Capítulo 16 - Fúria Mortal
Ao ver a cruel mão do tempo apagar
Dos ricos o orgulho graças à decadência da idade;
Quando, por vezes, as altas torres são destruídas,
E o eterno escravo do metal entregue à mortal ira;
– Shakespeare, Soneto 64
Era uma experiência peculiar andar pelas ruas de Londres como um menino, Tessa pensou, enquanto fazia seu caminho ao longo da repleta calçada de Eastcheap. Os homens que cruzaram seu caminho deram-lhe apenas um olhar, e a empurravam para as portas das casas públicas ou da próxima curva na a rua.
Como uma garota, andar sozinha por estas ruas à noite em suas roupas finas teria sido objeto de olhares e zombarias. Como menino ela era invisível. Nunca tinha percebido o que era ser invisível antes. Quão leve e livre ela sentiu ou teria se sentido, se fosse como um aristocrata de Um conto de duas cidades em seu caminho para a guilhotina.
Ela viu Cyril apenas uma vez, deslizando entre dois prédios na Rua 32 com a Mincing Lane.
Era um grande edifício de pedra, e a cerca de ferro preto que o rodeava, no crepúsculo, se assemelhava a fileiras de dentes negros pontiagudos. Nos portões da frente pendia um cadeado, mas fora deixado aberto, assim Tessa deslizou por ele, em seguida para os degraus empoeirados e então para a porta da frente, que também estava desbloqueada.
Dentro descobriu que os escritórios estavam vazios, suas janelas com vista para a Mincing Lane estavam bloqueadas, o lugar era silencioso e morto. Uma mosca tentando sair zumbia lançando-se contra os vidros fechados repetidamente, até que caiu, exausta, no peitoril. Tessa estremeceu e apressou-se.
Ela entrou em cada cômodo e ficou tensa, à espera de ver Nate em cada sala, mas ele não estava lá. O quarto no final tinha uma porta que se abria para um armazém. Luz azul era filtrada através das rachaduras nas janelas embaçadas. Ela olhou em volta, hesitante.
— Nate? — sussurrou.
Ele saiu das sombras entre dois pilares de gesso descamado. Seu cabelo loiro brilhava à luz azulada, sob um chapéu alto de seda. Ele usava um casaco azul, calças e botas pretas, mas sua aparência geralmente imaculada estava desgrenhada. Seu cabelo pendia sobre os olhos, e havia uma mancha de sujeira no rosto. Suas roupas estavam enrugadas como se tivesse dormido com elas.
— Jessamine — ele falou, o alívio evidente em seu tom — minha querida.
Ele abriu os braços.
Ela avançou lentamente, todo o seu corpo ficou tenso. Não queria que Nate a tocasse, mas não podia ver nenhuma maneira de evitar seu abraço.
Os braços dele foram para o seu redor. A mão pegou a aba do chapéu e puxou-o, deixando os cachos caírem por suas costas. Ela pensou em Will puxando os grampos de seu cabelo, e seu estômago involuntariamente ficou apertado.
— Eu preciso saber onde o Magistrado está — ela começou com uma voz trêmula — é muito importante. Ouvi alguns dos planos dos Caçadores de Sombras, você sabe. Sei que você não quer me dizer, mas...
Ele empurrou o cabelo para trás, ignorando as suas palavras.
— Entendo — disse ele, e sua voz era profunda e rouca — mas primeiro — ele inclinou a cabeça com um dedo sob o queixo — me dê um beijo, sweet-and-twenty.
Tessa desejava que ele não citasse Shakespeare. Ela nunca seria capaz de ouvir aquele soneto novamente sem ficar enjoada. Cada nervo em seu corpo queria saltar gritando por sua pele em repulsa quando ele se inclinou na direção dela. Ela rezou para que os outros aparecessem enquanto ele inclinava a cabeça dela.
Nate começou a rir. Com um empurrão de seu pulso, ele jogou o chapéu dela para as sombras e seus dedos apertaram o queixo dela, as unhas cravando em sua pele.
— Minhas desculpas por meu comportamento impetuoso. Eu não poderia deixar de ficar curioso para ver até onde você iria para proteger seus amigos Caçadores de Sombras... Querida irmã.
— Nate.
Tessa tentou dar-lhe um empurrão para trás, sair do seu alcance, mas o aperto sobre ela era muito forte. Sua outra mão disparou como uma cobra, girando em torno dela, fixando-a contra ele com o antebraço na garganta. A respiração dele era quente contra seu ouvido. Ele cheirava azedo, como gim velho e suor.
