Capítulo 14 - Parabatai

Paz, paz! Ele não está morto, não está dormindo,
Acordou do sonho da vida;
Somos nós que, perdidos em visões tempestuosas, mantemos
Com fantasmas um conflito inútil,
E em um transe louco, atacamos com a faca do nosso espírito
Vários nadas invulneráveis. Decompondo
Como corpos em uma câmara mortuária; medo e dor
Nos convulsionam e consomem dia a dia,
E esperanças frias se acumulam como vermes em nosso barro vivo.
– Percy Bysshe Shelley, Adonais: Elegia pela morte de John Keats

O pátio da pousada Green Man Inn era uma confusão de lama quando Will e seu cavalo exausto chegaram ali. O cavaleiro deslizou de cima de Balios. Ele estava cansado, duro e com dores da sela. Com o mau estado das estradas e a exaustão de si próprio e do cavalo, percorreram as últimas horas em um tempo péssimo. Já estava bastante escuro, e ele ficou aliviado ao ver um rapaz esticando o braço em direção a ele, as botas salpicadas com lama até os joelhos e carregando uma lamparina que trazia um brilho amarelo e quente.
— Oi, é uma noite bem molhada, senhor — comentou o menino alegremente enquanto se aproximava.
Sua aparência era a de um menino humano comum, mas havia algo de travesso e um pouco de duende sobre ele – sangue das fadas, às vezes, transmitido ao longo de gerações, poderia se expressar em seres humanos e até mesmo Caçadores de Sombras no formato dos olhos ou no brilho luminoso da pupila. É claro que o menino tinha a Visão. O Green Man era um posto de parada bem-conhecido pelos Seres do Submundo. Will teve a esperança de alcançá-lo ao anoitecer. Estava cansado de fingir na frente de mundanos, cansado de estar encantado, cansado de se esconder.
— Molhado? Você acha? — Will murmurou enquanto a água pingava de seu cabelo nos cílios.
Estava com os olhos na porta da frente da pousada, através da qual a luz amarela de boas-vindas derramava-se. No alto, quase toda a luz havia sumido do céu. Pesadas nuvens negras surgiam, com a promessa de mais chuva.
O menino levou Balios pela rédea.
— Você tem um daqueles cavalos mágicos — ele exclamou.
— Sim — Will limpou a espuma na lateral do cavalo — ele precisa de uma limpeza e um cuidado especial.
O garoto acenou com a cabeça.
— É um Caçador de Sombras, então? Nós não temos muitos deles por aqui. Há pouco tempo vieram uns, mas eram velhos desagradáveis...
— Escute — Will interrompeu — existem quartos disponíveis?
— Não tenho certeza se há algum privado, senhor.
— Bem, eu quero um privado, se tiver, melhor. E um estábulo para o cavalo passar a noite, uma casa de banho e uma refeição. Corra com o cavalo e arrume as coisas para ele, vou ver o que o senhorio diz.
O senhorio foi totalmente prestativo e como o menino, não fez comentários sobre as Marcas nas mãos de Will ou em sua garganta, apenas perguntou as questões comuns:
— Irá querer a sua refeição em uma sala privada ou comerá no salão comum, senhor? E prefere ter o banho antes de seu jantar, ou depois?
Will, que se sentia envolto em lama, optou pelo banho primeiro, porém concordou em jantar no salão comum. Ele tinha trazido uma boa quantia de dinheiro mundano com ele, mas uma sala privada para um jantar seria despesa desnecessária, especialmente quando não se importava com o que estava comendo. Comida era combustível para a viagem, e isso era tudo.
Embora o proprietário tivesse achado pouco do fato de Will ser um Nephilim, os outros na área comum da pousada o notaram. Quando Will se inclinou contra o balcão, um grupo de jovens licantropos próximo a grande lareira, que estivera bebendo cerveja barata na maior parte do dia, murmuraram entre si. Will tentou não prestar atenção enquanto encomendava baldes de água quente para si e um mingau para seu cavalo, como qualquer jovem cavalheiro arrogante faria, mas os olhos penetrantes sobre ele eram ávidos, absorvendo cada detalhe, de seu cabelo molhado e botas lamacentas até o pesado casaco que não mostrava sinais se ele carregava ou não o cinto de armas costumeiro dos Nephilim.
— Calma, rapazes — disse o mais alto do grupo.
Ele sentou-se mais próximo da lareira, lançando seu rosto na sombra pesada, embora o fogo delineasse seus longos dedos enquanto ele retirava a mão de uma fina caixa majólica de charutos e fechava pensativamente a fechadura — eu o conheço.
— Você o conhece? — Um dos licantropos mais jovens perguntou, incrédulo. — O Nephilim? É seu amigo, Scott?
— Oh, não um amigo. Não exatamente — Woolsey Scott acendeu a ponta de seu charuto com um fósforo e considerou o rapaz do outro lado da sala, um sorriso brincando em sua boca — mas é muito interessante que ele esteja aqui. Muito interessante.

