Capítulo 22 - Trovão na Trombeta

Pois até que venha o trovão na trombeta,
A alma pode se separar do corpo, mas nós não
Nos separaremos um do outro.
– Algernon Charles Swinburne, Laus Veneris

Criaturas mecânicas tiraram Tessa das brumas negras. O fogo corria por suas veias, e, quando ela olhou para baixo, estava com a pele rachada e cheia de bolhas, e substância dourada escorria em rios por seus braços. Ela viu os infinitos campos do Paraíso, viu um céu constantemente ardente com um brilho que cegaria qualquer humano. Viu nuvens prateadas nas beiradas, como lâminas, e sentiu o vazio gelado dos corações dos anjos.
— Tessa. — Era Will; ela reconheceria seu jeito de falar em qualquer lugar. —Tessa, acorde, acorde. Tessa, por favor.
Pôde ouvir a dor na voz dele, e queria alcançá-lo, mas, ao levantar os braços, as chamas se elevavam e queimavam seus dedos. Suas mãos viraram cinzas e voaram ao vento quente.

***

Tessa se debateu na cama em um delírio de febre e pesadelos. Os lençóis, retorcidos sobre ela, estavam ensopados de suor, os cabelos grudados às têmporas. A pele, sempre pálida, quase transparente, mostrava o mapeamento das veias e a forma dos ossos. O anjo mecânico estava em seu pescoço; vez ou outra, ela o pegava e gritava com uma voz perdida, como se o toque doesse.
— Ela está em tanta agonia — Charlotte mergulhou um pano em água fria e o pressionou contra a testa ardente de Tessa.
A menina emitiu um ruído de protesto contra o toque, mas não tentou bater na mão de Charlotte, que gostaria de acreditar que era porque os panos molhados estavam ajudando, mas sabia que era mais provável que Tessa estivesse simplesmente exausta.
— Não há mais nada que possamos fazer?
O fogo do anjo está deixando seu corpo. O Irmão Enoch, ao lado de Charlotte, falou com seu sussurro sombrio e onidirecional. Vai demorar o tempo que demorar. Ficará livre da dor quando acontecer.
— Mas ela vai sobreviver?
Sobreviveu até aqui. O Irmão do Silêncio soou severo. O fogo deveria tê-la matado. Teria matado qualquer ser humano normal. Mas ela é parte Caçadora de Sombras, parte demônio, e era protegida pelo anjo cujo fogo clamou. Ele a protegeu mesmo naqueles últimos momentos enquanto ardia e queimava a própria forma corpórea.
Charlotte não pôde deixar de se lembrar da sala circular sob Cadair Idris, de Tessa avançando e se transformando de garota a chamas, ardendo como uma coluna de fogo, os cabelos passando de fios a faíscas, a luz ofuscante e assustadora. Ajoelhada no chão, ao lado do corpo de Henry, Charlotte ficou imaginando como anjos podiam arder daquele jeito e viver.
Quando o anjo deixou Tessa, ela caiu, com as roupas penduradas em farrapos e a pele coberta por marcas, como se ela tivesse sido queimada. Vários Caçadores de Sombras correram para o lado dela entre autômatos abatidos, apesar de ter sido tudo um borrão para Charlotte – eram cenas vistas através das lentes trêmulas do terror que sentia por Henry: Will levantou Tessa em seus braços; a fortaleza do Magistrado começou a se fechar, portas bateram enquanto corriam pelos corredores, e o fogo azul de Magnus iluminou uma rota de fuga. A criação de um segundo Portal. Mais Irmãos do Silêncio aguardando no Instituto, com mãos e faces cheias de cicatrizes, bloqueavam Charlotte enquanto se fechavam em torno de Henry e Tessa. Will olhando para Jem, com a expressão apavorada. Ele recorreu ao parabatai.
— James — dissera. — Pode descobrir... o que estão fazendo com ela... se vai sobreviver...
Mas o Irmão Enoch se colocou entre eles.
O nome dele não é James Carstairs, dissera. Agora é Zacarias.
