Capítulo 19 - Se Acaso a Traição Prosperar
A traição nunca prospera. Por que motivo?
Se prospera, ninguém ousa chamá-la de traição.
– Sir John Harrington
Sophie estava cuidando do fogo ardendo na lareira, e a sala estava quente, quase sufocante. Charlotte estava sentada atrás de sua mesa, e Henry em uma cadeira ao lado dela. Will estava deitado em uma das poltronas floridas ao lado do fogo, uma bandeja de prata de chá em seu cotovelo e um copo na mão. Quando Tessa entrou, ele sentou-se de forma tão abrupta que um pouco do chá derramou-se em sua manga e ele colocou o copo para baixo, sem tirar os olhos dela.
Ele parecia exausto, como se tivesse andado a noite toda. Ainda usava o casaco de lã azul escuro com forro de seda vermelha, e as pernas de sua calça preta estavam salpicadas de lama. Seu cabelo estava molhado e emaranhado, o rosto pálido, sua mandíbula escura, com a sombra uma barba. Mas no momento em que Tessa o viu, seus olhos brilhavam como lâmpadas com o toque de um acendedor. Todo o seu rosto mudou, e ele olhou para ela com tal prazer inexplicável que Tessa, atônita, parou abruptamente, fazendo Jem trombar nela ao entrar. Naquele momento, ela não podia olhar para longe de Will, era como se ele sustentasse seu olhar, e lembrou-se novamente do sonho que tivera na noite anterior, que estava sendo consolada por ele na enfermaria. Será que ele poderia ler a memória dele em seu rosto? Era por isso que ele estava olhando?
Jem olhou ao redor de seu ombro.
— Olá Will. Você acha que foi uma boa ideia passar a noite embaixo de toda essa chuva enquanto ainda está se curando?
Will desviou os olhos de Tessa.
— Tenho certeza que sim — ele disse com firmeza — eu tinha que andar. Clarear a cabeça.
— E ela está clara agora?
— Como um cristal — Will respondeu, voltando-se para Tessa, e a mesma coisa aconteceu de novo. Seus olhares pareciam presos juntos, e ela teve que desviar seus olhos para longe e sentar-se no sofá perto da mesa, onde Will não ficava diretamente em sua linha de visão.
Jem veio e sentou-se ao lado dela, mas não pegou sua mão. Ela se perguntou o que aconteceria se eles anunciassem o acontecido agora, casualmente: nós vamos nos casar. Jem estava certo, não era momento para isso.
Charlotte olhou para Will, ela parecia ter passado a noite em claro, sua pele tinha um tom doentio de amarelo, e havia machas escuras abaixo de seus olhos. Henry sentou ao seu lado na mesa, a mão protetoramente sobre a dela, observando-a com uma expressão preocupada.
— Estamos todos aqui, Charlotte — disse rapidamente, e por um momento Tessa queria ressaltar que eles não estavam. Jessamine não estava com eles. Ela ficou em silêncio.
— Como vocês provavelmente sabem, estamos perto do fim do período de duas semanas que nos foi concedido pelo Cônsul Wayland. Nós não descobrimos o paradeiro de Mortmain. De acordo com o Irmão Enoch, os Irmãos do Silêncio examinaram o corpo de Nathaniel Gray e não encontraram nada com ele, e como ele está morto, não iremos obter mais nada dele.
Ele está morto. Tessa se lembrou de quando Nate era ainda muito jovem e perseguira libélulas no parque. Ele tinha caído na lagoa, e Tessa e tia Harriet – a mãe dele – ajudaram a tirá-lo. Sua mão estava escorregadia e a água era verde com o crescimento de plantas subaquáticas. Lembrou-se de sua mão deslizando dela no armazém de chá, escorregadia com sangue. Você não sabe de tudo o que fiz, Tessie.
— Nós certamente podemos denunciar o que sabemos de Benedict para a Clave — Charlotte estava dizendo quando Tessa forçou sua mente de volta para a conversa na sala — parece ser a atitude mais sensata a se fazer.
Tessa engoliu em seco.
— E o que Jessamine disse? Que estaríamos nos jogando nas mãos de Mortmain por fazer isso?
— Mas nós não podemos fazer nada — Will respondeu — não podemos sentar e entregar as chaves ao Instituto a Benedict Lightwood e sua lamentável prole. Eles estão com Mortmain. Benedict é seu fantoche. Temos que tentar. Pelo Anjo, não temos provas suficientes? O suficiente para ganhar-lhe um julgamento pelo menos com a Espada.