— Realmente acha que eu não desconfiaria? — Ele cuspiu. — Depois daquela nota que me entregaram na festa de Benedict, e que acabou me levando para uma caçada em Vauxhall, tudo fez sentido. Eu deveria saber que era você desde o início. Garotinha idiota.
— Estúpido — ela sussurrou — eu sei os seus segredos, Nate. Você me contou tudo. Será que Mortmain descobriu? É por isso que você parece não ter dormido há dias?
Ele a sacudiu, apertando o braço ao redor dela, fazendo-a ofegar de dor.
— Você não podia me deixar em paz. Tinha que se meter em meus negócios. O prazer de me ver humilhado, não é? Que tipo de irmã você é, Tessie?
— Você teria me matado se tivesse a chance. Esse não é um jogo você pode jogar, nada que possa dizer me fará pensar que eu te traí, Nate. Você lucrou com cada parte disto. Aliando-se com Mortmain...
Ele balançou-a com força suficiente para fazê-la chocalhar os dentes.
— Como se minhas alianças fossem da sua conta. Eu estava me saindo muito bem até você e seus amigos Nephilim chegarem e se intrometer. Agora o Magistrado quer a minha cabeça em uma bandeja. É sua culpa. Tudo culpa sua. Eu estava quase em desespero, até que recebi a nota ridícula de Jessamine. Eu sabia que você estava por trás dela, é claro. Todos os problemas que você deve ter passado para torturá-la e levá-la a escrever aquela carta ridícula.
— Nós não a torturamos — Tessa disse entre dentes. Ela lutou, mas Nate apenas segurou com mais força, os botões do seu colete arranhando suas costas — ela quis fazer isso. Queria salvar a própria pele.
— Eu não acredito em você — a mão que não estava em sua garganta agarrou o queixo dela, suas unhas se cravaram e ela gritou de dor — ela me ama.
— Ninguém poderia te amar — Tessa cuspiu — você é meu irmão, eu te amei e você matou isso.
Nate se inclinou para frente e rosnou:
— Eu não sou seu irmão.
— Muito bem, meu meio-irmão, se você gosta assim.
— Você não é minha irmã. Nem mesmo meia — ele disse as palavras com um prazer cruel — sua mãe e a minha mãe não eram a mesma mulher.
— Isso não é possível — Tessa sussurrou — você está mentindo. Nossa mãe era Elizabeth Gray.
— Sua mãe era Elizabeth Gray, nascida Elizabeth Moore — corrigiu Nate — a minha era Harriet Moore.
— Tia Harriet?
— Ela uma vez foi noiva. Você sabia? Depois que seus pais se casaram, ela ia casar. O homem morreu antes de o casamento poder ser realizado. Mas ela já estava grávida. Sua mãe adotou o bebê para poupar a irmã da vergonha de o mundo saber que ela tinha consumado seu casamento antes que ele tivesse ocorrido. Que ela era uma vadia — sua voz era tão amarga quanto veneno — eu não sou seu irmão, e nunca fui. Harriet nunca me contou que ela era minha mãe. Descobri a partir de cartas de sua mãe. Todos esses anos, e ela nunca dissera uma palavra. Ela tinha muita vergonha.
— Você a matou — Tessa falou entorpecida — sua própria mãe.
— Porque ela era a minha mãe. Porque ela me renegou. Porque tinha vergonha de mim. Porque eu nunca vou saber quem era meu pai. Porque ela era uma vadia.
A voz de Nate estava vazia. Nate sempre fora vazio. Ele nunca tinha sido nada, apenas uma bela concha vazia, e Tessa e sua tia o viam com empatia, compaixão e fraqueza porque queriam vê-lo assim, mas ele não era dessa forma.
— Por que você disse a Jessamine que minha mãe era uma Caçadora de Sombra? — Tessa exigiu. — Se tia Harriet era a sua mãe, ela e minha mãe eram irmãs, tia Harriet seria uma Caçadora de Sombras, também, de modo que você seria um. Por que contar uma mentira tão ridícula?
Ele sorriu.
— Você não gostaria de saber?
O aperto aumentou em seu pescoço, sufocando-a. Ela arquejou e pensou de repente em Gabriel, dizendo: De um chute nos joelhos, a dor é terrível.