O olhar de Will, a maneira como abaixou a mão...
— Deixe que ele fale por si próprio.
Mas Jem apenas se virou, se afastou de todos eles, e saiu do Instituto. Will o observou sair, incrédulo, e Charlotte se lembrou da primeira vez em que os meninos se encontraram: está mesmo morrendo? Sinto muito.
Foi Will, espantado e incrédulo, que explicou a todos eles, pausadamente, a história de Tessa: a função do anjo mecânico, o conto dos desafortunados Starkweather, e a forma não ortodoxa pela qual ela foi concebida. Aloysius tinha razão, pensou Charlotte. Tessa era sua bisneta. Uma descendente que ele jamais conheceria, pois fora morto no massacre do Conselho.
Charlotte não conseguia deixar de imaginar como teria sido quando as portas do Conselho se abriram e os autômatos invadiram. Não era obrigatório que o Conselho se reunisse sem armas, mas não estavam preparados para o combate. E a maioria dos Caçadores de Sombras jamais havia enfrentado um autômato. Só de imaginar o ataque, teve calafrios. Sentia-se oprimida pela enormidade da perda para o mundo dos Caçadores de Sombras, embora pudesse ter sido bem pior se Tessa não tivesse feito o sacrifício. Todos os autômatos sucumbiram com a morte de Mortmain, mesmo aqueles nos salões do Conselho, e a maioria dos Caçadores de Sombras sobreviveu, apesar de ter havido muitas baixas – incluindo o Cônsul.
— Parte demônio e parte Caçadora de Sombras — murmurava Charlotte agora, olhando para Tessa — o que isso faz dela?
Sangue Nephilim é dominante. Uma nova espécie de Caçadores de Sombras. Novo nem sempre é ruim, Charlotte.
Foi por causa desse sangue Nephilim que foram longe a ponto de tentar aplicar runas em Tessa, mas as Marcas simplesmente afundaram em sua pele e desapareceram, como palavras escritas em água. Charlotte agora esticava o braço para tocar a clavícula da menina, onde o símbolo fora marcado. Sua pele estava quente ao toque.
— O anjo mecânico — observou Charlotte — parou de bater.
A presença do anjo o deixou. Ithuriel está livre, e Tessa sem proteção, embora com a morte do Magistrado e pelo fato de ser uma Nephilim, provavelmente ela esteja segura. Contanto que não tente se transformar em anjo outra vez. Isso certamente a mataria.
— Há outros perigos.
Todos devemos enfrentar perigos, disse o Irmão Enoch. Era a mesma voz fria, mental e imperturbável que utilizou ao informá-la que Henry viveria, mas não voltaria a andar.
Na cama, Tessa se mexeu, gritando com a voz seca. Enquanto dormia, desde a batalha, chamava nomes. Chamou Nate, a tia e Charlotte.
— Jem — sussurrou agora, agarrando a colcha.
Charlotte deu as costas para Enoch ao pegar novamente o pano e passá-lo na testa de Tessa. Sabia que não deveria perguntar, mas...
— Como ele está? Nosso Jem? Ele está... se adaptando à Irmandade?
Sentiu a reprovação de Enoch.
Sabe que não posso falar disso. Ele não é mais seu Jem. Agora é o Irmão Zacarias. Precisa se esquecer dele.
— Esquecê-lo? Não posso esquecê-lo — respondeu Charlotte. — Ele não é como seus outros Irmãos, Enoch; sabe disso.
Os rituais que fazem um Irmão do Silêncio são nossos segredos mais profundos.
— Não estou pedindo para saber dos rituais — argumentou — mas sei que a maioria dos Irmãos do Silêncio rompe os laços com suas vidas mortais antes de ingressarem na Irmandade. James não pôde fazer isso. Ele ainda tem aquela característica que o prende a este mundo — olhou para Tessa, cujas pálpebras tremiam enquanto respirava asperamente — é uma corda que os prende, um ao outro, e, a não ser que seja dissolvida adequadamente, temo que possa ferir os dois.

