Capítulo 11 - Agitação Selvagem
Sua aflição tem sido a minha angústia, sim, retraio-me
E pereço em sua desventura desafortunada.
Vasculhei os picos e profundezas, a extensão
De todo o nosso universo, com a esperança desesperada
De encontrar consolo para sua selvagem inquietação.
– James Thomson, The City of Dreadfull Night
Para a minha querida Sra. Branwell...
Você pode estar surpresa por receber uma carta logo após a minha partida de Londres, mas, apesar da sonolência que o campo traz, os eventos aqui continuam em ritmo acelerado, e pensei ser melhor mantê-la a par dos acontecimentos.
O clima está ótimo por aqui, concedendo-me muito tempo para explorar o campo, especialmente a área ao redor de Ravenscar Manor, que é de fato um belo prédio antigo. A família Herondale parece viver sozinha lá: apenas o pai, Edmund; a mãe e a filha mais nova, Cecily, que tem quinze anos e é muito parecida com seu irmão na inquietação, na forma e na aparência.
E vou explicar como sei disso tudo em um momento.
Ravenscar é perto de uma pequena aldeia. Eu me estabeleci na pousada local, o Cisne Negro, e me apresentei como um cavalheiro interessado em comprar propriedade na área. Os moradores têm sido os mais propensos a facultar informação, e quando eles não o fazem, um feitiço de persuasão ou dois ajudam para que eles fiquem do meu lado.
Parece que os Herondales se misturam muito pouco com a sociedade local. Talvez seja devido aos boatos a respeito deles ser grande. Eles não são os donos do Solar Ravenscar, mas são, na verdade, seus guardiões, vigiando o lugar para o seu proprietário verdadeiro: Axel Mortmain, claro.
Mortmain parece não ser conhecido por essas pessoas, para eles, ele é um rico industrial que comprou uma casa de campo, que raramente visita.
Não encontrei nenhuma conexão dele com os Shade, cujo legado aqui parece muito esquecido. Os próprios Herondales são uma questão de especulação curiosa. Sabe-se que eles tiveram um filho que morreu, e que Edmundo, a quem eu conheci uma vez, acabou virando um bêbado e jogador; eventualmente, ele perdeu sua casa no País de Gales, quando então, destituído, foi-lhe oferecida a ocupação desta casa em Yorkshire por seu proprietário. Isso foi há dois anos.
E tudo isso foi confirmado quando, observando a mansão à distância, fui surpreendido com a aparição de uma garota. Eu sabia quem ela era imediatamente. Eu a tinha visto entrar e sair da casa, e sua semelhança com seu irmão Will, como eu disse, são pronunciadas. Ela chegou até mim de uma só vez, exigindo saber por que eu estava espionando a sua família. Ela não parecia irritada no começo, mas, sim bastante esperançosa.
“Será que meu irmão te mandou?”, Ela perguntara. “Você tem alguma informação de meu irmão?”
Foi bastante doloroso, mas ela disse saber da Lei, e que eu poderia contar-lhe somente que se o seu irmão estava bem e que ela pretendia saber se ele estava seguro. Ao passo que nada respondi, ela ficou com raiva e opinou que Will poderia garantir a segurança de sua família muito melhor, retornando para eles. Ela também falou que não foi a morte de sua irmã (você sabia dessa irmã?) que acabou com seu pai, e sim a ida de Will. Vou deixar essas informações em suas mãos, pois ela pode causar ainda mais mal ao jovem mestre Herondale.
Quando perguntei a ela de Mortmain, ela respondeu-me facilmente que ele é um amigo da família, que entrou em cena para oferecer-lhes esta casa quando não tinham nada. Enquanto ela falava, comecei a ter uma noção de como Mortmain pensa. Ele sabe que é contra a Lei dos Nephilim interferir com Caçadores de Sombras que optaram por deixar a Clave, e que portanto, o solar Ravenscar seria evitado. Ele sabe também que a ocupação do local pelos Herondale deixaria todos afastados dos objetos que pertencem a ele, e por isso não poderão ser usados para rastreá-lo. E por último, ele sabe que o poder sobre os Herondale poderia se traduzir em poder sobre Will. Será que ele necessita de poder sobre Will? Não agora, talvez, mas pode haver um momento em que ele deseje, e quando o fizer, Will vai estar à mão. Ele é um homem bem preparado, e homens como esse são perigosos.
Se eu fosse você, e eu não sou, tranquilizaria o mestre Will de que sua família está segura e que estou olhando por eles. Evite falar com ele de Mortmain até que eu possa reunir mais informações. Pelo o que consigo recolher de Cecily, os Herondale não sabem onde Mortmain está. Ela disse que ele estava em Xangai, e na ocasião eles receberam correspondência de sua empresa de lá, estampada com selos peculiares. É de meu entendimento, no entanto, que o Instituto de Xangai acredita que ele não esteja lá.
Eu disse a senhorita Herondale que seu irmão sentia sua falta, parecia o mínimo que eu poderia fazer. Ela pareceu gratificada. Vou permanecer nesta área por mais um tempo, eu acho, fiquei curioso para saber como as desgraças dos Herondale estão entrelaçadas com os planos de Mortmain.
Ainda há segredos a serem descobertos aqui debaixo da verde e tranquila zona rural de Yorkshire, e pretendo descobrir.
Ragnor Fell
Charlotte leu a carta duas vezes, para guardar os seus detalhes na memória, e então, tendo dobrado o papel, lançou-o no fogo da sala de estudos. Ela se levantou cansada, encostada à lareira, observando como a chama comia o papel em linhas de preto e dourado.
Ela não tinha certeza se ficou surpresa, perturbada, ou simplesmente se estava com os ossos cansados pelo conteúdo da carta. Encontrar Mortmain era como capturar uma aranha, apenas para perceber que você estava impotentemente enredado nos fios pegajosos de sua teia.
E Will... ela odiava falar disto com ele. Fitou o fogo cegamente. Às vezes, ela pensava que Will tinha sido-lhe enviado pelo Anjo especificamente para testar sua paciência.
Ele era amargo, tinha a língua como um chicote, e rechaçava todas as tentativas de mostrar-lhe amor e carinho com veneno ou desprezo. E ainda, quando o olhava, via o menino que ele havia sido aos doze anos, enrolado no canto de seu quarto, as mãos sobre os ouvidos enquanto seus pais chamavam o seu nome lá embaixo, pedindo-lhe para sair, para voltar com eles.
Ela ajoelhara-se ao seu lado após os Herondale terem ido embora. Lembrava dele levantando o rosto pequeno, definido e branco, com aqueles olhos azuis e cílios escuros. Ele era tão bonito quanto uma menina, fino e delicado, mas em seguida, ele se jogou tão arduamente nos treinamentos dos Caçadores de Sombras que dentro de dois anos toda a delicadeza tinha ido embora; músculos, marcas e cicatrizes entraram em seu lugar. Charlotte tinha tomado sua mão, e ele a fez prometer que contaria se eles estivessem mortos. Ele tinha mordido o lábio inferior, mas não pareceu ter notado, e sangue cobria seu queixo e pingou sobre a camisa.
