Capítulo 18 - Até a Morte

Por toda a minha vida aprendi a amar.
Ora de minhas artes a maior irei provar
E declamar minha paixão – céu ou lamaçal?
Ela não vai me dar o céu? Não faz mal!
– Robert Browning, One Way of Love

— Senhorita!
Tessa acordou lentamente, Sophie sacudindo seu ombro. A luz do sol estava entrando pelas janelas altas acima. Sophie estava sorrindo com seus olhos acesos.
— A Sra. Branwell pediu que eu lhe levasse de volta para seu quarto. Você não pode ficar aqui para sempre.
— Ugh. Eu não quero! — Tessa sentou-se, em seguida fechou os olhos, tonturas a varreram. — Você vai ter que me ajudar Sophie — falou com uma voz apologética — eu não estou tão forte quanto poderia estar.
— É claro, senhorita
 Sophie estendeu a mão e ajudou Tessa rapidamente a se levantar da cama. Apesar de sua magreza, ela era bastante forte. Tinha que ser, senão seria ela, Tessa pensou, depois de anos de levar roupas pesadas subindo e descendo escadas, levando carvão para as lareiras do Instituo. Tessa estremeceu um pouco quando seus pés atingiram o chão frio, e não pôde deixar de olhar para ver se Will estava em sua cama na enfermaria. Ele não estava.
— Will está bem? — perguntou enquanto Sophie a ajudou a deslizar seus pés em chinelos. — Acordei um pouco ontem e os vi tirando o metal de suas costas. Parecia terrível.
Sophie bufou.
— Parecia ser pior do que era. O senhor Herondale mal deixou as iratzes de cura fazerem efeito e já saiu para a noite, só o diabo sabe para fazer o que.
— Ele saiu? Eu poderia jurar que falei com ele ontem à noite.
Elas estavam no corredor agora, Sophie orientando Tessa com uma mão suave em suas costas.
As imagens começaram a tomar forma na cabeça de Tessa. Imagens de Will ao luar, de si mesma dizendo-lhe que nada importava, era apenas um sonho. Tinha sido não tinha?
— Deve ter sonhado com isso, senhorita.
Chegaram ao quarto de Tessa e Sophie estava tentando alcançar a maçaneta sem deixar Tessa cair.
— Está tudo bem, Sophie. Eu posso ficar de pé sozinha.
Sophie protestou, mas Tessa insistiu com firmeza suficiente para que Sophie deixasse a porta aberta e fosse atiçar o fogo na lareira, enquanto Tessa afundava em uma poltrona.
Havia um bule de chá e um prato de sanduíches na mesa ao lado da cama, e ela sentiu uma imensa gratidão. Não se sentiu tonta, mas estava cansada, com um cansaço que era mais espiritual do que físico. Lembrou do gosto amargo da infusão enquanto bebia, e da forma como se sentiu ao ser confortada por Will, mas tinha sido um sonho. Perguntava-se o que mais do que ela tinha visto na noite passada tinha sido um sonho – Jem sussurrando ao pé de sua cama, Jessamine soluçando sob seus cobertores na Cidade do Silêncio...
— Fiquei triste de saber sobre seu irmão, senhorita.
Sophie estava de joelhos perto do fogo, reacendendo as chamas e a olhando com seu rosto adorável. Sua cabeça estava virada, e Tessa não podia ver a cicatriz.
— Você não tem que dizer isso, Sophie. Sei que foi culpa dele o que aconteceu com Agatha... e Thomas.
— Mas ele era seu irmão — a voz de Sophia era firme — sangue chora por sangue.
Ela se inclinou mais sobre as brasas, e havia algo de bondade em sua voz, e a forma como seu cabelo enrolado, escuro e vulnerável estava contra a nuca de seu pescoço fez com que Tessa falasse:
— Sophie, vi você com Gideon no outro dia.
Sophie endureceu imediatamente, sem se virar para encarar Tessa.
— O que quer dizer, senhorita?
— Voltei para buscar o meu colar. Meu anjo mecânico. Para me dar sorte. E vi você com Gideon no corredor — ela engoliu — ele estava... segurando sua mão. Como um pretendente.
Houve silêncio durante um longo tempo, enquanto Sophie olhava para o fogo bruxuleante. Por fim, ela perguntou:
— Você vai contar a Sra. Branwell?
Tessa recuou.