***

“Ela vem, minha, meu doce;
Passos tão graciosos,
Meu coração a ouviria e bateria,
Se fosse a terra de um canteiro;
Meu mundo de terra a ouviria e bateria,
Se eu tivesse passado um século morto;
Tremeria sob seus pés
E floresceria em roxo e vermelho.”

— Céus — disse Henry, irritado, enquanto puxava as mangas sujas de tinta do robe — não pode ler algo menos deprimente? Alguma coisa com uma boa batalha.
— É Tennyson — respondeu Will, e deslizou os pés para fora do divã perto do fogo. Estavam na sala de estar, a cadeira de Henry perto da lareira e um caderno aberto em seu colo. Ele continuava pálido desde a batalha em Cadair Idris, apesar de estar começando a recuperar a cor. — Vai expandir sua mente.
Antes que Henry pudesse responder, a porta se abriu e Charlotte entrou, parecendo exausta, as mangas bordadas do vestido com manchas de água. Will imediatamente pousou o livro, e Henry também levantou os olhos do caderno.
Charlotte olhou de um para o outro e notou o livro sobre a mesa ao lado do chá.
— Andou lendo para Henry, Will?
— Sim, uma porcaria cheia de poesia
O marido segurava uma caneta e tinha papéis espalhados pelo colo e sobre a coberta.
Henry recebeu com a força habitual a notícia de que nem a cura dos Irmãos do Silêncio o faria voltar a andar. E com a convicção de que precisava construir uma cadeira, como uma espécie de cadeira de banho, mas melhor, com rodas que se guiassem sozinhas e vários outros equipamentos. Estava determinado a conseguir subir e descer escadas, para poder continuar acessando suas invenções no porão. Durante toda a hora em que Will leu Maud, ele rabiscara desenhos da cadeira, pois poesia nunca fora um de seus interesses.
— Bem, Will, você está liberado de suas obrigações, e, Henry, das poesias — disse Charlotte — se quiser, querido, posso ajudá-lo a reunir as anotações...
Ela contornou a cadeira do marido e esticou o braço por cima do ombro dele, ajudando a juntar os papéis em uma pilha. Ele a segurou pelo pulso enquanto ela se movia e olhou para ela: um olhar de tanta confiança e adoração que fez Will ter a impressão de que pequenas facas cortavam-lhe a pele.
Não que invejasse Charlotte e Henry pela felicidade compartilhada – longe disso. Mas não podia deixar de pensar em Tessa. Nas esperanças que cultivou e depois reprimiu. Imaginava se algum dia ela o olharia assim. Achava que não. Empenhou-se tanto em destruir sua confiança e, apesar de tudo, queria ter uma chance verdadeira de refazê-la, não podia deixar de temer...
Will afastou os pensamentos sombrios e se levantou, prestes a explicar que pretendia ver Tessa. Antes que pudesse falar, ouviu uma batida à porta, e Sophie entrou, parecendo muito ansiosa. A ansiedade foi explicada logo depois quando o Inquisidor a seguiu para dentro da sala.
Will, acostumado a vê-lo com túnicas cerimoniais em reuniões do Conselho, quase não reconheceu o homem severo com o casaco cinza e as calças escuras. Tinha uma cicatriz na bochecha que não estava ali antes.
— Inquisidor Whitelaw — Charlotte se esticou, com a expressão subitamente séria — a que devo a honra da visita?
— Charlotte — disse o Inquisidor, e estendeu a mão. Trazia uma carta com o selo do Conselho — trouxe um recado para você.
Charlotte o olhou, espantada.
— Não podia ter enviado?
— Esta carta é de suma importância. É imperativo que a leia agora.
Lentamente, Charlotte esticou o braço e a pegou. Puxou a dobra, em seguida, franziu o rosto e atravessou a sala para pegar um abridor de cartas da escrivaninha.
Will aproveitou a oportunidade para olhar dissimuladamente para o Inquisidor. O homem estava com o rosto franzido para Charlotte e ignorou Will solenemente. Will não pôde deixar de imaginar se a cicatriz seria uma relíquia da batalha do Conselho com os autômatos de Mortmain.
Ele não tivera dúvida de que todos morreriam juntos, sob a montanha, e então Tessa voou em toda a glória do anjo e atingiu Mortmain como um raio caindo em uma árvore. Foi uma das coisas mais impressionantes que já vira, mas o assombro logo foi consumido pelo terror quando ela caiu após a Transformação, sangrando e inconsciente, por mais que ele tentasse acordá-la.
