Capítulo 9 - As Irmãs de Ferro

Alec levantou a pedra enfeitiçada na mão e com a luz que irradiava dela iluminou um canto da estação City Hall e depois o outro. Ele saltou quando um rato guinchou e correu através da plataforma empoeirada. Ele era um Caçador de Sombras, tinha estado em muitos lugares escuros, mas havia algo no ar abandonado da estação que fez um frio arrepio subir por sua espinha.
Talvez fosse o sentimento de culpa por ter escapado de seu posto de guarda em Staten Island e descido o morro até a balsa no momento em que Magnus saiu. Ele não pensou no que estava fazendo; simplesmente fez, como se estivesse no piloto-automático. Se ele se apressasse, tinha certeza de que poderia estar de volta antes que Isabelle e Jocelyn retornassem, antes que alguém percebesse que ele tinha saído.
Alec levantou sua voz.
— Camille! — Ele chamou. — Camille Belcourt!
Ele ouviu uma risada que ecoou pelas paredes da estação. E então lá estava ela, no topo das escadas, com sua silhueta delineada pelo brilho da luz de bruxa.
— Alexander Lightwood. Venha aqui em cima.
Ela desapareceu. Alec seguiu com sua pedra enfeitiçada iluminando os degraus e encontrou Camille no mesmo lugar de antes, no saguão da estação.
Estava vestida de acordo com a moda de uma época passada – vestido longo de veludo marcado na cintura, cabelo com cachos loiros, lábios pintados de vermelho-escuro. Supôs que ela fosse bonita, embora ele não fosse o melhor julgador dos atributos femininos, e o fato de a odiar também não ajudava.
— Por que o traje? — Perguntou ele.
Camille sorriu. Sua pele era muito branca e lisa, sem linhas escuras – tinha se alimentado recentemente.
— Fui a um baile de máscaras no centro da cidade. Me alimentei muito bem. Por que está aqui, Alexander? Sedento por uma boa conversa?
Se ele fosse Jace, Alec pensou, teria uma resposta inteligente, algum tipo de trocadilho ou um comentário irônico depreciativo. Alec apenas mordeu o lábio e respondeu:
— Você me disse para voltar se estivesse interessado no que estava oferecendo.
Ela passou a mão ao longo das costas do sofá, a única mobília na sala.
— E você decidiu que está.
Alec assentiu.
Ela riu.
— Você entende o que está pedindo?
O coração de Alec estava acelerado. Ele se perguntou se Camille podia ouvi-lo.
— Você disse que poderia tornar Magnus mortal. Assim como eu.
Seus lábios cheios suavizaram-se.
— Eu disse. Mas devo admitir, eu duvidava que você estivesse interessado. Você saiu com tanta pressa.
— Não brinque comigo. Eu não tenho tanto interesse assim no que você está oferecendo.
— Mentiroso — ela respondeu casualmente — se fosse assim, você não estaria aqui — ela se moveu ao redor do sofá, aproximando-se, seus olhos varrendo o rosto dele — de perto, você não parece tanto com Will como eu pensei. Você tem as mesmas cores, mas um formato de rosto diferente... talvez uma leve fraqueza na mandíbula...
— Cale a boca — ok, não foi uma resposta no nível de sagacidade de Jace, mas já era alguma coisa — eu não quero ouvir sobre Will.
— Muito bem — ela espreguiçou-se languidamente, como um gato — foi a muitos anos que Magnus e eu éramos amantes. Nós estávamos juntos na cama, depois de uma noite muito passional — ela o viu recuar, e sorriu — você sabe como são as conversas de travesseiro. As pessoas acabam revelando suas fraquezas. Magnus me falou sobre um feitiço que poderia ser utilizado para tirar a imortalidade de um bruxo.
— Então por que não eu poderia apenas descobrir qual é o feitiço e fazê-lo? — A voz de Alec levantou e rachou. — Por que eu preciso de você?
— Primeiro, porque você é um Caçador de Sombras; não tem ideia de como realizar um feitiço — ela respondeu calmamente — segundo, porque se fizer isso, ele vai saber que foi você. Se eu fizer, vai assumir que foi por vingança, por rancor. Eu não me importo com o que Magnus pensa. Mas você sim.
Alec olhou firmemente para ela.
— E você vai fazer isso por mim, como um favor?
O riso dela foi como um entoar de sinos.
— Claro que não. Você faz um favor para mim, eu te faço um. É assim que estes assuntos são conduzidos.
A mão de Alec apertou a luz de bruxa até que as bordas afiadas cortassem sua mão.
— E o que você quer de mim?
— É muito simples. Eu quero que você mate Raphael Santiago.

***

A ponte que atravessava o abismo em torno da Fortaleza de Adamant era forrada por facas. Elas estavam cravadas com a ponta para cima em intervalos aleatórios ao longo do caminho, de modo que só era possível atravessar a ponte muito lentamente, fazendo o caminho com agilidade. Isabelle teve pouca dificuldade, mas ficou surpresa ao ver que Jocelyn, que não fora uma Caçadora de Sombras ativa nos últimos quinze anos, percorreu o caminho facilmente.
No momento em que Isabelle alcançou o lado oposto da ponte, sua runa de agilidade desapareceu de sua pele, deixando uma marca fina e branca para trás. Jocelyn estava apenas um passo atrás dela, e por mais que Isabelle achasse a mãe de Clary irritante, ela ficou feliz por um momento quando Jocelyn ergueu a mão com sua pedra enfeitiçada para iluminar o espaço em que estavam.
