Capítulo 21 - Ouro Ardente

Traga meu arco de ouro ardente:
Traga minhas flechas de desejo:
Traga minha lança: Oh nuvens se revelem!
Traga minha carruagem de fogo!
– William Blake, Jerusalem

O treinamento de Tessa no Instituto jamais ressaltou o quanto era difícil correr com uma arma presa à lateral do corpo. A cada passo, a adaga acertava-lhe a perna, a ponta arranhando-lhe a pele. Ela sabia que deveria ter colocado a espada na bainha – e a bainha provavelmente estava no cinto de Will – mas não adiantava chorar pelo leite derramado. Will e Magnus estavam correndo desordenadamente pelos corredores de Cadair Idris, e ela estava fazendo o possível para acompanhar.
Era Magnus quem liderava, pois parecia ser quem mais tinha noção de direção. Tessa não havia atravessado nenhum caminho na montanha sem os olhos vendados, e Will admitiu que pouco se lembrava da jornada solitária da noite anterior.
Os túneis se estreitavam e se alargavam à medida que os três atravessavam o labirinto, sem qualquer sentido, padrão ou coerência. No fim, enquanto se moviam para um túnel mais amplo, ouviram algo – o som de um grito distante de horror.
Magnus ficou inteiramente tenso. A cabeça de Will levantou.
— Cecily — disse ele, e, em seguida, estava correndo duas vezes mais rápido; tanto Magnus quanto Tessa aceleraram para acompanhá-lo.
Passaram por aposentos estranhos: um cuja porta parecia manchada de sangue, outro que Tessa reconheceu como a sala com a mesa onde Mortmain a fez se Transformar, e ainda outro onde um emaranhado de metal e cobre girava em um vento invisível. À medida que aceleravam, os ruídos de gritos e lutas aumentaram até finalmente chegarem a uma enorme câmara circular.
Estava cheia de autômatos. Filas e filas deles, tantos quantos invadiram a cidade na noite anterior enquanto Tessa assistia de mãos atadas. A maioria das criaturas estava parada, mas um grupo, no centro da sala, se mexia – e lutava uma batalha feroz. Foi como ver novamente os eventos da entrada do Instituto enquanto era arrastada – os Lightwood lutando lado a lado, Cecily empunhando uma lâmina serafim brilhante, o corpo de um Irmão do Silêncio caído no chão. Tessa percebeu ao longe que outros dois Irmãos do Silêncio lutavam ao lado dos Caçadores de Sombras, anônimos sob os capuzes das túnicas, mas a atenção dela não se voltou para eles. Mas sim para Henry, que estava caído, imóvel, no chão. Charlotte, ajoelhada e encolhida, abraçava-o como se pudesse protegê-lo da batalha que se desenrolava ao redor, mas Tessa supôs pela palidez de Henry e por sua imobilidade, que era tarde demais para protegê-lo contra qualquer coisa.
Will avançou.
— Sem lâminas serafim! — gritou. — Lutem com outras armas! As lâminas dos anjos são inúteis!
Cecily ouviu o irmão e recuou assim que sua lâmina serafim atingiu o autômato que combatia – e se desfez como gelo seco, seu fogo apagado. Ela teve a presença de espírito de desviar por baixo do braço da criatura, exatamente quando Cyril e Bridget correram em sua direção, Cyril com um bastão pesado. O autômato caiu com o ataque de Cyril enquanto Bridget, uma ameaça voadora de cabelos vermelhos e lâminas de aço, abria caminho, passando por Cecily e indo para o lado de Charlotte, cortando os braços de dois autômatos com a espada antes de girar, de costas para Charlotte, como se pretendesse defender a líder do Instituto com a própria vida.
De repente, as mãos de Will estavam nos braços de Tessa. Ela viu um lampejo do rosto branco e rijo de Will enquanto ele a empurrava para Magnus, sibilando:
— Fique com ela!
Tessa começou a protestar, mas Magnus a agarrou, puxando-a para si enquanto Will corria para a briga, lutando até chegar à irmã.
Cecily combatia um autômato imenso, com peito largo e dois braços do lado direito. Sem a lâmina serafim, ela dispunha apenas de uma espada curta para se defender. O cabelo tinha começado a se soltar das presilhas enquanto ela atacava e apunhalava o ombro da criatura. O monstro rugiu como um touro, e Tessa estremeceu. Meu Deus, essas criaturas emitiam cada barulho; antes de Mortmain mudá-los, eram silenciosos – eram coisas; agora eram seres. Seres malévolos, assassinos. Tessa começou a avançar quando o autômato que lutava contra Cecily agarrava a lâmina da arma da menina e a arrancava dela, puxando-a para a frente – ela ouviu Will gritar o nome da irmã...