Magnus, exausto, mal deu conta de abrir um Portal para o Instituto com a ajuda de Henry, e Will lembrava-se apenas de um borrão depois disso, um borrão de fadiga, sangue e medo, mais Irmãos do Silêncio convocados para atender os feridos, e a notícia do Conselho de que todos foram mortos na batalha, antes dos autômatos se desintegrarem com a morte de Mortmain. E Tessa... Tessa sem falar, sem acordar, sendo carregada para o quarto pelos Irmãos do Silêncio, e ele sem poder acompanhá-la. Por não ser irmão nem marido, só podia ficar parado e esperar, abrindo e fechando as mãos sujas de sangue. Jamais havia se sentido tão desamparado.
E quando se virou para encontrar Jem, para compartilhar seu medo com a única pessoa no mundo que amava Tessa tanto quanto ele – Jem se fora, de volta à Cidade do Silêncio, por ordens dos Irmãos. Ele se fora sem dizer nada, sem se despedir.
Apesar de Cecily ter tentado confortá-lo, Will estava irritado – irritado com Jem e com o Conselho, e com a própria Irmandade, por permitirem que ele se tornasse um Irmão do Silêncio apesar de Will saber que isso era injusto, que a escolha tinha sido de Jem e que foi a única forma de mantê-lo vivo. No entanto, desde o retorno ao Instituto, Will se sentia constantemente nauseado – como se há anos vivesse em um navio ancorado e, de repente, tivesse sido solto para navegar pelas marés, sem saber que direção seguir. E Tessa...
O som de papel rasgando interrompeu seus pensamentos enquanto Charlotte abria a carta e a lia, empalidecendo. Ela levantou os olhos e encarou o Inquisidor.
— Isso é alguma brincadeira?
A carranca do Inquisidor se intensificou.
— Não é brincadeira, garanto a você. Tem uma resposta?
— Lottie — disse Henry, olhando para a esposa, e até seus cabelos ruivos irradiavam ansiedade e amor — Lottie, o que foi? Qual é o problema?
Ela olhou para ele, depois para o Inquisidor.
— Não — respondeu. — Não tenho uma resposta. Ainda não.
— O Conselho não quer... — começou, e em seguida pareceu notar Will pela primeira vez. — Se eu puder conversar com você em particular, Charlotte.
Charlotte se empertigou.
— Não vou pedir que Henry e Will se retirem.
Os dois homens se entreolharam, com olhares firmes. Will sabia que Henry o fitava com ansiedade. Depois do desentendimento entre Charlotte e o Cônsul, todos esperaram impacientemente que o Conselho entregasse alguma espécie de avaliação. O controle sobre o Instituto parecia precário. Will percebeu isso no singelo tremor das mãos e na rigidez da boca de Charlotte.
De repente, desejou que Jem ou Tessa estivessem aqui, alguém com quem pudesse falar, para quem pudesse perguntar o que poderia fazer por Charlotte, a quem tanto devia.
— Tudo bem — disse ele, levantando. Queria ver Tessa, mesmo que ela não abrisse os olhos e não o reconhecesse. — Estava mesmo de saída.
— Will... — protestou Charlotte.
— Tudo bem, Charlotte — repetiu Will, e passou pelo Inquisidor, seguindo para a porta.
Uma vez no corredor, apoiou-se contra a parede por um instante, para se recuperar. Não pôde deixar de se lembrar de suas próprias palavras; meu Deus, parecia que tinha sido há um milhão de anos e não tinha mais nenhuma graça: o Cônsul? Interrompendo nosso café da manhã? Quem será o próximo? Os Inquisidor para o chá?
Se o Instituto fosse tirado de Charlotte...
Se todos perdessem a casa...
Se Tessa...
Não conseguiu concluir o pensamento. Tessa viveria; tinha de viver.
Enquanto ele partia pelo corredor, pensou nos azuis, verdes e cinza de Gales. Talvez pudesse voltar para lá, com Cecily, se o Instituto fosse perdido, podiam constituir uma vida em seu país natal. Não seria igual à de Caça às Sombras, mas sem Charlotte, sem Henry, sem Jem, Tessa, Sophie ou até mesmo os malditos Lightwood, ele não queria ser Caçador de Sombras. Eram sua família, e eram preciosos para ele – e apenas tarde demais, pensou, compreendeu isso.