Ela chutou para trás, o calcanhar de sua bota colidindo com o joelho de Nate, fazendo um estalo maçante. Nate gritou e caiu sobre sua perna. Ele manteve o aperto sobre Tessa enquanto caía, rolando para que o cotovelo a acertasse no estômago e os dois caíssem no chão juntos.
Tessa engasgou, o ar saindo de seus pulmões, os olhos cheios de lágrimas. Chutou-o novamente, tentando se soltar, e acertou-lhe um forte golpe no ombro, mas ele investiu contra ela, agarrando-a pelo o colete. Os botões foram arrancados em uma chuva quando ele arrastou-a novamente, sua outra mão agarrou seu cabelo enquanto ela batia nele, arranhando com sua bochecha com as unhas. O sangue brotou imediatamente para a superfície, era uma visão selvagem e satisfatória.
— Me solte — ela ofegou — você não pode me matar. O Magistrado me quer viva.
— Viva, não ilesa — Nate rosnou, o sangue escorrendo pelo rosto até o queixo.
Ele segurou bem a mão em seu cabelo e puxou-a na sua direção; Tessa gritou de dor e atacou com suas botas, mas Nate era ágil, esquivando-se de seus pés agitados. Ofegante, ela fez uma oração silenciosa: Jem, Will, Charlotte, Henry... onde estão vocês?
— Quer saber onde estão seus amigos? — Ele puxou-a de pé, uma mão em seu cabelo, a outra na parte de trás da camisa. — Bem, aqui está um deles, pelo menos.
Um rangido alertou Tessa para um movimento nas sombras. Nate virou sua cabeça puxando os cabelos de Tessa, sacudindo-a.
— Olhe — ele cuspiu — já era tempo que você soubesse que não terá ajuda.
Tessa olhou. A única coisa que emergiu das sombras foi uma forma gigantesca com cerca de seis metros de altura, imaginou, feita de ferro. Parecia mover-se como um mecanismo único, sem junções e quase inexpressivo. A metade inferior era dividida em pernas, cada uma com um pé com pontas de metal. Seus braços eram iguais, terminando com mãos em garra, a cabeça era oval e lisa com apenas uma boca larga e irregular cheia de dentes. Um par de chifres prateados torcia-se em espiral acima de sua cabeça. Uma fina linha de fogo azul crepitava entre eles.
Em suas mãos gigantes ele carregava um corpo flácido, vestido com roupas de combate dos caçadores. Contra o autômato gigantesco, ela parecia menor do que nunca.
— Charlotte! — Tessa gritou.
Ela redobrou suas tentativas de se afastar de Nate, chicoteando a cabeça para o lado. Chumaços de seu cabelo caíram no chão – o cabelo loiro de Jessamine, agora manchado com sangue. Nate revidou batendo forte o suficiente para que ela visse estrelas. Quando ela cedeu, ele a pegou em torno da garganta, apertando sua traqueia com os punhos. Nate riu.
— Um protótipo — disse ele — abandonado pelo Magistrado. Muito grande e pesado para seus propósitos. Mas não para o meu — ele levantou sua voz — jogue-a.
As mãos do autômato de metal se abriram. Charlotte caiu livre e bateu no chão com um baque nauseante. Ela ficou imóvel. Desta distância, Tessa não podia dizer se seu peito se movia ou não.
— Agora a esmague — Nate ordenou.
Lentamente, a coisa elevou seu pé de metal. Tessa agarrou os antebraços de Nate, rasgando a pele dele com as unhas.
— Charlotte! — Tessa gritou, mas o som saiu baixinho.
Uma figura saiu correndo de trás do autômato, alguém de preto com um cabelo ruivo ardente, com uma fina lâmina da misericórdia na mão.
Henry.
Sem sequer um olhar para Tessa e Nate, ele se lançou para o autômato, trazendo sua espada para baixo em um longo arco curvado. Houve um clang de metal contra metal. Faíscas voaram e o autômato cambaleou para trás. Seu pé desceu, batendo no chão a poucos centímetros de Charlotte. Henry preparou-se, em seguida, atirou-se para a criatura de novo, cortando com sua lâmina.
A lâmina foi quebrada. Por um momento, Henry simplesmente parou e olhou para ela com choque estúpido. Em seguida, a mão da criatura chicoteou para a frente e agarrou-o pelo braço. Ele gritou quando foi levantado e atirado com uma força incrível contra um dos pilares. Henry o atingiu e caiu no chão, onde ficou imóvel.