— Quando tentamos a Espada em Jessamine, havia bloqueios em sua mente colocados lá por Mortmain — Charlotte lembrou, cansada — acha que Mortmain seria tão insensato em não tomar a mesma precaução com Benedict? Vamos ficar como tolos se a Espada não fizer nada com ele.
Will passou as mãos por seu cabelo preto.
— Mortmain espera que iremos à Clave. Seria a sua primeira suposição. Ele também já deve ter premeditado isso. De Quincey, por exemplo. Lightwood não é insubstituível para ele, e sabe disso — Will tamborilava com os dedos sobre os joelhos — acho que se fomos para a Clave, certamente poderíamos tirar Benedict da corrida para a liderança do Instituto. Mas há um segmento da Clave que segue sua liderança, alguns são conhecidos por nós, mas outros não. É um fato triste, mas não sabemos em quem podemos confiar além de nós mesmos. O Instituto está seguro conosco, e não podemos permitir que ele nos seja retirado. Onde mais Tessa ficaria segura?
Tessa piscou.
— Eu?
Will olhou surpreso, como se assustado com o que acabara de dizer.
— Bem, você é parte integrante do plano de Mortmain. Ele sempre te quis. Ele sempre precisará de você. Não devemos deixar que ele a tenha. É claro que você seria uma arma poderosa nas mãos dele.
— Tudo isso é verdade, Will, e é claro, eu vou até o Cônsul — Charlotte concordou — mas como uma Caçadora de Sombras comum, não como diretora do Instituto.
— Mas por que, Charlotte? — Jem exigiu. — Você se destaca em seu trabalho.
— Eu? — Ela exigiu. — Pela segunda vez eu não notei um espião sob meu próprio teto; Will e Tessa facilmente contornaram minha vigilância e foram a um baile de Benedict; nosso plano para capturar Nate – que não compartilhamos com o Cônsul – deu errado, deixando-nos com uma testemunha potencialmente importante morta.
— Lottie! — Henry colocou a mão no braço de sua esposa.
— Eu não sou digna de comandar este lugar — Charlotte continuou — Benedict está certo... Claro que vou tentar convencer a Clave de sua culpa. Alguém comandará o Instituto. Não será Benedict, espero, mas também não serei eu.
Houve um estrondo.
— Sra. Branwell! — Era Sophie. Ela tinha deixado cair o atiçador e se afastou do fogo. — A senhora não pode demitir-se. Você... você simplesmente não pode.
— Sophie — Charlotte falou, muito gentilmente — onde quer que eu vá, assim que eu e Henry montarmos nossa casa, vamos levar-lhe junto.
— Não é isso — Sophie falou em uma voz baixa. Seus olhos corriam ao redor da sala — a senhorita Jessamine... ela estava... quero dizer, ela estava dizendo a verdade. Se você for até a Clave com isto, estará jogando de acordo com os planos de Mortmain.
Charlotte olhou para ela, perplexa.
— O que te faz pensar isso?
— Eu não – eu não sei exatamente — Sophie olhou para o chão — mas eu sei que é verdade.
— Sophie? — O tom de Charlotte era ranzinza, e Tessa sabia o que ela estava pensando: será que eles tinham um outro espião, outra serpente em seu jardim? Will também estava inclinado para frente, com os olhos apertados.
— Sophie não está mentindo — Tessa disse abruptamente — ela sabe porque... porque ouvimos Gideon e Gabriel falarem disso na sala de treinamento.
— E só agora decidiu mencioná-lo? — Will arqueou as sobrancelhas.
De repente, furiosa com ele, Tessa retrucou:
— Fique quieto, Will. Se você...
— Eu passeei com ele — Sophie interrompeu com a voz elevada — com Gideon Lightwood. O vi em meus dias de folga — ela estava tão pálida como um fantasma — ele me contou. Ouviu seu pai rindo sobre isso. Eles sabiam que Jessamine foi descoberta. Estavam esperando que você fosse para a Clave. Eu deveria ter dito algo, mas parecia que você não queria saber deles de qualquer maneira, então eu...
— Passeando? — Henry perguntou, incrédulo. — Com Gideon Lightwood?