***

— Tessa. Acorde. Por favor, acorde.
Agora era a voz de Sophie, cortando a escuridão. Tessa lutou, forçando os olhos a se abrirem por uma fração de segundos. Viu seu quarto no Instituto, a mobília familiar, as cortinas abertas, a fraca luz do sol projetando quadrados no chão. Ela fez um esforço para segurar a realidade. Era assim: breves períodos de lucidez entremeados por febre e pesadelos – nunca o bastante, nunca o suficiente para se manifestar, falar. Sophie, lutou para sussurrar, mas os lábios secos não conseguiam. Um raio passou por sua visão e dividiu o mundo. Ela gritou em silêncio enquanto o Instituto ruía e escapava dela na escuridão.

***

Foi Cyril quem finalmente contou a Gabriel que Cecily estava no estábulo, depois que o mais novo dos Lightwood passou boa parte do dia procurando-a em vão – embora torcesse para não parecer óbvio – pelo Instituto.
Veio o crepúsculo, e o estábulo estava cheio de luzes quentes e amareladas, e do cheiro de cavalos. Cecily agora estava perto de Balios, com a cabeça apoiada no pescoço do grande cavalo negro. Seus cabelos, quase da mesma cor, estavam soltos sobre os ombros. Ao virar para olhar para ele, Gabriel notou o brilho vermelho do rubi em sua garganta.
Um olhar de preocupação passou pelo rosto da menina.
— Aconteceu alguma coisa com Will?
— Will? — Gabriel se espantou.
— Pensei... o jeito como me olhou... — Ela suspirou. — Ele anda tão estressado nos últimos dias. Como se não bastasse Tessa doente e ferida, saber o que sabe sobre Jem... — E balançou a cabeça. — Tentei conversar sobre isso, mas ele não diz nada.
— Acho que está falando com Jem agora — disse Gabriel. — Confesso que não conheço seu estado mental. Se quiser, posso...
— Não. — A voz de Cecily soou quieta. Seus olhos azuis estavam fixos em algo distante. — Deixe-o quieto.
Gabriel deu alguns passos à frente. O brilho amarelo e suave da luz aos pés de Cecily projetava um ligeiro brilho dourado sobre sua pele. Ela não estava de luvas e tinha as mãos muito brancas contra o pelo negro do cavalo.
— Eu... — começou. — Você parece gostar muito desse cavalo.
Silenciosamente, ele se repreendeu. Lembrou-se do pai uma vez dizendo que as mulheres, o sexo frágil, gostavam de ser galanteadas com palavras charmosas e frases enérgicas. Ele não sabia ao certo o que exatamente era uma frase enérgica, mas sabia que “você parece gostar muito desse cavalo” não se aplicava.
Mas Cecily não pareceu se importar. Afagou distraidamente o cavalo antes de virar para Gabriel.
— Balios salvou a vida do meu irmão.
— Você vai embora? — perguntou Gabriel subitamente.
Os olhos da menina se arregalaram.
— O que foi isso, Sr. Lightwood?
— Não — ele levantou a mão — não me chame de Sr. Lightwood, por favor. Somos Caçadores de Sombras. Para você, sou Gabriel.
As bochechas de Cecily enrubesceram.
— Gabriel, então. Por que me perguntou se vou embora?
— Você veio para buscar seu irmão — respondeu Gabriel — mas é evidente que ele não vai, certo? Está apaixonado por Tessa. Vai ficar onde ela estiver.
— Talvez ela não fique aqui — disse Cecily, com olhos enigmáticos.
— Acho que vai. Mesmo que não fique, ele vai aonde ela for. E Jem... Jem se tornou um Irmão do Silêncio. Ainda é Nephilim. Se Will espera vê-lo novamente, e acho que sabemos que é este o caso, vai ficar. Os anos o transformaram, Cecily. A família dele agora é aqui.
— Acha que está me contando algo que eu ainda não tenha notado? O coração de Will está aqui, e não em Yorkshire, em uma casa onde nunca morou, com pais que não vê há anos.
— Então, se ele não pode ir para casa... pensei que talvez você fosse.
— Para que meus pais não fiquem sozinhos. Sim. Entendo por que pensa isso — ela hesitou — você sabe, é claro, que em alguns anos deverei me casar e deixar meus pais.
— Mas não para deixar de falar com eles para sempre. Eles estão em exílio, Cecily. Se permanecer aqui, vai ter de se separar deles.
— Diz isso como se quisesse me convencer a voltar.
— Digo porque temo que o faça — as palavras deixaram sua boca antes que pudesse contê-las; só conseguia olhar para ela enquanto uma onda de embaraço esquentava seu rosto.
Ela deu um passo em direção a ele. Seus olhos azuis, fixos nos dele, se arregalaram. Gabriel ficou imaginando quando eles tinham deixado de lembrá-lo os olhos de Will; eram apenas os olhos de Cecily, um tom de azul que associava apenas a ela.
— Quando vim para cá, achava que os Caçadores de Sombras fossem monstros. Acreditava que precisava resgatar meu irmão. Achava que fôssemos voltar juntos para casa e que meus pais teriam orgulho de nós dois. Que voltaríamos a ser uma família. Então, percebi; você me ajudou a perceber...
— Eu ajudei? Como?
— Seu pai não lhe deu escolhas — disse ela — exigiu que você fosse o que ele queria. E essa exigência dividiu sua família. Mas meu pai escolheu deixar os Nephilim e casar com minha mãe. Foi escolha dele, assim como ficar com os Caçadores de Sombras é escolha de Will. Escolher entre o amor e a guerra: ambas escolhas corajosas, à sua maneira. Não acho que meus pais sintam rancor pela escolha de Will. Acima de tudo, para eles o que importa é que ele seja feliz.
— Mas e você? — perguntou Gabriel, e agora estavam muito próximos, quase se tocando. — Agora a escolha é sua: ficar ou voltar.
— Vou ficar — respondeu Cecily. — Escolho a guerra.
Gabriel soltou o ar que não sabia que estava prendendo.
— Vai abrir mão de sua casa?
— Uma casa velha e fria em Yorkshire? — respondeu Cecily. — Estamos em Londres.
— E desistir do que é familiar?
— O familiar é monótono.
— Desistir de ver seus pais? É contra a Lei...
Ela sorriu, o esboço de um sorriso.
— Todos transgridem a Lei.
— Cecy — disse ele, diminuindo a distância entre os dois, apesar de não ser muita, e, em seguida, beijando-a: as mãos desajeitadas sobre seus ombros inicialmente, deslizava pelo tafetá engomado do vestido antes de os dedos irem para trás de sua cabeça, acariciando seus cabelos suaves e quentes. Ela se retesou com a surpresa antes de amolecer contra ele, os lábios se abrindo enquanto ele sentia o gosto doce da boca de Cecily. — Cecy? — repetiu ele, com voz rouca.
— Cinco — disse ela.
Seus lábios e bochechas estavam ruborizados, mas o olhar muito firme.
— Cinco? — repetiu ele, confuso.
— Minha avaliação — ela explicou, e sorriu para ele — Sua técnica e habilidade talvez precisem de trabalho, mas o talento nato certamente existe. O que você precisa é de prática.
— Está disposta a ser minha tutora?
— Eu ficaria muito ofendida se você escolhesse outra — respondeu, e se inclinou para beijá-lo novamente.