As paredes eram talhadas de adama branco-prateado, o que fazia com que a pequena pedra parecesse brilhar de dentro das paredes. O chão era de pedra-demoníaca, e no centro havia um círculo preto esculpido. Dentro do círculo estava gravado o símbolo das Irmãs de Ferro – um coração atravessado por uma lâmina.
O som de vozes sussurrantes fez Isabelle desviar seu olhar do chão para cima. Uma sombra apareceu dentro de uma das lisas paredes claras – uma sombra cada vez mais delineada, cada vez mais próxima. Subitamente uma porção da parede deslizou para trás e uma mulher surgiu.
Ela usava um longo manto branco solto, amarrado firmemente nos punhos e abaixo dos seios com uma corda branco-prateada – fio-demoníaco. Seu rosto era velho, porém, sem rugas. Ela poderia ter qualquer idade. Seu cabelo era longo e escuro, preso em uma trança grossa pendurada às costas. Através de seus olhos e têmporas havia uma tatuagem intricada em espirais, como uma máscara que cercava ambos os olhos – que tinham cor de labaredas laranja.
— Quem apela às Irmãs de ferro? Digam seus nomes.
Isabelle olhou para Jocelyn, que apontou que ela deveria falar primeiro. Izzy limpou a garganta.
— Sou Isabelle Lightwood, e esta é Jocelyn Fr... Fairchild. Nós viemos pedir ajuda.
— Jocelyn Morgenstern — corrigiu a mulher — Fairchild de nascimento, mas você não pode apagar tão facilmente a mancha de Valentim do seu passado. Não virou as costas para a Clave?
— É verdade — concordou Jocelyn — eu fui banida. Mas Isabelle é filha da Clave. Sua mãe...
— Coordena o Instituto de Nova York — completou a mulher — estamos isoladas aqui, mas não sem fontes de informação; não sou tola. Meu nome é Irmã Cleophas, e eu sou uma Criadora. Moldo o adama para as outras irmãs esculpirem. Reconheço este chicote que você traz tão habilmente enrolado em seu pulso — ela indicou Isabelle — assim como o pingente em sua garganta...
— Se sabe tanto assim — disse Jocelyn, quando a mão de Isabelle deslocou-se até o rubi em seu pescoço — então conhece o motivo de estarmos aqui? Por que nós viemos até você?
As pálpebras de Irmã Cleophas baixaram e ela sorriu lentamente.
— Ao contrário dos nossos Irmãos do Silêncio, nós não podemos ler mentes aqui na Fortaleza. Por isso dependemos de uma rede de informações, sendo que a maioria é muito confiável. Suponho que esta visita tenha algo a ver com a situação envolvendo Jace Lightwood – já que sua irmã está aqui – e seu filho, Jonathan Morgenstern.
— Temos um dilema — Jocelyn falou — Jonathan Morgenstern trama contra a Clave, assim como seu pai. A Clave emitiu uma sentença de morte para ele. Mas Jace... Jonathan Lightwood... é muito amado por sua família, que não fez nada de errado, e por minha filha. O dilema é que Jace e Jonathan estão ligados por uma magia de sangue muito antiga.
— Magia de sangue? Que tipo de magia de sangue?
Jocelyn pegou as notas de Magnus do bolso de seu traje e as entregou. Cleophas estudou-as com seu olhar ardente e intenso. Isabelle viu, com um sobressalto, que os dedos de suas mãos eram muito longos – grotescamente longos, como se os ossos tivessem esticado, de modo que cada mão se parecia com uma aranha albina. As unhas eram pontiagudas, cada uma com uma ponta de electrum.
Ela balançou a cabeça.
— As Irmãs têm pouco envolvimento com magias de sangue.
A cor ardente de seus olhos pareceu aumentar e, em seguida, diminuir, e um momento depois, outra sombra apareceu por trás da superfície fosca e transparente da parede de adama. Desta vez, Isabelle observou mais de perto quando a segunda Irmã de Ferro entrou. Era como ver alguém emergir de uma névoa de fumaça branca.
— Irmã Dolores — disse Cleophas, entregando as notas Magnus para a recém-chegada.
Ela se parecia muito com Cleophas – a mesma figura alta e estreita, o mesmo manto branco, o mesmo cabelo longo – embora neste caso o cabelo fosse cinza e estivesse preso em duas tranças amarradas na extremidade por fios de ouro. Apesar dos cabelos grisalhos, não havia marcas em seu rosto, e seus olhos tinham uma cor de fogo brilhante.
— Você pode ver algum sentido nisto?
Dolores olhou as páginas brevemente.
— Um feitiço de geminação. Assim como nossa própria cerimônia parabatai, porém com uma aliança demoníaca.
— O que o torna demoníaco? — Isabelle perguntou. — Se o feitiço parabatai é inofensivo...
— Ele é? — Perguntou Cleophas, mas Dolores lançou-lhe um olhar de repreensão.
— O ritual parabatai une dois indivíduos, mas deixa suas vontades livres — explicou Dolores — este outro une os dois, mas torna um subordinado ao outro. O que o primário acredita, o segundo vai acreditar; o que o primário quer, o segundo vai querer. Isso essencialmente elimina o livre arbítrio do parceiro secundário, e é isso o que o torna em feitiço demoníaco. O livre arbítrio é o que faz de nós criaturas do Céu.