— Charlotte, você vai me dizer, não é? Você vai me dizer se alguma coisa acontecer com eles?
— Will, eu não posso.
— Eu sei que é a Lei. Eu só quero saber se eles estão vivos — seus olhos brilhavam para ela — Charlotte, por favor...
— Charlotte?
Ela olhou por cima do fogo. Jem estava na porta da sala de estudos. Charlotte, ainda meio presa na teia do passado, piscou para ele.
Quando ele chegou pela primeira vez de Xangai, o cabelo e os olhos eram tão negros quanto nanquim. Ao longo do tempo ficaram prateados, com as drogas trabalhando seu caminho através de seu sangue, transformando-o, matando-o lentamente.
— James. É tarde, não é?
— Onze horas — ele virou a cabeça para o lado, estudando-a — você está bem? Você olha como se a sua paz de espírito estivesse quebrada.
— Não, eu só... — Ela fez um gesto vago. — É todo este negócio com Mortmain.
— Eu tenho uma pergunta — Jem revelou, movendo-se mais para dentro da sala e baixando a voz — não é totalmente se relação. Gabriel disse algo hoje, durante o treinamento...
— Você estava lá?
Ele balançou a cabeça.
— Sophie me contou. Ela não gosta de fofocar, mas ela perturbou-se, e eu não posso culpá-la. Gabriel afirmou que seu tio havia cometido suicídio e que sua mãe tinha morrido de desgosto, porque, bem, por causa de seu pai.
— Meu pai? — Charlotte repetiu inexpressivamente.
— Aparentemente, o tio de Gabriel, Silas, cometeu alguma infração da Lei, e seu pai descobriu. Seu pai foi até a Clave. O tio dele se matou de vergonha, e a Sra. Lightwood morreu de desgosto. Segundo Gabriel, “Os Fairchild não se importam com ninguém, somente consigo mesmos e a Lei.”
— E você está me contando isso porque...?
— Quero saber se é verdade. Porque se for, talvez fosse útil comunicar ao Cônsul o real motivo de Benedict querer o Instituto: por vingança, e não o desejo altruísta de vê-lo funcionar melhor.
— Não é verdade. Não pode ser — Charlotte balançou a cabeça — Silas Lightwood se matou porque era apaixonado por sua parabatai, mas não porque meu pai contou à Clave. Só a Clave sabia do que se tratava a nota de suicídio de Silas. Na verdade, o pai de Silas perguntou ao meu pai se ele podia ajudar na escrita de um discurso elogiando Silas. Será que isso soa como um homem que culpa meu pai pela morte do filho?
Os olhos de Jem escureceram.
— Isso é interessante.
— Você acha que Gabriel simplesmente estava sendo desagradável, ou que seu pai mentiu... — Charlotte não terminou a frase.
Jem se dobrou, de repente, como se tivesse levado um soco no estômago, com um ataque de tosse tão grave que seus ombros magros tremiam. Um jato vermelho de sangue respingou a manga do casaco quando ele levantou o braço para cobrir o rosto.
— Jem...
Charlotte começou a avançar com os braços esticados, mas ele cambaleou para longe dela, erguendo sua mão, como se para afastá-la.
— Eu estou bem — ele engasgou — eu estou bem. — Ele limpou o sangue de seu rosto com a manga de seu paletó. — Por favor, Charlotte — acrescentou ele numa voz derrotada enquanto ela se movia em direção a ele. — Não.
Charlotte parou, seu coração dolorido.
— Não há nada...
— Você sabe que não há nada — ele baixou o braço, o sangue em sua manga como uma acusação, e deu-lhe o sorriso mais doce — Cara Charlotte... você foi a melhor irmã mais velha que eu poderia ter esperado. Sabe disso, não é?
Charlotte apenas fitou-o, a boca aberta. Parecia como um adeus, e ela não podia suportar a responder.
Ele se virou e fez seu caminho para fora da sala. Ela observou-o, dizendo a si mesma que não significava nada, que este não era o pior estado que ele tinha ficado, que ele ainda tinha tempo. Ela amava Jem, como amava Will, como não podia deixar de amá-los, todos, e o pensamento de perdê-lo quebrava seu coração. Não só ela própria perdia, mas Will. Se Jem morresse, ela não podia deixar de sentir, acabaria com toda a humanidade de Will.
Era quase meia-noite quando Will voltou para o Instituto. Tinha começado a chover quando estava no meio da Rua Threadneedle. Ele se abrigara sob o toldo deDean and Son Publishers e desabotoara sua jaqueta em busca do cachecol, mas a chuva já havia chegado a sua boca – grandes gotas geladas que tinham gosto de carvão e lodo. Ele encolheu os ombros contra a picada de frio quando deixou o abrigo do toldo e dirigiu-se para o Instituto.
Mesmo depois de anos em Londres, a chuva o fazia pensar em casa. Ele ainda se lembrava do caminho encharcado no campo, no País de Gales, o aroma fresco do verde, do jeito que brincava escorregando em uma encosta úmida, grama prendendo-se em seu cabelo e roupas. Ele fechou os olhos. Podia ouvir o eco do riso da irmã em seus ouvidos. Will, você vai estragar a sua roupa; Will, a mãe ficará furiosa...
Will nunca seria um londrino – tinha em seu sangue a memória de grandes espaços abertos, a amplidão do céu, o ar puro. Não estas ruas estreitas abarrotadas de pessoas, a poeira de Londres em todos os lugares – suas roupas, uma pulverização fina em seu cabelo e na parte de trás do pescoço – e o cheiro imundo do rio.
Tinha chegado na Rua Fleet. O bar Temple era visível através da névoa ao longe, a rua estava escorregadia com a chuva. Uma carruagem entrou em um beco entre dois prédios, as rodas espirrando água suja contra o meio-fio.
Ele podia ver a torre do Instituto, à distância agora. Certamente o jantar já terminou, Will pensou. Tudo fora guardado. Bridget estaria dormindo, e ele poderia ir para a cozinha e fazer uma refeição de pão, queijo e torta fria. Havia sentido falta de uma boa refeição ultimamente, e se fosse sincero consigo, só havia uma razão para isso: estava evitando Tessa.
Ele não quis evitá-la de fato, havia falhado miseravelmente naquela tarde, acompanhando-a não só para o treinamento, mas também para a sala de estudos depois. Às vezes ele se perguntava se fazia essas coisas apenas para se testar. Para ver se os sentimentos tinham acabado. Mas eles não tinham. Quando a via, queria estar com ela; quando estava com ela, sofria por não tocá-la; quando tocava sua mão, queria abraçá-la. Ele queria senti-la contra ele do jeito que tinha sentido no sótão. Queria saber o gosto de sua pele e o cheiro do seu cabelo. Queria fazê-la rir. Queria sentar e ouvi-la falar sobre livros até seus ouvidos caírem. Mas tudo isso eram coisas que ele não podia querer, porque eram coisas que ele não poderia ter, e querer o que você não pode ter leva à miséria e à loucura.