E Cecily foi agarrada e jogada para o lado por um dos Irmãos do Silêncio. Em um redemoinho de túnicas, ele girou para encarar a criatura, com um bastão esticado. Quando o autômato avançou, o Irmão atacou com tanta força e velocidade que a criatura cambaleou para trás, o peito amassado. O autômato tentou avançar outra vez, mas o corpo estava deformado demais. Soltou um chiado furioso, e Cecily, cambaleando, levantou-se e gritou em alerta.
Outro autômato havia se erguido ao lado do primeiro. Enquanto o Irmão do Silêncio se virava, o segundo autômato arrancava o bastão e o agarrava, levantando-o do chão e envolvendo-o por trás com seus braços metálicos, como se o abraçasse. O capuz do Irmão caiu para trás, e seus cabelos prateados brilharam na câmara mal iluminada como uma estrela.
Todo o ar deixou os pulmões de Tessa em um instante. O Irmão do Silêncio era Jem.

***

Jem.
Foi como se o mundo tivesse parado. Todas as figuras imóveis, inclusive os autômatos, congelados no tempo. Tessa começou a atravessar a sala em direção a Jem, e ele olhou para ela. Jem, com a túnica de um Irmão do Silêncio. Jem, cujos cabelos prateados, caindo sobre o rosto, tinham marcas pretas. Jem, cujas bochechas agora tinham dois cortes vermelhos iguais, um para cada uma delas.
Jem, que não estava morto.
Tessa, arrancada do súbito choque, ouviu Magnus falar alguma coisa, sentiu o feiticeiro alcançá-la pelo braço, mas ela se afastou dele e entrou na batalha. Ele gritou atrás dela, mas tudo que Tessa viu foi Jem – ele agarrando o braço do autômato, que o envolvia pela garganta, e não conseguindo encontrar nada no metal liso. O aperto ficou mais forte, e o rosto de Jem começou a se encher de sangue enquanto era estrangulado. Ela sacou a adaga, correndo pela passagem aberta à sua frente, mas sabia que era impossível, que não chegaria a tempo...
O autômato rugiu e caiu para a frente. Suas pernas tinham sido cortadas por trás, e, enquanto ele caía, Tessa viu Will se levantar com uma espada longa na mão. Ele esticou o braço para o autômato, como se pudesse alcançá-lo, impedir a queda, mas o monstro já havia caído no chão, metade em cima de Jem, cujo bastão havia rolado da mão. O menino ficou deitado, imóvel, preso sob a imensa máquina.
Tessa correu, desviando sob o braço de uma criatura mecânica. Ouviu Magnus gritar alguma coisa atrás dela, mas o ignorou. Se conseguisse alcançar Jem antes que ele estivesse machucado demais ou esmagado... mas enquanto corria uma sombra bloqueou sua visão. Ela parou e olhou para o rosto de um autômato estrábico, alcançando-a com as garras.

***

A força da queda e o peso do autômato nas costas arrancaram o ar dos pulmões de Jem quando ele atingiu o chão com força suficiente para deixar marcas. Por um instante, estrelas dançaram diante de seus olhos, e ele lutou para respirar, o peito em espasmos.
Antes de se tornar um Irmão do Silêncio, antes de tocarem a primeira faca de ritual em sua pele e cortarem as linhas no rosto para que o processo de transformação tivesse início, a queda e o ferimento poderiam tê-lo matado.
Agora, ao inspirar o ar de volta para os pulmões, se viu girando e alcançando o bastão, mesmo com a mão da criatura fechada em seu ombro.
E sentiu um tremor pelo corpo, provocado pela batida de metal contra metal. Jem pegou o bastão e o empunhou para cima, empurrando a cabeça do autômato para o lado, mesmo enquanto a parte superior do corpo metálico era levantada e jogada para o lado. Ele deu um chute no peso que ainda o prendia pelas pernas, e então isso também desapareceu, e Will estava ajoelhado ao lado dele, no chão. O rosto de Will estava pálido como cinzas.
— Jem.
Houve um silêncio em volta dos dois, um intervalo na batalha, uma pausa misteriosa e atemporal. O peso de mil coisas marcava a voz de Will: incredulidade e assombro, alívio e traição. Jem começou a lutar para se apoiar nos cotovelos no mesmo instante em que a espada de Will, suja de óleo negro e fendida com entalhes, caiu no chão.
— Você está morto — disse Will. — Eu senti quando morreu — e pôs a mão no coração, na camisa manchada de sangue, onde se localizava o símbolo parabatai. — Aqui.
Jem alcançou a mão de Will, pegou-a com a sua, e pressionou os dedos do irmão de sangue contra o próprio pulso. Esforçou-se para que o parabatai entendesse. Sinta meu pulso, a batida do sangue sob a pele; Irmãos do Silêncio têm corações que batemOs olhos azuis de Will se arregalaram.
— Eu não morri. Eu mudei. Poderia ter contado... se houvesse jeito...