***

Quando Will entrou no quarto de Tessa, Sophie estava sentada ao lado da cama, murmurando suavemente. Ela virou quando a porta se fechou atrás de Will. Os cantos de sua boca pareciam comprimidos e preocupados.
— Como ela está? — perguntou ele, enfiando as mãos nos bolsos da calça.
Doía ver Tessa assim, como se uma lasca de gelo tivesse se alojado sob suas costelas e perfurasse seu coração. Sophie havia trançado os longos cabelos castanhos de Tessa para que não emaranhassem quando ela sacudisse a cabeça contra os travesseiros. Ela respirava rapidamente, o peito subia e descia velozmente, e os olhos se moviam sob as pálpebras pálidas. Ele ficou imaginando o que ela estaria sonhando.
— Do mesmo jeito — respondeu Sophie, que se levantou graciosamente e cedeu a cadeira para ele — está chamando novamente.
— Alguém em particular? — perguntou Will, então se arrependeu imediatamente. Sem dúvida, sua motivação era ridiculamente transparente.
Os olhos escuros de Sophie desviaram-se dos dele.
— O irmão — respondeu. — Se quiser alguns momentos a sós com a Srta. Tessa...
— Sim, por favor, Sophie.
Ela parou na porta.
— Mestre William — falou.
Depois de se ajeitar na poltrona ao lado da cama, Will olhou para ela.
— Sinto muito por ter pensado e falado tão mal de você ao longo dos anos — disse Sophie — agora entendo que só estava fazendo o que todos nós tentamos fazer. O melhor.
Will esticou a mão e a colocou sobre a mão esquerda de Tessa, que agarrava febrilmente a colcha.
— Obrigado — falou, sem conseguir olhar diretamente para Sophie; logo depois ouviu a porta se fechar suavemente.
Olhou para Tessa. Ela estava momentaneamente quieta, e os cílios batiam enquanto respirava. As olheiras sob os olhos de Tessa eram azul-escuros. As veias, delicadas nas têmporas e nos pulsos. Lembrou-se dela ardendo em glória; era impossível acreditar em sua fragilidade, mas ali estava ela. A mão de Tessa repousava quente na dele, e quando ele tocou os dedos em suas bochechas, a pele dela queimava.
— Tess — sussurrou. — O inferno é frio. Você se lembra de quando me disse isso? Estávamos no porão da Casa Sombria. Qualquer outra pessoa teria entrado em pânico, mas você estava totalmente calma, me dizendo que o inferno era coberto de gelo. Se o fogo do Céu a tirar de mim, seria uma ironia cruel.
Ela respirou fundo, e, por um instante, o coração de Will pulou – será que tinha escutado? Mas os olhos permaneceram fechados.
Apertou a mão dela.
— Volte — pediu — volte para mim, Tessa. Henry disse que talvez, como você tocou a alma de um anjo, esteja sonhando com o Céu agora, com campos de anjos e flores de fogo. Talvez esteja feliz nesses sonhos. Mas peço por puro egoísmo. Volte para mim. Pois não suporto perder todo o meu coração.
A cabeça dela virou lentamente para ele, a boca se abriu como se estivesse prestes a falar. Ele se inclinou para a frente, com o coração acelerado.
— Jem? — disse ela.
Will congelou, imóvel, ainda segurando a mão dela. Ela abriu os olhos – tão cinzentos quanto o céu antes da chuva, tão cinzentos quanto as colinas de ardósia em Gales. Cor de lágrimas. Ela olhou para ele, através dele, sem enxergá-lo.
— Jem — repetiu — Jem, sinto muito. A culpa é toda minha.
Will se inclinou para a frente novamente. Não conseguiu se conter. Ela estava falando compreensivelmente, pela primeira vez em dias. Ainda que não fosse com ele.
— Não é sua culpa — afirmou.
Ela retribuiu a pressão na mão dele; cada um de seus dedos parecia queimar a pele de Will.
— Mas é — falou — por minha causa, Mortmain o privou de seu yin fen. Por minha causa, você correu perigo. Eu deveria amá-lo e tudo que fiz foi encurtar sua vida.
Will respirou asperamente. A lasca de gelo voltou ao seu coração, e parecia que estava respirando em torno dela. Não era ciúme, mas uma tristeza mais profunda do que qualquer uma que já tivesse conhecido. Pensou em Sydney Carton. Pense vez ou outra que existe um homem que daria a própria vida para manter uma vida que você ama a seu lado. Sim, ele teria feito isso por Tessa – morrido para conservar quem ela precisava por perto – assim como Jem teria feito isso por ele ou por Tessa, assim como Tessa, ele pensou, faria pelos dois. Os três eram um emaranhado quase incompreensível, mas havia uma certeza: a de que não faltava amor entre eles.
Sou forte o bastante para isso, disse a si mesmo, levantando a mão de Tessa gentilmente.
— Viver não é apenas sobreviver — falou — também existe felicidade. Conhece seu James, Tessa. Sabe que ele escolheria amor em vez de anos.
Mas a cabeça de Tessa apenas caiu sobre o travesseiro.
— Onde você está, James? Eu o procuro pela escuridão, mas não consigo encontrá-lo. Você é meu pretendente; deveríamos ser ligados por laços que não podem se romper. Contudo, quando estava morrendo, eu não estava lá. Não me despedi.
— Que escuridão? Tessa, onde você está? — Will agarrou-a pela mão. — Diga-me como encontrá-la.
Tessa arqueou as costas na cama subitamente, agarrando a mão dele.
— Sinto muito! — Engasgou-se. — Jem... sinto muito... falhei com você, falhei terrivelmente...
— Tessa! — Will se levantou, mas Tessa já tinha sucumbido sem forças sobre o colchão e respirava com dificuldade.
Ele não pôde evitar. Gritou por Charlotte como uma criança que acordava de um pesadelo, como nunca se permitiu fazer quando era, de fato, uma criança que acordava naquele Instituto estranho, querendo conforto, mas sabendo que não poderia recebê-lo.
Charlotte veio correndo pelo Instituto, como ele sempre soube que faria se chamasse. Ela chegou sem fôlego e assustada; olhou para Tessa na cama e Will agarrando sua mão, e ele viu o pavor sumir de seu rosto, substituído por um olhar de tristeza impronunciada.
— Will...
Will soltou gentilmente a mão de Tessa, voltando-se para a porta.
— Charlotte. Nunca pedi que utilizasse sua posição de chefe do Instituto para me ajudar antes...
— Minha posição não pode curar Tessa.
— Pode. Precisa trazer Jem aqui.
— Não posso pedir isso — respondeu Charlotte — Jem acabou de começar seu período na Cidade do Silêncio. Novos Iniciados não podem sair por todo o primeiro ano...
— Ele foi para a batalha.
Charlotte tirou um cacho do rosto. Às vezes, ela parecia muito jovem, como agora, apesar de mais cedo, ao olhar para o Inquisidor na sala de estar, não parecesse.
— Isso foi escolha do Irmão Enoch.
A certeza aprumou a espinha de Will. Por tantos anos questionou o conteúdo do próprio coração. Não questionaria agora.
— Tessa precisa de Jem — declarou — conheço a Lei, sei que ele não pode vir para casa, mas... os Irmãos do Silêncio devem romper todos os seus laços com o mundo mortal antes de se juntarem à Irmandade. Isso também é Lei. O laço entre Tessa e Jem não foi rompido. Como ela pode voltar ao mundo mortal, se não pode ver Jem uma última vez?
Charlotte ficou em silêncio por um tempo. Havia uma sombra sobre seu rosto que ele não conseguia definir. Sem dúvida, ela queria isso, por Jem, por Tessa, pelos dois?
— Muito bem — disse, afinal — vou ver o que posso fazer.