— Isso significa que quando um sofre, o outro também é ferido — Jocelyn observou — poderíamos supor o mesmo sobre a morte?
— Sim. Um não sobreviveria à morte do outro. Isto também não faz parte do nosso ritual parabataipois é muito cruel.
— Nossa pergunta para vocês é a seguinte — Jocelyn continuou — existe alguma arma forjada, ou que vocês possam criar, que possa atingir um, mas não o outro? Ou que possa cortar o laço que os une?
Irmã Dolores olhou para as notas e as entregou de volta para Jocelyn. Suas mãos, como as de sua companheira, eram longas, finas e brancas.
— Nenhuma arma que tenhamos forjado ou que poderíamos forjar teria este poder.
As mãos de Isabelle se fecharam ao seu lado, fincando as unhas em sua palma.
— Você quer dizer que não existe nada que possa fazer isso?
— Nada neste mundo — Dolores respondeu — uma lâmina do Céu ou do Inferno poderia fazê-lo. Por exemplo a espada do Arcanjo Miguel, com a qual Josué lutou em Jericó, pois é infundida com o fogo celestial. E há lâminas forjadas na escuridão do Fosso que poderiam ajudá-la, mas não sei como alguém poderia obtê-las.
— E, se soubéssemos, a Lei nos impediria de lhe dizer — Cleophas acrescentou com aspereza — você entende, é claro, que também teremos que reportar esta visita de vocês à Clave.
— E a espada de Josué? — Isabelle interrompeu. — Você pode consegui-la? Ou nós podemos?
— Só um anjo pode entregá-la — Dolores respondeu — e evocar um anjo é pedir para ser destruído pelo fogo celestial.
— Mas Raziel... — Isabelle começou.
Os lábios de Cleophas se estreitaram em uma linha reta.
— Raziel nos deixou os Instrumentos Mortais para que ele pudesse ser chamado em um momento de extrema necessidade. Esta chance foi desperdiçada quando Valentim o evocou. Nós nunca seremos capazes de usar seu poder novamente. Foi um crime de utilizar os Instrumentos dessa forma. A única razão pela qual Clarissa Morgenstern não foi considerada culpada é que seu pai foi o responsável, não ela.
— Meu marido também evocou outro anjo — Jocelyn contou. Sua voz era calma. — O anjo Ithuriel. Ele o manteve encarcerado por muitos anos.
Ambas as irmãs hesitaram antes de Dolores falar.
— Prender um anjo é o mais cruel dos crimes. A Clave nunca poderia aprovar isso. Mesmo que você pudesse evocar um deles, nunca poderia forçá-lo a fazer a sua vontade. Não há feitiço para isso. Nunca poderia pedir que um anjo lhe desse a espada do arcanjo; poderia tomar à força, mas não há crime maior. Seria melhor seu Jonathan morrer do que um anjo ser maculado.
Com isso, o temperamento de Isabelle que tinha estado no limite, explodiu.
— Esse é o problema com vocês, com todos vocês, as Irmãs de Ferro e os Irmãos do Silêncio. Seja lá o que fazem para transformá-los de Caçadores de Sombras no que vocês são agora, acaba com todos os sentimentos de vocês. Podemos ser parte anjo, mas somos parte humano também. Vocês não entendem o amor, ou as coisas que as pessoas fazem por amor, ou pela família...
Os olhos laranja de Dolores flamejaram.
— Eu tinha uma família. Marido e filhos, todos assassinados por demônios. Nada restou para mim. Eu sempre tive habilidade em moldar coisas com as minhas mãos, então me tornei uma Irmã de Ferro. Isso me trouxe uma paz que eu nunca teria encontrado em outro lugar. E por essa razão que escolhi o nome de Dolores, “tristeza”. Então, não tente nos dizer o que sabemos ou não sobre dor ou humanidade.
— Você não sabe nada — Isabelle disparou — você é tão dura quanto uma pedra-demoníaca. Não me admira que vocês estejam cercadas por elas.
— O ouro se prova no fogo, Isabelle Lightwood — disse Cleophas.
— Ah, cale a boca — Isabelle replicou — vocês foram inúteis, as duas.
Ela girou nos saltos da bota e saiu andando para o outro lado da ponte, mal prestando atenção em onde as facas se tornavam uma armadilha mortal, deixando seu treinamento corporal guiá-la. Chegou ao outro lado e atravessou os portões. Só quando estava do lado de fora, ela desabou. Ajoelhando entre as rochas vulcânicas e o musgo, sob o céu cinzento grandioso, ela se deixou tremer em silêncio, embora as lágrimas não viessem.
Parecia que anos haviam se passado até ela ouvir um passo macio ao seu lado, e Jocelyn se ajoelhou e colocou os braços ao seu redor. Estranhamente, Isabelle descobriu que não se incomodava. Embora ela nunca tivesse gostado muito de Jocelyn, havia algo tão maternal em seu toque que Isabelle se inclinou para ela, quase contra sua vontade.
— Você quer saber o que elas disseram depois que você saiu? — Jocelyn perguntou, depois que o tremor de Isabelle diminuiu.
— Tenho certeza de que foi alguma coisa sobre como eu sou uma vergonha para todos os Caçadores de Sombras, etecetera.