— O quê? Sophie, não! Eu só queria... avisá-la.
A voz de Sophia era calma.
— Avisar do quê?
— Os Lightwood... — Tessa engoliu em seco. — Eles não são pessoas legais. Quando eu estava na casa deles com Will... Vi coisas terríveis, terríveis.
— Assim é o Sr. Lightwood, não seus filhos! — A força na voz de Sophie fez Tessa recuar. — Eles não são como ele!
— Quão diferente poderiam ser?
Sophie se levantou, o atiçador tilintando no fogo.
— Acha que sou uma boba e que deixaria qualquer homem brincar comigo depois de tudo o que passei? Afinal a Sra. Branwell não me ensinou? Gideon é um homem bom.
— É uma questão de educação, Sophie! Você pode imaginá-lo indo a Benedict Lightwood e dizendo que quer se casar com uma mundana, ou com uma pessoa encarregada de cuidar dos Caçadores de Sombras? Pode vê-lo fazendo isso?
O rosto de Sophie torceu.
— Você não sabe de nada. Não sabe o que ele faria por nós.
— Você quer dizer sobre o treinamento? — Tessa estava incrédula. — Sophie, realmente.
Mas Sophie, sacudindo a cabeça, ergueu as saias e saiu do quarto, deixando a porta bater atrás dela.



Charlotte, que estava com os cotovelos sobre a mesa na sala de estudos, suspirou e amassou seu décimo quarto pergaminho e jogou-o na lareira. O fogo acendeu-se por um momento consumindo o papel, depois ficou preto e caiu em cinzas.
Ela pegou sua caneta, mergulhou-a no tinteiro, e começou de novo.
Eu, Charlotte Mary Branwell, filha de Nephilim, por meio desta e sobre este curso de data solicito minha demissão como diretora do Instituto de Londres, em meu nome e do meu marido, Henry Jocelyn Branwell...
— Charlotte?
Sua mão tremeu, enviando uma mancha de tinta que se alastrou por toda a página, arruinando sua petição. Ela olhou para cima e viu Henry pairando perto da mesa, um olhar preocupado em seu rosto fino e sardento.
Baixou a caneta. Estava consciente, como sempre ficava quando Henry estava perto, a respeito de sua aparência física: se o cabelo estava escapando do coque, se o vestido não era velho demais ou se tinha uma mancha de tinta na manga, se os olhos estavam cansados e inchados de tanto chorar.
— O que é, Henry?
Henry hesitou.
— Eu apenas vim... Querida, o que está escrevendo?
Ele deu a volta na mesa, olhando por cima de seu ombro.
— Charlotte!
Ele pegou o papel de cima da mesa. Embora a tinta houvesse manchado a carta, ele viu o suficiente do que ela havia escrito e entendido sua essência.
— Renunciando ao Instituto? Como você pôde?
— É melhor me demitir do que ter o Cônsul Wayland em cima de mim e me expulsando — Charlotte disse calmamente.
— Você não quer dizer “nós”? — Henry pareceu magoado. — Eu não deveria ter direito a pelo menos uma palavra nesta decisão?
— Você nunca se interessou no Instituto antes. Por que o faria agora?
Henry olhou como se ela o tivesse esbofeteado, e tudo o que Charlotte pôde fazer foi não levantar-se e colocar os braços ao redor dele e beijar seu rosto sardento.
Ela lembrou-se de quando tinha caído de amor por ele, como tinha pensado que eles teriam filhos adoráveis, com as mãos um pouco grandes para o resto do corpo, os olhos cor de avelã, seu comportamento ansioso. Que a mente por trás daqueles olhos era tão afiada e inteligente, algo que ela sempre acreditou, mesmo quando os outros riram das excentricidades de Henry. Ela sempre pensou que seria suficiente estar perto dele e amá-lo, ele a correspondendo ou não. Mas isso tinha sido antes.
— Charlotte, eu sei por que você está com raiva de mim.
O queixo dela se ergueu com surpresa. Será que ele realmente tinha essa perceptiva? Apesar de sua conversa com o Irmão Enoch, pensou que ninguém teria notado. Ela mal tinha sido capaz de pensar por si mesma, muito menos como Henry reagiria quando ele soubesse.
— Você sabe?
— Eu não fui com você ao encontro com Scott Woolsey.
Alívio e decepção guerrearam no peito de Charlotte.