Ele tinha chegado em casa. A porta do Instituto se abriu ao seu toque, e a sua frente surgiu um hall cheio de pedras enfeitiçadas bruxuleantes. Ele pensou na onda que as drogas haviam lhe trazido no antro da Avenida Whitechapel. A libertação feliz de não querer ou precisar de nada.
Ele havia sonhado que estava deitado em uma colina no País de Gales com o céu alto e muito azul, e que Tessa tinha vindo a pé até o morro para ele e se sentou ao seu lado. “Eu amo você”, ele tinha dito a ela, e a beijou, como se fosse a coisa mais natural do mundo. “Você me ama?” Ela sorriu para ele. “Você vai sempre estar em primeiro lugar em meu coração”, ela havia respondido. “Diga-me que não é um sonho”, ele sussurrou quando ela colocou os braços ao redor dele, e então Will já não sabia se estava acordado ou dormindo.
Ele tirou seu casaco enquanto subia as escadas, sacudindo seu cabelo molhado. Água fria escorria nas costas de sua camisa, gelando sua coluna, fazendo-o tremer. O pacote precioso que ele tinha comprado dos ifrits estava no bolso da calça. Ele enfiou a mão dentro, tocando-o com os dedos, só para ter certeza.
Os corredores estavam iluminados com as pedras enfeitiçadas, ele foi até a metade caminho quando fez uma pausa. A porta de Tessa estava logo ali, ele sabia, e em frente a dela estava a de Jem. E ali, na frente da porta dela, estava Jem. Ele estava andando “de um lado para o outro”, fazendo um buraco no chão, como Charlotte teria dito.
— James — Will falou, mais surpreso do que qualquer outra coisa.
A cabeça Jem ergueu e ele se afastou da porta de Tessa instantaneamente, recuando em direção ao seu próprio quarto. Seu rosto ficou branco.
— Acho que eu não deveria estar surpreso ao encontrá-lo vagando pelos corredores a esta hora.
— Acho que podemos concordar que o inverso é mais fora do personagem — Will respondeu — por que está acordado? Você está bem?
Jem lançou um último olhar para a porta de Tessa, e então se virou para Will.
— Eu ia pedir desculpas a Tessa — ele falou — acho que meu jeito de tocar violino deve tê-la mantido acordada. Onde você esteve? Teve dificuldades com Nigel Seis Dedos de novo?
Will sorriu, mas Jem não retornou o sorriso.
— Eu tenho algo para você, na verdade. Venha, deixe-me dá em seu quarto. Não quero passar a noite toda de pé no corredor.
Após Jem ter um momento de hesitação, ele deu de ombros e abriu a porta. Ele entrou, seguido por Will, e fechou a porta atrás deles quando Jem jogou-se em uma poltrona. Ele olhou para Will.
— O que é, então? — Ele começou, e inclinou-se fortemente convulsionando por uma tosse forte.
Ela passou rapidamente, antes que Will pudesse se mover ou falar, mas quando Jem endireitou-se e roçou a palma da mão na boca, ela saiu manchada de vermelho.
Ele olhou para o sangue sem expressão.
Will se sentiu nauseado. Ele se aproximou de seu parabatai com um lenço, que deu a Jem, e depois com o pó prata que tinha comprado em Whitechapel.
— Aqui — ele entregou o conteúdo a Jem se sentindo estranho. Há muito tempo ele não se sentia estranho diante de Jem, há quase 5 anos — voltei a Whitechapel, e comprei isso para você.
Jem limpou o sangue de sua mão com o lenço de Will, pegou o pacote e olhou para o yin fen.
— Tenho o suficiente disso por pelo menos mais um mês — ele olhou para cima, em seguida, uma centelha súbita em seus olhos — será que Tessa lhe contou...
— Contou o quê?
— Nada. Eu derramei um pouco do pó no outro dia. Consegui recuperar a maior parte — Jem mostrou o pacote sobre a mesa ao lado dele — isso não era necessário.
Will se sentou na poltrona, ao pé da cama de Jem. Odiava que suas pernas fossem tão longas, ele sempre se sentiu como um adulto tentando se espremer por trás de uma mesa da sala de aula, mas queria ficar com os olhos no nível dos de Jem.
— Os servos de Mortmain tem comprado uma grande quantidade de yin fen no East End. — ele falou. — Eu confirmei. Se o seu acabar, essa era a única fonte...
— Então você comprou para que eu não ficasse sem antes — Jem completou — amenos que esteja disposto a me deixar morrer, que seria, é claro, a atitude mais sensata a se tomar.
— Eu não estou disposto — Will soou afiado — você é meu irmão de sangue. Fiz um juramento de não deixar nenhum dano lhe acontecer.
— Deixando juramentos de lado, e jogos de poder, algo disso tem a ver comigo?
— Eu não sei o que quer dizer.
— Eu estava começado a me perguntar se você seria capaz de poupar alguém do sofrimento.
Will balançou ligeiramente para trás, como se Jem o tivesse empurrado.
— Eu... — Ele engoliu em seco, procurando as palavras.
Fazia tanto tempo desde que procurara palavras para ganhar perdão e não o ódio, tanto tempo que havia tentado se desculpar sobre qualquer coisa sem ser da pior maneira. Se perguntou em um momento de pânico se ainda sabia fazer.
— Eu falei com Tessa hoje — ele começou, finalmente, não percebendo que o rosto de Jem empalideceu ainda mais — ela me fez entender que o que fiz ontem à noite foi imperdoável. Embora — acrescentou apressadamente — eu ainda espero que você me perdoe. — Pelo Anjo, eu sou ruim nisso.
Jem levantou uma sobrancelha.
— Pelo o quê?
— Eu fui para o antro porque não conseguia parar de pensar na minha família, e eu queria... precisava... parar para pensar — Will revelou — não passou pela minha cabeça que você iria achar que eu estava fazendo uma brincadeira de sua doença. Acho que estou pedindo seu perdão pela minha falta de consideração — sua voz caiu — todos cometem erros, Jem.
— Sim. Você mais que todas as pessoas.
— Eu...
— Você machuca a todos. Todos cuja vida toca.
— Não você — Will sussurrou — eu feri a todos, mas não você. Eu nunca quis te machucar.
Jem colocou as mãos para cima, pressionando as palmas das mãos contra os olhos.
— Will...
— Você não pode não me perdoar — Will interrompeu, ouvindo o pânico tingindo sua própria voz — eu ficaria...