— Na verdade, Cleophas comentou que você seria uma excelente Irmã de Ferro, e que se algum dia se interessar, não deixe de avisá-las.
A mão de Jocelyn acariciou seus cabelos levemente.
Apesar de tudo, Isabelle sufocou uma risada. Ela olhou para Jocelyn.
— Me conte.
A mão de Jocelyn parou de se mover.
— Contar o quê?
— Quem era. A pessoa com quem meu pai teve um caso. Você não entende. Toda vez que vejo uma mulher com a idade da minha mãe, eu me pergunto se era ela. A irmã de Luke. A Consulesa. Você...
Jocelyn suspirou.
— Foi Annamarie Highsmith. Ela morreu durante o ataque de Valentim à Alicante. Duvido que você a conhecesse.
Isabelle abriu a boca e depois a fechou novamente.
— Eu nunca ouvi falar no nome dela antes.
— Bom — Jocelyn ajeitou uma mecha de cabelo de Isabelle — você se sente melhor agora que sabe?
— Claro — Isabelle mentiu, olhando para o chão — me sinto muito melhor.

***

Após o almoço, Clary voltou para o quarto no andar de baixo com a desculpa de que estava exausta. Com a porta bem fechada, ela tinha tentado entrar em contato com Simon novamente, mas percebeu que, dada a diferença de tempo entre o local onde ela estava agora – Itália – e Nova York, havia todas as chances que ele estivesse dormindo. Pelo menos, ela rezou para que ele estivesse dormindo. Era preferível acreditar nisso a considerar a possibilidade de que os anéis não funcionavam.
Ela estava no quarto por apenas meia hora quando uma batida soou na porta. Ela falou “entre” e se moveu para recostar sobre suas mãos, com os dedos entrelaçados, tentando esconder o anel.
A porta se abriu lentamente e Jace olhou para ela do vão. Ela se lembrou de outra noite, no calor do verão, quando ouviu uma batida em sua porta. Era Jace. Limpo, usando jeans e uma camisa cinza, com o cabelo lavado formando uma auréola de ouro úmido. Os hematomas em seu rosto já estavam desaparecendo, do roxo ao cinzento fraco, e suas mãos estavam atrás das costas.
— Ei — ele disse.
Agora suas mãos estavam à vista, e ele estava usando um suéter fino cor de bronze que realçava o dourado de seus olhos. Não havia hematomas em seu rosto, e as sombras que ela quase tinha acostumado a ver sob seus olhos tinham ido embora.
Ele está feliz assim? Realmente feliz? E se estiver, você está tentando salvá-lo de quê? Clary afastou a pequena voz em sua cabeça e forçou um sorriso.
— O que foi?
Ele sorriu. Era um sorriso perverso, do tipo que fazia o sangue nas veias de Clary correr mais rápido.
— Você quer ir a um encontro?
Pega de surpresa, ela gaguejou.
— Um o q-quê?
— Encontro — Jace repetiu — geralmente definido como “uma coisa chata que você tem que fazer para conhecer alguém”. Mas, neste caso é: “uma oferta de uma noite de romance incandescente e borbulhante com este que vos fala”.
— Sério? — Clary não tinha certeza de como reagir a isso. — Incandescente e borbulhante?
— Esse sou eu — Jace respondeu — eu faço as mulheres desmaiarem apenas por me verem jogando Scrabble. Imagine se eu realmente me esforçasse.
Clary se sentou e olhou para si mesma. Jeans e camiseta verde de seda. Ela pensou sobre os cosméticos naquele quarto estranho que parecia um santuário. Ela não podia evitar; estava louca por um gloss.
Jace estendeu a mão.
— Você está linda. Vamos.
Ela pegou sua mão e deixou que ele a levantasse.
— Eu não sei...
— Qual é... — Sua voz tinha aquele mesmo tom de zombaria sedutor que ela se lembrava de quando eles ainda estavam se conhecendo e ele a levou até a estufa para mostrar-lhe a flor que florescia à meia-noite — estamos na Itália. Veneza. Uma das cidades mais bonitas do mundo. Seria uma pena não vê-la, você não acha?
Jace a puxou para frente fazendo-a cair em seu peito. O material da camisa dele era macio sob seus dedos, e ele cheirava ao seu sabonete e shampoo de sempre. Seu coração deu um mergulho radical dentro do peito.
— Ou nós poderíamos ficar — ele disse, soando um pouco sem fôlego.
— Para eu poder desmaiar vendo você inserir uma pontuação tripla com uma palavra no Scrabble? — Com um esforço ela se afastou dele. — E me poupe das piadas sobre inserir.
— Droga, mulher, você leu minha mente. Não existe um trocadilho obsceno que você não possa prever?
— É meu poder mágico especial. Eu posso ler sua mente quando você está tendo pensamentos sujos.
— Então, isso é noventa e cinco por cento do tempo.
Ela inclinou a cabeça para trás para olhá-lo.
— Noventa e cinco por cento? O que são os outros cinco por cento?
— Ah, você sabe, o de sempre... demônios que eu poderia matar, runas que eu preciso aprender, pessoas que me aborreceram recentemente, pessoas que me aborreceram não tão recentemente, patos.
— Patos?
Ele acenou afastando a questão.
— Tudo bem. Agora, veja isto.