***

— Tessa!
A voz ecoou em seus ouvidos, um grito irregular. Ela sentou-se na margem do rio, seu corpo tremendo.
— Will?
Ela ficou de pé e olhou em volta. A lua tinha ido para trás de uma nuvem. O céu estava cinza escuro marmóreo, atravessado por veias de preto. O rio corria à sua frente, escuro na pouca luz, e olhando em volta, Tessa viu apenas as árvores retorcidas, o penhasco íngreme por onde tinha caído, uma ampla amostra de campo estendendo-se na outra direção – campos e cercas de pedra, distantes luzes pontilhando onde havia uma fazenda ou habitação. Não podia ver nada como uma vila ou cidade, nem mesmo um conjunto de luzes que poderia indicado um pequeno vilarejo.
— Will — ela sussurrou de novo, puxando os braços sobre si mesma.
Ela tinha certeza de que tinha sido sua voz chamando seu nome. A voz de mais ninguém mais parecia a dele. Mas era ridículo. Ele não estava aqui. Não poderia estar. Talvez, como Jane Eyre, que ouvira Rochester chamando-a nos pântanos, ela estivesse meio sonhando.
Pelo menos foi um sonho que a puxou de sua inconsciência. O vento era como uma faca gelada, cortando através de suas roupas – ela usava apenas um vestido fino, para ficar dentro de casa, sem casaco ou chapéu – até sua pele. As saias ainda estavam molhadas com a água do rio, o vestido e a meia rasgados e manchados de sangue. O anjo salvara sua vida, ao que parecia, mas não a protegera de uma lesão.
Ela tocou-o agora, esperando orientações, mas ele estava tão quieto e mudo como sempre. Quando tirou a mão da garganta, entretanto, ouviu a voz de Will em sua cabeça: algumas vezes, quando eu tenho de fazer algo que não quero fazer, finjo que sou um personagem de um livro. É mais fácil saber o que eles iriam fazer.
Um personagem de um livro, Tessa pensou, um bom, um sensível, iria seguir o fluxo. Um personagem de um livro saberia que habitações humanas e cidades são muitas vezes construídas perto da água, e iria procurar ajuda em vez de tropeçar para a floresta.
Resolutamente, ela colocou os braços em volta de si e começou a marchar para a jusante.

***

No momento em que Will – banhado, barbeado e vestindo uma camisa limpa com colarinho – voltou para o salão comum para jantar, o lugar contava com várias pessoas.
Bem, não exatamente pessoas. Enquanto escolhia um lugar, passou por mesas onde trolls se debruçavam em conjunto com canecas de cerveja, parecendo velhos retorcidos tentando alcançar as presas que se projetavam da mandíbula inferior. Um delgado feiticeiro com um tufo de cabelos castanhos e um terceiro olho no meio da testa estava devorando uma costeleta de vitela. Um grupo estava amontoado perto da lareira – lobisomens, Will percebeu, por seu comportamento de grupo.
O quarto possuía cheiro de umidade, cinzas e cozinha, e estômago de Will tremeu. Ele não tinha ideia do quanto estava faminto.
Will estudou um mapa de Gales enquanto bebia seu vinho (azedo, quase vinagre) e comeu o prato que lhe foi servido (um pedaço duro de carne de veado com batatas) e fez o seu melhor para tentar ignorar os olhares dos outros clientes. Supôs que o cavalariço estava certo, eles não recebiam muitos Nephilim aqui. Sentia como se suas runas brilhassem como faróis. Quando os pratos foram removidos, puxou uma folha de papel e começou uma carta:

Charlotte,
Sinto muito por ter deixado o Instituto sem sua permissão. Peço seu perdão, senti que não tinha outra escolha. Esse, entretanto, não é o motivo por eu estar enviando esta carta. Ao lado da estrada, encontrei uma evidência da passagem de Tessa. De alguma forma, ela conseguiu lançar seu colar de jade pela janela da carruagem, acredito, para que pudéssemos localizá-la. Eu o tenho comigo agora. É prova inegável de que estávamos corretos em nossa suposição sobre o paradeiro de Mortmain. Ele deve estar em Cadair Idris. Você deve escrever para o Cônsul e exigir que ele envie uma grande força para a montanha.
Will Herondale

Depois de ter selado a carta, Will chamou o proprietário e confirmou que por meia coroa, o menino entregaria a carta com o coche na noite seguinte. Tendo feito o pagamento, Will sentou-se, considerando se devia se forçar a beber outra taça de vinho para garantir seu sono, quando uma forte dor aguda atravessou seu peito. Sentindo-se como se tivesse sido atingido por uma flecha, Will recuou. A taça de vinho caiu no chão e quebrou. Ele pôs-se em pé, inclinando-se contra a mesa, ambas as mãos apoiadas nela. Estava vagamente consciente dos olhares e da voz ansiosa do estalajadeiro em seu ouvido, mas a dor era grande demais para pensar, quase grande demais para respirar completamente.
O aperto no peito, onde ele imaginava como a extremidade de um cabo que o ligava a Jem, foi tão intenso que estava estrangulando seu coração. Ele tropeçou para longe da mesa, empurrando os clientes perto do bar, e abriu caminho para a porta da frente da pousada.
Tudo em que conseguia pensar era ar, receber ar puro em seus pulmões para respirar.
Ele empurrou as portas e caiu na noite. Por um momento, a dor em seu peito diminuiu e ele caiu para trás encostando na parede da pousada. A chuva caía, molhando seus cabelos e roupas. Ele estava ofegante, com o coração a hesitando com uma mistura de terror e desespero. Seria apenas a distância de Jem afetando-o? Nunca sentira nada parecido com isso, mesmo quando Jem tivera em seu pior estado, mesmo quando ele tinha sido ferido e Will sentiu a dor solidária.
O cabo quebrou.
Por um momento, tudo ficou branco, o pátio desbotado como se as cores tivessem sido corroídas. Will escorregou de joelhos, vomitando seu jantar na lama. Quando os espasmos passaram, ele cambaleou cegamente para longe da pousada, tentando vencer sua própria dor.
Encontrou-se contra a parede estábulos, ao lado do cocho dos cavalos. Ele caiu de joelhos para mergulhar as mãos na água gelada e viu seu próprio reflexo. Ali estava o seu rosto, branco como a morte, e sua camisa, com uma mancha que vermelha cobrindo toda a parte da frente.
Com as mãos molhadas, ele agarrou as lapelas e abriu a camisa. Na fraca iluminação que derramava-se da pousada, ele podia ver que sua runa parabatai, um pouco acima de seu coração, estava sangrando.
Suas mãos estavam cobertas de sangue, sangue misturado com chuva, a mesma chuva que estava lavando o sangue para fora do seu peito, mostrando a runa que começava a desvanecer-se, de preto para prata, mudando tudo o que tinha sido sentido na vida de Will.
Jem estava morto.