Sophie manteve sua atenção em Charlotte, que estava olhando para ela, de olhos redondos.
— Eu sei por que o Sr. Lightwood está com Mortmain também — Sophie continuou — Gideon descobriu. O pai não sabe que ele sabe.
— Bem, meu Deus, menina, não fique aí parada — disse Henry, que parecia tão perplexo quanto sua esposa — conte-nos.
— Varíola demoníaca. O Sr. Lightwood tem, faz anos, e a doença vai matá-lo em um par de meses se ele não conseguir a cura. E Mortmain disse que ele pode obtê-la para ele.
A sala explodiu em um burburinho. Charlotte correu para Sophie, Henry a chamava; Will saltou de sua cadeira e começou a dançar em círculos. Tessa ficou onde estava, atordoada, e Jem permaneceu ao seu lado.
Enquanto isso, Will parecia estar cantando uma música sobre como ele estava certo sobre a varíola demoníaca o tempo todo.
“Varíola demoníaca, oh, varíola demoníaca,
Como é que se contrai?
Indo a zona podre da cidade
Até não poder mais.
Varíola demoníaca, oh, varíola demoníaca
Eu tive o tempo todo
Não a doença, amigo bobão
Estou falando da canção
Pois vocês estavam errados e eu com a razão!
— Will! — Charlotte gritou acima do barulho. — Você perdeu a cabeça? PARE COM ESSA MÚSICA INFERNAL! Jem...
Jem, pondo-se de pé, cobriu a boca de Will.
— Promete ficar quieto? — Ele sussurrou no ouvido do amigo.
Will assentiu, os olhos azuis brilhando. Tessa estava olhando para ele com espanto, todos eles estavam. Ela tinha pensado em Will diversas vezes, divertido, amargo, condescendente, com raiva, pena, mas nunca leviano antes. Jem soltou-o.
— Tudo bem, então.
Will deslizou para o chão, com as costas contra a poltrona, e jogou os braços para cima.
— A varíola demoníaca está em todas as suas casas — ele anunciou, e bocejou.
— Oh Deus, lá vem semanas de piadas com varíola demoníaca — Jem observou — estamos por isso agora.
— Isso não pode ser verdade — disse Charlotte — é simplesmente... varíola demoníaca?
— Como sabemos que Gideon não mentiu para Sophie? — Jem perguntou, seu tom de voz suave. — Eu sinto muito, Sophie. Odeio ter que te dizer isso, mas os Lightwoods não são confiáveis...
— Eu vi o rosto de Gideon quando olha para Sophie — Will falou — foi Tessa quem me disse primeiro que Gideon gostava da nossa senhorita Collins, e percebi que era verdade. E um homem apaixonado vai dizer a verdade. Não irá trair ninguém.
Ele estava olhando para Tessa enquanto falava. Tessa fitou de volta, sem conseguir evitar. Seu olhar foi puxado para ele. A maneira como ele a observava, com os olhos azuis como os pedaços do céu, como se tentasse comunicar algo em silêncio. Mas o que na terra... ?
Ela deve sua vida a Will, percebeu. Talvez ele estivesse esperando que ela lhe agradecesse. Mas não houve tempo! Tessa resolveu agradecê-lo na primeira oportunidade que se apresentasse.
— Além disso, Benedict estava segurando uma mulher demônio no colo em sua festa, e beijando-a — Will continuou, desviando o olhar — ela tinha serpentes no lugar dos olhos. De qualquer forma, a única maneira que você pode contrair varíola demoníaca é ter relações impróprias com um demônio, então...
— Nate me disse que o Sr. Lightwood preferia mulheres demônios — Tessa confirmou — não acho que sua esposa soubesse sobre isso.
— Espere — era Jem, que subitamente falou — Will, quais são os sintomas da varíola demoníaca?
— São muito desagradáveis — Will respondeu com prazer — ela começa com uma erupção em forma de escudo nas costas, e se espalha por todo o corpo, criando rachaduras e fissuras na pele.
Jem expirou com força.
— E-eu volto em um momento. Pelo Anjo.
E ele desapareceu pela porta, deixando os outros olhando para ele.
— Não acham que ele tem varíola demoníaca, não é? — Henry perguntou a ninguém em particular.
Espero que não, uma vez que apenas ficamos noivos, Tessa teve vontade de dizer, só para ver os olhares em seus rostos, mas reprimiu.