***

“Diminuíram para beber
Da primavera que corria tão clara,
E lá ela espiava o sangue do coração formoso,
Correndo pelo riacho.
‘Aguente, aguente, Lord William’, disse ela,
‘Pois temo que tenha sido assassinado;
E não é nada além da tinta de minhas roupas escarlate,
Que brilha pelo riacho’.”

— Oh, céus — murmurou Sophie ao passar pela cozinha.
Bridget realmente precisava ser tão mórbida em todas as suas canções, e realmente precisava usar o nome de Will? Como se o coitado já não tivesse sofrido o suficiente...
Uma sombra se materializou da escuridão.
— Sophie?
Sophie gritou e quase derrubou a escova do tapete. Uma luz enfeitiçada brilhou no corredor escuro, e ela viu os olhos verde-cinzentos familiares.
— Gideon! — exclamou. — Céus, quase me matou de susto.
Ele pareceu arrependido.
— Peço desculpas. Só queria desejar boa noite... e você estava sorrindo ao passar. Pensei...
— Estava pensando no Mestre Will — disse ela, em seguida sorriu novamente para a expressão horrorizada de Gideon. — Há apenas um ano, se me dissessem que alguém o atormentava, eu teria me alegrado, mas agora me compadeço dele. Só isso.
Ele pareceu calmo.
— Também sou solidário a ele. A cada dia que Tessa não acorda, dá para vez um pouco da vida dele escoando.
— Se ao menos Mestre Jem estivesse aqui... — suspirou Sophie. — Mas não está.
— Temos de aprender a viver sem muitas coisas hoje em dia — Gideon a tocou levemente na bochecha.
Seus dedos eram ásperos, calejados. Não eram os dedos suaves de um cavalheiro. Sophie sorriu para ele.
— Você não olhou para mim no jantar — disse ele, e baixou a voz.
Era verdade, o jantar foi rápido, galinha assada fria e batatas. Ninguém parecia com muito apetite, exceto Gabriel e Cecily, que comeram como se tivessem passado o dia treinando. Talvez fosse o caso.
— Eu estava preocupada com a Sra. Branwell — confessou Sophie — Ela anda tão preocupada com o Sr. Branwell e com a Srta. Tessa, tem se desgastado, e o bebê... — Ela mordeu o lábio. — Estou preocupada — repetiu.
Não conseguia dizer mais nada. Era difícil perder a reticência de uma vida de serviço, ainda que estivesse noiva de um Caçador de Sombras agora.
— Seu coração é bondoso — disse Gideon, passando os dedos pela bochecha de Sophie até tocar seus lábios, com o mais suave dos beijos. Em seguida, recuou. — Vi Charlotte entrar sozinha no escritório há alguns instantes. Talvez pudesse conversar com ela sobre sua preocupação?
— Não poderia...
— Sophie — disse Gideon. — Você não é apenas empregada de Charlotte; é amiga dela. Se ela se dispuser a falar com alguém, será com você.