***

Tessa esteve caminhando por horas, e seus sapatos finos marcavam o terreno irregular do leito do rio. Ela tinha começado quase correndo, mas a exaustão e o frio a tinham ultrapassado, e agora Tessa estava mancando lentamente, determinada, para a jusante. O tecido encharcado de suas saias fazia peso, como uma âncora que a puxaria para o fundo de algum terrível mar.
Não vira sinais de habitação humana por quilômetros, e estava começando a se desesperar com seu plano quando uma clareira apareceu. Tinha começado a chover de leve, mas mesmo através da garoa ela podia ver o contorno de um baixo edifício de pedra. Quando se aproximou, viu o que parecia ser uma pequena casa, com um telhado de palha e um caminho que conduzia à porta da frente.
Ela aumentou o ritmo, correndo agora, pensando em um fazendeiro gentil e sua esposa, do tipo que acolheria uma jovem moça e a ajudaria a entrar em contato com a família, como Rivers fizera por Jane em Jane Eyre. Enquanto se aproximava, porém, notou as janelas sujas e quebradas e a grama crescente sobre o telhado de palha. Seu coração afundou. A casa estava deserta.
A porta já estava aberta em parte, a madeira inchava com a chuva. Havia algo assustador no vazio da casa, mas Tessa estava desesperada por abrigo, da chuva e dos perseguidores que Mortmain poderia ter enviado atrás dela. Ela agarrou-se à esperança de que a Sra. Black pensaria que ela morrera na queda, mas duvidava que Mortmain desviaria tão facilmente de seu caminho. Afinal, se alguém sabia o que seu anjo mecânico podia fazer, seria ele.
Havia grama crescendo entre as pedras do piso no interior da casa, e a lareira estava suja, com um pote enegrecido ainda pairando sobre os restos de lenha. As paredes caiadas antigamente brancas estavam sujas de fuligem e pela passagem do tempo. Havia um emaranhado do que parecia ser instrumentos agrícolas perto da porta. Um se assemelhava a uma longa vara de metal com uma extremidade bifurcada em curva, os dentes ainda afiados. Sabendo que poderia precisar de algum meio de se defender, ela pegou-o, em seguida, moveu-se da entrada para o único cômodo que a casa possuía: um pequeno quarto no qual ela ficou encantada em encontrar um cobertor mofado na cama.
Ela olhou desesperadamente para suas vestimentas molhadas. Levaria eras para removê-las sem a ajuda de Sophie, e ela estava desesperada por calor. Enrolou o cobertor em torno de si, com roupas molhadas e tudo, e se deitou no espinhoso feno que recheava o colchão. Tinha um cheiro azedo e provavelmente havia xixi de rato nele, mas neste momento, parecia a cama mais luxuosa onde Tessa já se esticara.
Ela sabia que era mais sensato ficar acordada. Mas apesar de tudo, não podia mais suportar as reclamações de seu corpo surrado e exausto. Segurando a ferramenta de metal contra o peito, ela deslizou para longe no sono.