— Henry — ela suspirou — não é isso.
— Eu não sabia. Às vezes fico tão preso em minhas ideias. Você sempre soube mais sobre mim, Lottie.
Charlotte corou. Ele raramente a chamava assim.
— Eu mudaria se pudesse. De todas as pessoas no mundo, eu achava que você entendia. Sabe que não é apenas brincadeira para mim. Sabe que eu quero criar algo que vai tornar o mundo melhor, que vai tornar as coisas melhores para os Nephilim. Assim como você na direção do Instituto, embora eu saiba que estou sempre em segundo lugar para você.
— Em segundo lugar para mim? — A voz de Charlotte subiu para um guincho incrédulo. — Você vem em segundo lugar para mim?
— Está tudo bem, Lottie — Henry falou com doçura incrível. — Eu sabia que quando você concordou em casar comigo, era porque precisava estar casada para comandar o Instituto, que ninguém aceitaria uma mulher sozinha no cargo de diretor...
— Henry — Charlotte se levantou, tremendo — como você pode dizer essas coisas terríveis para mim?
Henry olhou perplexo.
— Pensei que foi por isso que se casou.
— E acha que eu não sei por que se casou comigo? — Charlotte reclamou. — Acha que eu não sei sobre o dinheiro que seu pai devia ao meu, que meu pai prometeu perdoar a dívida se você se casasse comigo? Ele sempre quis ter um menino, alguém para comandar o Instituto depois dele, e se ele não podia ter um, bem, por que não pagar para se casarem com sua filha simples, um pobre garoto que estivesse apenas cumprindo o seu dever para com a família...
— CHARLOTTE! — Henry ficou vermelho tijolo. Ela nunca o tinha visto tão zangado. — O que diabos você está falando?
Charlotte apoiou-se contra a mesa.
— Você sabe muito bem. É por isso que você se casou comigo, não é?
— Você nunca disse uma palavra sobre isso para mim antes de hoje!
— Por que eu diria? Não é como se você não soubesse.
— É, na verdade — os olhos de Henry estavam em chamas — eu não sei nada sobre nada do que meu pai devia ao seu. Eu fui até seu pai de boa fé e perguntei-lhe se ele iria dar-me a honra de me permitir pedir sua mão em casamento. Nunca houve qualquer discussão sobre dinheiro!
Charlotte prendeu a respiração. Nos anos em que estiveram casados, ela nunca falara uma palavra sobre as circunstâncias do seu noivado com Henry; nunca havia aparecido uma razão, e ela nunca tinha quis ouvir qualquer gaguejo de negações do que ela sabia sobre a verdade. Não tinha seu pai dito alguma coisa sobre a proposta de Henry? Ele é um homem bom o suficiente e é melhor do que o seu pai, e você precisa de um marido, Charlotte, se for dirigir o Instituto. Perdoarei as dívidas do pai dele para que esse assunto seja encerrado entre nossas famílias.
É claro que ele nunca tinha dito, não com todas palavras, que era por isso que Henry pediu para se casar com ela. Ela havia assumido...
— Você não é simples — Henry falou, seu rosto ainda em chamas — você é linda. E não pedi ao seu pai para me casar com você por obrigação, fiz porque te amava. Eu sempre te amei. Sou seu marido.
— Não achava que você queria ser — ela sussurrou.
Henry estava balançando a cabeça.
— Eu sei que as pessoas me chamam de excêntrico. Peculiar. Até mesmo louco. Todas essas coisas na minha mente. Mas você acha que eu sou sem personalidade... Você ainda me ama?
— É claro que eu te amo! — Charlotte exclamou. — Isso nunca esteve em questão.
— Como não? Acha que eu não ouço o que as pessoas dizem? Falam de mim como se eu não estivesse ali, como se eu fosse algum tipo de imbecil. Ouvi Benedict Lightwood dizer tantas vezes que você se casou comigo só para que pudesse fingir que um homem estava comandando o Instituto...
Agora foi a vez de Charlotte de estar com raiva.
— E você me critica por pensar que você não tinha personalidade! Henry, eu não me casei por essa razão, nunca em um milhão de anos. Eu daria o Instituto antes que eu deixasse...
Henry estava olhando para ela, seus olhos cor de avelã, o cabelo bagunçado como se tivesse passado suas mãos loucamente por ele tantas vezes que estava em perigo de arrancá-lo em chumaços.