Ele segurou em seus ombros e a girou gentilmente, para que os dois olhassem para a mesma direção. Um momento depois – ela não tinha certeza de como – as paredes da sala pareceram derreter-se em torno deles, e ela se viu andando sobre paralelepípedos. Ela arfou, voltando-se para olhar para trás, e viu apenas uma parede branca e janelas no alto de um prédio antigo de pedra. Havia fileiras de casas semelhantes paralelas ao canal ao lado deles. Se ela esticasse o pescoço para a esquerda, poderia ver à distância que o canal se abria em um curso de água muito maior, com grandes edifícios às suas margens. O cheiro de água e pedra estava em todos os lugares.
— Legal, né? — Jace disse com orgulho.
Ela se virou e olhou para ele.
— Patos? — ela perguntou novamente.
Um sorriso ergueu os cantos de sua boca.
— Eu odeio patos. Não sei por quê. Sempre odiei.

***

Era de manhã quando Maia e Jordan chegaram à sede do Praetor Lupus. A caminhonete sacudiu e rangeu pelo longo caminho de pedras brancas que atravessava os gramados bem aparados e levava até a grande casa que se erguia como a proa de um navio à distância. Atrás da casa Maia podia ver parte das árvores, e depois disso, a água azul de um lago.
— Foi aqui onde você fez seu treinamento? — Ela perguntou. — Este lugar é lindo.
— Não se deixe enganar — Jordan respondeu, com um sorriso — este lugar é um campo de concentração.
Ela olhou de soslaio para ele. Ele ainda estava sorrindo - como esteve, quase ininterruptamente, desde que o beijou na praia. Uma parte de Maia sentiu-se puxada de volta ao passado, quando ela amava Jordan acima de tudo, e parte dela se sentiu totalmente à deriva, como se tivesse acordado em uma paisagem completamente estranha, longe da familiaridade de sua vida cotidiana e do calor do bando.
Era uma sensação muito peculiar. Não ruim, pensou. Apenas... peculiar.
Jordan estacionou em uma estradinha circular na frente da casa, que de perto, Maia podia ver que tinha sido construída com blocos de pedra dourada – cor que se assemelhava a pelagem de um lobo. Havia portas duplas e negras no topo de uma escadaria de pedra maciça. No centro da estradinha circular havia um grande relógio de sol indicando que eram sete horas da manhã. Em torno da borda do relógio, havia palavras esculpidas que diziam: EU SÓ MARCO AS HORAS QUE BRILHAM.
Ela destravou a porta e saltou da cabine ao mesmo tempo em que as portas da casa se abriram e uma voz ecoou:
— Praetor Kyle!
Jordan e Maia olharam para cima. Um homem de meia-idade estava descendo as escadas, vestindo um terno cor de carvão, com seu cabelo loiro riscado de cinza. Jordan, abrandando a expressão de seu rosto, virou-se para ele.
— Praetor Scott. Esta é Maia Rodrigues, da matilha de Garroway. Maia, este é Praetor Scott. Ele coordena o Praetor Lupus, há bastante tempo.
— Desde 1800, os Scotts têm sido coordenadores do Praetor — o homem contou olhando para Maia, que inclinou a cabeça em um sinal de submissão — Jordan, tenho que admitir, nós não esperávamos que você retornasse tão cedo. A situação com o vampiro em Manhattan, o Diurno...
— Está sob controle — Jordan respondeu às pressas — não é por isso que estamos aqui. Trata-se de algo completamente diferente.
Praetor Scott ergueu as sobrancelhas.
— Agora você despertou minha curiosidade.
— É um assunto de certa urgência — disse Maia — Luke Garroway, o líder da nossa matilha...
Praetor Scott lhe deu um olhar penetrante, silenciando-a. Embora ele não pertencesse a uma matilha, ele era um alfa, isso era evidente pelo seu porte. Seus olhos, sob sobrancelhas grossas, eram verde-acinzentados; em torno de sua garganta, sob o colarinho da camisa, brilhava o pingente de bronze do Praetor, com a marca da pata de um lobo.
— O Praetor determina qual assunto será considerado uma urgência — ele falou — tampouco somos um hotel, abertos a hóspedes indesejados. Jordan arriscou a sorte trazendo você aqui, e ele sabe disso. Se não fosse um dos nossos alunos mais promissores, eu poderia perfeitamente mandá-los embora.
Jordan enfiou os polegares no cós da calça e olhou para o chão. Um momento depois, Praetor Scott colocou a mão sobre o ombro dele.
— Mas você é um dos nossos alunos mais promissores. E você parece exausto; posso ver que passou a noite em claro. Entre, e discutiremos isso no meu escritório.
O escritório ficava no final de um longo corredor, sinuoso e elegante, com painéis de madeira escura. A casa estava animada com o som de vozes; havia um aviso preso à parede, ao lado de uma escadaria que levava ao andar superior, informando:

REGRAS DA CASA
• Proibido transformações nos corredores.
• Proibido uivar.
• Proibido objetos de prata.
• Todos devem estar vestidos em todos os momentos. TODOS OS MOMENTOS.
• Proibido brigar. Proibido morder.
• Marque todos os seus alimentos antes de colocá-los na geladeira coletiva.

O cheiro de café da manhã flutuava no ar, fazendo com que o estômago de Maia resmungasse. Praetor Scott parecia divertido.
— Vou pedir para alguém nos trazer o café da manhã, se você estiver com fome.
— Obrigada — Maia murmurou.