Nate riu.
— Essa demonstração de devoção matrimonial — ele comentou — quem teria pensado? Jessamine sempre disse que achava que Branwell não suportava a esposa.
— Você é um porco — Tessa falou, lutando em seu aperto — o que você sabe sobre as coisas que as pessoas fazem pelas outras? Se Jessamine estivesse queimando na morte, você não iria tirar os olhos de seu jogo de cartas. Você não se importa com nada além de si mesmo.
— Fique quieta, ou vou mandar o autômato atirá-la no chão também — Nate sacudiu novamente, e gritou: — Vem! Aqui. Você deve segurá-la até o Magistrado chegar.
Com um ranger de engrenagens, o autômato se moveu a obedecer. Não era tão rápido quanto seus irmãos menores, mas seu tamanho era tal que Tessa não podia deixar os movimentos dele a gelarem de medo. E isso não era tudo. O Magistrado estava por vir. Tessa se perguntava se Nate já o tinha convocado, se ele já estava em seu caminho.
Mortmain.
Mesmo a memória de seus olhos frios, seu sorriso gelado de controle, por sua vez, fez seu estômago doer.
— Deixe-me ir — gritou ela, se empurrando para longe de seu irmão — deixe-me ver Charlotte.
Nate a empurrou para frente com força e ela Tessa caiu no chão, os cotovelos e os joelhos batendo com força no chão duro de madeira. Ela engasgou e rolou para o lado, sob a sombra da galeria do segundo andar, com o autômato vindo pesadamente em sua direção. Tessa gritou e Will e Jem saltaram da galeria acima, um em cada ombro da criatura. Ele rugiu, um som como foles sendo alimentado por carvão, e cambaleou para trás, permitindo que Tessa rolasse para fora de seu caminho e ficasse de pé.
Olhou de Henry para Charlotte. Henry estava pálido e ainda caído ao lado do pilar, mas Charlotte estava deitada onde o autômato a jogou, estava em perigo iminente de ser esmagada pela máquina.
Respirando fundo, Tessa atravessou a sala até Charlotte e ajoelhou-se, colocando os dedos em sua garganta. Havia uma pulsação lá, vibrando fracamente. Colocando as mãos sob os braços de Charlotte, começou a arrastá-la em direção à parede, longe do centro da sala, onde o autômato estava girando e cuspindo faíscas, lutando com suas mãos para agarrar Jem e Will. Eles eram muito rápidos para ele, no entanto.
Tessa baixou Charlotte entre os sacos de estopa de chá e olhou através da sala, tentando determinar um caminho que poderia levá-la para Henry. Nate correu, gritando e xingando a criatura mecânica. Em resposta, Will serrou um dos chifres do autômatoe atirou no irmão de Tessa. Ele saltou sobre o chão, deslizando em faíscas, e Nate saltou para trás. Will riu.
Jem, entretanto, estava agarrado no pescoço da criatura, fazendo algo que Tessa não podia ver. A criatura em si estava girando em círculos, fora projetado para alcançar e agarrar o que estava na frente, e seus braços não dobravam corretamente. Não podia alcançar o que estava no seu pescoço e cabeça.
Tessa quase teve vontade de rir. Will e Jem eram como ratos correndo para cima e para baixo no corpo de um gato, levando-o à loucura. Mas com suas lâminas serafins, eles não podiam fazer muito dano a criatura de metal, estavam infligindo poucas lesões. As lâminas, que ela tinha visto rasgarem ferro e aço como se fossem papel, deixavam apenas riscos e arranhões na superfície do corpo da criatura mecânica.
Nate, enquanto isso estava gritando e xingando.
— Esmague-os — ele gritou para o autômato — esmague-os, seu bastardo de metal gigante!
O autômato fez uma pausa, em seguida sacudiu-se violentamente. Will escorregou, agarrando o pescoço da criatura no último momento para não cair. Jem não teve tanta sorte. Ele tentou fincar a espada no corpo da criatura para evitar queda, mas a lâmina apenas derrapou pelas costas da criatura. Jem caiu, sem jeito, sua arma fazendo barulho no chão, a perna dobrada debaixo dele.
— James! — Will gritou.
Jem arrastou-se penosamente de pé. Ele pegou a estela em seu cinto, mas a criatura, sentindo a fraqueza, já estava em cima dele, atingindo-o com as suas mãos em garras. Jem deu vários passos para trás e se atrapalhou pegando algo do bolso. Era algo liso e obliquo: o objeto metálico que Henry lhe dera na biblioteca.