— Antes de deixar o quê?
— Antes de eu desistir de você — ela completou — não sabe disso?
E então ela não falou mais nada, Henry colocou os braços ao redor dela e a beijou. Beijou de tal maneira que ela não se sentia mais simples, ou consciente de seu cabelo ou na mancha de tinta no seu vestido ou em nada mais, apenas tinha consciência de Henry, a quem sempre amou. Lágrimas rolaram e derramaram-lhe pelo rosto, e quando ele se afastou, tocou seu rosto molhado admirado.
— De verdade, você me ama, também, Lottie?
— Claro que sim. Eu não me casei para ter alguém com quem comandar o Instituto, Henry. Casei porque eu sabia que não me importaria com o quão difícil é dirigir o Instituto ou quão mal a Clave me trata, se eu soubesse que o seu rosto seria o último que eu veria todas as noites antes de ir dormir — ela bateu de leve em seu ombro — estamos casados há anos, Henry. O que acha que eu senti por você?
Ele encolheu os ombros magros e beijou o topo de sua cabeça.
— Pensei que você fosse gostar de mim — ele disse rispidamente — pensei que você poderia vir a amar-me com o tempo.
— É o que eu pensava sobre você — ela respondeu com admiração — podemos realmente ter sido tão estúpidos?
— Bem, eu não estou surpreso sobre mim. Mas, honestamente, Charlotte, você deveria se conhecer melhor.
Ela sufocou uma risada.
— Henry! — Ela apertou seus braços. — Há outra coisa que eu tenho que lhe dizer, algo muito importante.
A porta da sala se abriu. Era Will. Henry e Charlotte pararam para olhar para ele. Ele parecia exausto... pálido. Tinha anéis escuros sob os olhos, mas havia uma clareza em seu rosto que Charlotte nunca tinha visto antes, uma espécie de brilho em sua expressão. Ela se preparou para uma observação sarcástica ou observação fria, mas ao invés disso ele apenas sorriu feliz.
— Henry, Charlotte. Vocês não viram Tessa, não é?
— É provável que esteja em seu quarto — Charlotte respondeu, perplexa — aconteceu alguma coisa? Você não deveria estar descansando? Após as contusões que você teve...
Will lhe acenou a distância.
— Suas iratzes são excelentes e fizeram o seu trabalho. Eu não preciso de descanso. Eu só gostaria de ver Tessa, e perguntar-lhe...
Ele parou, olhando para a carta na mesa de Charlotte. Com alguns passos de suas longas pernas, ele tinha alcançado a mesa e agarrou-a, e a leu com o mesmo olhar de consternação que Henry usara.
— Charlotte, não, você não pode deixar o Instituto!
— A Clave vai encontrar outro lugar para você viver — Charlotte falou — ou você pode ficar aqui até completar dezoito anos, vivendo com os Lightwood.
— Eu não quero viver aqui sem você e Henry. O que acha que vai acontecer comigo quando você for? O ambiente? — Will balançou o pedaço de papel até que amassou. — Eu até sinto falta da maldita Jessamine – bem , um pouco. E os Lightwood vão mandar os nossos servos embora, substituí-los por conta própria. Charlotte, não pode deixar isso acontecer. Esta é a nossa casa. É a casa de Jem, a casa de Sophie.
Charlotte o fitou.
— Will, você tem certeza de que não está com febre?
— Charlotte — Will colocou o papel de volta na mesa — eu a proíbo de renunciar a sua diretoria. Você entendeu? Durante todos esses anos você fez tudo por mim como se eu fosse do seu próprio sangue, e eu nunca lhe agradeci. Isso vale para você também, Henry. Mas eu sou grato, e é por isso que não vou deixar você cometer este erro.
— Will — Charlotte falou — acabou. Temos apenas três dias para encontrar Mortmain, e nós não podemos fazer isso. Simplesmente não há tempo.
— Que Mortmain morra. Quero dizer literalmente, é claro, mas também em sentido figurado. O limite de duas semanas para encontrar Mortmain exigido por Benedict Lightwood é um teste ridículo. Um teste que, como se vê, é uma fraude. Ele está trabalhando para Mortmain. Este teste foi sua tentativa de arrancar o Instituto de suas mãos. Se nós conseguirmos expor Benedict como o fantoche de Mortmain, você terá o Instituto de volta novamente, e nós podemos continuar a procurar por ele.