— Sozinho? — Jem baixou as mãos, mas ele estava sorrindo torto agora. — E de quem é a culpa? — Ele se inclinou para trás contra a poltrona, seus olhos refletindo cansaço. — Eu sempre te perdoei. Teria te perdoado se não tivesse pedido desculpas. Na verdade, eu não estava esperando que você pedisse. Influência de Tessa, só posso adivinhar.
— Eu não estou aqui a pedido dela. James, você é toda a família que eu tenho — voz de Will tremeu — eu morreria por você. Sabe disso. Eu morreria sem você. Se não fosse por você, eu estaria morto uma centena de vezes ao longo destes últimos cinco anos. Devo-lhe tudo, e se não pode acreditar que eu tenho empatia, talvez possa, pelo menos, acreditar que tenho honra, e dívida.
Jem olhou realmente alarmado agora.
— Will, sua descompostura é maior do que a minha raiva justificada. Meu temperamento esfriou, você sabe que eu nunca demorei muito com isso — seu tom de voz era calmo, mas algo em Will não podia ser acalmado.
— Eu fui comprar mais porque não posso suportar vê-lo sofrer ou morrer, não certamente quando eu poderia ter feito algo para evitar. E fiz isso porque eu estava com medo. Se Mortmain viesse até nós e dissesse que ele era o único que tinha a droga que iria salvar sua vida, saiba que eu lhe daria o que ele quisesse para obtê-la para você. Eu falhei com minha família antes, James. Não falharei com você.
— Will — Jem se levantou e atravessou a sala e ajoelhou-se diante de Will, olhando para o rosto de seu amigo — você começa a me preocupar. Seu arrependimento lhe dá crédito admirável, mas você deve saber...
Will olhou para ele. Lembrou-se de Jem como era no dia que chegara de Xangai, seus grandes olhos escuros em um rosto pálido. Não era fácil vê-lo rir até então, mas Will pôs-se a tentar.
— Saber o quê?
— Que eu vou morrer — Jem respondeu.
Seus olhos estavam arregalados, havia um rastro de sangue, ainda, no canto de sua boca. As sombras sob seus olhos eram quase azuis. Will apertou os dedos no pulso de Jem, amassando o material de sua camisa. Jem não estremeceu.
— Você jurou ficar comigo. Quando fizemos nosso juramento de parabatai. Nossas almas estão unidas. Somos uma só pessoa, James.
— Somos duas pessoas — Jem corrigiu — duas pessoas com um pacto.
Will sabia que soava como uma criança, mas não podia evitar.
— A aliança diz que você não deve ir onde eu não possa ir com você.
— Até a morte — Jem completou suavemente — essas são as palavras do juramento. “Se outra coisa que não seja a morte me separar de ti”. Algum dia, vou ir onde ninguém pode me seguir, e acho que vai ser mais cedo do que mais tarde. Alguma vez você já se perguntou por que eu concordei em ser seu parabatai?
— Ninguém melhor se ofereceu? — Will tentou com o humor, mas sua voz falhou como vidro.
— Pensei que você precisava de mim — Jem respondeu — há um muro que você construiu em torno de si mesmo, Will, e eu nunca lhe perguntei porquê. Mas não se deve arcar com toda a carga sozinho. Pensei que você fosse me deixar entrar se eu me tornasse seu parabatai, e então você pelo menos teria alguém para se apoiar. Eu quis saber o que minha morte iria significar para você. Eu costumava temer que seria por sua causa. Temia que seria deixado sozinho dentro desse muro. Mas agora... algo mudou. Eu não sei por quê. Mas sei que é verdade.
— O que é verdade?
Os dedos de Will ainda estavam no pulso de Jem.
— Esse muro está caindo.
Tessa não conseguia dormir. Ela ficou imóvel de costas, olhando para o teto. Havia uma fenda em todo o gesso que parecia às vezes, como uma nuvem e, às vezes com uma navalha, dependendo da mudança da luz de velas.
O jantar tinha sido tenso. Aparentemente, Gabriel dissera a Charlotte que se recusava a voltar e participar dos treinamentos, por isso ia ser só Gideon trabalhando com ela e Sophie a partir de agora. Gabriel se recusou a dizer por que, mas estava claro que Charlotte culpara Will; Tessa viu como Charlotte olhou exausta para a perspectiva de mais um conflito com Benedict, e se sentiu pesada de culpa por ter trazido Will com ela para o treinamento, e por ter rido de Gabriel.
Não ajudou muito Jem não ter ido ao jantar. Ela queria muito falar com ele hoje. Depois de ele ter evitado os olhos dela no café da manhã e não ter ido para o jantar, o pânico tinha retorcido seu estômago. Ele estava horrorizado com o que tinha acontecido entre eles na noite anterior, ou pior, enojado? Talvez no fundo de seu coração, ele se sentisse como Will, que os bruxos estavam abaixo dele. Ou talvez não tivesse nada a ver com o que ela era. Talvez ele estivesse simplesmente repelido por sua libertinagem. Ela o tinha recebido seus abraços, não o empurrara, e tia Harriet sempre falara que os homens eram fracos onde o desejo estava em causa, e que as mulheres eram as que tinham moderação.
Tessa não tinha exercido muito dela na noite passada. Lembrou-se de ter deitado ao lado de Jem, as mãos suaves sobre ela. Sabia com uma dolorosa honestidade interior que se as coisas tivesse continuado, teria feito o que ele queria. Mesmo agora, pensando nisso, o seu corpo estava quente e inquieto, ela mudou de posição na cama, apertando um dos travesseiros. Se ela tinha destruído a proximidade que ela dividia com Jem, permitindo que o que tinha acontecido na noite passada atrapalhasse a amizade, ela nunca se perdoaria.
Estava prestes a enterrar o rosto no travesseiro quando ouviu um barulho. Uma batida suave na porta. Ela congelou. A batida veio novamente, insistentemente. Jem.
As mãos trêmulas, ela saltou da cama, correu para a porta e a abriu.
Na entrada viu Sophie. Ela usava seu vestido de empregada doméstica, mas a touca branca estava torta e seus cachos escuros estavam caindo soltos. Seu rosto estava muito branco e havia uma mancha de sangue em seu colarinho, Tessa percebeu horrorizada e quase doente.
— Sophie — a voz de Tessa traiu sua surpresa — você está bem?
Sophie olhou em volta com medo.
— Posso entrar, senhorita?
Tessa assentiu e segurou a porta aberta para ela. Quando ambos estavam em segurança lá dentro, ela sentou-se na beira da cama, apreensão como um peso de chumbo em seu peito. Sophie ficou de pé, torcendo as mãos na frente dela.
— Sophie, por favor, o que é?
— É a senhorita Jessamine — Sophie explodiu.
— O que Jessamine fez?
— Ela... É só para dizer que eu a vi... — Ela parou, olhando miserável. — Ela tem deslizado nas noites, a senhorita.