Ele esticou a mão para jogá-lo e Nate estava atrás dele de repente, chutando sua perna ferida, provavelmente quebrando-a perna. Jem não fez nenhum som, mas a perna fez um barulho e ele caiu no chão pela segunda vez, o objeto rolando de sua mão.
Tessa ficou de pé e correu para ele, assim como Nate. Eles colidiram, seu maior peso e altura tendo derrubado-a no chão. Ela rolou quando caiu para absorver o impacto, como Gabriel tinha ensinado, embora o choque ainda a tenha deixado sem fôlego. Estendeu a mão para o dispositivo, sacudindo os dedos, mas o Cunfundidor escorregou longe dela. Podia ouvir Will gritando seu nome, dizendo para jogar para ele. Tessa esticou mais a mão, os dedos fechando-se em torno do dispositivo e, em seguida, Nate a agarrou por uma perna e a puxou de volta, sem piedade.
Ele é maior do que eu, ela pensou. Mais forte. Mais cruel. Mas há uma coisa que eu posso fazer e ele não.
Ela mudou.
Levou sua mente para o aperto da mão em seu tornozelo, onde suas peles se tocavam. Sentiu aquela centelha que havia entre eles, como uma vela sendo acesa dentro de um quarto escuro. Ouviu-o sugar a respiração, e então a mudança a levou, ondulando sua pele, moldando seus ossos. Os botões na gola e punhos estalaram quando ela cresceu em tamanho, convulsões debatendo através de seus membros, livrando-lhe a perna do aperto de Nate. Ela rolou para longe do irmão, cambaleando de pé, e viu seus olhos arregalados quando ele a olhou.
Tessa era agora, com a diferença das roupas, uma imagem exata do irmão. Ela girou para o autômato. Ele estava congelado, à espera de instruções, ainda girando. Will levantou a mão e Tessa jogou o dispositivo, silenciosamente agradecendo a Gabriel e Gideon pelas horas de instrução com arremesso de faca. O Confundidor voou pelo ar em um arco perfeito, e Will pegou-o no ar.
Nate estava de pé.
— Tessa — ele rosnou — o que diabos você pensa que está fazen...
— Prenda-no! — Ela gritou para o autômato, apontando para Nate. — Pegue-o!
A criatura não se moveu. Tessa não podia ouvir nada além da respiração dura de Nate ao seu lado, e ao som de ranger da criatura de metal; Will havia desaparecido por trás dele e estava fazendo alguma coisa, embora não pudesse ver o quê.
— Tessa, você é uma tola — Nate assobiou — não funciona assim. A criatura obedece apenas a mim.
— Eu sou Nathaniel Gray! — Tessa gritou para o gigante de metal. — E eu te ordeno, em nome do Magistrado, a pegar esse homem e segurá-lo!
Nate girou para ela.
— Chega de seus jogos, você é estúpida.
Suas palavras foram cortadas subitamente quando o autômato se inclinou e agarrou-o. Ele ergueu o irmão de Tessa até o nível de sua boca clicando e zumbido curiosa. Nate começou a gritar e continuou gritando estupidamente, seus braços balançando.
Quando Will terminou o que estava fazendo, ele caiu no chão, agachado. Ele gritou algo para Tessa, seus olhos azuis arregalados e selvagens, mas ela não podia ouvi-lo por sobre o grito de seu irmão. Seu coração estava batendo contra o peito, ela sentiu o cabelo cair, batendo nos ombros com um peso macio e pesado. Ela era ela mesma mais uma vez, o choque do que estava acontecendo era grande demais para ela segurar a transformação. Nate ainda estava gritando e a coisa ainda o mantinha em uma pinça terrível. Will tinha começado a correr, quando a criatura olhando para Tessa ergueu-se com um rugido – e Will a atingiu, derrubando-a no chão e cobrindo-a com seu próprio corpo quando o autômato explodiu como uma estrela.
A cacofonia da explosão e metal ruindo foi ensurdecedora. Tessa tentou cobrir as orelhas, mas o corpo de Will estava prendendo-a firmemente no chão, seus cotovelos fincados no chão de ambos os lados da cabeça de Tessa. Ela sentiu sua respiração na parte de trás do pescoço, o bater do seu coração contra a espinha. Ouviu o irmão gritar, um grito gorgolejante e terrível. Virou a cabeça, pressionando o rosto no ombro de Will quando seu corpo se sacudiu contra a dela, o chão estremeceu debaixo deles...