— Nós temos a palavra de Jessamine que expor Benedict beneficiará o lado de Mortmain.
— E não podemos fazer nada — Will falou com firmeza — vale à pena termos uma última conversa, pelo menos, não acha?
Charlotte não conseguia pensar em uma palavra para responder. Este não era o Will que ela conhecia. Ele era firme, intenso, simples e com seus olhos brilhantes. Se o silêncio de Henry significava qualquer coisa, ele estava tão surpreso. Will assentiu como tivesse tomado o silêncio como uma confirmação.
— Excelente. Eu vou dizer a Sophie para contar aos outros.
E ele saiu da sala.
Charlotte olhou para o marido, todos os pensamentos da notícia que tinha a intenção de contar-lhe foram expulsos de sua mente.
— Este era Will? — Ela perguntou, finalmente.
Henry arqueou uma sobrancelha.
— Talvez ele tenha sido sequestrado e substituído por um autônomo — ele sugeriu.
— Parece possível...
Pelo menos uma vez, Charlotte e ele estavam de acordo.



Melancolicamente, Tessa terminou de comer os sanduíches e o resto do chá, amaldiçoando sua incapacidade de manter o nariz fora da vida de outras pessoas. Uma vez que estava feito, ela colocou seu vestido azul, encontrando dificuldades para se ajeitar sem a ajuda de Sophie.
Olhe para si mesma, pensou ela, mimada após algumas semanas tendo uma criada para lhe ajudar. Não pode vestir-se, não pode parar de meter o nariz no que não é da sua contaSe continuar assim, em breve vai precisar de alguém para colocar uma colher de mingau em sua boca ou então irá morrer de fome. Ela fez uma careta horrível para si mesma no espelho e se sentou em frente a penteadeira, pegando a escova de prata e passando as cerdas através de seu longo cabelo castanho.
Alguém bateu na porta. Sophie, Tessa esperava, para que pudesse lhe fazer um pedido de desculpas.
Tessa deixou a escova de cabelo e apressou-se a abrir a porta.
Assim como antes, quando abriu a porta esperando encontrar Jem e ficou desapontada ao encontrar Sophie em seu lugar, agora, que estava na expectativa de encontrar Sophie, foi surpreendida por encontrar Jem ali. Ele usava uma jaqueta de lã cinza e calças, contra o qual seu cabelo prateado parecia quase branco.
— Jem — ela falou, assustada — está tudo bem?
Seus olhos cinza olhavam para o rosto dela, seu cabelo longo e solto.
— Você olha como se estivesse esperando alguém.
— Sophie — Tessa suspirou, e prendeu uma mecha perdida de cabelo atrás da orelha — temo que a ofendi. Meu hábito de falar antes de pensar me pegou de novamente.
— Oh — disse Jem, com uma falta de interesse incomum.
Normalmente, ele teria perguntado a Tessa o que ela disse a Sophie, e iria lhe tranquilizar ou ajudá-la a traçar um plano de ação para ganhar o perdão de Sophie. Seu interesse habitual parecia agora estranhamente ausente, Tessa pensou com alarme, ele estava um pouco pálido e parecia estar olhando para trás dela, como se verificando para ver se ela estava completamente sozinha.
— Eu gostaria de falar com você em particular, Tessa. Está se sentindo bem o suficiente?
— Isso depende do que você tem para me dizer — ela respondeu com uma risada, mas quando seu riso não trouxe um sorriso em resposta, a apreensão cresceu dentro dela.
— Jem... jura que está tudo bem? Will...
— Isto não é sobre Will. Will está andando por aí e sem dúvida perfeitamente bem. Isto é sobre... Bem, acho que você pode dizer que é sobre mim — ele olhou para cima e para baixo no corredor — posso entrar?
Tessa pensou brevemente no que tia Harriet diria a respeito de uma garota permitir que um garoto com quem ela não tem um relacionamento entrasse em seu quarto quando mais ninguém estivesse por lá. Mas mesmo tia Harriet tivera um amor uma vez, Tessa pensou. Permitiu e deixou que seu noivo, bem, fizesse algo que a deixou grávida. Tia Harriet, se estivesse viva, não estaria em posição de falar. E, além disso, a etiqueta era diferente para Caçadores de Sombras. Ela abriu a porta.
— Sim, entre.