Eles haviam chegado ao final do corredor e Praetor Scott abriu uma porta marcada como ESCRITÓRIO.
As sobrancelhas dele se uniram.
— Rufus — ele falou — o que você está fazendo aqui?
Maia olhou além dele. O escritório era uma sala grande, confortavelmente bagunçada. Havia uma janela retangular com vista para os gramados amplos, onde grupos de jovens estavam executando o que pareciam ser exercícios militares, vestindo calças de malha pretas e blusas também pretas. As paredes da sala eram revestidas com livros sobre licantropia, vários deles em latim, mas Maia reconhecia a palavra lupus.
A mesa era uma placa de mármore colocada sobre estátuas de dois lobos rosnando. Na frente dela havia duas cadeiras. Em uma delas estava um homem grande – um lobisomem – curvado, com as mãos entrelaçadas.
— Praetor — ele explicou com uma voz irritante — eu esperava poder falar com você sobre o incidente em Boston.
— O incidente em que você quebrou a perna de seu supervisor designado? — O Praetor respondeu secamente. — Vou falar com você sobre isso, Rufus, mas não neste momento. Algo mais urgente me chama.
— Mas, Praetor...
— Isso é tudo, Rufus — disse Scott naquele tom de lobo alfa cujas ordens não deviam ser contestadas — lembre-se, este é um lugar de reabilitação. Parte disto inclui aprender a respeitar as autoridades.
Resmungando baixinho, Rufus se levantou da cadeira. Apenas quando se levantou Maia percebeu seu tamanho enorme. Ele se elevou sobre ela e Jordan, sua camiseta preta esticada sobre o peito, as mangas prestes a rasgar em torno de seus bíceps. Sua cabeça tinha sido raspada recentemente, seu rosto tinha marcas profundas de garras atravessando uma bochecha, como sulcos cavados no solo. Ele deu um olhar azedo a ela enquanto caminhava para o corredor.
— É claro que alguns de nós — Jordan murmurou — são mais fáceis de recuperar do que outros.
Quando os passos pesados de Rufus desapareceram no final do corredor, Scott lançou-se na cadeira de espaldar alto atrás da mesa e apertou o botão de um interfone com aparência moderna. Depois de pedir café da manhã com uma voz concisa, ele se inclinou para trás e cruzou as mãos atrás da cabeça.
— Sou todo ouvidos.
Enquanto Jordan contava a história para o Praetor Scott, Maia não conseguiu evitar que seus olhos e mente vagueassem. Ela se perguntou como teria sido crescer aqui, nesta casa elegante cheia de regras e regulamentos, em comparação com a relativa “liberdade” da matilha.
Em um momento, um lobisomem todo vestido de preto – que parecia ser o uniforme regular do Praetor – trouxe fatias de rosbife, queijo e shakes de proteína em uma bandeja de estanho. Maia olhou para o café da manhã com algum espanto. Era verdade que os lobisomens precisavam de mais proteína do que pessoas normais, muito mais, mas rosbife para o café da manhã?
— Você aprenderá — disse Scott Praetor quando Maia bebeu seu shake com cautela — que, de fato, o açúcar refinado é prejudicial aos lobisomens. Se você deixar de consumi-lo por um tempo, deixará de desejá-lo. O líder da sua matilha não lhe disse isso?
Maia tentou imaginar Luke, que gostava de fazer panquecas em formas estranhas e divertidas, palestrando sobre os males do açúcar, e não conseguiu. No entanto, agora não era o momento para mencionar isso.
— Não, é claro que ele falou — ela respondeu — mas eu costumo, ah, retroceder em tempos de stress.
— Entendo a sua preocupação com o líder de seu bando — disse Scott. O Rolex de ouro brilhava em seu pulso — normalmente, nós mantemos uma estrita política de não interferir em questões não relacionadas com Seres do Submundo recém-criados. Nós não damos prioridade para os lobisomens sobre os outros Seres do Submundo, embora apenas os licantropos sejam permitidos no Praetor.
— Mas é exatamente por isso que precisamos de sua ajuda — Jordan apontou — as matilhas estão, por natureza, sempre em movimento, em transição. Eles não têm oportunidade de construir coisas como bibliotecas para armazenar conhecimento. Não estou dizendo que eles não têm sabedoria, mas tudo é passado verbalmente através das gerações, e cada bando sabe coisas diferentes. Nós poderíamos ir de matilha em matilha, e talvez alguém soubesse como curar Luke, mas não temos tempo. Isso aqui — ele apontou para os livros que revestiam as paredes — é a coisa mais próxima que os lobisomens possuem, por exemplo, dos arquivos dos Irmãos do Silêncio ou do Labirinto Espiral dos bruxos.
Scott parecia convencido. Maia largou seu shake.
— E Luke não é apenas um líder de matilha qualquer. Ele é o representante dos licantropos no Conselho. Se você ajudar a curá-lo, pode estar certo de que o Praetor sempre terá uma voz no Conselho a seu favor.
Os olhos de Scott brilharam.
— Interessante. Muito bem. Vou dar uma olhada nos livros. Provavelmente vai demorar algumas horas. Jordan, sugiro que você descanse um pouco se estiver planejando dirigir de volta até Manhattan. Nós não precisamos de você destruindo sua caminhonete em uma árvore.
— Eu poderia dirigir — Maia sugeriu.
