguém precisa esclarecer meu estalar de dedos. A implicação está clara no estalar dele mesmo.
— Ótimo — Jace se levantou da cadeira.
Ele estava descalço e havia uma linha púrpura prateada na pele em torno de seu pulso onde o ferimento ainda estava se curando. Ele parecia cansado, mas não como se ainda estivesse com dor.
— Vocês querem uma reunião na mesa redonda, nós teremos uma reunião na mesa redonda.
— Eu amo mesas redondas — Magnus comentou brilhantemente — elas combinam muito mais do que as quadradas.
Na sala de jantar, Magnus invocou uma enorme mesa circular cercada por cinco cadeiras de madeira de espaldar alto.
— Isso é incrível — Clary elogiou, deslizando em uma cadeira. Era surpreendentemente confortável. — Como você pode criar alguma coisa do nada como isso?
— Não se pode — Magnus respondeu — tudo vem de algum lugar. Estas vieram de uma loja de reprodução de antiguidades na Quinta Avenida, por exemplo. E estes — subitamente cinco canecas de papel encerado apareceram sobre a mesa, o vapor subindo suavemente dos buracos de suas tampas — vieram da Dean & DeLuca na Broadway.
— Isso parece com roubo, não é? — Simon puxou um copo em direção dele. Ele tirou a tampa. — Ooh. Mochaccino — ele olhou para Magnus — você pagou por isso?
— Claro — Magnus respondeu, enquanto Jace e Alec sorriam — eu faço cédulas de dólares aparecerem magicamente em suas caixas registradoras.
— Sério?
— Não — Magnus tirou a tampa de seu café — mas você pode fingir que fiz isso se faz você se sentir melhor. Então, qual é o primeiro assunto?
Clary colocou suas mãos ao redor da sua própria caneca de café. Talvez seja roubada, mas era algo quente e cheio de cafeína. Ela poderia parar na Dean & DeLuca e largar um dólar na ponta do balcão qualquer hora.
— Descobrir o que está acontecendo será um começo — ela disse, soprando em sua espuma — Jace, você disse que o que aconteceu na Cidade do Silêncio foi culpa de Valentim?
Jace olhou abaixo para seu café.
— Sim.
Alec pôs uma mão no braço de Jace.
— O que aconteceu? Você o viu?
— Eu estava na cela — Jace contou, a voz morta — eu ouvi os Irmãos do Silêncio gritando. Então Valentim desceu as escadas com... com alguma coisa. Eu não sei o que era. Como fumaça, com olhos brilhantes. Um demônio, mas não como algum que eu tenha visto antes. Ele veio até as barras e me disse...
— Disse o quê? — A mão de Alec deslizou do braço de Jace para seu ombro.
Magnus limpou sua garganta. Alec tirou sua mão, o rosto vermelho, enquanto Simon sorriu para seu café não bebido.
— Maellartach — Jace continuou — ele queria a Espada da Alma e matou os Irmãos do Silêncio para consegui-la.
Magnus estava franzindo as sobrancelhas.
— Alec, noite passada, quando os Irmãos do Silêncio chamaram por sua ajuda, onde estava a Clave? Porque não havia ninguém no Instituto?
Alec pareceu surpreso por ser interrogado.
— Havia um Ser do Submundo assassinado no Central Park na última noite. Uma criança fada foi morta. O corpo estava drenado de sangue.
— Eu aposto que a Inquisidora pensa que fiz isso também — Jace disse — meu reinado de terror continua.
Magnus se levantou e foi para a janela. Ele puxou a cortina, deixando entrar apenas luz suficiente para envolver seu perfil de falcão.
— Sangue — ele disse, meio que para si mesmo — eu tive um sonho duas noites atrás. Vi a cidade cheia de sangue, com torres feitas de ossos, e sangue correndo pelas ruas como água.
Simon lançou os olhos sobre Jace.
— Ficar em pé na janela murmurando sobre sangue é algo que ele faz o tempo todo?
— Não. Às vezes ele se senta no sofá e faz isso.
Alec lançou para ambos um olhar afiado.
— Magnus, o que há de errado?
— O sangue — Magnus disse novamente — não pode ser uma coincidência.
Ele pareceu estar olhando abaixo para a rua. O pôr-do-sol estava vindo rápido sobre a silhueta da cidade à distância: o céu estava riscado de rosa e dourado.
— Houve vários assassinatos esta semana — ele explicou — de Seres do Submundo. Um bruxo, morto na torre de seu apartamento na South Street Seaport. Seu pescoço e pulso foram cortados e o corpo drenado de sangue. Um lobisomem foi morto no Caçador da Lua há poucos dias. Sua garganta foi cortada neste caso também.
— Soa como vampiros — Simon disse, subitamente muito pálido.
— Eu acho que não — Jace discordou — pelo menos, Raphael disse que isso não foi trabalho das Crianças da Noite. Ele parecia inflexível sobre isso.
— Yeah, porque ele é confiável — Simon murmurou.
— Neste caso, acho que ele estava falando a verdade — Magnus se pronunciou, puxando a cortina fechada.
Seu rosto estava angular, sombreado. Enquanto ele vinha de volta à mesa, Clary viu que ele estava carregando um pesado livro preso no pano verde. Ela não achou que ele estava segurando-o poucos instantes atrás.
— Havia uma forte presença demoníaca em ambos os locais. Acho que alguém foi responsável por todas as três mortes. Não Raphael e sua tribo, mas Valentim.
Os olhos de Clary foram para Jace. Sua boca era uma linha fina.
— Por que acha isso? — foi tudo o que ele perguntou.
— A Inquisidora acha que o assassinato da fada foi uma distração — Clary acrescentou rapidamente — assim ele poderia roubar a Cidade do Silêncio sem se preocupar com a Clave.
— Há maneiras mais fáceis de se criar uma distração — Jace observou — e é desaconselhável antagonizar como o Povo das Fadas. Ele não teria assassinado um do clã das fadas se não tivesse um motivo.
— Ele tinha um motivo — Magnus replicou — era algo que ele queria da criança fada, tal como algo que precisasse do bruxo e do lobisomem que ele matou.
— E o que é isso? — Alec perguntou.
— O sangue deles — Magnus revelou e abriu o livro verde.
As finas páginas de pergaminho tinham palavras escritas nelas que brilhavam como fogo.
— Ah, aqui.
Ele olhou para cima, tocando a página com uma unha afiada. Alec se inclinou para frente.
— Você não será capaz de lê-lo — Magnus o alertou — está escrito em uma linguagem de demônio, Purgatórica.
— Eu posso reconhecer o desenho, apesar de tudo. Esta é Maellartach. E vi isso antes em livros.
Alec apontou para uma ilustração de uma espada prateada, familiar para Clary – era o que estava faltando na parede da Cidade do Silêncio.
— O Ritual da Conversão Infernal — Magnus falou — é isso o que Valentim está tentando fazer.
— O que de quê? — Clary franziu as sobrancelhas.
— Cada objeto mágico tem uma aliança — Magnus explicou — a aliança da Espada da Alma é seráfica – como aquelas lâminas de anjo que vocês Caçadores de Sombra utilizam, porém mil vezes mais, porque o poder dela foi traçado pelo próprio Anjo, não simplesmente pela invocação de um nome angelical. O que Valentim quer é reverter a sua aliança – fazer dela um objeto demoníaco em vez de poder angelical.
— De legal para o bem, para legal para o mal — Simon comentou, satisfeito.
— Ele está citando Dungeons e Dragons — Clary disse — ignorem-no.
— Quanto a Espada do Anjo, a utilização de Maellartach por Valentim poderia ser limitada — Magnus continuou — mas quando uma espada cujo poder demoníaco é igual ao poder angelical que ela uma vez possuiu – bem, há muito que ela pode oferecer. Poder sobre os demônios. Não só a proteção limitada que o Cálice pode oferecer, mas poder para invocar demônios para ele, para forçá-los a fazerem o que ele ordenar.
— Um exército de demônios? — Alec perguntou.
— Esse cara é grande em exércitos — Simon observou.
— Poder até mesmo para trazê-los para Idris, talvez — Magnus finalizou.
— Eu não sei o que ele iria querer indo para lá — Simon disse — lá é onde todos os caçadores de demônio estão, não é? Será que ele não quer apenas aniquilar os caras demônios?
— Os demônios vêm de outras dimensões — Jace falou — nós não sabemos quantos deles existem. Seu número pode ser infinito. A proteção mantém a maior parte deles afastada, mas se todos eles vierem de uma vez...