— Ela tem? Eu a vi ontem à noite, no corredor, vestida como um menino e parecendo bastante furtiva...
Sophie pareceu aliviada. Ela não gostava de Jessamine, Tessa sabia disso muito bem, mas era uma empregada bem treinada, e uma empregada bem treinada não faz fofoca sobre sua senhora.
— Sim — ela confirmou ansiosamente — tenho notado há dias. Sua cama às vezes não está desfeita, há lama sobre os tapetes nas manhãs, quando não estava lá na noite anterior. Eu teria contado à Sra. Branwell, mas ela esteve tão mal, eu não podia suportar lhe contar mais isso.
— Então por que você está me contando? — Tessa perguntou. — Soa como se Jessamine estivesse se encontrando com um pretendente. Eu não posso dizer que aprovo o seu comportamento, mas... — ela engoliu, pensando em seu próprio comportamento na noite anterior — nenhum de nós é responsável por ela. E talvez haja alguma explicação boba...
— Ah, mas, senhorita — Sophie mergulhou a mão no bolso de seu vestido e tirou um cartão de cor creme preso entre seus dedos — hoje eu encontrei isso. No bolso de sua blusa de veludo. Você sabe, aquela com a faixa sem coloração.
Tessa não se preocupava com a cor da blusa. Seus olhos estavam fixos no cartão. Lentamente, ela estendeu a mão e levantou-o, pegando em sua mão. Era um convite de festa.
20 de julho de 1878
Sr. BENEDICT LIGHTWOOD apresenta seus cumprimentos a senhorita Jessamine Lovelace, e solicita a honra de seu comparecimento em um baile de máscaras dado na terça-feira seguinte, dia 27 de julho.
RSVP
O convite fora escrito para dar detalhes do endereço e hora em que a festa iria começar, mas era o que estava escrito na parte de trás do papel que congelou o sangue de Tessa. Em uma letra casual, tão familiar para ela quanto a sua própria, estavam rabiscadas as palavras:
Minha Jessie. Meu coração está estourando com o pensamento de vê-la amanhã à noite no “grande affair.” Por maior que seja, eu não tenho olhos para nada e ninguém além de você. Use o vestido branco, querida, como sabe que eu gosto “no brilho do cetim e das pérolas”, como disse o poeta.
Seu e sempre, N.G.
— Nate — Tessa disse entorpecida, olhando para a carta. — Nate escreveu isso. E citou Tennyson.
Sophie soltou o fôlego bruscamente.
— Era o que eu temia, mas pensei que não poderia ser. Não depois de tudo o que ele fez.
— Conheço a caligrafia do meu irmão — a voz de Tessa era sombria — ele está planejando encontrá-la hoje à noite nesta festa secreta. Sophie, onde está Jessamine? Devo falar com ela neste instante.
As mãos de Sophie começaram a torcer mais rapidamente.
— Veja, essa é a coisa, senhorita.
— Oh, Deus, ela já foi? Nós vamos ter que falar com Charlotte. Eu não vejo outra maneira...
— Ela não foi. Ela está no quarto — Sophie interrompeu.
— Então ela não sabe que você encontrou isso? — Tessa balançou o cartão.
Sophie engoliu visivelmente.
— Eu estava com ele na minha mão, senhorita. Tentei esconder, mas ela já tinha visto. Ela tinha um olhar ameaçador no seu rosto quando veio chegando perto de mim, eu não poderia guardá-lo. Todas as sessões de treinamento que fiz com o mestre Gideon... elas só assumiram e, bem...
— Bem, o quê? Sophie...
— Eu a atingi na cabeça com um espelho — Sophie falou irremediavelmente — um daqueles de prata, era bastante pesado. Ela caiu como uma pedra, senhorita. Então eu... Amarrei-a na cama e vim falar com você.
— Deixe-me ver se entendi direito — Tessa falou depois de uma pausa — Jessamine encontrou você com o convite na mão, assim você a golpeou na cabeça com um espelho e amarrou na cama?
Sophie assentiu.
— Bom Deus. Sophie, precisamos chamar alguém. Esta festa não pode continuar a ser um segredo, e Jessamine...
— Não a Sra. Branwell — Sophie gemeu — ela vai me despedir. Terá que fazê-lo.
— Jem.
— Não! — A mão de Sophie voou para seu colarinho, onde a mancha de sangue de Jessamine estava, Tessa percebeu com um sobressalto — eu não poderia suportar se ele achasse que eu poderia fazer tal coisa, ele é tão gentil. Por favor, não me faça dizer-lhe, senhorita.
É claro, Tessa pensou. Sophie amava Jem. Em toda a confusão dos últimos dias, ela tinha quase esquecido. Uma onda de vergonha a inundou quando pensou na noite anterior, e ela lutou de volta, e disse com determinação:
— Não há ninguém então, Sophie, a quem podemos recorrer. Você pode entender isso?
— Mestre Will — Sophie falou com ódio, e suspirou — muito bem, senhorita. Acho que eu não me importo com o que ele pensa de mim.
Tessa se levantou e estendeu a mão para seu roupão, e envolveu-o em torno de si mesma.
— Olhe o lado positivo, Sophie. Pelo menos Will não ficará chocado. Duvido que Jessamine seja a primeira mulher inconsciente que ele já tratou, ou que ela seja a última.
Mas Tessa estava errada pelo menos uma coisa: Will ficou chocado.
— Sophie fez isso? — Ele perguntou, não pela primeira vez.
Eles estavam de pé ao pé da cama de Jessamine. Tessa ficou observando com ele o peito de Jessie subindo e descendo lentamente como a cena da famosa Bela Adormecida de Madame du Barry. Seu cabelo louro estava espalhado sobre o travesseiro, e uma grande e sangrenta linha saía de sua testa. Cada um de seus pulsos estava amarrado a um poste da cama.
— Nossa Sophie?
Tessa olhou para Sophie, que estava sentada em uma cadeira ao lado da porta. Sua cabeça estava baixa, e ela estava olhando para as mãos. Ela cuidadosamente evitou olhar de Tessa ou Will.
— Sim — Tessa confirmou — e pare de repetir isso.
— Acho que posso estar apaixonado por você, Sophie — Will comentou — o pedido de casamento pode estar no cartão.
Sophie choramingou.
— Pare com isso — Tessa falou, irritada — acho que você está assustando a pobre moça mais do que ela já está assustada.
— O que há a temer? Jessamine? Parece que Sophie ganhou a briga facilmente — Will estava tendo problemas para reprimir um sorriso — Sophie, minha querida, não há nada para se preocupar. Há muito tempo que tenho vontade de bater na cabeça de Jessamine. Ninguém poderia culpá-la.
— Ela tem medo que Charlotte mande-a embora.