***

— É este, então? O Nephilim?
Will não sabia quanto tempo ficou sentado ali, caído contra a parede do estábulo, ficando cada vez mais molhado com a chuva, quando a voz rosnada saiu da escuridão. Ele ergueu a cabeça, tarde demais para se desvencilhar da mão estendida na direção dele. Um momento mais tarde, ela tinha agarrado seu colarinho e o arrastado de pé.
Ele olhou ofuscado pela chuva e pela dor enquanto um grupo de lobisomens formava um semicírculo ao seu redor. Havia talvez cinco deles, incluindo o que tinha erguido-o contra a parede do estábulo, uma mão fechada em sua camisa sangrenta. Eles estavam todos vestidos da mesma forma, em trajes pretos tão molhados com a chuva que brilhavam como se tivessem sido oleados. Todos estavam sem chapéu, os cabelos – usados longos pelos lobisomens – grudados em suas cabeças.
— Tire as mãos de mim — disse Will — os Acordos proíbem tocar um Nephilim sem provocação...
— Sem provocação? — O lobisomem a sua frente puxou-o e bateu as costas dele contra a parede novamente.
Em circunstâncias comuns, Will provavelmente não teria se ferido, mas estas não eram circunstâncias comuns. A dor física pela runa parabatai desaparecida havia sumido, mas todo o seu corpo estava seco e oco, todo o significado sugado do centro dele.
— Eu diria que foi provocado. Se não fosse por vocês Nephilim, o Magistrado nunca teria vindo até nós com suas drogas sujas e suas mentiras imundas...
Will olhou para os lobisomens com uma emoção no limite da hilaridade. Será que eles realmente achavam que poderiam machucá-lo, após o que tinha perdido? Durante cinco anos, fora a sua verdade absoluta. Jem e Will. Will e Jem. Will Herondale vivia, portanto, Jem Carstairs vivia também. Quod erat demonstrandum. Perder um braço ou uma perna seria doloroso, ele imaginava, mas perder a verdade central da vida era... fatal.
— Drogas sujas mentiras imundas — Will observou — isso soa pouco higiênico. Embora, diga-me, é verdade que em vez de tomar banho, licantropos só se lambem uma vez por ano? Ou vocês se lambem uns aos outros? Porque isso foi o que eu ouvi.
A mão em sua camisa apertou mais.
— Você quer ser um pouco mais respeitoso, Caçador de Sombras.
— Não — Will respondeu — não, eu realmente não quero.
— Ouvimos tudo sobre você, Will Herondale — disse um dos outros lobisomens — sempre rastejando para os Seres do Submundo pedindo por ajuda. Gostaríamos de vê-lo engatinhar agora.
— Vai ter que me cortar na altura dos joelhos, então.
— Isso — o lobisomem falou — pode ser arranjado.
Will explodiu em ação. Ele bateu com a cabeça na cara do lobisomem que o segurava. Ouviu e sentiu craque oco ao quebrar o nariz do lobisomem, sangue quente jorrando no rosto dele enquanto cambaleava para trás através do pátio e caía de joelhos nos paralelepípedos. Suas mãos estavam pressionadas no rosto, tentando conter o fluxo de sangue. Uma mão agarrou o ombro de Will, garras perfurando o tecido da camisa molhada de Will. Ele girou para enfrentar o lobisomem e viu na mão deste segundo um brilho prateado ao luar, o reflexo de uma faca afiada.
Os olhos de seu atacante reluziram em meio à chuva, ouro esverdeados e ameaçador.
Eles não vieram aqui para me insultar ou ferir, Will percebeu. Eles vieram aqui para me matar.
Por um momento obscuro, Will ficou tentado a deixá-los. O pensamento parecia ser um alívio enorme, toda a dor desapareceu, todas as responsabilidades se foram em uma simples submersão em morte e esquecimento. Ele ficou imóvel enquanto a faca girava em sua direção. Tudo parecia estar acontecendo muito lentamente, a lâmina balançando em sua direção, o rosto sarcástico do lobisomem turvo por causa da chuva. O quadro que ele tinha sonhado na noite anterior passou diante de seus olhos: Tessa, correndo numa encosta verde para ele. Tessa.
A mão de Will se ergueu automaticamente e agarrou o pulso do lobisomem enquanto ele se abaixava sob o golpe, balançando sob o braço do lobo. Ele baixou o braço com força, quebrando o osso com uma fragmentação selvagem. O licantropo gritou e uma onda escura de alegria atravessou Will. O punhal caiu no paralelepípedo enquanto Will chutou as pernas seu oponente, em seguida, deu uma cotovelada em sua têmpora. O lobo caiu no chão em uma pilha e não se moveu novamente.
Will pegou o punhal e se virou para enfrentar os outros. Havia apenas três deles de pé agora, e eles olhavam menos seguros de si do que antes. Will sorriu, frio e terrível, e provou o gosto metálico de chuva e sangue em sua boca.
— Venham e me matem. Venham se acham que são capazes — ele chutou o lobisomem inconsciente a seus pés — terão que fazer melhor do que os seus amigos.
Eles se lançaram para Will, as garras de fora, e o Caçador de Sombras caiu com força sobre os paralelepípedos, a cabeça batendo forte nas pedras. Garras atingiram seu ombro, ele rolou de lado sob uma saraivada de golpes e atacou para cima com sua adaga. Houve um grito alto de dor que terminou em um gemido, e o corpo em cima de Will, que esteve se movendo lutando, ficou mole. Will rolou-o para o lado e pôs-se de pé, girando.