Infinito, Clary pensou. Ela se lembrou do Grande Demônio, Abbadon, e tentou imaginar mais centenas dele. Ou milhares. Sua pele se arrepiou.
— Eu não saquei — Alec se expressou — o que o ritual tem que fazer com os Seres do Submundo mortos?
— Para realizar o Ritual de Conversão, você precisa ferver a Espada até que ela esteja vermelha, e então esfriá-la quatro vezes, cada vez em sangue de uma criança do Submundo. Uma vez no sangue de uma criança de Lilith, uma vez no sangue de uma criança da lua, uma vez no sangue de uma criança da noite e uma vez no sangue de uma criança das fadas — Magnus explicou.
— Oh, meu Deus — Clary disse — então ele não terminou de matar? Há ainda mais uma criança?
— Mais duas. Ele não teve sucesso com a criança lobisomem. Foi interrompido antes que pudesse ter todo o sangue que precisava — Magnus fechou o livro, pó voando de suas páginas — seja lá qual seja o objetivo final de Valentim, ele já está a mais do que meio caminho para converter a Espada. Ele é provavelmente capaz de ganhar algum poder dela agora. Já pode ser capaz de invocar demônios...
— Mas você não acha que se ele estivesse fazendo isso, não haveria relatos de distúrbio, excesso de atividade demoníaca? — Jace opinou. Mas a Inquisidora disse que o contrário é verdade – que tudo tem estado tranquilo.
— E assim que poderia ser — Magnus replicou — se Valentim estiver chamando todos os demônios para ele. Não me admira que está calmo.
O grupo se encarou. Antes que alguém pudesse pensar em dizer algo simples, um barulho brusco atravessou a sala, fazendo Clary pular. Café quente derramou sobre seu pulso e ela arfou com a dor súbita.
— É minha mãe — Alec disse, checando seu telefone — já volto.
Ele foi para a janela, a cabeça abaixada, a voz muito baixa para se ouvir.
— Me deixe ver — Simon pediu, pegando a mão de Clary.
Havia uma feia mancha vermelha em seu pulso onde o líquido quente tinha escaldado.
— Está tudo bem — ela disse — não é grande coisa.
Simon levantou sua mão e beijou o machucado.
— Está tudo em agora.
Clary fez um barulho assustado. Ele nunca tinha feito nada como aquilo antes. Então, novamente, aquilo era o tipo de coisa que namorados faziam, não era? Puxando seu pulso de volta, ela olhou através da mesa e viu Jace encarando-os, seus olhos dourados em chamas.
— Você é uma Caçadora de Sombras — ele disse — sabe como lidar com ferimentos — ele deslizou sua estela através da mesa em direção a ela — use-a.
— Não — Clary respondeu, e empurrou a estela de volta através da mesa para ele.
Jace bateu sua mão perto da estela.
— Clary...
— Ela disse que não precisa disso — Simon disse. — Ha-ha.
— Ha-ha? Essa é a sua resposta?
Alec, fechando seu telefone, aproximou-se da mesa com um olhar confuso.
— O que está acontecendo?
— Parece que estamos presos em um episódio de Uma vida para desperdiçar — Magnus observou — é tudo muito chato.
Alec deu um peteleco em uma mecha de cabelo fora de seus olhos.
— Eu disse a minha mãe sobre a Conversão Infernal.
— Me deixe adivinhar — Jace falou — ela não acreditou em você. Aliás, ela botou a culpa toda em mim.
Alec amarrou a cara.
— Não exatamente. Ela disse que irá levar o assunto até a Clave, mas não quer a opinião da Inquisidora no momento. Tenho a sensação de que a Inquisidora quer tirar minha mãe do caminho e assumir o controle. Ela parecia com raiva.
O telefone em sua mão tocou novamente. Ele levantou um dedo.
— Desculpe. É Isabelle, um segundo.
Ele desviou-se para a janela, o telefone na mão.
Jace olhou para Magnus.
— Acho que você está certo sobre o lobisomem no Caçador da Lua. O cara que encontrou o corpo dele disse que mais alguém estava no beco com ele. Alguém que fugiu.
Magnus acenou.
— Soa para mim como se Valentim tivesse sido interrompido no meio do que seja lá o que ele estivesse fazendo para conseguir o sangue que precisava. Ele provavelmente vai tentar novamente com uma criança licantropa diferente.
— Eu devo avisar ao Luke — Clary disse, meio se levantando de sua cadeira.
— Espere — Alec estava de volta, o telefone na mão, uma peculiar expressão em seu rosto.
— O que Isabelle quer? — Jace perguntou.
Alec hesitou.
— Isabelle disse que a Rainha da Corte Seelie solicitou uma audiência com a gente.
— Claro — Magnus respondeu — e Madonna me quer como um dançarino em sua próxima turnê mundial.
Alec pareceu confuso.
— Quem é Madonna?
— Quem é a Rainha da Corte Seelie? — Clary acrescentou.
— Ela é a Rainha das Fadas — Magnus contou — bem, a da região, de qualquer maneira.
Jace pôs a cabeça nas mãos.
— Diga a Isabelle que não.
— Mas ela acha que é uma boa ideia — Alec protestou.
— Então diga a ela não duas vezes.
Alec amarrou a cara.
— O que é que isso quer dizer?
— Ah, só que algumas ideias de Isabelle são totalmente batidas e algumas são um total desastre. Lembra da ideia que ela teve sobre utilizar os túneis abandonados do metro para andar por baixo da cidade? Fale sobre os ratos gigantes...
— Não vamos — Simon interrompeu — na verdade, prefiro não falar de ratos de modo algum.
— Isso é diferente — Alec argumentou — ela quer que a gente vá para a Corte Seelie.
— Você está certo, isso é diferente — Jace disse — esta é a pior ideia dela.
— Ela conhece um cavaleiro na Corte — Alec rebateu — ele disse a ela que a Rainha Seelie está interessada em se reunir com a gente. Isabelle ouviu por acaso minha conversa com nossa mãe e ela pensou que nós poderíamos explicar nossa teoria sobre Valentim e a Espada da Alma para a Rainha, a Corte Seelie estando ao nosso lado, talvez aliassem a nós contra Valentim.
— É seguro ir lá? — Clary perguntou.
— É claro que não é seguro — Jace respondeu, como se ela tivesse perguntado a ele a mais estúpida das coisas que ele ouviu.
Ela atirou um olhar sobre ele.
— Eu não sei nada sobre a Corte Seelie. Vampiros e lobisomens eu entendo. Existem filmes suficientes sobre eles. Mas fadas são coisas um pouco infantis. Eu me vesti como uma fada para o Halloween quando tinha oito anos. Minha mãe me fez um chapéu no formato de uma flor.
— Eu lembro disso — Simon tinha se inclinado de volta em sua cadeira, os braços cruzados sobre o peito — eu era um Transformer. Na verdade, eu era uma Decepticon.
— Nós podemos voltar ao assunto? — Magnus interrompeu.
— Legal — Alec disse — Isabelle acha – e eu concordo – que não é uma má ideia falar com o Povo das Fadas. Se eles querem conversar, que mal pode haver? Além disso, se a Corte Seelie estiver do nosso lado, a Clave teria que ouvir o que temos a dizer.
Jace riu sem nenhum humor.
— O Povo das Fadas não ajuda humanos.
— Caçadores de Sombras não são humanos — Clary argumentou — não realmente.
— Nós não somos muito melhores para eles — Jace rebateu.
— Eles não podem ser piores que os vampiros — Simon murmurou — e deu tudo certo com eles.
Jace olhou para Simon como se ele fosse alguma coisa que encontrou crescendo debaixo da pia.
— Deu tudo certo com eles? Suponho que você quis dizer que nós sobrevivemos?
— Bem...
— Fadas — Jace continuou, como se Simon não tivesse falado — são os descendentes dos demônios e dos anjos, com a beleza dos anjos e a crueldade dos demônios. Um vampiro pode atacar se você entrar em seu domínio, mas as fadas podem fazer você dançar até morrer com suas pernas no chão em tocos, enganar você em um nado à meia-noite e arrastá-lo gritando debaixo d’água até que os seus pulmões se encham de água, preencher seus olhos com poeira de fadas até que você os arranque de suas órbitas...
— Jace! — Clary exclamou, cortando-o no meio da falação. — Cale a boca. Jesus. Já chega.
— Olha, é mais fácil ser mais esperto do que um lobisomem ou um vampiro — Jace finalizou — eles são tão inteligentes quanto qualquer outra pessoa. Mas fadas vivem centenas de anos e são astutas como serpentes. Não podem mentir, mas amam dizer a verdade de um modo criativo. Vão descobrir o que você mais gosta no mundo e lhe dar isso – com uma farpa na calda da dádiva que vai fazer você se lamentar de ter desejado isso em primeiro lugar — ele suspirou — realmente não ajudam as pessoas. Mais sobre danos mascarados do que ajuda.