— Por bater em Jessamine? — Will cedeu. — Tess, se este convite é o que parece, e se Jessamine realmente está se encontrando com o seu irmão em segredo, ela pode estar traindo a todos. Para não mencionar que, Benedict Lightwood está fazendo festas sem que ninguém saiba? Como convidou Nate? O que Sophie fez foi heroico. Charlotte vai agradecê-la.
Com isso, Sophie levantou a cabeça.
— Você acha?
— Eu sei — Will respondeu.
Por um momento, ele e Sophie se olharam na sala. Sophie desviou o olhar primeiro, mas se Tessa não se enganou, não houve, pela primeira vez, desgosto em sua expressão quando ela olhou para Will.
Do cinto, Will puxou a estela. Ele sentou-se na cama ao lado de Jessamine e gentilmente afastou o cabelo dela. Tessa mordeu o lábio, restringindo o impulso de perguntar o que ele estava fazendo.
Ele colocou sua estela contra a garganta de Jessamine e rapidamente desenhou duas runas.
— Uma iratze — ele explicou, sem Tessa pedir — isto é, uma runa de cura, e uma para dormir. Isso deve mantê-la quieta, pelo menos até amanhã. Sua habilidade com um espelho de mão é admirável, Sophie, mas sua pontaria pode ser melhorada.
Sophie murmurou algo sob sua respiração em resposta. A suspensão de sua antipatia por Will parecia ter acabado.
— A questão é — Will continuou — o que fazer agora.
— Devemos contar a Charlotte.
— Não — Will discordou com firmeza — nós não devemos.
Tessa olhou para ele com espanto.
— Por que não?
— Duas razões. Um, ela teria o dever de dizer a Clave, e se Benedict Lightwood está lidando com essa gente, talvez possamos encontrar outros por lá. Mas podem não ser todos. Se a Clave for avisada, eles podem ser capazes informá-los antes que alguém possa chegar e ver o que está realmente acontecendo. E dois, a festa começou há uma hora. Nós não sabemos quando Nate irá chegar, procurando Jessamine, e se ele não vê-la, pode muito bem sair. Ele é a melhor conexão que temos com Mortmain. Não temos tempo a perder ou desperdiçar, e acordar Charlotte para lhe contar acarretará nas duas coisas.
— Jem, então?
Algo cintilou nos olhos de Will.
— Não. Não esta noite. Jem não está bem o suficiente, mas ele vai dizer que está. Depois da noite passada, devo isso a ele, devo deixá-lo de fora dessa vez.
Tessa olhou para ele rígida.
— Então o que você se propõe a fazer?
A boca de Will se curvou em ambos os cantos.
— Srta Gray — ele disse — estaria disposta a ir a um baile comigo?
— Você se lembra da última festa que foi? — Tessa perguntou.
O sorriso de Will permaneceu. Ele tinha aquele olhar com grande intensidade que usava quando estava maquinando um plano.
— Não me diga que você não está pensando a mesma coisa que eu, Tessa.
Tessa suspirou.
— Sim. Vou me transformar em Jessamine e ir em seu lugar. É o único plano que faz sentido — ela virou-se para Sophie — você sabe qual é o vestido de que Nate falou? Um vestido branco de Jessamine?
Sophie assentiu.
— Pegue-o e deixe-o pronto para ser usado — Tessa pediu — você vai ter que fazer o meu cabelo, igual ao da Jessie, Sophie. Está calma o suficiente?
— Sim, senhorita.
Sophie ficou de pé e correu através do quarto para o guarda-roupa, que ela abriu. Will ainda estava olhando para Tessa, seu sorriso grande.
Tessa baixou a voz.
— Will, você tem noção de que Mortmain poderá estar lá?
O sorriso desapareceu do rosto de Will.
— Você não vai chegar perto dele, caso ele esteja lá.
— Você não pode me dizer o que fazer — Will franziu a testa.
Tessa sentiu que ele não agiria corretamente.
Quando Capitola em The Hidden Hand se vestiu como um menino e assumiu a liderança dos Black Donald para provar sua bravura, ninguém duvidou dela.
— Seu poder é impressionante, Tessa, mas você não está em posição de capturar um usuário de magia poderosa como Mortmain. Você vai deixar isso comigo.
Ela fez uma careta para ele.
— E como você planeja fazer para não ser reconhecido nesta festa? Benedict conhece o seu rosto. Como vai fazer, Will?
Ele pegou o convite de sua mão e mostrou para ela.
— É um baile de máscaras.
— E suponho que você tenha uma máscara.
— De fato, você supõe certo — Will respondeu — nossa última festa de Natal foi temática, e o tema foi o Carnaval de Veneza — ele sorriu — diga a ela, Sophie.
Sophie, que estava ocupada escovando o vestido, suspirou.
— É verdade, Srta. E você não a deixe enfrentar Mortmain ouviu? É muito perigoso. E você vai ficar o tempo todo quieta!
Will olhou para Tessa com o triunfo.
— Se até mesmo Sophie concorda comigo, você não pode dizer não.
— Eu poderia — Tessa discordou, rebelde — mas não vou. Muito bem. Você deve ficar fora do caminho de Nate enquanto eu falo com ele. Ele não é idiota, se nos vir juntos, é bem capaz de somar dois mais dois. Fica sem sentido a partir de sua carta que ele espere Jessamine acompanhada.
— Não parece ter nenhuma informação no bilhete quanto a isso — disse Will, ficando em pé — exceto que ele pode citar a poesia de Tennyson de maneira pobre. Sophie, em quanto tempo você pode deixar Tessa pronta?
— Meia hora — Sophie respondeu, sem tirar os olhos do vestido.
— Encontre-me no pátio em meia hora, então — disse Will — vou acordar Cyrill. E me preparar para fazer todos desmaiarem com a minha elegância.
A noite estava fria, e Tessa estremeceu quando passou pelas portas do Instituto e desceu os degraus. Ali foi onde ela se sentou, lembrou, naquela noite que ela e Jem tinham andado pela Ponte Blackfriars juntos, na noite que as criaturas mecânicas os tinham atacado. Era uma noite clara como esta. Apesar do dia de chuva, a lua aparecia através de tufos dispersos de nuvem em um céu negro.
A charrete estava lá, ao pé da escada, Will esperando em frente a ela. Ele olhou para cima quando as portas do Instituto se fecharam atrás dela. Por um momento, eles simplesmente olharam um para o outro. Tessa sabia o que ele estava vendo, ela tinha visto a si mesma no espelho do quarto de Jessamine.