E tudo estava acabado. Lentamente, Tessa abriu os olhos. O ar estava nublado com pó de gesso, estilhaços flutuantes e estopa rasgado dos sacos de chá. Enormes pedaços de metal estavam espalhados desordenadamente pelo chão, e várias das janelas tinham estourado abertas, deixando entrar a luz da noite e o nevoeiro. O olhar de Tessa se moveu pelo quarto.
Ela viu Henry embalando Charlotte, beijando seu rosto pálido, e Charlotte respondendo com um olhar pasmo; Jem lutando para se levantar, estela na mão e pó de gesso em suas roupas e cabelo... e Nate.
No início, pensou que ele estava encostado um dos pilares. Então viu o vermelho se espalhando em sua camisa. Um pedaço irregular de metal havia cravado nele como uma lança, prendendo-o em posição vertical no pilar. A cabeça pendia, as mãos arranhando levemente o peito.
— Nate! — ela gritou.
Will rolou para o lado, libertando-a, e Tessa estava de pé em segundos, correndo pelo lugar com até o irmão. Suas mãos tremiam com horror e repulsa, mas ela conseguiu fechá-las em torno do estilhaço de metal no peito dele e o puxou. Ela jogou-o de lado e mal conseguiu aguentá-lo enquanto ele caiu para frente, seu peso repentino derrubando-a. De alguma forma, ela encontrou-se no chão, o corpo flácido de Nate estendido desajeitadamente em seu colo.
Uma memória voltou em sua mente, Tessa agachada no chão da casa de de Quincey, segurando Nate em seus braços. Ela o amava, então.
— Não faça isso.
A mão de Nate pegou seu pulso, suas unhas arranhando sua pele.
— Mas, Nate...
— Eu estou morrendo. Eu sei — ele tossiu um frouxo som molhado — você não entende? Eu falhei com o Magistrado. Ele vai me matar de qualquer maneira. E ele vai fazer devagar...
Ele fez um ruído rouco e impaciente.
— Deixe-me, Tessie. Eu não estou sendo nobre. Você sabe que eu não sou.
Ela tomou uma respiração irregular.
— Eu deveria deixar você aqui para morrer sozinho em seu próprio sangue. É o que você faria se fosse comigo.
— Tessie — um fluxo de sangue derramou a partir do canto de sua boca — o Magistrado nunca iria te machucar.
— Mortmain — ela sussurrou — Nate, onde ele está? Por favor. Diga-me onde ele está.
— Ele... — Nate engasgou, soltando a respiração. Uma bolha de sangue apareceu em seus lábios. A jaqueta na mão de Tessa foi era um pano encharcado. Seus olhos dobraram de tamanho, nitidamente apavorada.
— Tessie... Eu-eu estou morrendo. Eu realmente estou morrendo.
A questão ainda explodia em sua cabeça. Onde está Mortmain? Como minha mãe poderia ser uma Caçadora de Sombras? Se o meu pai era um demônio, como é que eu ainda estou viva, quando todos os filhos de Caçadores de Sombras e demônios nascem mortos? Mas o terror nos olhos de Nate silenciou; apesar de tudo, ela viu a mão escorregar na sua.
— Não há nada a temer, Nate.
— Não para você, talvez. Você sempre foi... a boa. Eu vou queimar, Tessie. Tessie, onde está seu anjo?
Ela colocou a mão no pescoço, um gesto reflexivo.
— Eu não poderia usá-lo. Eu estava fingindo ser Jessamine.
— Você... deve... usá-lo — ele tossiu. Mais sangue — use-o sempre. Você jura?
Ela balançou a cabeça.
— Nate... Eu não posso confiar em você, Nate.
— Eu sei — a voz dele tremia — não há perdão para os tipos de coisas que eu tive que fazer.
Ela apertou sua mão, os dedos escorregadios com o sangue dele.
— Eu te perdoo — ela sussurrou, sem saber, ou se importar, se era verdade.
Seus olhos azuis se arregalaram. Seu rosto tinha ido para a cor de pergaminho velho: amarelado, seus lábios quase brancos.
— Você não sabe de tudo o que fiz, Tessie.
Ela se inclinou sobre ele, ansiosa.
— Nate?