— E você acha que nós não somos espertos o suficiente para saber a diferença? — Simon perguntou.
— Acho que você não é esperto o suficiente para não se tornar um rato por acidente.
Simon olhou para ele.
— Não vejo como importa o que você acha que nós devemos fazer, considerando que você não pode ir com a gente em primeiro lugar. Você não pode ir a lugar nenhum.
Jace se levantou, jogando a cadeira para trás violentamente.
— Vocês não vão levar Clary para a Corte Seelie sem mim e isso é o ponto final!
Clary olhou para ele com a boca aberta. Ele estava ruborizado com a raiva, os dentes apertados, as veias atadas ao seu pescoço. Estava também evitando olhar para ela.
— Eu posso cuidar de Clary — Alec disse – e lá estava uma ferida em sua voz – se era porque Jace tinha dúvidas das habilidades dele ou por causa de alguma outra coisa, Clary não tinha certeza.
— Alec — Jace falou, seus olhos centrados em seu amigo — não. Você não pode.
Alec engoliu.
— Nós estamos indo — ele falou as palavras como um pedido de desculpas — Jace, um pedido da Corte Seelie – seria estupidez ignorá-lo. Além disso, Isabelle provavelmente já disse a eles que estávamos chegando.
— Não existe nenhuma chance de eu deixar você fazer isso, Alec — Jace disse em uma voz perigosa — eu vou lutar com você se precisar.
— Isso soa tentador — Magnus opinou, lançando suas longas mangas de seda para trás — mas há outra maneira.
— Que outra maneira? Esta é uma diretriz da Clave. Eu não posso escapar.
— Mas eu posso — Magnus sorriu — nunca duvide da minha habilidade escapatória, Caçador de Sombras, pois elas são épicas, memoráveis e ao seu alcance. Eu especificamente encantei o contrato com a Inquisidora para que eu pudesse deixar você ir por um curto período de tempo se eu quiser, enquanto outro dos Nephilim estivesse disposto a tomar o seu lugar.
— Onde nós vamos encontrar outro... Oh — Alec disse docemente — você quer dizer eu.
As sobrancelhas de Jace se levantaram.
— Ah, agora você não vai querer ir a Corte Seelie?
Alec enrubesceu.
— Acho que é mais importante para você ir do que eu. Você é filho de Valentim, tenho certeza de que a Rainha realmente quer ver você. Além disso, você é charmoso.
Jace encarou-o.
— Talvez não no momento — Alec emendou — mas você é frequentemente charmoso. E as fadas são muito suscetíveis ao charme.
— Além disso, se você ficar aqui, eu tenho toda a primeira temporada de A Ilha de Gilligan em DVD — Magnus acrescentou.
— Ninguém recusaria isso — Jace comentou.
Ele ainda não olhava para Clary.
— Isabelle pode encontrar vocês no Turtle Pond do Central Park— Alec falou — ela conhece a entrada secreta para a Corte. Ela vai estar esperando.
— E uma última coisa — Magnus disse, apontando o dedo com anel para Jace — tente não se matar na Corte Seelie. Se você morrer, eu vou ter um monte de explicações a dar.
Com aquilo, Jace se iluminou com um sorriso. Era um sorriso inquietante, menos um lampejo de diversão do que um cintilar de uma espada desembainhada.
— Você sabe, tenho a impressão de que esse pode vir a ser o caso eu me matando ou não.

***

Espessos tentáculos de musgos e plantas cercavam a margem do Turtle Pond como uma fronteira de renda verde. A superfície da água era calma, ondulada aqui e ali por um rastro de patos levados pela corrente, ou por pancadas leves das caudas dos peixes.
Havia lá um pequeno gazebo de madeira construído sobre a água. Isabelle estava sentada nele, olhando para a lagoa. Ela parecia como uma princesa de um conto de fadas, esperando no topo de sua torre por alguém que viesse e a resgatasse.
Não que o comportamento tradicional de princesa fosse similar ao de Isabelle, de modo algum. Isabelle com seu chicote, botas e facas cortaria em pedaços qualquer um que tentasse encurralá-la em uma torre, construiria uma ponte com destroços e andaria cuidadosamente para a liberdade, o cabelo fabuloso o tempo todo. Aquilo fazia de Isabelle uma pessoa difícil de gostar, mas Clary estava tentando.
— Izzy — Jace cumprimentou enquanto se aproximava da lagoa.
Ela saltou e girou a o redor, seu sorriso era deslumbrante.
— Jace!
Ela voou para ele e o abraçou. Do jeito que supostamente as irmãs agiam; não toda rígida, estranha e peculiar, mas feliz e adorável. Observando Jace abraçar Isabelle, ela tentou guardar as feições dela em uma expressão feliz e adorável.
— Você está bem? — Simon perguntou, com alguma preocupação. — Seus olhos estão vesgos.
— Estou bem — Clary abandonou a tentativa.
— Você tem certeza? Você está parecendo... contorcida.
— Alguma coisa que eu comi.
Isabelle se moveu para frente, Jace a um passo atrás dela. Ela estava usando um vestido preto longo, botas e um casaco longo com a frente mais curta de um suave verde de veludo, da cor de musgo.
— Eu não acredito que você fez isso! — ela exclamou. — Como você conseguiu que Magnus deixasse Jace sair?
— Troquei ele por Alec — Clary respondeu.
Isabelle pareceu levemente alarmada.
— Não permanentemente?
— Não — Jace concordou — apenas por algumas horas. A menos que eu não volte — ele acrescentou pensativamente — nesse caso ele ficará com Alec. Pense nisso com um aluguel com uma opção de compra.
Isabelle pareceu em dúvida.
— Mamãe e papai não ficarão satisfeitos se eles descobrirem isso.
— Que você libertou um possível criminoso em troca de seu irmão para um bruxo que parece o Sonic, o ouriço gay e se veste como o vilão de O Calhambeque Mágico? — Simon perguntou.
Jace olhou para ele pensativamente.
— Há alguma razão especial para você estar aqui? Eu não tenho certeza sobre nós levarmos você para a Corte Seelie. Eles odeiam mundanos.
Simon rolou seus olhos para cima.
— Isso de novo não.
— Não o que de novo? — Clary perguntou.
— Toda vez que eu chateio ele, ele recua dentro do seu Mundanos não são permitidos na casa da árvore — Simon apontou para Jace — me deixe lembrar que a última vez que vocês me deixaram para trás, eu salvei todas as suas vidas.
— Claro — Jace disse — uma vez...
— A corte das fadas é perigosa — Isabelle interrompeu — nem mesmo sua habilidade com o arco irá ajudá-lo. Não é esse tipo de perigo.
— Eu posso cuidar de mim mesmo — Simon disse.
Um forte vento veio. Ele levou as folhas pelos cascalhos aos pés deles e fez Simon tremer. O garoto colocou suas mãos nos bolsos forrados de lã de sua jaqueta.
— Você não tem que vir — Clary falou.
Ele olhou para ela, medindo-a. Clary se lembrou dele na casa de Luke, chamando-a de minha namorada sem dúvida ou indecisão. Seja lá o que se pudesse dizer de Simon, ele sabia o que queria.
— Sim. Eu vou.
Jace fez um barulho sobre sua respiração.
— Então acho que estamos prontos. Não espere nenhuma consideração em especial, mundano.
— Olhe para o lado positivo — Simon disse — se eles precisarem de um sacrifício humano, vocês podem me oferecer. Eu não tenho certeza se o resto de vocês é qualificado de qualquer forma.
Jace se iluminou.
— É sempre legal quando alguém se voluntaria para ser o primeiro a ir contra a parede.
— Vamos lá — Isabelle disse. — A porta está prestes a se abrir.
Clary olhou ao redor. O sol tinha sumido completamente e a lua estava acima, uma tigela de creme branco arremessando seu reflexo sobre o lago. Não estava cheia, havia uma sombra em um canto, dando a ela uma aparência de um olho meio aberto. O vento da noite agitava os galhos das árvores como ossos secos.
— Para onde nós vamos? — Clary perguntou. — Onde é a porta?
O sorriso de Isabelle era com um sussurro secreto.
— Me siga.
Ela se moveu para um canto da água, suas botas deixando uma profunda impressão no barro molhado. Clary seguiu-a, feliz por estar usando jeans e não uma saia enquanto Isabelle subia seu casaco e vestido acima de seus joelhos, deixando suas brancas pernas magras aparecendo. Sua pele estava coberta com marcas como lambidas de um fogo negro.