Jem entrou no quarto e fechou a porta firmemente atrás dele. Ele andou até a lareira e apoiou-se em um braço contra ela. Então, parecendo decidir que aquela posição não era satisfatória, ele veio até onde Tessa estava, no meio do quarto, e ficou diante dela.
— Tessa.
— Jem — ela respondeu, imitando o tom sério, mas novamente ele não sorriu — Jem — ela repetiu, mais calmamente — se é sobre a sua saúde, sua... doença, por favor, me diga. Vou fazer o que puder para ajudá-lo.
— Não é sobre a minha doença — ele tomou uma respiração profunda — você sabe que nós não encontramos Mortmain. Em poucos dias, o Instituto pode ser entregue a Benedict Lightwood. Ele iria, sem dúvidas, permitir que Will e eu ficássemos aqui, mas não tenho desejo em viver em uma casa que ele viva. E Will e Gabriel iriam se matar dentro de um minuto. Seria o fim do nosso pequeno grupo. Charlotte e Henry iriam encontrar uma casa, não tenho dúvida, e Will e eu talvez tivéssemos que ir para Idris até que completemos 18 anos, e Jessie vai depender da sentença que a Clave der para ela. Mas não poderemos levá-la para Idris conosco. Você não é uma Caçadora de Sombras.
O coração de Tessa começou a bater muito rápido. Ela sentou-se, de repente, à beira de sua cama. Ela sentiu-se levemente tonta. Lembrou-se do timbre sarcástico de Gabriel sobre os Lightwood arranjarem-lhe um emprego, que iriam encontrar um lugar apropriado para ela, mas ela poderia imaginar uma situação um pouco pior.
— Eu entendo, mas para onde eu deveria ir... Não, não responda. Você não detém a responsabilidade sobre mim. Obrigada por me dizer, pelo menos.
— Tessa.
— Vocês todos já foram tão amáveis permitindo que eu ficasse aqui na propriedade de vocês, permitir-me viver aqui não fez com que a Clave olhasse com bons olhos nenhum de vocês. Vou encontrar um lugar.
— Seu lugar é comigo — Jem disse — sempre será.
— O que você quer dizer?
Ele corou, a cor escura contra sua pele pálida.
— Eu quero dizer, Tessa Gray, você me daria a honra de se tornar a minha esposa?
Tessa sentou-se pesadamente.
— Jem!
Eles olharam um para o outro por um momento. Por fim, ele disse, tentando ser leve, embora sua voz não estivesse:
— Isso não foi um não, eu suponho, embora não fosse um sim.
— Você não pode dizer isso.
— Eu quero dizer isso.
— Você não pode... não sou uma Caçadora de Sombras. Eles vão te expulsar da Clave.
Ele deu um passo para mais perto dela, os olhos ansiosos.
— Você pode não ser precisamente uma Caçadora de Sombras, mas não é uma mundana e nem comprovadamente uma feiticeira. Sua situação é única, então não sei o que a Clave vai fazer. Mas eles não podem proibir algo que não é proibido pela Lei. Eles terão que tomar o seu – o nosso caso individual e levar em consideração, e isso pode levar meses. Enquanto isso, eles não podem impedir o nosso noivado.
— Você está falando sério — a boca dela estava seca — Jem, é uma grande bondade de sua parte e é realmente incrível. Faz-lhe crédito. Mas eu não posso deixar você se sacrificar dessa forma por mim.
— Sacrificar? Tessa, eu te amo. Quero me casar com você.
— Eu... Jem, você é justo, gentil e tão altruísta. Como posso confiar que você não está fazendo isso simplesmente por ser bom?
Ele enfiou a mão no bolso do colete e tirou algo suave e circular. Era um pingente de jade verde-esbranquiçado, com caracteres chineses esculpidos que ela não podia ler. Ele estendeu-a com uma mão que tremia levemente.
— Eu poderia dar-lhe o meu anel de família, mas ele é para ser dado de volta quando o noivado acaba e é trocado por runas. Quero dar algo que será seu para sempre.
Ela balançou a cabeça.
— Eu não posso...
Ele interrompeu.
— Isto foi dado a minha mãe pelo meu pai, quando se casaram. A escrita é do I Ching, o Livro das Mudanças. Diz: Quando duas pessoas estão unidas no íntimo de seus corações podem romper até mesmo a resistência do ferro e do bronze.