Mas não houve resposta. O rosto dele ficou frio, os olhos arregalados, meio revirados em sua cabeça. A mão deslizou para fora da dela e caiu no chão.
— Nate — ela repetiu, e colocou os dedos no local onde seu pulsação devia bater em sua garganta, já sabendo o que iria encontrar.
Não havia nada. Ele estava morto.
Tessa se levantou. Seu colete, calça e camisa estavam rasgados, até mesmo as pontas de seu cabelo estavam encharcadas do sangue de Nate. Ela se sentia dormente, mergulhada em água gelada. Se virou lentamente, e só agora, pela primeira vez, se perguntou se os outros estavam lhe observando ou escutando sua conversa com Nate.
Eles não estavam sequer olhando em sua direção. Estavam ajoelhados – Charlotte, Jem, e Henry em um círculo em torno de uma forma escura no chão, exatamente onde ela estava antes, com Will em cima dela.
— Will.
Tessa tinha sonhos de estar caminhando por um corredor longo e escuro em direção a algo terrível, algo que ela não podia ver, mas sabia que era terrível e mortal. Nos sonhos, a cada passo o corredor ficava mais longo, estendendo-se mais na escuridão e no horror.
Esse mesmo sentimento de medo e impotência a estava oprimindo enquanto ela seguia e chegava mais perto, cada sentimento girando, até que ela se juntou ao círculo de Caçadores de Sombras ajoelhados em torno de Will.
Ele estava deitado de lado. Seu rosto estava branco, a respiração superficial. Jem tinha uma mão em seu ombro e estava falando com ele em voz baixa, acalmando-o, mas Will não deu sinal de ser capaz de ouvi-lo. O sangue estava ao seu redor, manchando o chão, e por um momento Tessa apenas olhou, incapaz de entender de onde tinha vindo. Então ela se aproximou e viu melhor. A roupa dele tinha sido dilacerada ao longo de toda a espinha e omoplatas, o material grosso rasgado por estilhaços de metal que voaram com a explosão. Sua pele nadava em sangue, seu cabelo estava encharcado com ele.
— Will — Tessa sussurrou.
Ela se sentiu particularmente tonta, como se estivesse flutuando. Charlotte olhou para cima.
— Tessa. Seu irmão...
— Ele está morto — Tessa respondeu através de seu torpor — mas e Will?
— Ele caiu sobre você para te proteger da explosão — Jem falou. Não havia acusação em sua voz — mas não havia nada para protegê-lo. Vocês dois eram os mais próximos da explosão. Os fragmentos de metal perfuraram suas costas. Ele está perdendo sangue rapidamente.
— Mas não há nada que vocês possam fazer? — A voz de Tessa ergueu-se, até mesmo quando as tonturas ameaçaram envolvê-la. — E as suas runas de cura? As iratzes?
— Nós a usamos uma cicatrização, uma iratze retarda a perda de sangue. Mas se tentarmos uma iratze de cura, a pele dele vai curar sobre o metal, trazendo-os mais para dentro dos tecidos — Henry disse categoricamente — precisamos fazer com que ele vá para a enfermaria. O metal deve ser removido antes que ele possa ser curado.
— Então, temos que ir — a voz de Tessa estava tremendo — nós devemos...
— Tessa — Jem interrompeu. Ele ainda tinha a mão no ombro de Will, mas estava olhando para ela, os olhos arregalados — sabia que você está ferida?
Ela fez um gesto impaciente.
— Este não é o meu sangue. É de Nate. Agora devemos... ele precisa ser carregado? Eu posso ajudar.
— Não — Jem interrompeu bruscamente o suficiente para surpreendê-la — não é o sangue em suas roupas. Você tem um corte em sua cabeça. Aqui — ele tocou a própria têmpora.
— Não seja ridículo — Tessa respondeu — estou perfeitamente bem.
Ela levantou a mão para tocar a testa e sentiu o cabelo grosso e duro com sangue, e o lado de seu rosto pegajoso com ele, antes que seus dedos tocassem a aba irregular de pele rasgada que corria a partir do canto de sua bochecha para sua têmpora. Uma pontada de dor queimou sua cabeça.
Foi à gota d'água. Já fraca pela perda de sangue e tonta pelos choques, sentiu-se começar a desfalecer. Quase não sentiu os braços de Jem ao seu redor quando caiu na escuridão.
MEU DEUS!!!!!!
ResponderExcluirAaaaaaaa 🥺
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