Ela era Jessamine até o último centímetro, usando um vestido delicado de seda cor de marfim. Com um pequeno movimento, o grande decote revelava o topo dos seios brancos de Jessamine, usava uma fita de seda para enfatizar a forma de sua garganta. As mangas eram curtas, deixando os braços vulneráveis ao ar da noite. Mesmo que o decote não fosse tão baixo, Tessa se sentia nua sem seu anjo, mas ela não poderia usá-lo: Nate iria notar. A saia, como uma cachoeira, marcava bem sua cintura delgada, seu cabelo estava preso no alto, com um colar de pérolas mantido no lugar por pinos, e uma máscara de ouro cobrindo metade de seu rosto estava junto ao cabelo Jessamine, linda como a perfeição. Eu estou tão delicada, ela pensou com desapego, olhando para a superfície prateada do espelho quando Sophie havia terminado com ela. Como uma princesa dos contos de fadas. Era fácil ter tais pensamentos quando a reflexão não era verdadeiramente sua.
Mas Will... Will. Ele disse que deveria estar pronto para fazer os outros desmaiarem com sua elegância, e ela revirara os olhos. Porém agora, vestido na noite de preto e branco, ele parecia mais bonito do que jamais imaginara.
As cores opostas e simples trouxeram a perfeição angular de suas características. Seu cabelo escuro caía sobre uma meia máscara negra, que enfatizou o azul dos olhos por trás dele. Ela sentiu o coração pular, e se odiou instantaneamente por isso.
Ela olhou para longe dele, para Cyrill, no banco do motorista da charrete. Seus olhos se estreitaram em confusão quando ele a viu, ele olhou para ela e para Will, e de volta novamente, e encolheu os ombros. Tessa perguntou o que na terra Will lhe tinha dito para não ter que explicar o fato de que ele estava levando Jessamine a um baile de máscaras no meio da noite. Deve ter sido uma grande história.
— Ah.
Foi tudo o que Will disse quando ela desceu os degraus fechou os braços em torno dela. Ela esperava poder controlar o arrepio involuntário que sentia quando ele pegava sua mão.
— Vejo agora porque seu irmão citou essa poesia execrável. Você está destinada a ser Maud, não é?
— A Rainha Rosa do The rosebud garden of girls? Você sabe — Tessa disse quando ele a ajudava a subir na carruagem — eu não me importo com o poema de qualquer modo.
Ele se balançou atrás dela e fechou a porta da carruagem.
— Jessamine adora.
A carruagem começou a andar nos paralelepípedos, através das portas abertas do portão. Tessa descobriu que seu coração estava batendo muito rápido. É medo de ser pega por Charlotte e Henry, disse a si mesma. Nada a ver com ficar sozinha com Will na carruagem.
— Eu não sou Jessamine.
Ele olhou para ela levemente. Havia algo em seus olhos, uma espécie de admiração interrogativa, ela perguntou se era simplesmente admiração de olhar Jessamine assim.
— Não. Não, mesmo que você seja o retrato perfeito de Jessamine, posso ver Tessa através dela. De alguma forma, se eu raspasse uma camada de tinta, eu iria ver a minha Tessa.
— Eu não sou sua Tessa, de qualquer maneira — a luz brilhava em seus olhos esmaecidos.
— Muito bem. Suponho que você não é. Do que é que gosta, sendo Jessamine, então? Você pode sentir os pensamentos dela? Ler o que ela sente?
Tessa engoliu em seco e tocou a cortina de veludo da charrete com a mão enluvada. Lá fora, ela podia ver as luzes se afastando como um borrão amarelo; dois bêbados estavam caídos em uma porta, inclinando-se um contra o outro, dormindo.
— Eu... eu não consigo sentir nada dela.
— Bem, acho que é difícil se intrometer no cérebro de alguém se não tem cabeça para começar.
Tessa fez uma careta.
— Seja petulante sobre ela, se quiser, mas há algo de errado com Jessamine. A tentativa de tocar sua mente é como tentar tocar... um ninho de cobras, ou uma nuvem venenosa. Posso sentir um pouco de suas emoções. Uma grande quantidade de raiva, saudade e amargura. Mas não posso escolher os pensamentos individuais entre eles. É como tentar segurar água.
— Isso é curioso. Alguma vez você já se deparou com algo como isso antes?
Tessa balançou a cabeça.
— Isso me preocupa. Tenho medo de Nate esperar que eu saiba alguma coisa e eu não ter a resposta certa.
Will se inclinou para frente. Em dias úmidos, que são quase todos os dias, o seu cabelo normalmente fica escuro e começa a enrolar. Havia algo sobre a ondulação de seu cabelo nos dias úmidos que causou dor em seu coração.
— Você é uma boa atriz, e conhece seu irmão — ele lembrou — tenho toda a confiança em você.
Ela olhou para ele com surpresa.
— Tem?
— E — ele continuou sem responder a sua pergunta — no caso de algo sair errado, eu vou estar lá. Mesmo que você não me veja, Tess, eu vou estar lá. Lembre-se disso.
— Tudo bem — ela inclinou a cabeça para o lado — Will?
— Sim?
— Houve uma terceira razão para você não querer acordar Charlotte e dizer-lhe o que estávamos fazendo, não é?
Ele estreitou seus olhos azuis para ela.
— Qual?
— Porque ainda não sabemos se é simplesmente um flerte tolo da parte de Jessamine, ou algo mais profundo e mais obscuro. Uma verdadeira conexão com o meu irmão e Mortmain. E você sabe que se for a segunda opção, irá quebrar o coração de Charlotte.
Um músculo saltou no canto de sua boca.
— E o que me importa se o faz? Se Jessamine é tola o suficiente para se deixar enganar.
— Você se importa. Você não é desumano como um bloco de gelo, Will. Eu vi você com Jem... vi quando olhou para Cecily. Você tinha outra irmã, não é?
Ele olhou-a rapidamente.
— O que a faz pensar que eu tinha – tenho, mais de uma irmã?
— Jem disse que pensou que sua irmã estava morta. E você disse, “minha irmã está morta”. Mas Cecily está claramente viva. O que me fez acreditar que você tinha outra irmã, que morreu. Uma que não era Cecily.
Will deixou escapar um suspiro longo e lento.
— Você é inteligente.
— Mas eu sou inteligente e certa, ou inteligente e errada?
Will olhou como se ele estivesse feliz com a máscara que escondia sua expressão.
— Ella. Dois anos mais velha que eu e três anos mais que Cecily. Minhas irmãs... Ella... — Will olhou para longe, mas não antes que ela visse a dor em seus olhos — então Ella está morta.
— Do que ela gostava? — Tessa perguntou, lembrando-se da gratidão que sentira quando Jem perguntou-lhe sobre Nate. — Ella? E Cecily, que tipo de garota elas são?
— Ella era protetora. Como uma mãe. Ela teria feito qualquer coisa por mim. E Cecily era uma criatura um pouco louca. Tinha apenas nove anos quando eu saí. Não posso dizer se ela ainda é a mesma, mas ela era... como Cathy em Wuthering Heights. Ela não tinha medo de nada e exigia tudo. Ela poderia lutar com um demônio e mentir como um pescador.
Havia diversão em sua voz, e admiração, e... amor. Ela nunca o ouvira falar assim de ninguém, exceto, talvez, Jem.