Will o encarou, e seu peito subia e descia acelerado. O autômato havia arranhado um dos lados do rosto de Will. Ele sangrava de vários arranhões profundos, mas não parecia notar. Soltou a mão de Jem e exalou suavemente.
— Roeddwn i’n meddwl dy fod wedi mynd am byth — disse.
Falou, sem pensar, em galês, mas Jem entendeu assim mesmo. Os símbolos dos Irmãos do Silêncio significavam que para ele não havia língua desconhecida. Pensei que tivesse partido para sempre.
— Continuo aqui — disse Jem, então uma faísca passou pelo canto de seu olho, e ele se moveu velozmente, girando para o lado. Um machado de metal chiou no espaço pelo qual havia acabado de passar, e caiu no chão de pedra.
Autômatos o cercaram, um anel de metal que zumbia.
Will se levantou, com a espada na mão, e eles ficaram de costas um para o outro enquanto Will dizia:
— Não há símbolo eficiente contra eles; precisam ser destruídos à força...
— Percebi.
Jem agarrou o bastão e atacou intensamente, empurrando um autômato contra uma parede próxima. Faíscas voaram da carapaça de metal.
Will atacou com a espada, cortando os joelhos de duas criaturas.
— Gostei desse seu taco — comentou.
— É um bastão — Jem manejou a arma para empurrar outro autômato de lado — feito pelas Irmãs de Ferro apenas para os Irmãos do Silêncio.
Will avançou, cortando o pescoço de outro autômato. A cabeça rolou pelo chão, e uma mistura de óleo e vapor vazou da garganta cortada.
— Qualquer pessoa pode afiar um taco.
— É um bastão — repetiu Jem, e viu o sorriso de Will com o canto do olho.
Jem queria retribuir, e houve um tempo em que o teria feito naturalmente, mas alguma coisa na mudança pela qual passou o colocou a anos-luz de distância dos mais simples gestos mortais.
O salão era uma massa de corpos em movimento e de armas agitadas; Jem não conseguia enxergar nenhum dos Caçadores de Sombras com clareza. Tinha consciência da presença de Will ao seu lado, movendo-se no mesmo ritmo de Jem, igualando cada golpe. Enquanto metal batia em metal, alguma parte interna de Jem, alguma parte que havia se perdido sem que mesmo ele soubesse, sentiu prazer em lutar ao lado de Will pela última vez.
— Como queira, James — disse Will. — Como queira.

***

Tessa girou, elevando a adaga, e atacou o corpo metálico da criatura. A lâmina cortou com um terrível ruído, seguido por – o coração de Tessa ficou apertado – uma risada áspera.
— Srta. Gray — disse uma voz profunda, e ela levantou o olhar para ver a face lisa de Armaros — certamente, você é mais inteligente do que isso. Nenhuma arma tão pequena pode me cortar, tampouco você tem a força para isso.
Tessa abriu a boca para gritar, mas as mãos do autômato a alcançaram, e ele a levantou em seus braços, tapando a boca da menina para abafar-lhe o grito.
Através do torpor de movimentos no recinto, do brilho das espadas e do metal, ela viu Will cortando o autômato que caiu em cima de Jem. Ele se esticou para retirá-lo, exatamente quando Armaros rosnou ao seu ouvido:
— Posso ser feito de metal, mas tenho o coração de um demônio, e meu coração de demônio quer consumir sua carne.
Armaros começou a carregar Tessa para trás, mesmo enquanto ela lutava, mesmo enquanto o chutava com as botas. Ele empurrou a cabeça da menina para o lado, e os dedos afiados rasgaram a pele da bochecha da jovem.
— Não pode me matar — ela engasgou — meu anjo protege minha vida...
— Ah, não. É verdade que não posso matá-la, mas posso machucá-la. E machucar muito. Não tenho carne com a qual sentir prazer, então meu único prazer é provocar dor. Enquanto o anjo no seu pescoço protege você, de acordo com as ordens do Magistrado, preciso me conter, mas se os poderes do anjo falhassem, se isso acontecesse, eu a destruiria com minhas mandíbulas metálicas.
Estavam fora do círculo de luta agora, e o demônio a carregava para uma alcova, semioculta por um pilar de pedra.
— Vá em frente. Prefiro morrer por suas mãos a me casar com Mortmain.
— Não se preocupe — respondeu ele, e, ao passo que falava sem ar, as palavras ainda pareciam um sussurro em sua pele, fazendo Tessa estremecer de horror. Dedos frios de metal cercaram seus braços como algemas enquanto ele a arrastava para as sombras. — Certificar-me-ei das duas coisas.

***

Cecily viu o irmão cortar o autômato que atacava o Irmão Zacarias. O rugido do metal ao cair para a frente agrediu os tímpanos de Cecily. Ela correu em direção a Will, pegou uma adaga do cinto e, em seguida, caiu quando algo se fechou em seu calcanhar, derrubando-a.