Simon, atrás dela, xingou quando escorregou na lama; Jace se moveu automaticamente para firmá-lo quando todos se viraram. Simon empurrou o braço dele para trás.
— Eu não preciso de sua ajuda.
— Pare com isso — Isabelle bateu um pé na água rasa na beira do lago — vocês dois. Na verdade, vocês três. Se não ficarmos juntos na Corte Seelie, seremos mortos.
— Mas eu não... — Clary começou.
— Talvez você não, mas o jeito como você deixa os dois agirem... — Isabelle indicou os garotos com um acenar desdenhoso de sua mão.
— Eu não posso dizer a eles o que devem fazer!
— Por que não? — a outra garota exigiu. — Honestamente, Clary. Se você não começar a utilizar um pouco da sua natural superioridade feminina, eu não sei o que vou fazer com você — ela se virou em direção ao lago, então virou-se de novo — e antes que eu me esqueça — acrescentou severamente — pelo amor do Anjo, não comam ou bebam nada enquanto estivermos no subterrâneo, nenhum de vocês. Ok?
— Subterrâneo? — Simon disse preocupadamente — ninguém me disse nada sobre subterrâneo.
Isabelle jogou suas mãos para o alto e chapinhou na lagoa. Seu casaco de veludo verde girando ao redor dela como um enorme lírio acolchoado.
— Vamos lá. Nós só temos até a lua se mover.
Até a lua o quê? Balançando sua cabeça, Clary caminhou pela lagoa. A água era rasa e clara. Com o brilho da luz das estrelas, ela podia ver as formas escuras de pequeninos peixes se deslocando, passando entre seus tornozelos. Ela cerrou seus dentes enquanto se arrastava mais distante para dentro da lagoa. O frio era intenso.
Atrás dela, Jace se movia para dentro da água com uma contida graça que dificilmente ondulava a superfície. Simon, por trás dele, estava chapinhando e xingando.
Isabelle, tendo chegado no centro da lagoa, parou lá, a água acima das suas costelas.
Ela levantou uma mão em direção a Clary.
— Pare.
Clary parou. Na frente dela, havia apenas o reflexo da lua piscando em cima da água como um enorme prato prateado de jantar. Alguma parte dela sabia que aquilo não funcionava assim; a lua supostamente se movia para longe de quando você se aproximava, sempre retrocedendo. Mas aqui ela pairava na superfície da água como se estivesse ancorada no lugar.
— Jace, você vai primeiro — Isabelle disse, e acenou para ele.
Ele deslizou passando por Clary, cheirando a couro molhado e limpeza. Ela o viu sorrir enquanto ele se virava, e então caminhou de costas para dentro do reflexo da lua – e desapareceu.
— Ok — Simon disse infeliz — ok, isso foi estranho.
Clary olhou atrás para ele. Ele só estava na profundidade da coxa na água, mas estava tremendo, suas mãos segurando os cotovelos. Ela sorriu e deu um passo de costas, sentindo um choque gelado quando se movia dentro do tremulante reflexo prata. Vacilou por um momento como se tivesse perdido o equilíbrio no degrau mais alto de uma escada – e então caiu para trás na escuridão enquanto a lua a engolia.
Ela caiu em monte de terra, tropeçou e sentiu uma mão em seu braço, apoiando-a. Era Jace.
— Devagar agora — ele disse, e soltou-a.
Ela estava encharcada, filetes de água fria correndo abaixo na parte de trás de sua blusa, seu cabelo úmido agarrado ao rosto. Sua roupa encharcada pesava uma tonelada.
Eles estavam em um corredor sujo escavado, iluminado por musgo fracamente brilhante. Um emaranhado de videiras formava uma cortina no fim do corredor ao longe, tentáculos peludos pendurados como cobras vindos desde o teto. Raízes de árvores, Clary percebeu. Eles estavam no subsolo. E estava frio aqui embaixo, frio o suficiente para fazer sua respiração formar uma névoa gelada quando exalava.
— Com frio?
Jace estava encharcado também, a luz de seu cabelo quase sem cor onde estava preso em sua bochecha e testa. A água corria de seus jeans e jaqueta molhados, e tornava a camiseta branca que ele usava transparente. Podia ver as linhas escuras de suas Marcas permanentes através dela e a cicatriz apagada em seu ombro.
Ela olhou para longe rapidamente. A água aderindo a seus cílios obscureciam sua visão como lágrimas.
— Eu estou bem.
— Você não parece bem.
Ele se aproximou, e ela pôde sentir o calor dele mesmo através das roupas molhadas de ambos, descongelando a pele dela gelada.
Uma forma escura surgiu, apenas no canto da visão de Clary, e acertou o chão com um baque. Era Simon, também encharcado. Ele rolou em seus joelhos e olhou ao redor freneticamente.
— Meus óculos...
— Estou com eles — Clary estava acostumada a recuperar os óculos de Simon para ele durante os jogos de futebol. Eles sempre pareciam cair justo aos pés dele, onde eram inevitavelmente pisados. — Aqui está.
Ele pegou os óculos, raspando a sujeira para fora das lentes.
— Obrigado.
Clary podia sentir Jace olhando para eles, sentindo seu olhar como um peso sobre os ombros. Ela se perguntou se Simon podia sentir também. Ele se levantou com uma carranca justo quando Isabelle caia dos céus, caindo graciosamente sobre seus pés.
Água correu do seu longo, escorrido cabelo e pingando do seu pesado casaco de veludo, mas ela mal pareceu perceber.
— Oooh, isso foi divertido.
— É isso — Jace comentou — eu vou te dar um dicionário no Natal deste ano.
— Por quê? — Isabelle perguntou.
— Então você pode olhar “diversão”. Não tenho certeza se você sabe o que significa.
Isabelle puxou a longa e pesada massa de seu cabelo molhado para trás e os espremeu com se eles tivessem molhados depois de um banho.
— Você está jogando um balde de água fria em mim.
— Este já é um lindo desfile molhado, se você não notou — Jace olhou ao redor — e agora? Em que caminho nós vamos?
— Nenhum — Isabelle respondeu — esperamos aqui, e eles vem e nos buscam.
Clary não estava impressionada com esta sugestão.
— Como é que eles vão saber que estamos aqui? Existe uma campainha que nós possamos tocar ou algo assim?
— A Corte sabe de tudo o que acontece em suas terras. Nossa presença não irá passar despercebida.
Simon olhou para ela com suspeita.
— E como é que você sabe tanto sobre fadas e a Corte Seelie, afinal?
Isabelle, para a surpresa de todos, corou. Um momento depois, a cortina de videiras foi puxada de lado e um elfo caminhou por ela, balançando para trás seu longo cabelo. Clary tinha visto algumas fadas antes na festa de Magnus e tinha sido surpreendida com sua beleza fria e certa selvageria sobrenatural que eles possuíam mesmo quando dançavam e bebiam. Este elfo não era exceção: seu cabelo caia em um lençol azul escuro ao redor de um frio, afilado e lindo rosto; seus olhos eram verdes como as videiras ou o musgo, e havia uma forma de uma folha, quer de nascença ou tatuagem, em uma de suas bochechas.
Ele usava uma armadura de um marrom prateado como a casca de árvores no inverno, e quando se moveu, a armadura piscou em uma profusão de cores: preto turfa, verde musgo, cinza freixo, azul celeste.
Isabelle deu um grito e pulou em seus braços.
— Meliorn!
— Ah — Simon disse, calmamente e sem nenhum divertimento — então é assim que ela sabe.
O elfo – Meliorn – olhou abaixo para ela seriamente.
— Não é hora para carinhos, a rainha da Corte Seelie solicitou uma audiência com os três Nephilim. Vocês vem?
Clary colocou uma mão protetora sobre o ombro de Simon.
— E sobre o nosso amigo.
Meliorn pareceu impassível.
— Mundanos não são permitidos na Corte.
— Alguém deveria ter mencionado isso mais cedo — Simon disse, para ninguém em particular — acho que eu apenas tenho que esperar até que as videiras comecem a crescer em mim?
Meliorn considerou.
— Isso pode oferecer uma significativa diversão.
— Simon não é um mundano comum. Ele pode ser de confiança — Jace disse, surpreendendo todos eles, a Simon mais do que o resto.
Clary podia dizer que Simon ficou surpreso porque ele olhava para Jace sem oferecer uma única observação engraçadinha.
— Ele lutou muitas batalhas com a gente.