— Oh, cale-se, Henry — disse Will, e parecia como se ele estivesse prestes a dizer algo mais, mas a porta se abriu e Jem estava de volta ao quarto, ofegante, segurando um pedaço de pergaminho.
— Eu tenho isso, diretamente dos irmãos do Silêncio, de quando Tessa e eu fomos ver Jessamine — ele deu a Tessa um olhar um pouco culpado por debaixo de seu cabelo claro, e ela lembrou-se dele deixando o quarto de Jessamine momentos antes de retornar, olhando preocupado — é o relatório sobre a morte de Barbara Lightwood. Depois que Charlotte nos disse que seu pai nunca tinha denunciado Silas Lightwood para a Clave, pensei em consultar os Irmãos do Silêncio e descobrir se havia outra causa da morte da Sra. Lightwood. Ver se Benedict também tinha mentido sobre o fato de que ela tinha morrido de tristeza.
— E morreu? — Tessa se inclinou para frente, fascinada.
— Sim. Na verdade, ela cortou os próprios pulsos. Mas havia mais — ele olhou para o papel em sua mão — havia uma erupção em forma de escudo, indicativa das marcas heráldicas de astriola, sobre o ombro esquerdo — ele estendeu-a para Will, que pegou e examinou-o, os olhos azuis arregalados.
— Astriola — ele leu — isso é varíola demoníaca. Você tinha provas de que a varíola demoníaca existia e não mencionou para mim! Eu não acredito!
Ele enrolou o papel e atingiu Jem na cabeça com ele.
— Ai! — Jem esfregou a cabeça com tristeza. — A palavra não significava nada para mim! Eu achava que era uma espécie de doença menor. Não parecia como se fosse matar. Ela cortou os pulsos, mas se Benedict queria proteger seus filhos do fato de que sua mãe tinha tirado a própria vida.
— Pelo Anjo — Charlotte falou suavemente — não é à toa que ela se matou. O marido passou-lhe varíola demoníaca. E ela sabia — ela virou-se para Sophie, que fez um som ofegante — será que Gideon sabe disso?
Sophie sacudiu a cabeça.
— Não.
— Mas os Irmãos do Silêncio não são obrigados a contar a alguém sobre isso? — Henry exigiu. — Parece bem irresponsável, no mínimo.
— É claro que eles contaram a alguém. Contaram ao seu marido. Sem dúvida que sim, mas e daí? Benedict provavelmente já sabia — Will apontou — não teria havido necessidade de contar as crianças, a erupção só apareceu depois de um bom tempo, eles já estavam muito velhos e não tinha perigo de passar para elas. Os Irmãos do Silêncio, sem dúvida, contaram a Benedict e ele deve ter dito: “que horror!” E prontamente escondeu a coisa toda. Não se pode julgar os mortos por terem relações impróprias com os demônios, depois eles queimaram o corpo, e foi isso.
— Então como é que Benedict ainda está vivo? — Tessa exigiu. — Se a doença não o matou até agora?
— Mortmain — Sophie respondeu — ele está dando drogas para retardar o progresso da doença todo esse tempo.
— Pouco, só para não matá-lo? — Perguntou Will.
— Não, ele ainda está morrendo, e mais rápido agora — Sophie respondeu — é por isso que ele está tão desesperado, e fará qualquer coisa que Mortmain quiser.
— Varíola demoníaca! — Will sussurrou, e olhou para Charlotte.
Apesar de seu entusiasmo claro, havia uma oscilação de luz constante por trás de seus olhos azuis, uma luz da inteligência afiada, como se ele fosse um jogador de xadrez examinando seu próximo passo para potenciais vantagens ou desvantagens.
— Temos que contatar Benedict imediatamente — Will falou — Charlotte deve jogar com sua vaidade. Ele está muito seguro de que vai receber o Instituto. Ela deve dizer-lhe que apesar de a decisão oficial do Cônsul sair só no domingo, deu-se conta de que é ele é quem vai sair na frente, e Charlotte quer se encontrar com ele e fazer a paz antes que isso aconteça.
— Benedict é teimoso... — Charlotte começou.
— Não tanto quanto é orgulhoso — Jem replicou — Benedict sempre quis o controle do Instituto, mas também quer te humilhar, Charlotte. Para provar que uma mulher não pode dirigir um Instituto. Ele acredita que no domingo, o Cônsul irá tirar o controle do Instituto de você, mas isso não significa que você não terá a chance de vê-lo rastejar em particular.