Ela tombou sobre os joelhos e cotovelos, e girou para ver que o que a atacou foi a mão decepada de um autômato. Cortada pelo pulso, com líquido negro vazando dos fios que ainda se projetavam do metal rasgado, os dedos agarravam seu uniforme. Ela virou e girou, golpeando a coisa até os dedos soltarem e caírem no chão como um caranguejo morto, tremendo levemente.
Ela rosnou de desgosto e levantou, cambaleando, apenas para descobrir que não sabia mais onde estavam Will ou o Irmão Zacarias. A sala era um borrão caótico de movimentos. Ela viu Gabriel, de costas para o irmão, uma pilha de autômatos mortos ao redor dos dois. O uniforme de combate de Gabriel estava rasgado no ombro, e ele sangrava. Cyril ficou caído no chão. Sophie se movera para perto dele, desenhando um círculo com a espada, a cicatriz lívida no rosto pálido.
Cecily não estava vendo Magnus, mas identificou o rastro de faíscas azuis no ar, que indicava sua presença. E então havia Bridget, visível em lampejos entre os corpos em movimento das criaturas mecânicas: a arma, um borrão, os cabelos ruivos como uma bandeira ardente. E a seus pés...
Cecily começou a tentar abrir caminho por uma multidão que se aproximava. Na metade do caminho derrubou a adaga, pegando um machado de cabo longo que um dos autômatos havia derrubado. Achou-o surpreendentemente leve e emitiu um barulho muito satisfatório ao atingir o peito de um demônio mecânico que se esticou para agarrá-la, fazendo o autômato girar para trás.
E, em seguida, se viu pulando sobre uma pilha de autômatos caídos, a maioria destroçada, com os membros espalhados – sem dúvida, a origem da mão que a agarrou pelo calcanhar. Na outra extremidade da pilha, encontrava-se Bridget, rodando enquanto enfrentava a onda de monstros mecânicos que tentava avançar sobre Charlotte e Henry. Bridget dirigiu a Cecily apenas um olhar quando esta correu por ela e se ajoelhou ao lado da líder do Instituto.
— Charlotte — sussurrou Cecily.
Charlotte levantou os olhos. Estava com o rosto branco de choque, as pupilas tão dilatadas que pareciam ter engolido o castanho-claro dos olhos.
Abraçava Henry, a cabeça dele caída nos ombros frágeis da esposa, cujas mãos o agarravam pelo peito. Ele parecia completamente inerte.
— Charlotte — repetiu Cecily — não temos como vencer esta luta.
Precisamos recuar.
— Não posso carregar Henry!
— Charlotte... não podemos mais ajudá-lo.
— Não, podemos sim — respondeu Charlotte furiosamente — ainda consigo sentir o pulso.
Cecily esticou a mão.
— Charlotte...
— Não sou louca! Ele está vivo! Está vivo, e não vou deixá-lo!
— Charlotte, o bebê — disse Cecily — Henry ia querer que vocês se salvassem.
Algo piscou nos olhos de Charlotte, e ela apertou as mãos de Henry.
— Sem Henry, não podemos ir — respondeu. — Não sabemos fazer um Portal. Estamos presos nesta montanha.
Cecily perdeu o fôlego em um engasgo. Não tinha pensado nisso. O coração bateu um recado perverso em suas veias: Vamos morrer. Vamos todos morrer. Por que ela escolheu isso? Meu Deus, o que tinha feito? Levantou a cabeça, viu um lampejo familiar de azul e preto com o canto da visão – Will? O azul lembrava alguma coisa... através da fumaça...
— Bridget — disse ela — chame Magnus.
Bridget balançou a cabeça.
— Se eu deixá-las, morrerão em cinco minutos — afirmou.
Como uma ilustração do argumento, ela rebateu com sua espada um autômato que vinha com tudo, como se estivesse cortando gravetos. A criatura caiu para os lados, partida ao meio em partes iguais.
— Você não entende — disse Cecily — precisamos de Magnus...
— Estou aqui.
E lá estava ele, aparecendo sobre Cecily tão repentina e silenciosamente que esta conteve um gritinho. Tinha um longo corte na clavícula, superficial, porém ensanguentado. Feiticeiros sangravam tão vermelho quanto humanos, ao que parecia. Olhou para Henry, e uma terrível tristeza passou por seu rosto. O olhar de um homem que já havia visto centenas de mortes, que já tinha perdido repetidas vezes e encarava a perda mais uma vez.
— Meu Deus — falou — ele era um bom homem.
— Não — disse Charlotte — estou falando, senti o pulso... Não fale como se ele já estivesse...
Magnus se ajoelhou e esticou a mão para tocar as pálpebras de Henry.