O licantropo que ele tinha esfaqueado estava de olhos abertos, morto em uma poça de sangue e água da chuva. Os dois lobisomens restantes estavam esforçando-se para levantar, sujos de lama e encharcados. Will estava com seu ombro sangrando onde um deles tinha cavado sulcos profundos com as garras, a dor era maravilhosa. Ele riu através do sangue e da lama enquanto a chuva lavava o sangue da lâmina de sua adaga.
— De novo — disse ele, e mal reconheceu sua própria voz, tensa, afiada e mortal — de novo.
Um dos lobisomens girou e saiu correndo. Will riu de novo e se moveu para o último deles, que estava congelado, as mãos estendidas – com bravura ou terror, Will não tinha certeza, e não se importava. A adaga era como uma extensão de seu pulso, parte de seu braço. Um bom golpe e um empurrão para cima, e ele iria atingir o osso e a cartilagem, rasgando em direção ao coração...
— Pare!
A voz era forte, imponente, familiar. Will moveu os olhos para o lado. Parado do outro lado do pátio, os ombros curvados contra a chuva, a expressão furiosa, estava Woolsey Scott.
— Eu comando você, todos vocês, pare neste instante!
O lobisomem deixou os braços caírem instantaneamente, suas garras desaparecendo. Ele curvou a cabeça, o gesto clássico de submissão.
— Mestre...
A maré fervente de raiva derramou-se sobre Will, obliterando a racionalidade, os sentidos... tudo, menos a raiva. Ele estendeu a mão e puxou o lobisomem para si, o braço envolvendo o pescoço do homem, a lâmina contra sua garganta.
Woolsey, a poucos metros de distância, ficou de pé, os olhos verdes atirando punhais.
— Chegue mais perto — Will disse — e eu vou cortar a garganta de seu pequeno licantropo.
— Eu mandei parar — Woolsey falou em um tom medido. Ele estava vestindo, como sempre, um terno de bom corte, um casaco de equitação brocado por cima, tudo agora encharcado com a chuva. Seu cabelo curto estava colado ao rosto e ao pescoço, estava incolor com água — os dois.
— Mas eu não tenho que te ouvir!  Will gritou. — Eu estava ganhando!Ganhando!
Ele olhou em volta para os três corpos dos licantropos espalhados pelo pátio, dois inconscientes, um morto.
— Sua alcateia me atacou sem motivo. Eles quebraram os Acordos. Eu estava me defendendo. Eles quebraram a Lei! — Sua voz se ergueu, dura e irreconhecível. — Me devem seu sangue, e eu vou tê-lo!
— Sim, sim, baldes de sangue — disse Woolsey — e o que você faria com ele se o tivesse? Você não se importa com o lobisomem. Deixe-o ir.
— Não.
— Pelo menos liberte-o para que ele possa lutar com você.
Will hesitou, em seguida, soltou o lobisomem que segurava. O licantropo olhou para o líder de sua matilha, apavorado. Woolsey estalou seus dedos na direção do lobo.
— Corra, Conrad. Rápido. Agora.
O lobisomem não precisou ouvir duas vezes; ele girou nos calcanhares e correu para longe, desaparecendo por trás dos estábulos. Will voltou-se para Woolsey com um sorriso de escárnio.
— Portanto, os membros de sua matilha são todos covardes. Cinco contra um Caçador de Sombras? Assim que é?
— Eu não lhes mandei vir aqui atrás você. Eles são jovens e estúpidos. E impetuosos. E metade da matilha foi morta por Mortmain. Eles culpam a sua espécie — Woolsey aproximou-se mais, seus olhos movendo-se para baixo em Will, frios como gelo verde — assumo que seu parabatai está morto, então — ele adicionou com naturalidade chocante.
Will não estava pronto para ouvir aquelas palavras depois de tudo, nunca estaria pronto. A batalha limpou a dor de sua cabeça por um momento. Agora ela ameaçou voltar, englobando tudo, aterrorizante. Ele arquejou como se Woolsey tivesse dado um soco nele, e Will deu um passo involuntário para trás.
— E você está tentando se matar por causa disso, jovem Nephilim? É isso o que está acontecendo?
Will tirou o cabelo molhado do rosto e olhou para Woolsey com ódio.
— Talvez eu esteja.
— É assim que você respeita a sua memória?
— O que isso importa? Ele está morto. Nunca vai saber o que eu faço ou deixo de fazer.
— Meu irmão está morto — disse Woolsey — eu ainda luto para realizar seus desejos, continuar o Praetor Lupus por sua memória, viver como ele gostaria que eu vivesse. Acha que eu sou o tipo de pessoa que jamais se encontraria em um lugar como este, consumindo as sobras dos porcos e bebendo vinagre, com lama até os joelhos, assistindo um tedioso Caçador de Sombras pirralho destruir ainda mais a minha já debilitada matilha, se não fosse pelo fato de que sirvo a um propósito maior do que meus próprios desejos e tristezas? E você também, Caçador de Sombras. E você também.
— Oh, Deus — o punhal caiu da mão de Will e caiu na lama a seus pés — o que eu faço agora? — Ele sussurrou.
Ele não tinha ideia do porque estava perguntando a Woolsey, exceto que não havia mais ninguém no mundo para perguntar. Nem mesmo quando ele pensou que era amaldiçoado tinha se sentido tão sozinho. Woolsey olhou para ele friamente.
— Faça o que seu irmão teria desejado — falou, depois virou-se e foi na direção da estalagem.

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