— Para quê? — Henry exigiu. — Enviar Charlotte para enfrentar Benedict adianta em que, exatamente?
— Chantagem — Will respondeu. Seus olhos estavam queimando de excitação — Mortmain pode não estar ao nosso alcance, mas Benedict está, e agora isso pode ser o suficiente.
— Você acha que ele vai desistir de obter o Instituto? Não vai simplesmente deixar o negócio para um de seus seguidores? — Jem perguntou.
— Nós não estamos tentando nos livrar dele. Queremos que ele dê seu total apoio a Charlotte. Para retirar seu desafio e declarar o seu incentivo para que ela continue no Instituto. Seus seguidores vão sentir a perda, o Cônsul ficará satisfeito. Nós mantemos o Instituto. E mais do que isso, podemos forçar Benedict a dizer-nos o que ele sabe de Mortmain – sua localização, seus segredos, tudo.
Tessa falou duvidosamente:
— Mas estou quase certa de que ele tem mais medo de Mortmain do que um de nós, e ele certamente precisa do que Mortmain proporciona. Caso contrário, ele vai morrer.
— Sim, ele vai. Mas o que ele fez – ter relações impróprias com um demônio, então infectar sua esposa, causando-lhe a morte – é assassinato de outro Caçador de Sombras. Ele sabe disso. Não seria considerado só assassinato, mas assassinato realizado através de meios demoníacos. O que poderia causar o pior de todos os castigos.
— O que é pior do que a morte? — Tessa perguntou, e imediatamente se arrependeu de perguntar quando viu a boca de Jem se apertar quase imperceptivelmente.
— Os Irmãos do Silêncio irão remover o que faz dele um Nephilim. Ele vai se tornar um mundano — Will respondeu — seus filhos vão se tornar mundanos, serão despojados de marcas. O nome do Lightwood será banido por todos os Caçadores de Sombras. Será o fim do nome Lightwood entre os Nephilim. Não há maior vergonha. É uma pena mesmo, e Benedict terá medo.
— E se ele não tiver? — Jem perguntou em voz baixa.
— Então não estaremos em situação pior, acho — era Charlotte, cuja expressão se endureceu enquanto Will tinha falado; Sophie estava encostada na lareira, uma figura abatida, e Henry, com a mão sobre o ombro de sua esposa, pareciam incomumente moderado — vamos chamar Benedict. Não há tempo para enviar uma mensagem adequada à frente, ele vai ter uma surpresa. Agora, onde estão os cartões?
Will sentou-se.
— Você já se decidiu pelo meu plano, então?
— É o meu plano agora — Charlotte falou com firmeza — você pode me acompanhar, Will, mas vai seguir minha liderança, e não haverá nenhuma palavra sobre varíola demoníaca até que eu peça para fazê-lo.
— Mas... mas... — Will balbuciou.
— Ah, deixe-o — disse Jem, chutando Will de leve no tornozelo.
— Ela se apoderou do meu plano!
— Will — Tessa disse com firmeza — você se importa mais sobre o plano ser executado ou sobre o crédito por ele?
Will apontou o dedo para ela.
— Isso. Escolho a segunda opção.
Charlotte revirou os olhos para o céu.
— William, isto será entre meus termos ou não.
Will respirou fundo e olhou para Jem, que sorriu para ele, e depois deixou o ar sair de seus pulmões com um suspiro derrotado e disse:
— Tudo bem, então, Charlotte. Você quer que todos vão?
— Você e Tessa, certamente. Precisamos de vocês como testemunhas sobre a festa. Jem, Henry, não há necessidade de irem, e peço que pelo menos um de vocês fique para guardar o Instituto.
— Querida... — Henry tocou o braço de Charlotte com um olhar zombeteiro no rosto.
Ela olhou para ele com surpresa.
— Sim?
— Tem certeza de que não quer que eu vá com você?
Charlotte sorriu para ele, um sorriso que transformou o rosto cansado e comprimido.
— Absoluta, Henry. Jem não é tecnicamente um adulto, e deixá-lo aqui sozinho – não que ele não seja capaz – só vai acrescentar combustível ao fogo de reclamações de Benedict. Mas obrigada.