— Pelo o que você quer dizer uma batalha — Simon murmurou — duas se você contar que em uma eu era um rato.
— Não vamos entrar na Corte Seelie sem Simon — Clary acrescentou, a mão ainda sobre o ombro de Simon — sua Rainha requereu esta audiência com a gente, lembra-se? Não foi nossa ideia vir até aqui.
Houve um lampejo de diversão nos olhos verdes de Meliorn.
— Como quiser. Não deixe dizer que a Corte Seelie não respeita o desejo de seus convidados.
Ele girou um perfeitamente calcanhar calçado e começou a levá-los abaixo pelo corredor, sem parar para ver se eles o estavam seguindo. Isabelle se apressou para andar ao lado dele, deixando Jace, Clary e Simon seguir os dois em silêncio.
— Vocês estão autorizados a sair com fadas? — Clary perguntou finalmente — a sua... os Lightwood serão legais com Isabelle e... qual o nome dele...
— Meliorn — Simon lembrou.
— ... Meliorn sairem?
— Eu não tenho certeza se eles estão saindo — Jace disse, ponderando as últimas duas palavras com uma pesada ironia — acho que eles na maior parte estão ficando. Neste caso, por baixo.
— Você soa como se desaprovasse — Simon empurrou uma raiz de árvore para o lado.
Eles tinham descido de um corredor de terra para um revestido com pedras lisas, ocasionais raízes contorcidas surgindo entre as pedras acima. O chão era um tipo de coisas duras polidas, não mármore, mas uma pedra enviesada e coberta com linhas de um material brilhante como joias em pó.
— Eu não exatamente desaprovo. As fadas são conhecidas por flertar com mortais de vez em quando, mas eles sempre terminam largando-os, normalmente o pior para estragar.
As palavras dele enviaram um tremor abaixo da espinha de Clary. Naquele momento, Isabelle riu, e Clary podia ver agora o porquê de Jace ter baixado sua voz, porque as paredes de pedra enviaram a voz de Isabelle de volta a eles amplificada e ecoando, então a risada de Isabelle saltava nas paredes.
— Você é tão engraçado!
Ela tropeçou quando o salto de sua bota se prendeu entre duas pedras, e Meliorn a pegou e a endireitou sem mudar a expressão.
— Eu não entendo como vocês humanos podem andar em sapatos tão altos.
— Este é meu lema — Isabelle disse, com um sorriso abafado — nada menos que sete centímetros.
Meliorn olhou para ela atônito.
— Eu estou falando sobre meus saltos. É um trocadilho, sabe? Uma brincadeira sobre...
— Vamos — o elfo cavaleiro disse — a Rainha deve estar ficando impaciente.
Ele liderou o corredor sem dar a Isabelle uma segunda olhada.
— Eu esqueci — Isabelle murmurou para o resto deles, que a alcançaram — fadas não tem nenhum senso de humor.
— Ah, eu não diria isso — Jace respondeu — eu já estive em um pequeno clube noturno no centro chamado Asas Quentes Não.
Simon olhou para Jace, abriu sua boca como se tencionasse lhe fazer uma pergunta, então pareceu pensar melhor nisso. Ele fechou a boca com um estalo quando o corredor se abriu em uma larga sala cujo chão estava comprimido com sujeira e cujas paredes eram alinhadas com altos pilares de pedra retorcidas, todas com videiras e flores brilhantes explodindo em cores. Finos panos eram pendurados entre os pilares, tingidos em azul suave que era quase o exato tom do céu. A sala estava cheia de luz e, embora Clary não visse nenhuma tocha, o efeito geral era de um salão com um cintilante brilho solar.
A primeira impressão de Clary era de que ela estava do lado de fora; sua segunda era que a sala estava cheia de gente. Havia uma estranha música suave tocando, feita com notas doces e ácidas, um tipo de ressonância equivalente a mel misturado com suco de limão, e havia um círculo de fadas dançando a música, seus pés mal pareciam roçar o chão. Seus cabelos – azul, preto, castanho e ruivo, dourado metal e um branco gelo – flutuavam como bandeiras ao vento.
Ela podia ver o porquê deles serem chamados de Povo Belo, por eles serem de fato belos com suas adoráveis faces pálidas, suas asas de lilás, ouro e azul – como ela pôde acreditar em Jace, que eles poderiam machucá-la? A música que tinha sido estridente aos seus ouvidos na primeira vez agora soava apenas doce. Ela sentiu uma vontade de jogar seu próprio cabelo e mover seus próprios pés que meramente tocavam a terra. Ela deu um passo à frente...
E foi sacudida por uma mão em seu braço. Jace estava olhando para ela, seus olhos dourados brilhavam como os de um gato.
— Se você dançar com eles — ele disse em uma voz baixa — vai dançar até você morrer.
Clary piscou para ele. Ela sentiu como se tivesse sido arrancada de um sonho, grogue e meio acordada. Sua voz gaguejou quando ela falou.
— O queee?
Jace fez um barulho impaciente. Ele tinha sua estela na mão; Clary não tinha visto ele tirá-la. Ele agarrou seu pulso e escreveu uma rápida e ardida Marca em sua pele no interior de seu braço.
— Agora, olhe.
Ela olhou novamente e congelou. Os rostos que pareciam tão lindos para ela ainda eram adoráveis, ainda que por trás deles ocultasse alguma coisa traiçoeira, quase selvagem. Clary viu que a garota de asas rosa e azul chamativas tinha os dedos feitos de galhos enxertados com folhas, os olhos eram inteiramente pretos, sem íris ou pupilas. O garoto dançando próximo a ela tinha uma pele verde venenosa e chifres encurvados torcendo em suas têmporas. Quando se virou na dança, seu casaco ficou aberto e Clary pôde ver por baixo dele, seu peito era uma gaiola vazia de costelas. Fitas estavam entrelaçadas através de seus ossos nus da costela, possivelmente para fazê-lo parecer mais festivo. O estômago de Clary travou.
— Vamos lá.
Jace empurrou-a e ela tropeçou em frente. Quando recuperou o equilíbrio, olhou ansiosamente ao redor por Simon. Ele estava à frente e ela percebeu que Isabelle tinha um firme aperto sobre ele. Desta vez, ela não se importou. Duvidou do que Simon teria feito se atravessasse a sala por sua própria conta.
Contornando o círculo de dançarinos, eles fizeram o caminho para o final da sala e através de uma cortina dividida de seda azul. Era um alívio ficar fora do salão e sair em outro corredor, este encravado em um brilhante material marrom como o lado de fora de uma noz.
Isabelle soltou Simon e ele parou de caminhar imediatamente. Quando Clary o viu, percebeu que Izzy tinha vendado os seus olhos. Ele estava remexendo o nó quando Clary alcançou-o.
— Me deixe ver isso — ela disse, e ele ficou quieto enquanto o desamarrava e entregava o cachecol de volta a Isabelle com um aceno de agradecimento.
Simon empurrou seu cabelo para trás; ele estava úmido onde o cachecol tinha segurado-o.
— Aquilo era música — ele observou — um pouco de country, um pouquinho mais de rock and roll.
Meliorn, que tinha parado para esperar por eles, franziu as sobrancelhas.
— Você se importa com isso?
— Eu me importo um pouquinho demais — Clary disse — o que era para isso ser, algum tipo de teste? Ou uma piada?
Ele deu de ombros.
— Estou habituado a mortais que são facilmente seduzidos pelos nossos encantos de fada; o que não acontece com os Nephilim. Pensei que vocês tivessem proteções.
— Ela tem — Jace respondeu, encontrando o olhar verde jade de Meliorn com o seu próprio.
Meliorn só deu de ombros e começou a andar novamente. Simon manteve o passo ao lado de Clary por alguns momentos sem falar, antes de dizer:
— Então, o que eu perdi? Garotas dançando nuas?
Clary pensou no elfo despedaçado – as costelas abertas e estremeceu.
— Nada que agradasse.
— Há maneiras de um humano tomar parte em diversões de fada. Se eles derem a você um símbolo – como uma folha ou uma flor – para segurá-la, e você a mantiver a noite inteira, estará bem de manhã. Ou se sair com uma fada como companhia...
Clary atirou um olhar para Meliorn, mas ele alcançou um conjunto de telas coberto com folhas em uma parede e tinha parado lá.
— Este é o aposento da Rainha. Ela veio da Corte do norte para ver sobre a criança morta. Se houver uma guerra, ela pretende ser a que vai declará-la.
Fechada, Clary pôde ver que a tela era feita de videiras densamente tecidas, enfeitadas com gotas de âmbar. Meliorn puxou as videiras, separando-as, e os conduziu para dentro da câmara.
