Capítulo 4 - Somos Sombras

Pulvis et umbra sumus
– Horácio, Odes

No momento em que Tessa transformou-se de volta à sua própria forma, teve que sofrer uma enxurrada de perguntas. Para pessoas que viviam em um mundo de sombras de magia, os Nephilins reunidos pareciam surpreendentemente surpresos com sua habilidade, o que só serviu para reforçar o que Tessa já havia começado a suspeitar – seu talento era excessivamente incomum. Mesmo Charlotte, que tinha sabido sobre ele antes da demonstração de Tessa, parecia fascinada.
— Então você precisa estar segurando algo que pertence à pessoa em que você está se transformando? — Charlotte perguntou pela segunda vez.
Sophie e a mulher mais velha, que Tessa suspeitava que fosse a cozinheira, já haviam recolhido os pratos do jantar e servido bolo decorado e chá, mas nenhum dos presentes havia se servido ainda.
— Você não pode simplesmente olhar para alguém e...
— Eu já expliquei isso — a cabeça de Tessa estava começando a doer — preciso estar segurando algo que pertence a eles, ou um pouco de cabelo ou um cílio. Algo que seja deles. Caso contrário, nada acontece.
— Você acha que um frasco de sangue serviria? — Will perguntou, em tom de interesse acadêmico.
— Provavelmente... eu não sei. Eu nunca tentei — Tessa tomou um gole de seu chá, que havia esfriado.
— E você está dizendo que as Irmãs Sombrias sabiam que esse era o seu talento? Elas sabiam que você tinha essa habilidade antes de você mesma saber? — Charlotte perguntou.
— Sim. É por isso que elas me queriam a princípio.
Henry balançou a cabeça.
— Mas como elas sabiam? Eu não entendi muito bem essa parte.
— Eu não sei — Tessa falou, não pela primeira vez — elas nunca me explicaram. Tudo o que sei foi o que eu lhes disse, que elas pareciam saber exatamente o que eu podia fazer, e como me treinar para fazê-lo. Elas passaram horas comigo, todos os dias...
Tessa engoliu em seco para aplacar a amargura em sua boca. Memórias de como tinha sido surgiram em sua mente – as horas e horas no porão da Casa Sombria, o jeito que haviam gritado para ela que Nate iria morrer se ela não conseguisse se transformar como elas queriam, a agonia quando ela finalmente aprendeu a fazê-lo.
— Doeu, no começo — ela sussurrou — como se meus ossos estivessem quebrando, derretendo dentro do meu corpo. Elas me forçaram a me transformar duas, três, depois uma dúzia de vezes por dia, até eu finalmente perder a consciência. E então, no dia seguinte, elas começavam novamente. Eu estava trancada naquele quarto, então não poderia tentar fugir... — ela tomou uma respiração entrecortada — naquele último dia, elas me testaram pedindo que eu me transformasse em uma menina que tinha morrido. Ela tinha memórias de ser atacada com um punhal, ser esfaqueada. De alguma coisa perseguindo-a até um beco...
— Talvez fosse a menina que Jem e eu encontramos — Will endireitou-se, com os olhos brilhando — Jem e eu supusemos que ela deve ter escapado de um ataque e corrido pela noite. Acredito que eles enviaram o demônio Shax atrás dela para trazê-la de volta, mas eu o matei. Eles devem ter se perguntado o que aconteceu.
— A menina em quem eu me transformei chamava-se Emma Bayliss — Tessa disse, em um meio-sussurro — ela tinha cabelos muito loiros... presos com lacinhos cor-de-rosa... e era tão pequenina.
Will balançou a cabeça como se a descrição lhe fosse familiar.
— Então elas realmente se perguntaram o que tinha acontecido com ela. É por isso que fizeram eu me transformar nela. Quando eu lhes disse que ela estava morta, elas pareceram aliviadas.
— Pobrezinha — Charlotte murmurou — então você pode se transformar nos mortos? Não só os vivos?