Cecily ficou imaginando se ele pretendia dizer av atque vale, a despedida obrigatória para Caçadores de Sombras, mas, em vez disso, ele retraiu a mão, cerrando os olhos. Um instante mais tarde, colocou os dedos na garganta de Henry. Murmurou alguma coisa em uma língua que Cecily não entendeu e, em seguida, se aproximou, levantando a mão para o queixo de Henry.
— Fraco — disse ele, um pouco para si mesmo — fraco, mas o coração ainda bate.
Charlotte respirou fundo.
— Eu falei.
Os olhos de Magnus desviaram para ela.
— Falou. Sinto muito por não ter escutado com atenção — ele olhou novamente para Henry — agora fiquem quietos, todos vocês.
Levantou a mão que não estava na garganta de Henry e estalou os dedos. Imediatamente o ar ao redor pareceu engrossar e se solidificar como vidro. Uma cúpula dura apareceu sobre eles, prendendo Henry, Charlotte, Cecily e Magnus em uma bolha brilhante de silêncio. Através dela, Cecily ainda conseguia enxergar a sala em volta, a luta contra os autômatos, Bridget atacando de um lado para o outro.
Lá dentro, tudo quieto.
Ela olhou rapidamente para Magnus.
— Você fez uma parede protetora.
— Sim — estava com a atenção voltada para Henry — muito bem.
— Não pode fazer uma para todo mundo e mantê-la assim? Manter todos protegidos?
Magnus balançou a cabeça.
— Mágica requer energia, pequena. Só conseguiria sustentar uma proteção dessas por um curto período, e, quando ela caísse, eles cairiam em nós.
Inclinou-se para a frente, murmurando alguma coisa, e uma faísca azul saltou de seu dedo para a pele de Henry. O fogo azul-claro pareceu penetrar, acendendo uma espécie de fogueira pelas veias do homem, como se Magnus tivesse acendido um fósforo em uma linha de pólvora, e traços de fogo queimavam-lhe os braços, percorrendo pescoço e rosto.
Charlotte, que o segurava, engasgou quando o corpo dele tremeu e a cabeça levantou. Os olhos de Henry se abriram. Tingidos pelo mesmo fogo que ardia-lhe nas veias.
— Eu... — A voz estava rouca. — O que aconteceu?
Charlotte começou a chorar.
— Henry! Ah, meu querido Henry.
Ela o abraçou e o beijou freneticamente, e ele passou os dedos pelo cabelo da esposa e a manteve assim; Magnus e Cecily desviaram o olhar.
Quando finalmente Charlotte soltou Henry, ainda acariciando o cabelo do marido e murmurando, ele se esforçou para sentar e caiu novamente. Seus olhos encontraram os de Magnus, que olhou para baixo e para o lado, abaixando as pálpebras com exaustão e mais alguma coisa. Algo que fez o coração de Cecily se apertar.
— Henry — disse Charlotte, soando um pouco assustada — a dor está muito forte? Você consegue levantar?
— A dor é pouca — respondeu — mas não consigo levantar. Não consigo sentir minhas pernas.
Magnus continuava olhando para baixo.
— Sinto muito. Existem coisas que a magia não pode fazer, alguns ferimentos que não pode tocar.
Foi terrível ver a expressão de Charlotte.
— Henry...
— Ainda consigo fazer o Portal — interrompeu Henry. Sangue pingava do canto da boca; ele limpou com a manga — podemos escapar daqui. Temos de recuar — tentou virar, olhar em volta, e fez uma careta, empalidecendo — o que está acontecendo?
— Estamos em número muito menor — explicou Cecily — todos estão lutando para sobreviver...
— Para sobreviver, mas não para vencer? — perguntou Henry.
Magnus balançou a cabeça.
— Não podemos vencer. Não há esperança. Eles são muitos.
— E Tessa e Will?
— Will a encontrou — respondeu Cecily — estão aqui, no salão.
Henry fechou os olhos, respirando fundo, e os abriu novamente. O tom azul já tinha começado a desbotar.
— Então, precisamos fazer um Portal. Mas, primeiro, temos de chamar a atenção de todos: separá-los dos autômatos para que não sejamos todos sugados pelo Portal do Instituto. A última coisa que necessitamos é que alguma dessas Peças Infernais vá parar em Londres — ele olhou para Magnus — enfie a mão no bolso do meu casaco.
Enquanto Magnus esticava o braço, Cecily viu que sua mão tremia ligeiramente. Sem dúvida, o esforço de sustentar a proteção estava começando a esgotá-lo.
Ele retirou a mão do bolso de Henry. Nela havia uma pequena caixa dourada, sem dobradiças nem aberturas visíveis.
As palavras de Henry saíram com dificuldade.
— Cecily... pegue, por favor. Pegue e jogue. O mais forte e mais longe que puder.