— Eu posso perguntar uma coisa...? — ela começou.
Will suspirou.
— Você sabe que vai perguntar eu dizendo sim ou não.
— Você tem uma irmã mais nova. Então, o que exatamente você fez com a irmã de Gabriel para que ele te odeie tanto?
Ele se endireitou.
— Você está falando sério?
— Sim. Eu sou obrigada a gastar uma grande parte do tempo com os Lightwood, e Gabriel claramente o despreza. E você quebrou o braço dele. E iria aliviar a minha mente se eu soubesse o porquê.
Balançando a cabeça, Will passou os dedos pelo cabelo.
— Querido Deus. A irmã dele, o nome dela é Tatiana. A propósito, ela foi prometida ao amigo de sua mãe, que era russo, ainda com doze anos, eu acho.
— Doze? — Tessa ficou horrorizado.
Will exalou.
— Vejo que você já decidiu por si mesma o que aconteceu. Iria aliviar sua mente se você se lembrasse que eu também tinha 12? Tatiana, ela... imaginou que estivesse apaixonada por mim. Dessa forma que as meninas fazem. Ela me seguia e ria atrás dos pilares olhado para mim.
— A gente faz coisas tolas quando se tem doze anos.
— Foi na primeira festa de Natal do Instituto que participei — ele contou — os Lightwood estavam lá em toda sua nobreza. Tatiana tinha fitas de prata no cabelo. Ela tinha um pequeno livro que carregava com ela em todos os lugares. Deve ter deixado cair naquela noite. Eu achei e guardei sob as almofadas de uma poltrona. Era seu diário. Cheio de poemas sobre mim, a cor dos meus olhos, o casamento que teria. Ela tinha escrito “Tatiana Herondale” em todo ele.
— Isso soa bastante adorável.
— Eu estava na sala de estar, mas voltei para o salão com o diário. Elise Penhallow tinha acabado de tocar o cravo. Sentei-me ao lado dela e comecei a ler o diário de Tatiana.
— Oh, Will, você não o fez!
— Eu o fiz. Ela tinha rimado “Will” com “mil”, como em Você nunca vai saber, doce Will / quantas são as mil / maneiras em que te amo — ele se interrompeu.
— O que aconteceu?
— Oh, Tatiana saiu correndo da sala em lágrimas, e Gabriel saltou do palco e tentou me estrangular. Gideon simplesmente ficou lá com seus braços cruzados. Você vai perceber que é tudo o que ele faz.
— Suponho que Gabriel não conseguiu — disse Tessa — te estrangular, eu quero dizer.
— Não antes de eu quebrar o braço dele — Will respondeu com prazer — então você sabe. É por isso que ele me odeia. Eu humilhei sua irmã em público, e ele não vai mencionar que eu o humilhei também. Ele pensou que poderia vencer-me facilmente. Eu tinha pouco treinamento formal, e eu o ouvi me chamar de “mundano” nas minhas costas. Em vez disso, eu venci – e quebrei o braço dele. Foi sem dúvida um som mais agradável do que Elise tocando o cravo.
Tessa esfregou as mãos enluvadas para aquecê-las e suspirou. Ela não sabia o que pensar. Não era a história de sedução e traição que ela esperava, mas também não era o show que Will contou.
— Sophie diz que ela está casada agora — Tessa lembrou — Tatiana. Ela acaba de chegar de viagem do Continente com seu novo marido.
— Tenho certeza de que ela é tão chata e estúpida agora como era então — Will soava com tanto tédio que poderia dormir.
Ele fechou cortina, e eles ficaram na escuridão.
Tessa podia ouvir sua respiração, sentir o calor emanando do corpo a sua frente. Ela podia ver por que uma jovem dama nunca iria andar em uma charrete com um cavalheiro não com quem não tinha relações. Havia algo estranhamente íntimo sobre isso. Claro, ela tinha quebrado a regra para jovens senhoras adequada há muito tempo, agora.
— Will — ela chamou novamente.
— A senhorita tem outra questão... Será que você nunca para de ter perguntas, Tess?
— Não até que obtenha todas as respostas que quero. Will, se bruxos podem ter um pai e uma mãe demônio, o que acontece se um dos pais é um Caçador de Sombras?
— Um Caçador de Sombras nunca iria permitir que isso acontecesse — Will falou categoricamente.
— Mas no Códex diz que muitos bruxos são o resultado de... de uma violação feia — Tessa falou, sua voz aumentando na palavra “feia” — eles podem se transformar em um ente querido e completar a sedução. Jem me disse que o sangue do Caçador de Sombras é sempre dominante. O Códex diz que a prole de Caçadores de Sombras e lobisomens, ou fadas, são sempre Caçadores de Sombras. Portanto, não poderia o sangue de anjo em um Caçador de Sombras anular a parte demoníaca, e produzir...
— O que ele produz é nada — Will puxou a cortina da janela — a criança teria nascido morta. Elas sempre nascem. Natimorto, quero dizer. A prole de um demônio e Caçador de Sombras é a morte. No pouco de tempo que ela tem de vida. Por que você quer saber essas coisas?
— Eu quero saber o que eu sou. Acredito que eu sou alguma... combinação que não foi vista antes. Parte fada, ou parte...
— Você já pensou em se transformar em um dos seus pais? — Will perguntou. — Sua mãe, ou seu pai? Lhe daria acesso às suas memórias, não é?
— Eu tenho pensado nisso. É claro que tenho. Mas não tenho nada do meu pai ou da minha mãe. Tudo o que eu tinha foi embalado na viagem e quando cheguei aqui, foi descartado pelas Irmãs das Sombrias.
— E o seu colar de anjo? — Will perguntou. — Não era de sua mãe?
Tessa balançou a cabeça.
— Eu tentei. E-eu não consegui obter nada dele. Ele foi meu por tanto tempo, eu acho, que o que tinha dela foi evaporado, como água.
Os olhos de Will brilhavam nas sombras.
— Talvez você seja uma menina mecânica. Talvez o pai de Mortmain tenha construído você, e agora você busca em Mortmain o segredo de como criar um sentido perfeito da vida, quando tudo o que ele pode construir são monstruosidades hediondas. Talvez tudo o que bata em seu peito seja um coração feito de metal.
Tessa suspirou, sentindo-se momentaneamente atordoada. Sua voz suave fora tão convincente.
— Não — ela disse rispidamente — você esquece que eu me lembro da minha infância. Criaturas mecânicas não mudam ou crescem. Nem explica a minha capacidade.
— Eu sei — Will respondeu com um sorriso que brilhou branco na escuridão — só queria ver se podia te convencer.
Tessa olhou para ele com firmeza.
— Eu não sou a única que não tem coração.
Estava muito escuro na charrete para ela ter certeza, mas ela sentiu que ele corou, sombriamente. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa em resposta, as rodas deram uma parada brusca. Eles haviam chegado.
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