***

A sala estava fria e escura. Não havia fogo na lareira, e nenhuma das luzes estava acesa contra o véu da noite, que projetava sombras e escuridão no recinto. Sophie levou um instante para perceber que uma das sombras era Charlotte, uma figura pequena e silenciosa na cadeira atrás da mesa.
— Sra. Branwell — falou, e foi tomada pela inquietação, apesar do incentivo de Gideon.
Há dois dias ela e Charlotte lutaram juntas em Cadair Idris. Agora, era criada outra vez e estava aqui para limpar a lareira e espanar a sala para o dia seguinte. Com um balde de carvão em uma das mãos e uma caixa de pólvora no bolso do avental.
— Desculpe... não pretendia interromper.
— Não está interrompendo, Sophie. Não é nada importante. — A voz de Charlotte... Sophie nunca a ouviu soar assim antes. Tão pequena ou tão derrotada.
Sophie repousou o carvão ao lado do fogo e se aproximou, hesitante, da patroa. Charlotte estava sentada com os cotovelos sobre a mesa, o rosto apoiado nas mãos. Havia uma carta na superfície, com o selo do Conselho rompido. O coração de Sophie acelerou, lembrando-se de como o Cônsul ordenou que deixassem o Instituto antes da batalha em Cadair Idris. Mas certamente já havia sido provado que tinham razão? Certamente a vitória sobre Mortmain teria cancelado a ordem do Cônsul, principalmente agora que ele estava morto?
— Está... está tudo bem, senhora?
Charlotte gesticulou para o papel, um aceno desamparado. Com as entranhas congelando, Sophie correu para a mesa de Charlotte e pegou a carta.

Sra. Branwell,
Considerando a natureza da correspondência que recebeu do meu falecido colega, Cônsul Wayland, pode ficar surpresa com esta carta.
A Clave, no entanto, se vê obrigada a requisitar um novo Cônsul, e, quando abrimos a votação, a principal escolha foi você. Pode ser compreensível que esteja satisfeita com a direção do Instituto, e que não queira a responsabilidade desta posição, principalmente considerando os ferimentos sofridos por seu marido na brava batalha contra o Magistrado. Contudo, me sinto incumbido a lhe oferecer esta oportunidade, não apenas por você ser a escolha do Conselho, mas porque, considerando o que já vi de você, acho que seria uma das melhores Consulesas que já tive o privilégio de servir.
Minhas mais altas estimas, Inquisidor Whitelaw

— Consulesa! — Sophie se engasgou, e o papel voou de seus dedos. — Querem torná-la Consulesa?
— É o que parece — a voz de Charlotte soou sem vida.
— Eu... — Sophie procurou o que dizer. A ideia do Instituto de Londres não ser governado por Charlotte era assustadora. No entanto, a posição de Consulesa era uma honra, a mais alta que a Clave poderia conceder, e vê-la recebendo a honra que tanto merecia... — Ninguém merece mais do que você — concluiu, afinal.
— Ah, Sophie, não. Eu que escolhi nos mandar para Cadair Idris. Por minha culpa Henry nunca mais vai andar. Eu fiz isso.
— Ele não a culpa.
— Não, ele não me culpa, mas eu sim. Como posso ser a Consulesa e enviar Caçadores de Sombras para morrerem em batalha? Não quero essa responsabilidade.
Sophie pegou a mão de Charlotte e as apertou.
— Charlotte. Não é só uma questão de enviar Caçadores de Sombras para a batalha; às vezes, trata-se de segurá-los. Você tem um coração misericordioso e uma mente justa. Liderou o Enclave por anos. Claro que seu coração está partido pelo Sr. Branwell, mas ser Consulesa não é só tirar vidas, mas também salvá-las. Se não fosse por você, se fosse apenas o Cônsul Wayland, quantos Caçadores de Sombras teriam morrido nas mãos das criaturas de Mortmain?
Charlotte olhou para a mão vermelha e calejada pelo trabalho de Sophie.
— Sophie. Quando se tornou tão sábia?
A criada enrubesceu.
— Aprendi a ter sabedoria com você, senhora.
— Ah, não — disse Charlotte — há um minuto me chamou de Charlotte. Como futura Caçadora de Sombras, Sophie, deve me chamar de Charlotte a partir de agora. E teremos de trazer uma nova empregada para assumir seu lugar, para que você tenha tempo de se preparar para a Ascensão.
— Obrigada — sussurrou Sophie — então vai aceitar a oferta? Tornar-se Consulesa?
Charlotte retirou gentilmente a mão da de Sophie e pegou a pena.
— Vou — respondeu — com três condições.
— Quais?
— A primeira é que eu possa liderar a Clave do Instituto, aqui, e não precise me mudar com minha família para Idris, pelo menos não nos primeiros anos. Não quero deixá-los, e além disso, quero estar aqui a fim de treinar Will para assumir o Instituto quando eu partir.
— Will? — perguntou Sophie, atônita — assumir o Instituto?
Charlotte sorriu.
— Claro — respondeu. — Essa é a segunda condição.
— E a terceira?
O sorriso de Charlotte desbotou, substituído por um olhar de determinação.
— Essa, você verá o resultado amanhã, se for aceita — respondeu, e abaixou a cabeça para começar a escrever.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Belo Desastre

Trono de Vidro

Os Instrumentos Mortais