Magnus entregou a caixa para Cecily com dedos trêmulos. Estava quente em sua mão, apesar de ela não saber se era por causa de algum calor interno ou por estar no bolso de Henry.
Ela olhou para Magnus. Seu rosto estava esgotado.
— Vou abaixar a proteção agora — disse — jogue, Cecily.
Levantou as mãos. Faíscas voaram; a parede brilhou e desapareceu. Cecily retraiu o braço e jogou a caixa.
Por um instante, nada aconteceu. Então, veio uma implosão abafada, um barulho interno, como se tudo tivesse sido sugado por um enorme ralo. Os ouvidos de Cecily estalaram, e ela afundou para o chão, colocando as mãos nos lados da cabeça. Magnus também estava ajoelhado, e o pequeno grupo se acumulou, como se uma ventania intensa soprasse pelo recinto.
O vento rugiu, e, junto com o ruído deste, veio o som de metal rasgando e rangendo enquanto as criaturas mecânicas começavam a cambalear e tropeçar.
Cecily viu Gabriel correr para fora do caminho enquanto um autômato caía a seus pés e começava a sofrer espasmos, com os braços e as pernas de ferro balançando como se estivessem no meio de um ataque histérico. Os olhos dela desviaram para Will e para o Irmão do Silêncio que lutava a seu lado e cujo capuz havia caído. Mesmo com tudo que estava acontecendo, Cecily sentiu um choque. O Irmão Zacarias era... Jem. Ela sabia, todos sabiam, que Jem tinha ido para a Cidade do Silêncio para se tornar um Irmão do Silêncio ou morrer tentando, mas que ele estaria bem o suficiente para estar aqui agora, com eles, lutando ao lado de Will como de costume, que ele teria força...
Ouviu-se uma batida quando um monstro mecânico caiu no chão entre Will e Jem, forçando-os a se separar. O cheiro parecia o que precedia uma tempestade.
— Henry... — O cabelo de Charlotte voou por seu rosto.
O rosto de Henry estava contorcido de dor.
— É... uma espécie de Pyxis. Feita para arrancar almas demoníacas de seus corpos. Antes da morte. Não tive tempo... de aperfeiçoá-la. Mas pareceu uma tentativa válida.
Magnus se levantou, cambaleando. Sua voz se elevou sobre o som de metal amassando e dos gritos agudos dos demônios.
— Venham aqui! Todos vocês! Reúnam-se, Caçadores de Sombra!
Bridget se manteve firme, ainda lutando contra dois autômatos cujos movimentos se tornaram desajeitados e desequilibrados, mas os outros começaram a correr em direção a eles: Will, Jem, Gabriel... mas Tessa, onde estava Tessa? Cecily notou que Will percebeu a ausência de Tessa ao mesmo tempo que ela; ele se virou, com a mão no braço de Jem, e os olhos azuis examinaram a sala. Ela viu os lábios do irmão formarem a palavra “Tessa” apesar de não conseguir escutar nada com o uivo do vento e o barulho dos metais...
— Pare.
Um raio de luz prateada se lançou ao chão, como um garfo, do alto da cúpula, e explodiu pelo recinto como faíscas de uma queima de fogos. O vento se acalmou e cessou, deixando a sala com um silêncio ressonante.
Cecily levantou o olhar. Na galeria, a meia altura em direção à cúpula, viu um homem com um terno escuro elegante, um homem que reconheceu imediatamente.
Era Mortmain.

***

— Pare.
A voz ecoou pelo salão, enviando calafrios pelas veias de Tessa. Mortmain.
Ela conhecia a fala, a voz, apesar de não conseguir enxergar nada além do pilar de pedra que ocultava a alcova para onde Armaros a arrastou. O demônio autômato continuou segurando-a com firmeza mesmo durante a explosão que balançou o recinto, seguida por uma ventania que passou pelo aposento, deixando-os intocados.
Agora fazia silêncio, e Tessa queria desesperadamente se livrar dos braços metálicos que a prendiam, correr pelo salão e verificar se algum de seus amigos, aqueles que amava, tinha sido ferido ou morto. Mas lutar contra ele era como lutar contra uma parede. Mesmo assim continuou chutando enquanto a voz de Mortmain soava novamente:
— Onde está a Srta. Gray? Tragam-na para mim.
Armaros emitiu um ruído estridente e entrou em ação. Ergueu Tessa pelos braços e a levou da alcova para o salão principal.
O cenário era de caos. Os autômatos permaneceram congelados, olhando para o mestre. Muitos estavam caídos no chão ou desmembrados. O piso estava escorregadio com uma mistura de sangue e óleo.