Tessa assentiu.
— As vozes deles falam na minha cabeça quando eu me transformo, também. A diferença é que muitos deles podem se lembrar do momento em que morreram.
— Ugh — Jessamine estremeceu — que mórbido.
Tessa olhou para Will. Sr. Herondale, repreendeu-se silenciosamente, mas era difícil pensar nele dessa forma. Ela sentia de alguma forma como se o conhecesse melhor do que realmente conhecia. Mas isso era tolice.
— Você me encontrou porque estava procurando o assassino de Emma Bayliss. Mas ela era apenas uma menina humana morta. Uma... como vocês chamam? – mundana morta. Por que gastar tanto tempo e esforço para descobrir o que aconteceu com ela?
Por um momento, os olhos de Will encontraram os dela, os seus de um azul muito escuro. Então a expressão dele mudou – somente uma ligeira alteração, mas ela percebeu, embora não pudesse dizer o que a mudança significava.
— Ah, eu não teria me incomodado, mas Charlotte insistiu. Ela sentiu que havia algo maior em curso. E quando eu e Jem nos infiltramos no Clube Pandemônio e ouvimos rumores de outros assassinatos, percebemos que havia mais acontecendo que a morte de uma menina. Quer gostemos ou não particularmente dos mundanos, não podemos permitir que eles sejam sistematicamente abatidos. É a razão da nossa existência.
Charlotte se inclinou sobre a mesa.
— As Irmãs Sombrias nunca mencionaram o uso que pretendiam fazer de suas habilidades, mencionaram?
— Você sabe sobre o Magistrado — disse Tessa — elas disseram que estavam me preparando para ele.
— Para ele fazer o quê? — Will perguntou. — Comer você no jantar?
Tessa balançou a cabeça.
— Para... para casar com ele, segundo elas.
— Casar com você? — Jessamine foi abertamente desdenhosa. — Isso é ridículo. Elas provavelmente iriam lhe usar como sacrifício de sangue e não queriam que você entrasse em pânico.
— Eu não sei — Will falou — olhei em várias salas antes de encontrar Tessa. Lembro-me de que havia uma surpreendentemente arrumada com uma suíte matrimonial. Dossel branco em uma cama enorme. Um vestido branco pendurado no guarda-roupas. Parecia do seu tamanho.
Ele olhou Tessa pensativamente.
— Casamento cerimonial pode ser uma coisa muito poderosa — disse Charlotte — realizado adequadamente, pode permitir o acesso de alguém à sua habilidade, Tessa, até mesmo o poder de te controlar — ela tamborilou seus dedos pensativamente sobre a mesa — quanto ao “Magistrado”, pesquisei o termo nos arquivos. É frequentemente utilizado para designar o chefe de um círculo ou outro grupo de mágicos. O tipo de grupo que o Clube Pandemônio imagina ser. Não consigo evitar de sentir que o Magistrado e o Clube Pandemônio estão conectados.
— Nós os investigamos antes e nunca conseguimos pegá-los fazendo algo suspeito — Henry apontou — não é contra a Lei ser um idiota.
— Sorte sua — Jessamine disse baixinho.
Henry pareceu magoado, mas não disse nada. Charlotte deu a Jessamine um olhar frio.
— Henry está certo — Will apontou — não é como se Jem e eu não os tivéssemos pegado fazendo as coisas ilegais ocasionais – bebendo absinto misturado com pós de demônio, e assim por diante. Enquanto eles estivessem apenas prejudicando a si mesmos, não parecia interessante nos envolvermos. Mas se eles passaram a prejudicar os outros...
— Você sabe quem é algum deles? — Henry perguntou curiosamente.
— Os mundanos, não — Will disse com desdém — nunca pareceu haver motivos para descobrir, e muitos deles iam mascarados ou disfarçados aos eventos do clube. Mas eu reconheci vários dos Seres do Submundo. Magnus Bane, Lady Belcourt, Ragnor Fell, de Quincey...