Tessa olhou para Jem. Ele deu um sorriso pesaroso e, escondido por trás do volume de suas saias, apertou-lhe a mão. Seu toque enviou uma calorosa onda de confiança por ela, e Tessa pôs-se de pé, em meio a crescente vontade de ir, enquanto Charlotte procurava por uma caneta para rabiscar uma nota para Benedict na parte de trás de um cartão, que Cyril iria entregar enquanto esperavam na carruagem.
— É melhor eu ir buscar o meu chapéu e luvas — Tessa sussurrou para Jem, e fez seu caminho até a porta.
Will estava logo atrás dela, e um momento depois, a porta da sala se fechou atrás deles e eles ficaram sozinhos no corredor. Tessa estava prestes a correr em direção ao seu quarto quando ouviu os passos de Will atrás dela.
— Tessa! — Ele chamou, e ela se virou. — Tessa, eu preciso falar com você.
— Agora? — ela perguntou, surpresa. — Acho que Charlotte está com pressa.
— Pro inferno com essa pressa — disse Will, chegando mais perto — pro inferno com Benedict Lightwood e com todo esse negócio de Instituto. Eu quero falar com você.
Ele sorriu para ela.
Sempre houve uma energia imprudente nele, mas ela estava diferente, a diferença entre a imprudência do desespero e do abandono de felicidade. Mas que momento ímpar para estar feliz!
— Você estava absolutamente louco? — ela perguntou a ele. — “Varíola demoníaca.” Fala como se fosse a melhor coisa para se dizer! Você está realmente satisfeito?
— Vingado, não feliz, e de qualquer maneira, não é sobre a varíola demoníaca. É sobre mim e você.
A porta da sala de estudos se abriu e Henry apareceu, Charlotte logo atrás dele. Sabendo que Jem seria o próximo, Tessa se afastou de Will apressadamente, embora nada impróprio tivesse acontecido entre eles. Exceto em seus pensamentos, disse uma voz no fundo de sua mente, que ela ignorava.
— Will, agora não — ela falou em voz baixa — acredito que sei o que você quer dizer, e está certo ao querer isso, mas este não é o tempo ou lugar, é? Acredite em mim, estou tão ansiosa para a conversa quanto você, e isso vem pesando muito em minha mente.
— Você está? É mesmo? — Will olhou atordoado, como se ela o tivesse atingido com uma pedra.
— Bem, sim — Tessa confirmou, olhando para cima para ver Jem chegando na direção deles — mas não agora.
Will seguiu seu olhar, engoliu em seco e assentiu com relutância.
— Então quando?
— Mais tarde, depois que voltarmos dos Lightwood. Encontre-me na sala de estudos.
— Na sala de estudos?
Ela franziu o cenho.
— Realmente, Will. Você vai repetir tudo o que eu disser?
Jem tinha chegado a eles, e ouvir este último comentário, sorriu.
— Tessa, deixe o pobre reunir o pouco juízo que ele tem, ele sai toda noite e olha como se mal conseguisse se lembrar do seu próprio nome — ele colocou a mão no braço do parabatai — vamos, Herondale. Você parece que precisa de uma runa de energia – ou talvez duas ou três.
Will desviou os olhos de Tessa e deixou Jem levá-lo pelo corredor. Tessa assistiu, sacudindo a cabeça. Meninos, pensou. Ela nunca iria entendê-los.
Tessa tinha dado apenas alguns passos até seu quarto quando parou surpresa, olhando para sua cama. Havia um elegante vestido de passeio de seda da Índia cinza e creme, enfeitado com tranças delicadas e botões delicados de prata. As luvas eram de um veludo cinza com um padrão de folhas de prata. Ao pé da cama estavam botas da moda e meias estampadas.
A porta se abriu e Sophie entrou, segurando um chapéu cinza pálido com enfeites de bagas de prata. Estava muito pálida, e seus olhos estavam inchados e vermelhos. Ela evitou o olhar de Tessa.
— Roupa nova, senhorita — disse Sophie — o tecido era parte do enxoval da Sra. Branwell, e algumas semanas atrás ela mandou fazer para você. Acho que ela pensou que você deveria ter algumas roupas que não foram compradas pela senhorita Jessamine. Pensou que poderia deixá-la mais confortável. E estes foram entregues apenas esta manhã. Eu pedi a Bridget para colocá-las aqui.