No centro, em um círculo, encontravam-se os Caçadores de Sombras e seus companheiros. Cyril se ajoelhou com um pedaço ensanguentado de atadura envolvendo sua perna. Perto dele, Henry, meio sentado, meio deitado nos braços de Charlotte. Estava pálido, tão pálido... Os olhos de Tessa encontraram os de Will quando ele levantou a cabeça e a viu. Um olhar de desalento passou por seu rosto, e ele avançou. Jem o segurou pela manga. Também olhava para Tessa; com olhos arregalados, escuros e apavorados. Ela desviou o olhar de ambos, para o alto, para Mortmain. Ele estava na grade da galeria acima, como um pastor em um púlpito, e sorriu para baixo.
— Srta. Gray. Que bom que se juntou a nós.
Ela cuspiu, sentindo gosto de sangue onde os dedos do autômato a arranharam na bochecha.
Mortmain ergueu uma sobrancelha.
— Coloque-a no chão — ordenou — mantenha as mãos nos ombros dela.
O demônio obedeceu com um riso baixo. Assim que os sapatos de Tessa tocaram o chão, ela se esticou, levantando o rosto e olhando com raiva para Mortmain.
— Dá azar ver a noiva antes do casamento — disse ela.
— De fato — disse Mortmain. — Mas azar para quem?
Tessa não olhou em volta. A visão do bando de autômatos e do pequeno grupo de Caçadores de Sombras, que eram tudo que se colocava entre os dois, era dolorosa demais.
— Os Nephilim já penetraram sua fortaleza — falou — haverá outros. Vão cercar seus autômatos e destruí-los. Renda-se agora e talvez consiga sair vivo.
Mortmain jogou a cabeça para trás e riu.
— Bravo, senhorita. Está cercada pela derrota e exige que eu me renda.
— Não estamos derrotados... — começou Will, e Mortmain chiou através de dentes cerrados, audível no salão ecoante.
Ao mesmo tempo, todos os autômatos viraram as cabeças para Will; uma terrível sincronia.
— Nem uma palavra de vocês, Nephilim — disse Mortmain — a próxima vez que algum de vocês falar será a última.
— Deixe-os ir — disse Tessa — isso não tem nada a ver com eles. Deixe-os ir, e eu fico.
— Você não tem meios para barganhar — disse Mortmain. — Está enganada se acha que outros Caçadores de Sombras virão ajudar. Neste exato momento, boa parte do meu exército está destruindo seu Conselho — Tessa ouviu Charlotte engasgar, um ruído baixo e abafado — muito inteligente da parte dos Nephilim se reunirem em um mesmo lugar, para que eu pudesse dar um só golpe.
— Por favor — disse Tessa — não faça nada com eles. Suas mágoas contra os Nephilim não passam disso. Mas se estiverem todos mortos, quem vai aprender com sua vingança? Quem vai reparar? Se não houver quem aprenda com o passado, ninguém transmitirá suas lições. Deixe que vivam. Permita que transmitam seus ensinamentos no futuro. Eles podem ser seu legado.
Ele assentiu pensativamente, como se pesasse as palavras de Tessa.
— Vou poupá-los; vou mantê-los aqui, como nossos prisioneiros. Isso a manterá satisfeita e obediente — a voz ficou mais severa — porque você os ama e porque se tentar escapar, matarei todos — ele fez uma pausa — o que me diz, senhorita Gray? Fui generoso e agora me deve gratidão.
O único ruído no salão foi o rangido dos autômatos e do próprio sangue de Tessa latejando em seus ouvidos. Percebia agora o que a Sra. Black quis dizer na carruagem. E quanto mais sabe sobre eles, mais solidariedade tem a eles e maior será sua eficiência como arma para destruí-los. Tessa havia se tornado uma Caçadora de sombras, mesmo que não completamente como eles. Importava-se com eles e os amava, e Mortmain utilizaria esse carinho e amor para manipulála. Para salvar quem amava, condenaria a todos. No entanto, permitir que Will e Jem, Charlotte e Henry, Cecily e os outros morressem era impensável.
— Sim. — Ela ouviu Jem, ou teria sido Will, emitir um ruído abafado. — Sim, eu aceito. — Tessa olhou para cima. — Diga ao demônio que me solte e subirei até você.
Ela viu os olhos de Mortmain se cerrarem.
— Não — disse ele — Armaros, traga-a para mim.
As mãos do demônio apertaram os braços dela; Tessa mordeu o lábio de dor. Como em solidariedade, o anjo mecânico na garganta vibrou.
Poucos podem reclamar um único anjo que os guarde. Mas você pode.
A mão de Tessa foi para o pescoço. O anjo pareceu bater sob seus dedos, como se respirasse, como se tentasse lhe comunicar alguma coisa. Sua mão apertou em torno dele, as pontas das asas cortando sua palma. Pensou no sonho.
E... esta é sua forma verdadeira? É assim?
Vê apenas uma fração do que sou. Em minha verdadeira forma, sou uma glória mortal.
As mãos de Armaros se fecharam nos braços de Tessa.