— E você acha que estamos? — Tessa perguntou, choque em sua voz baixa.
Jem ajoelhou-se, de modo que estava olhando para o rosto dela. Ela o viu como ele tinha sido na Ponte Blackfriars, uma sombra prata encantadora contra a escuridão.
— Eu não posso explicar o amor. Não poderia dizer se a amei no primeiro momento em que te vi, ou se foi no segundo, no terceiro ou no quarto. Mas me lembro do primeiro momento em que olhei para você caminhando em minha direção e percebi que de alguma forma o resto do mundo parecia desaparecer quando eu estava com você. Que você era o centro de tudo que eu sentia e pensava.
Tessa olhou para Jem, ajoelhado diante dela com o pingente em suas mãos, e entendeu finalmente o que as pessoas queriam dizer quando diziam que o coração de alguém estava em seus olhos. Os olhos de Jem, seus luminosos olhos expressivos que ela sempre tinha achado bonitos, estavam cheios de amor e esperança. E por que ele não haveria de ter? Ela havia lhe dado todos os motivos para acreditar que o amava de volta. Sua amizade, sua confiança, sua gratidão e até mesmo a sua paixão. E se houvesse uma pequena parte trancada de si mesma que ainda não tinha desistido de Will, com certeza ela devia a si mesma, tanto quanto a Jem para fazer tudo o que podia para destruí-la.
Muito lentamente, ela se abaixou e pegou o pingente de Jem. Ele escorregou em torno de seu pescoço em uma corrente de ouro, tão fria quanto água, e descansou no oco de sua garganta acima do local onde o anjo mecânico estava. Quando ela baixou as mãos de seu fecho, viu a luz de esperança nos olhos de Jem crescer para uma quase insuportável chama de felicidade. Sentiu como se alguém tivesse entrado em seu peito e aberto uma caixa que continha o seu coração, derramando ternura como sangue novo nas veias. Nunca havia sentido tal impulso incontrolável e feroz de proteger outra pessoa, envolve-la com os braços e enroscar-se bem entre eles, sozinho e longe do resto do mundo.
— Então, sim. Sim, eu vou casar com você, James Carstairs. Sim.
— Oh, graças a Deus — disse ele, exalando — graças a Deus.
E ele enterrou o rosto em seu colo, envolvendo os braços em volta da cintura de Tessa. Ela se inclinou sobre ele, acariciando os ombros, as costas, a seda de seu cabelo. O coração dele batia forte contra os joelhos. Uma pequena parte de seu interior estava cambaleando com espanto. Ela nunca tinha imaginado que tivesse o poder de fazer alguém tão feliz. E não um poder mágico, mas puramente humano.
Bateram na porta, e os dois se afastaram. Tessa rapidamente levantou-se e dirigiu-se para a porta, parando para alisar os cabelos e, esperava, acalmar a expressão antes de abrir.
Desta vez, era realmente Sophie. Porém, sua expressão rebelde mostrou que ela não tinha vindo por vontade própria.
— Charlotte está convocando todos para a sala de estudos. Mestre Will voltou, e ela deseja ter uma reunião. Quando ela olhou além de Tessa, sua expressão azedou ainda mais — você, também, Mestre Jem.
— Sophie... — Tessa começou, mas Sophie já tinha se virado e estava apressando-se de volta, seu chapéu branco balançando.
Tessa aumentou o aperto na maçaneta da porta, olhando para Sophie. A moça dissera que não se importava com os sentimentos de Jem para com Tessa, e agora ela sabia que o motivo era Gideon.
Mas ainda assim...
Ela sentiu Jem se aproximar por trás e deslizar as mãos sobre as dela. Seus dedos eram magros, ela girou em torno de si, soltando a respiração. Era isso o que significava amar alguém? Que qualquer carga poderia ser compartilhada, o outro dar-lhe conforto com apenas uma palavra ou toque?
Tessa inclinou a cabeça para trás e Jem deu-lhe um beijo na testa.
— Nós contaremos para Charlotte primeiro, assim que houver uma chance — ele disse — em seguida, para os outros. Assim que o destino do Instituto for decidido...
— Você fala como se não se importasse com o que acontecer com ele. Não vai sentir falta daqui? Este lugar tem sido seu lar por anos.
Os dedos dele acariciaram-lhe o pulso levemente, fazendo-a estremecer.
— Você é o meu lar a partir de agora.

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