Tessa sentiu lágrimas no fundo dos olhos e sentou-se às pressas na beira da cama. O pensamento de que Charlotte, com tudo o que estava acontecendo, pensara no conforto dela, a fez querer chorar. Mas ela sufocou o impulso, como sempre fazia.
— Sophie — ela falou com a voz desigual — eu devo... não, eu queria... me desculpar com você.
— Pedir desculpas a mim, senhorita? — Sophie perguntou sem emoção, colocando o chapéu sobre a cama.
Tessa olhou. Charlotte usava roupas tão simples. Ela nunca teria pensado nela com tanta inclinação ou gosto para escolher essas coisas lindas.
— Eu estava totalmente errada de falar com você sobre Gideon da forma que fiz — Tessa continuou — coloquei meu nariz onde decididamente não deveria, e você estava completamente certa, Sophie. Não se pode julgar um homem pelos pecados de sua família. Eu deveria ter dito isso, vi Gideon no baile daquela noite, mas não posso dizer se ele estava participando das festividades. Na verdade, não posso entrar em sua cabeça para determinar o que ele pensa a respeito de tudo, e eu não deveria ter-me comportado como se pudesse. Não sou mais experiente do que você, Sophie, e a respeito de homens, sou decididamente desinformada. Peço desculpas por agir de modo superior; não irei fazê-lo novamente, só espero que você me perdoe.
Sophie foi até o guarda-roupa e o abriu para revelar um segundo vestido, este de um azul muito escuro, enfeitado com uma trança de veludo dourado.
— É tão adorável — ela falou um pouco melancólica, e tocou levemente com a mão. Então virou-se para Tessa — este é um pedido de desculpas muito bonito, senhorita, e eu te perdoo. Eu já tinha perdoado na sala de estudos quando mentiu por mim. Eu não aprovo mentiras, mas sei que quis dizer aquilo por bondade.
— Foi muito corajoso o que você fez. Dizer a verdade para Charlotte. Eu sei como você temia que ela estivesse com raiva.
Sophie sorriu tristemente.
— Ela não está com raiva. Ela está desapontada. Eu sei. Ela disse que não poderia falar comigo agora, mas o faria mais tarde. Eu podia vê-lo em seu rosto. É pior de uma forma ou de outra.
— Oh, Sophie. Ela está decepcionada com Will o tempo todo!
— Bem, quem não está?
— Não foi o que eu quis dizer. Eu quis dizer que ela te ama como se você fosse Will, Jem ou... bem, você sabe. Mesmo ela estando desapontada, pare de temer que ela te mande embora. Ela não vai. Ela te acha maravilhosa, e eu também.
Os olhos de Sophie se arregalaram.
— Senhorita Tessa!
— Bem, eu acho — Tessa continuou com rebeldia — você é corajosa, altruísta e encantadora. Como Charlotte.
Os olhos de Sophie brilharam. Ela enxugou-os às pressas com a ponta do avental.
— Agora é o suficiente disso — ela disse rapidamente, ainda piscando duro — nós devemos deixá-la vestida e pronta para quando Cyrill voltar com a carruagem, e sei que a Sra. Branwell não quer perder tempo.
Tessa avançou obedientemente, e com a ajuda de Sophie, trocou para o vestido cinza e creme listrado.
— E tenha cuidado, é tudo o que tenho a dizer — Sophie falou enquanto habilmente manejava o vestido — o velho é bem desagradável, não se esqueça disso. Ele é muito duro, principalmente com aqueles meninos.
Aqueles meninos. O jeito como ela disse fez soar como se Sophie tivesse simpatia por Gabriel, assim como por Gideon. O que exatamente Gideon pensa sobre o irmão mais novo e sobre a irmã?, Tessa se perguntou enquanto Sophie lhe escovava o cabelo e fazia um penteado, enquanto Tessa colocava água de lavanda.
— Agora, está uma linda moça — ela disse com orgulho quando terminou, e Tessa teve de admitir que Charlotte fez um bom trabalho ao selecionar o corte certo para ela, e o cinza lhe caía bem. Seus olhos pareciam maiores e azuis, a cintura e os braços mais esbeltos, seus seios mais fartos — há apenas uma outra coisa...
— O que é, Sophie?
— Mestre Jem — disse Sophie, e Tessa ficou surpresa — por favor, faça o que fizer, mas... — a outra garota olhou para o pingente de jade enfiado na frente do vestido de Tessa e mordeu o lábio — não quebre o seu coração.
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