Seu anjo mecânico contém um pedaço do espírito de um anjo, Mortmain dissera. Ela pensou na marca branca de estrela que o anjo deixou no ombro de Will. Pensou no rosto liso, lindo e imóvel do anjo, nas mãos frias que a seguraram quando caiu da carruagem da Sra. Black para as turbulentas águas abaixo.
O demônio começou a levantá-la.
Tessa pensou no sonho.
Respirou fundo. Não sabia se o que estava prestes a fazer era sequer possível ou se era apenas loucura. Enquanto Armaros a levantava com as mãos, ela fechou os olhos, alcançando com a mente, dentro do anjo mecânico. Tropeçou por um momento pelo espaço escuro, em seguida para um limbo cinzento, buscando aquela luz, a faísca do espírito, aquela vida...
E lá estava, uma chama súbita, uma fogueira, mais luminosa do que qualquer faísca que já houvesse visto. Alcançou-a, enrolando-se, como bobinas de fogo branco que ardiam e marcavam sua pele. Tessa gritou...
E se Transformou.
Fogo branco explodiu por suas veias. Ela se elevou, o uniforme de combate rasgou e caiu, e a luz ardeu ao redor. Ela era fogo. Uma estrela cadente. Os braços de Armaros foram arrancados do corpo de Tessa – silenciosamente, ele derreteu e se dissolveu, incinerado pelo fogo divino que ardia por ela.
Ela estava voando – voando para o alto. Não, estava se elevando, crescendo. Seus ossos se esticaram e alongaram, como uma estrutura se expandindo para fora e para cima enquanto ela crescia absurdamente. Sua pele estava dourada, e aumentava e rasgava enquanto ela subia como o pé de feijão do velho conto de fadas, e onde a pele rasgava, substância dourada vazava dos ferimentos. Cachos como raspas de metal branco e quente cresciam de sua cabeça, cercando seu rosto. E das costas surgiam asas – asas imensas, maiores do que as de qualquer pássaro.
Ela supôs que devesse se apavorar. Ao olhar para baixo, viu os Caçadores de Sombras encarando-a, boquiabertos. Toda a sala foi preenchida por uma luz devastadora, que vinha dela. Ela havia se tornado Ithuriel. O fogo divino dos anjos ardia através dela, queimando seus ossos, agredindo seus olhos. Mas sentiu apenas uma calma firme.
Estava a 6 metros do chão, com os olhos fixos em Mortmain, que havia congelado de pavor, agarrando a grade da bancada. O anjo mecânico, afinal, fora um presente dele para a mãe. Jamais devia ter imaginado que seria utilizado desta forma.
— Não é possível — disse ele, rouco. — Não é possível...
Você aprisionou um anjo do Céu , disse Tessa, apesar de não ser sua voz falando, mas a de Ithuriel que se comunicava através dela. A voz dele ecoou por seu corpo como a vibração de um gongo. Distante, ela se viu imaginando se seu coração estava batendo – anjos tinham coração? Será que isso a mataria? Se matasse, valeria a pena. Tentou criar vida. Vida é a competência do Céu. E o Céu não gosta de usurpadores.
Mortmain se virou para correr. Mas ele era lento, como todos os humanos. Tessa esticou a mão, a mão de Ithuriel, e a fechou nele enquanto tentava correr, levantando-o do chão. Ele se contorcia, já queimando, enquanto Tessa cerrava a garra, esmagando o corpo dele em uma gelatina de sangue vermelho e ossos brancos.
Ela abriu os dedos. O corpo esmagado de Mortmain caiu, batendo no chão entre os próprios autômatos. Houve um tremor, um grande grito metálico, como se um prédio desmoronasse, e os autômatos começaram a cair, um por um, sucumbindo ao chão, mortos sem seu Magistrado para animá-los. Um jardim de flores de metal, secando e morrendo uma por uma, e os Caçadores de Sombras estavam no centro, olhando em volta, assombrados.
E, então, Tessa percebeu que ainda tinha um coração, pois este pulou de alegria ao vê-los vivos e seguros. Contudo, enquanto esticava para eles as mãos douradas – uma agora manchada de vermelho, com o sangue de Mortmain misturado à substância dourada de Ithuriel – eles se encolheram por causa do brilho da luz que a cercava. Não, não, queria dizer, eu jamais os machucaria, mas as palavras não vieram. Ela não conseguia falar; o ardor era forte demais.
Lutou para encontrar o caminho de volta a si, queria se Transformar em Tessa outra vez, mas estava perdida no fogo, como se tivesse caído no coração do sol.
Uma agonia de chamas explodiu nela, e ela sentiu que começava a cair, com o anjo mecânico vermelho e quente em sua garganta. Por favor, pensou ela, mas tudo era fogo e ardor, e ela caiu, inconsciente, na luz.

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