— Você parece igualmente esgotada. Jordan, como você sabe, sempre haverá um quarto para você aqui na sede do Praetor, mesmo depois de formado. E Nick saiu para uma tarefa, por isso há uma cama para Maia. Por que vocês não descansam um pouco? Eu os chamarei quando terminar.
Ele girou em sua cadeira para examinar os livros nas paredes.
Jordan fez um gesto para Maia indicando que esta era a deixa para sair. Ela se levantou, limpando as migalhas de seus jeans. Estava a meio caminho da porta quando Praetor Scott falou de novo.
— Ah, e Maia Roberts — ele falou, e sua voz tinha uma nota de advertência — espero que você entenda que quando faz promessas em nome de outras pessoas, a responsabilidade de se certificar que sejam cumpridas é sua.

***

Simon ainda se sentia exausto quando despertou, piscando na escuridão. As grossas cortinas pretas sobre as janelas deixavam entrar pouquíssima luz, mas seu relógio biológico interno lhe dizia que era dia. Isso e o fato de que Isabelle tinha saído, deixando seu lado da cama desarrumado e os cobertores levantados.
Já era dia e ele não tinha falado com Clary desde que ela partiu. Ele tirou a mão de debaixo das cobertas e olhou para o anel de ouro em sua mão direita. Era delicado, e tinha desenhos ou palavras gravadas em um alfabeto que ele não conhecia.
Cerrando o a mandíbula, ele se sentou e tocou o anel. Clary?
A resposta veio imediata e clara. Ele quase caiu da cama de alívio.
Simon, Graças a Deus.
Você pode falar?
Não. Ele percebeu uma distração tensa em sua voz mental. Estou feliz que você tenha falado comigo, mas agora não é uma boa hora. Eu não estou sozinha.
Mas você está bem?
Estou bem. Nada aconteceu ainda. Estou tentando reunir informações. Prometo que vou falar com você no momento em que eu souber de qualquer coisa.
Certo. Cuide-se.
Você também.
E ela se foi. Esticando as pernas para fora do colchão, Simon fez o seu melhor para alisar o cabelo despenteado de sono e foi ver se alguém estava acordado.
Eles estavam. Alec, Magnus, Jocelyn e Isabelle sentavam-se ao redor da mesa na sala de estar de Magnus. Embora Alec e Magnus estivessem de jeans, Jocelyn e Isabelle usavam o traje de combate, Isabelle com seu chicote enrolado no braço direito. Ela olhou para cima quando ele entrou, mas não sorriu; seus ombros estavam tensos, sua boca era uma linha fina. Todos eles tinham canecas de café a sua frente.
— Há uma razão para o ritual dos Instrumentos Mortais ser tão complicado — Magnus falou, fazendo o açucareiro flutuar em sua direção e acrescentando um pouco do açúcar em seu café — os anjos agem a mando de Deus, não de seres humanos – mesmo sendo Caçadores de Sombras. Evoque um deles, e será bastante provável que você seja destruído pela ira divina. O maior objetivo do ritual dos Instrumentos Mortais não é permitir que alguém evoque Raziel. É proteger o evocador da ira do anjo uma vez que ele surja.
— Valentim... — Alec começou.
— Sim, Valentim também evocou um anjo menor. O qual nunca falou com ele, não é? Nunca lhe deu a mínima ajuda, embora Valentim tenha conseguido extrair seu sangue. E mesmo assim ele deve ter utilizado feitiços incrivelmente poderosos apenas para prendê-lo. Meu palpite é que ele vinculou a vida do anjo à mansão Wayland, de modo que, quando o anjo morreu, a mansão desmoronou — ele bateu uma unha pintada de azul em sua caneca — e ele condenou a si próprio. Você pode acreditar ou não em Céu e Inferno, mas ele certamente se condenou. Quando ele evocou Raziel, o próprio Raziel o derrotou. Em parte como vingança pelo que Valentim tinha feito ao seu irmão anjo.
— Por que estamos falando sobre evocar anjos? — Simon perguntou, empoleirando-se no final da longa mesa.
— Isabelle e Jocelyn foram ver as Irmãs de Ferro — Alec contou — procurando por uma arma que pudesse ser usada em Sebastian e que não afetasse Jace.
— E não há nenhuma?
— Nenhuma neste mundo —Isabelle respondeu — uma arma Celestial poderia fazê-lo, ou algo com uma aliança demoníaca. Estávamos explorando a primeira opção.
— Evocar um anjo para ele lhe dar uma arma?
— Isso já aconteceu antes — Magnus apontou — Raziel deu a Espada Mortal para Jonathan Caçador de Sombras. Nas histórias antigas, na noite anterior à batalha de Jericó, um anjo apareceu e deu uma espada a Josué.
— Hum... — Simon comentou — pensei que anjos fossem responsáveis por enviar a paz, não armas.
Magnus bufou.
— Os anjos não são apenas mensageiros. Eles são soldados. Michael é conhecido por liderar exércitos. Os anjos não são pacientes. Certamente não com as vicissitudes dos seres humanos. Qualquer um que tentasse convocar Raziel sem os Instrumentos Mortais para protegê-lo, provavelmente encontraria a destruição na mesma hora. Demônios são mais fáceis de evocar. Há mais deles, e muitos são fracos. Porém, um demônio fraco poderia não ser de tanta utilidade...
— Não podemos evocar um demônio — Jocelyn falou, horrorizada — a Clave...