Jace mergulhou nos aposentos primeiro, seguido por Clary. Ela se endireitou, olhando ao redor curiosamente.
A sala em si era simples, as paredes feitas de terra cobertas com tecido pálido. Fogos fátuos brilhavam em frascos de vidro. Uma linda mulher reclinada em um sofá baixo era cercada por o que deveria ser seus cortesãos – um variado sortimento de fadas, com pequeninas fadinhas que pareciam como lindas garotas humanas com cabelos longos... se você descontasse os olhos pretos sem pupilas.
— Minha rainha — Meliorn disse, se inclinando — eu trouxe os Nephilim para você.
A rainha sentou ereta. Seu longo cabelo escarlate parecia flutuar em torno dela como folhas no outono numa brisa. Seus olhos eram azuis claros como vidro, o seu olhar afiado como uma navalha.
— Três deles são Nephilim — ela reparou — o outro é um mundano.
Meliorn pareceu se encolher, mas a Rainha não tinha sequer olhado para ele. Seu olhar estava sobre os Caçadores de Sombras. Clary podia sentir o peso dele, como um toque.
Apesar de sua delicadeza, não havia nada de frágil na Rainha. Ela era tão brilhante e dura à vista como uma estrela se queimando.
— Nossas desculpas, minha rainha — Jace caminhou à frente, colocando a si mesmo entre a Rainha e seus companheiros. Sua voz tinha mudado de tom – havia algo no jeito que ele falava agora, algo cuidadoso e delicado — o mundano é nossa responsabilidade. Nós devemos proteção a ele. Por isso o mantemos conosco.
A Rainha inclinou sua cabeça para o lado, como um pássaro interessado. Toda a sua atenção estava sobre Jace agora.
— Uma dívida de sangue? — ela murmurou. — Para com um humano?
— Ele salvou minha vida — Jace respondeu.
Clary sentiu Simon enrijecer ao seu lado em surpresa. Teve vontade que ele não mostrasse isso. Fadas não podiam mentir, Jace tinha dito, e não estava mentindo tampouco, Simon tinha salvado a vida dele. Só que este não era o motivo de terem-no trazido. Clary começou a apreciar o que Jace tinha dito sobre falar a verdade criativamente.
— Por favor, minha senhora. Nós tínhamos a esperança que fosse entender. Nós já tínhamos ouvido falar que a senhora era tão gentil quanto bonita, e neste caso – bem — Jace continuou — sua bondade deve ser extrema de fato.
A rainha sorriu forçadamente e se inclinou a frente, o cabelo reluzente caindo para sombrear seu rosto.
— Você é tão charmoso quanto o seu pai, Jonathan Morgenstern — ela disse, e gesticulou para as almofadas espalhadas ao redor do chão — venha, sente-se ao meu lado. Coma alguma coisa. Beba. O resto de vocês. Falar é melhor com os lábios molhados.
Por um momento, Jace pareceu impressionado. Ele hesitou. Meliorn se inclinou para ele e falou suavemente.
— Seria insensato recusar a generosidade da Rainha na Corte Seelie.
Os olhos de Isabelle piscaram em direção a ele. Então ela deu de ombros.
— Não vai machucar se apenas nos sentarmos.
Meliorn liderou-os para uma pilha de almofadas de seda próximas ao divã da Rainha. Clary se sentou cuidadosamente, meio que esperando por algum tipo de raiz grande e afiado feri-la por trás. Isso parecia o tipo de coisa que a Rainha iria achar divertido. Mas nada aconteceu. As almofadas eram muito confortáveis; ela se sentou com os outros ao redor dela.
Uma fada com pele azulada veio em direção deles carregando uma bandeja com quatro taças. Cada um deles tomou uma taça de líquido com tom de ouro. Havia pétalas rosa flutuando no topo.
Simon colocou sua taça no chão ao seu lado.
— Você não quer nada? — A fada perguntou.
— A última bebida de fada não caiu bem em mim — ele murmurou.
Clary mal o ouviu. A bebida tinha um inebriante cheiro intoxicante, rico e mais delicioso do que rosas. Ela pescou uma pétala para fora do líquido e a esmagou entre seu polegar e indicador, liberando mais do perfume.
Jace acotovelou seu braço.
— Não beba nada disso — ele murmurou sob sua respiração.
— Mas...
— Apenas não o faça.
Ela colocou o copo para baixo, como Simon tinha feito. Seu dedo e polegar ficaram tingidos de rosa.
— Agora — a Rainha disse — Meliorn me disse que vocês afirmam saber quem matou nossa criança no parque na noite passada. Embora eu diga a vocês agora que parece um mistério para mim. Uma criança fada, drenada de sangue? E se vocês me dessem o nome de um simples vampiro? Mas todos os vampiros estão em falta aqui, por quebrarem a Lei, e devem sem punidos de acordo. Apesar do que possa parecer, nós não somos um povo tão anormal.
— Ah, por favor — Isabelle disse — não foram vampiros.
Jace atirou um olhar para ela.
— O que Isabelle quer dizer é que estamos quase certos de que o assassino é alguém. Nós achamos que ele pode estar tentando jogar suspeita sobre os vampiros para se proteger.
— Vocês tem alguma prova disso?
O tom de Jace era calmo, mas o ombro que tocava Clary estava rígido com a tensão.
— Na noite passada, os Irmãos do Silêncio foram abatidos também, e nenhum deles foi drenado de sangue.
— E o que isso tem a ver com a nossa criança? Nephilim mortos são uma tragédia para os Nephilim, e não para mim.
Clary sentiu uma fisgada afiada em sua mão esquerda. Olhando abaixo, ela viu a pequena forma de um duende se lançando para longe entre os travesseiros, uma gota de sangue cresceu em seu dedo.
Ela pôs o dedo em sua boca com um estremecimento. Os duendes eram bonitinhos, mas tinham uma mordida maldosa.
— A Espada da Alma foi roubada também — Jace continuou — conhece a Maellartach?
— A espada que faz os Caçadores de Sombras dizerem a verdade — disse a Rainha, com uma diversão obscura — nós visionários não temos necessidade desse tipo de objeto.
— Ela foi tomada por Valentim Morgenstern. Ele matou os Irmãos do Silêncio para consegui-la, e achamos que matou a fada também. Ele precisa do sangue de uma criança fada para efetuar uma transformação na Espada. Para fazer dela um instrumento que ele possa usar.
— E ele não vai parar — Isabelle adicionou — ele precisa de mais sangue depois disso.
As altas sobrancelhas da Rainha se arquearam, ficando mais altas.
— Mais sangue do Povo.
— Não — Jace respondeu, atirando um olhar para Isabelle que ela não pôde interpretar — mais sangue de seres do Submundo. Ele precisa do sangue de um lobisomem e um vampiro...
Os olhos da Rainha brilharam com a luz refletida.
— Isso dificilmente parece ser da nossa preocupação.
— Ele matou um de vocês — Isabelle lembrou — não querem vingança?
O olhar da Rainha se moveu rapidamente como as asas de uma mariposa.
— Não imediatamente. Nós somos um povo paciente, porque nós temos todo o tempo do mundo. Valentim Morgenstern é um velho inimigo nosso – mas nós temos inimigos ainda mais antigos. Nós nos contentamos em esperar e observar.
— Ele está invocando demônios — Jace disse — criando um exército...
— Demônios — a Rainha repetiu suavemente enquanto os cortesões conversavam atrás dela — demônios é seu dever, não é, Caçador de Sombras? Este não é o motivo de vocês terem autoridade sobre todos nós? Por que vocês são os que caçam demônios?
— Eu não estou aqui para dar ordens a vocês em nome da Clave. Nós viemos quando você perguntou por nós porque pensávamos que se soubesse a verdade, iria nos ajudar.
— É isso o que você pensou? — A Rainha se sentou a frente de sua cadeira, seu longo cabelo ondulando vivo. — Lembre-se, Caçador de Sombras, existe aqueles de nós que se irritam com as regras da Clave. Talvez nós estejamos cansados de lutar suas guerras por vocês.
— Mas esta não é só a nossa guerra — Jace rebateu — Valentim odeia os Seres do Submundo mais do que odeia os demônios. Se ele nos derrotar, irá atrás de vocês depois.
Os entediados olhos da Rainha estavam nele.
— E quando ele vier, lembre-se que foi um Caçador de Sombras que te alertou sobre o que estava vindo.
Houve um silêncio. Mesmo a Corte havia caído em silêncio, esperando por sua Rainha. Por fim, a Rainha se inclinou de volta as suas almofadas e tomou um gole de um cálice de prata.
— Me alertando sobre o seu próprio pai. Eu pensei que vocês mortais eram capazes de afeição pelos pais, no mínimo, e ainda assim você parece não sentir lealdade em relação a Valentim, seu pai.
Jace não disse nada. Ele pareceu, para variar, perdido com as palavras.
Docemente, a Rainha continuou:
— Ou talvez esta hostilidade de vocês seja um fingimento. O amor faz mentirosos os de sua espécie.
— Mas nós não amamos nosso pai — Clary disse, enquanto Jace permanecia assustadoramente silencioso — nós o odiamos.
— Odeiam? — A Rainha pareceu quase chateada.
— Sabe como são os laços de família, minha senhora — Jace disse, recuperando sua voz — eles apertam tanto quanto uma videira. E, às vezes, como as videiras, eles agarram firmemente o suficiente para matar.
Os cílios da Rainha flutuaram.
— Você trairia o seu próprio pai em prol da Clave?
— Ainda assim, senhora.
Ela riu, um som tão brilhante e frio quanto pedras de gelo.
— Quem poderia pensar que o pequeno experimento de Valentim se voltaria contra ele.
Clary olhou para Jace, mas ela podia ver pela expressão em seu rosto que ele não tinha ideia do que a Rainha queria dizer. Foi Isabelle quem falou.
— Experimento?
A Rainha sequer olhou para ela. Seu olhar, um luminoso azul, estava fixado em Jace.
— O Povo das Fadas são pessoas de segredos. Nosso próprio e o dos outros. Pergunte ao seu pai, quando você o vir da próxima vez, que sangue corre em suas veias, Jonathan.
— Eu não tinha planejado perguntar nada a ele na próxima vez que eu o visse — Jace respondeu — mas se deseja, minha senhora, eu irei.
Os lábios da Rainha curvaram-se em um sorriso.
— Eu acho que você é um mentiroso. Mas um encantador. Charmoso o suficiente para eu jurar a você isso: faça a seu pai esta pergunta, e lhe prometo a ajuda que estiver em meu poder; você deve lutar contra Valentim.
Jace sorriu.
— Sua generosidade é tão notável quanto a sua amabilidade, senhora.
Clary fez um barulho de engasgo, mas a Rainha pareceu satisfeita.
— E acho que terminamos aqui agora — Jace adicionou, se levantando das almofadas.
Ele colocou sua bebida intocada ao lado da de Isabelle. Isabelle já estava conversando com Meliorn no canto, na porta de videira. Ele pareceu ligeiramente acuado.
— Um momento — a Rainha se levantou — um de vocês precisa ficar.
Jace parou a meio caminho da porta e virou o rosto para ela.
— O que você quer dizer?
Ela esticou uma mão para indicar Clary.
— Uma vez que uma comida ou bebida passe em lábios mortais, o mortal é nosso. Você sabe disso, Caçador de Sombras.
Clary ficou pasma.
— Mas eu não bebi nada disso! — Ela se virou para Jace. — Ela está mentindo.
— Fadas não mentem — ele disse, confusão e uma crescente ansiedade lutando uma com a outra através de seu rosto. Ele se virou para a Rainha — temo que está enganada, senhora.
— Olhe os dedos dela e me diga que ela não os lambeu.
Simon e Isabelle estavam se entreolhando agora. Clary olhou abaixo para sua mão.
— Sangue — ela explicou — um de seus duendes mordeu meu dedo – ele estava sangrando...
Ela se lembrou do gosto doce de seu sangue, misturado com o suco em seu dedo. Em pânico, ela se moveu em direção a porta de videira, e parou como se sentisse que mãos invisíveis a impulsionassem de volta a sala. Ela se virou para Jace, chocada.
— É verdade.
O rosto de Jace enrubesceu.
— Acho que eu deveria ter esperado um truque como esse — ele disse para a Rainha, seu prévio galanteio se fora — por que está fazendo isso? O que quer de nós?
A voz da Rainha era suave como os pelos de uma aranha.
— Talvez eu só esteja curiosa. Não é frequente que eu tenha jovens Caçadores de Sombras tão próximos do meu alcance. Tal como nós, a linhagem de seus ancestrais são celestiais; o que me intriga.
— Mas ao contrário de vocês — Jace replicou — não há nada do inferno em nós.
— Você é mortal, envelhece, morre — a Rainha disse em desprezo — se isso não for o inferno, eu suplico, me diga o que é?
— Se quer apenas estudar um Caçador de Sombras, eu não vou ser muito útil para você — Clary interrompeu-a. Sua mão doía onde o duende tinha mordido ela, e ela lutou com o desejo de gritar ou explodir em lágrimas — eu não sei nada sobre caçar sombras. Não tenho quase nenhum treinamento. Eu sou a pessoa errada para se escolher — para chatear, ela adicionou silenciosamente.
Pela primeira vez, a Rainha olhou diretamente para ela. Clary queria se encolher.
— Na verdade, Clarissa Morgenstern, você é precisamente a pessoa certa — seus olhos brilharam enquanto ela conseguia o desconforto de Clary — graças as mudanças que seu pai trabalhou em você, você não é como os outros Caçadores de Sombras. Seus dons são diferentes.
— Meus dons? — Clary estava perplexa.
— Seu é o dom das palavras que não podem ser ditas — a Rainha disse a ela — e seu irmão tem o dom do próprio Anjo. Seu pai se assegurou disso quando seu irmão era uma criança e antes de você nascer.
— Meu pai nunca me deu nada — Clary rebateu — ele nem mesmo me deu um nome.
Jace parecia tão estupefato quanto Clary.
— Embora o Povo das Fadas não minta — ele falou — eles podem ser enganados. Acho que você foi vítima de um truque ou brincadeira, minha senhora. Não há nada de especial em mim ou minha irmã.
— Com que habilidade você minimiza o seu charme — a Rainha comentou com uma risada — embora você deva saber que não é um tipo comum de rapaz, Jonathan...
Ela olhou de Clary para Jace e para Isabelle – Isabelle fechou sua boca, que tinha estado aberta, com um estalo – e de volta a Jace novamente.
— Será possível que você não saiba?
— Eu sei que não vou deixar minha irmã aqui na Corte — Jace disse — e desde que nada possa ser aprendido nem de mim nem dela mesma, talvez você pudesse fazer a nós o favor de libertá-la? — Agora que você teve sua diversão?, Seus olhos diziam, apesar de sua voz estar educada e macia como água.
O sorriso da Rainha era largo e terrível.
— E se eu disser que ela pode ser libertada por um beijo?
— Você quer que Jace te beije? — Clary disse, confusa.
A Rainha estourou na gargalhada, e imediatamente os cortesões copiaram sua risada. O riso era uma bizarra e inumana mistura de vaias, guinchos e gargalhadas, como um alto grito de animais em dor.
— Apesar do seu encanto, este beijo não vai libertar a garota — a Rainha respondeu.
Os quatro olharam entre si, assustados.
— Eu poderia beijar Meliorn — Isabelle sugeriu.
— Nem isso. Nem ninguém da minha Corte.
Meliorn se moveu para longe de Isabelle, que olhou para seus companheiros e levantou suas mãos.
— Eu não vou beijar nenhum de vocês — ela disse firmemente — então isso é apenas oficial.
— Isso dificilmente parece necessário — Simon falou — se um beijo é tudo...
Ele se moveu em direção a Clary, que estava congelada em surpresa. Quando ele a pegou em seus ombros, ela teve que lutar contra a vontade de empurrá-lo para longe. Não que ela não tivesse beijado Simon antes, mas tinha sido uma situação peculiar que ela estava inteiramente confortável o fazendo. E agora, aquilo era a resposta lógica, não era? Sem conseguir ser capaz de se ajudar, ela jogou um rápido olhar sobre seu ombro para Jace e viu sua carranca.
— Não — a Rainha interrompeu, em uma voz como cristal tilintando — isso não é o que eu quero, também.
Isabelle revirou seus olhos.
— Oh, pelo amor do Anjo. Olha, se não há outro jeito de eu sair dessa, eu vou beijar Simon. Eu fiz isso antes, não foi assim tão mal.
— Obrigado — Simon disse — isso é muito lisonjeiro.
— Infelizmente, temo que não quero isso também.
A expressão da Rainha Seelie era tão afiada com um tipo de cruel deleite, que Clary se perguntava que se não era um beijo que ela tanto queria, queria simplesmente olhar para eles todos se contorcer em desconforto.
— Bem, eu não vou beijar o mundano — Jace se pronunciou — prefiro ficar aqui embaixo e apodrecer.