— Pensei que você tinha parado de se importar com o que a Clave pensava sobre você anos atrás — Magnus observou.
— Não se trata apenas de mim. O resto de vocês. Luke. Minha filha. Se a Clave souber...
— Bem, eles não têm como saber, não é? — Alec replicou com sua voz cortante — A não ser que você conte a eles.
Jocelyn olhou do rosto imóvel de Isabelle para a expressão inquiridora de Magnus e, então, novamente para os teimosos olhos azuis de Alec.
— Vocês estão realmente considerando isso? Evocar um demônio?
— Bem, não será qualquer demônio — disse Magnus. — Será Azazel.
Os olhos de Jocelyn faiscavam.
— Azazel?
Seus olhos procuraram pelos outros, como se à procura de apoio, mas Izzy e Alec olharam para suas canecas, e Simon simplesmente deu de ombros.
— Eu não sei quem é Azazel. Ele não é o gato dos Smurfs? — Simon perguntou, mas Isabelle apenas o olhou e revirou os olhos.
Clary?, ele pensou.
A voz dela surgiu alarmada. O que foi? O que aconteceu? Minha mãe descobriu que eu fugi?
Ainda não, ele respondeu mentalmente. O nome do gato azul dos Smurfs é Azazel?
Houve uma longa pausa. É Azrael, Simon, e nada de usar os anéis mágicos para fazer perguntas sobre os Smurfs novamente.
E ela se foi. Simon olhou para cima e viu Magnus olhando para ele zombeteiramente.
— Ele não é um gato, Sylvester. É um Demônio Maior. O Tenente do Inferno, o Forjador das Armas. Ele foi o anjo que ensinou a humanidade a fazer armas, quando esse conhecimento era restrito aos anjos. Isso causou a sua queda, e agora ele é um demônio. “E toda a terra foi corrompida pelas obras de Azazel. A ele foi atribuído todo o pecado”.
Alec olhou espantado para Magnus.
— Como você sabe tudo isso?
— Ele é um amigo meu — Magnus respondeu, e, observando as expressões dos outros, suspirou — ok, não é verdade. Está no Livro de Enoque.
— Parece perigoso — Alec franziu a testa — parece que ele é mais do que um Demônio Maior. Assim como Lilith.
— Felizmente, ele já está preso — disse Magnus — se o evocar, sua forma espiritual virá até você, mas sua forma corpórea continuará vinculada às pedras denteadas de Duduael.
— As pedras denteadas de... Ah, que seja — disse Isabelle, enrolando o cabelo longo e escuro em um coque — ele é o demônio das armas. Certo. Digo que devemos arriscar.
— Eu não posso acreditar que você está considerando isso — Jocelyn falou — eu aprendi, assistindo meu marido, o que o interesse pela evocação de demônios pode causar. Clary... — Ela começou e parou, como se estivesse sentindo o olhar de Simon sobre ela, e se virou — Simon, você deve saber. Clary já acordou? Estávamos deixando-a dormir, mas já são quase onze horas da manhã.
Simon hesitou.
— Eu não sei.
Isto, raciocinou ele, era verdade. Onde quer que Clary estivesse, ela poderia estar dormindo. Mesmo que ele tivesse acabado de falar com ela.
Jocelyn pareceu intrigada.
— Mas você não estava no quarto com ela?
— Não, não estava. Eu estava...
Simon se interrompeu, percebendo o beco sem saída em que estava. Havia três quartos de hóspedes. Jocelyn ocupava um, Clary o outro. O que, obviamente, significava que ele teria dormido no terceiro quarto com...
— Isabelle? — Alec perguntou com as sobrancelhas levantadas. — Você dormiu no quarto de Isabelle?
Isabelle acenou com a mão.
— Não precisa se preocupar, irmãozão. Nada aconteceu. Mas é claro que — ela acrescentou quando os ombros de Alec relaxaram — como eu estava totalmente inconsciente de tão bêbada, ele poderia ter feito o que quisesse e eu não teria acordado.
— Ah, por favor — disse Simon — tudo o que fiz foi te contar todo o enredo de Star Wars.
— Acho que não me lembro disso — Isabelle respondeu, pegando um cookie sobre a mesa.
— Ah, é? Quem era o melhor amigo de infância de Luke Skywalker?
— Biggs Darklighter — Isabelle disse imediatamente, e em seguida bateu na mesa com a palma da sua mão — isso é trapaça!
Ainda assim, ela sorriu para ele por trás de seu cookie.
— Aah... — disse Magnus — o amor nerd. É uma coisa bonita, além de ser um objeto de escárnio e zombaria para aqueles entre nós que são mais sofisticados.
— Tudo bem, isso é o suficiente — Jocelyn levantou-se — eu vou buscar Clary. Se vocês estão prestes a evocar um demônio, não vou ficar aqui, e não quero que minha filha fique também. Ela seguiu em direção ao corredor.
Simon bloqueou seu caminho.
— Você não pode fazer isso.
Jocelyn olhou para ele com o rosto sério.
— Eu sei que você vai dizer que este é o lugar mais seguro para nós, Simon, mas com um demônio sendo evocado, eu não...
— Não é isso — Simon respirou fundo, o que não ajudou, já que seu sangue não absorvia o oxigênio. Ele sentiu um pouco doente — você não pode ir buscá-la porque... porque Clary não está aqui.

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