— Para sempre? — Simon perguntou. — Para sempre é um longo tempo.
Jace levantou as sobrancelhas.
— Eu sabia. Você quer me beijar, não é?
Simon levantou suas mãos em exasperação.
— É claro que não. Mas se...
— Eu acho que é verdade o que eles dizem — observou Jace — não há homossexuais nas trincheiras.
— É ateus, idiota — Simon corrigiu furiosamente — não há ateus nas trincheiras.
— Embora tudo isso seja muito divertido — a Rainha disse friamente, se inclinando a frente — o beijo que irá libertar a garota é o beijo que ela mais deseja.
Era cruel o deleite em seu rosto e na voz afiada, suas palavras pareciam apunhalar os ouvidos de Clary como agulhas.
— Apenas isso e nada mais.
Simon parecia como se ela o tivesse golpeado. Clary queria alcançá-lo, mas ficou congelada no lugar, horrorizada demais para se mover.
— Por que você está fazendo isso? — Jace exigiu.
— Eu particularmente pensei que estivesse lhe oferecendo uma dádiva.
Jace corou, mas não disse nada. Ele evitou olhar para Clary.
Simon disse:
— Isso é ridículo. Eles são irmão e irmã.
A Rainha encolheu os ombros em um delicado movimento.
— Desejo não é sempre diminuído pela aversão. Nem pode ser concedido, como um favor, para os mais merecedores dele. E como as minhas palavras estão ligadas a minha mágica, então você pode saber a verdade. Se ela não desejar o seu beijo, ela não será livre.
Simon disse alguma coisa raivosamente, mas Clary não o escutou: seus ouvidos estavam zumbindo, como se um enxame de abelhas furiosas estivessem emboscadas dentro de sua cabeça. Simon movimentou-se ao redor, parecendo furioso.
— Você não tem que fazer isso, Clary, isso é um truque...
— Não um truque — Jace disse — um teste.
— Bem, eu não sei sobre você, Simon — Isabelle observou, sua voz aguda — mas eu gostaria de tirar Clary daqui.
— Você gostaria de beijar o Alec — Simon rebateu — só porque a Rainha da Corte Seelie te pediu?
— Claro que sim — Isabelle pareceu irritada — se a opção fosse ficar presa na Corte Seelie para sempre? Quem se importa, afinal? É só um beijo.
— Isso mesmo.
Era Jace. Clary o viu, pelo canto de sua visão turva, enquanto ele se movia em direção a ela e colocava uma mão em seu ombro, virando-a.
— É apenas um beijo — ele disse, embora seu tom estivesse áspero, suas mãos estavam, inexplicavelmente gentis.
Ela deixou-o virá-la e olhou em seus olhos. Estavam muito escuros, talvez por causa da luz fraca na Corte, talvez por causa de algo mais. Ela podia se ver refletida em cada uma de suas pupilas dilatadas, uma pequena imagem de si mesma dentro dos olhos dele.
— Você pode fechar seus olhos e pensar na Inglaterra, se quiser — ele falou.
— Eu nunca estive na Inglaterra — respondeu, mas fechou suas pálpebras.
Podia sentir a umidade pesada nas roupas dela, fria e picante contra sua pele, e o farto ar doce da caverna, ainda mais frio, o peso das mãos de Jace em seus ombros, as únicas coisas que eram quentes.
E então ele a beijou.
Clary sentiu a fricção de seus lábios, primeiramente leves, e ela mesma automaticamente abaixo da pressão. Quase contra sua vontade, se sentiu fluída e maleável, se esticando acima para entrelaçar seus braços ao redor do pescoço dele do modo como um girassol gira em direção à luz. Os braços dele escorregaram ao redor dela. Suas mãos tocavam seus cabelos, e o beijo deixou de ser gentil e se tornou ardente, tudo em um simples momento como um pavio queimando até uma labareda.
Clary ouviu um som como um suspiro correndo através da Corte, uma onda de ruídos de todos ao redor deles, mas não significava nada, estava perdida na corrida de seu sangue através das veias, a vertiginosa sensação de leveza em seu corpo.
Jace moveu as mãos de seu cabelo, deslizando abaixo de sua coluna; ela sentiu a dura pressão das palmas dele contra os ossos de seu ombro – e então ele se puxou, gentilmente desentrelaçando a si mesmo, tirando as mãos para longe de seu pescoço e dando um passo atrás.
Por um momento, Clary pensou que fosse cair, sentiu como se alguma coisa essencial tivesse sido arrancado dela, um braço ou uma perna. Ela olhou para Jace em um espanto atônito – o que ele sentiu, ele não sentiu nada?
Não pensou que ele não sentisse nada.
Ele olhou de volta para Clary, e quando ela viu o olhar em seu rosto, era como a sua expressão em Renwick, quando ele tinha visto que o Portal que o separava de sua casa se quebrar em mil pedaços irrecuperáveis. Ele segurou o olhar dela por uma fração de segundo e então olhou para longe, os músculos de sua garganta trabalhando. Suas mãos estavam fechadas em punhos ao seu lado.
— Foi bom o suficiente? — ele perguntou, virando seu rosto para a Rainha e os cortesãos atrás dela. — Isso entreteve vocês?
A Rainha tinha uma mão em sua boca, meio cobrindo um sorriso.
— Estamos bastante entretidos, mas não, eu acho, tanto quanto vocês dois.
— Eu só posso presumir — Jace disse — que as emoções mortais os divertem porque vocês não tem nenhuma.
O sorriso escorregou de sua boca com isso.
— Calma, Jace — Isabelle disse. Ela se virou para Clary. — Você pode sair agora? Está livre?
Clary foi para a porta e não estava surpresa em não encontrar uma resistência barrando seu caminho. Ela permaneceu com sua mão entre as videiras e se virou para Simon. Ele estava olhando para ela como se nunca a tivesse visto antes.
— Nós temos que ir — ela disse — antes que seja tarde.
— Já é muito tarde — ele respondeu.
Meliorn os conduziu pela Corte Seelie e os colocou de volta ao parque, todos sem falar uma única palavra. Clary pensou que ele parecia rígido e desaprovador. Ele se afastou depois que os quatro chapinharam para fora da lagoa, sem sequer dar um adeus para Isabelle, e desapareceu de volta dentro do reflexo ondulante da lua.
Isabelle observou-o ir com uma cara feia.
— Ele é tão desanimado.
Jace fez um som como uma risada sufocada e levantou o colarinho de seu casaco molhado. Eles todos estavam tremendo. A noite fria cheirava a sujeira, plantas e modernidade humana – Clary quase pensou que ela podia sentir o cheiro de ferro no ar. O toque da cidade ao redor do parque lançava com luzes força: azul gelo, verde frio, vermelho quente e a lagoa agitava-se calmamente contra a sujeira nas margens. O reflexo da lua tinha se movido para longe da borda da lagoa e tremia ali como se estivesse com medo deles.
— É melhor nós voltarmos — Isabelle puxou seu ainda molhado casado ao redor de seus ombros — antes que a gente congele até a morte.
— Vai levar uma eternidade para voltar ao Brooklyn — Clary observou — talvez nós devêssemos tomar um táxi.
— Ou nós podíamos apenas ir para o Instituto — Isabelle sugeriu. Com o olhar de Jace, ela acrescentou rapidamente — ninguém está lá de qualquer maneira – eles todos estão na Cidade dos Ossos, procurando por pistas. Só vai levar um segundo para parar e pegar suas roupas, trocar por algo mais seco. Além do mais, o Instituto ainda é sua casa, Jace.
— Tudo bem — Jace disse, para a evidente surpresa de Isabelle — há algo que eu preciso de meu quarto, de qualquer modo.
Clary hesitou.
— Eu não sei. Eu poderia pegar um táxi de volta com Simon.
Talvez se eles gastassem um pouco de tempo sozinhos juntos, ela pudesse explicar para ele o que tinha acontecido lá em baixo na Corte Seelie, e que aquilo não era o que ele pensava.
Jace tinha estado examinando seu relógio dos danos da água. Agora ele olhou para ela, as sobrancelhas levantadas.
— Isso pode ser um pouco difícil, visto que ele já foi.
— Ele o quê?
Clary girou ao redor e olhou. Simon tinha ido; os três estavam sozinhos na lagoa. Ela correu pelo caminho até uma encosta e gritou o nome dele.
À distância, ela podia vê-lo, caminhando propositadamente para longe ao longo do caminho de concreto que guiava para fora do parque e para dentro da avenida. Ela gritou por ele novamente, mas ele não se virou.

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