— De Quincey? Espero que ele não estivesse quebrando nenhuma lei. Você sabe quantos problemas nós tivemos para encontrar um líder vampiro com quem podemos conversar olho a olho — Charlotte disse, aflita.
Will sorriu em sua xícara.
— Sempre que eu o vi, ele estava sendo um perfeito anjo.
Depois de um duro olhar para ele, Charlotte voltou-se para Tessa.
— A empregada que você mencionou – Miranda – tinha a sua habilidade? Ou talvez Emma?
— Acredito que não. Se Miranda tivesse, elas estariam treinando-a também, não, e Emma não tinha nenhuma memória do tipo.
— E elas nunca mencionaram o Clube Pandemônio? Algum propósito maior para o que estavam fazendo?
Tessa revirou seu cérebro. Sobre o que as Irmãs Sombrias falavam quando achavam que ela não estava ouvindo?
— Não acho que elas jamais disseram o nome do clube, mas falavam, às vezes, sobre reuniões a que planejavam comparecer, e como os outros membros ficariam satisfeitos ao saber como estavam avançando comigo. Disseram um nome uma vez... — Tessa enrugou o rosto, tentando lembrar — outra pessoa que estava no clube. Eu não lembro, mas me lembro de pensar que o nome soava estrangeiro...
Charlotte se inclinou sobre a mesa.
— Você pode tentar, Tessa? Tente se lembrar.
Charlotte não quis ofender, Tessa sabia, e ainda assim sua voz reviveu outras vozes na cabeça de Tessa – vozes insistindo para ela tentar, alcançar em si mesma, pegar o poder. Vozes que podiam se tornar duras e frias à menor provocação. Vozes que persuadiam, ameaçavam e mentiam.
Tessa se endireitou.
— Em primeiro lugar, e quanto ao meu irmão?
Charlotte piscou.
— Seu irmão?
— Você disse que se eu lhes desse informações sobre as Irmãs Sombrias, me ajudaria a encontrar meu irmão. Bem, eu lhe disse o que sabia. E ainda não tenho nenhuma ideia de onde Nate está.
— Ah — Charlotte sentou-se, parecendo quase surpresa — claro. Começaremos a investigar o seu paradeiro amanhã — ela assegurou Tessa — iremos começar com o seu local de trabalho – falar com seu empregador e descobrir se ele sabe alguma coisa. Temos contatos em todos os tipos de lugares, Srta. Gray. No Submundo as fofocas correm tanto quanto no mundo mundano. Eventualmente, encontraremos alguém que sabe algo sobre seu irmão.
A refeição terminou não muito depois disso, e Tessa pediu licença e se retirou da mesa com uma sensação de alívio, recusando a oferta de Charlotte para guiá-la de volta para seu quarto. Tudo o que queria era ficar sozinha com seus pensamentos.
Ela caminhou pelo corredor iluminado por tochas, lembrando o dia em que pisou para fora do barco em Southampton. Tinha vindo para a Inglaterra sem conhecer ninguém além de seu irmão, e deixara as Irmãs Sombrias forçarem-na a servi-las. Agora tinha caído nas mãos dos Caçadores de Sombras, e quem poderia dizer que eles iriam tratá-la melhor? Como as Irmãs Sombrias, eles queriam usá-la – usá-la pelas informações que sabia – e agora que todos estavam cientes de seu poder, quanto tempo levaria antes que quisessem usá-la também?
Ainda perdida em pensamentos, Tessa quase andou diretamente para uma parede. Ela parou por pouco – e olhou em volta, franzindo a testa. Andara por muito mais tempo do que levou para ela e Charlotte chegarem à sala de jantar, e ainda não tinha encontrado o quarto de que se lembrava. Na verdade, ela não tinha nem certeza de que havia encontrado o corredor de que se lembrava. Estava em um corredor agora, iluminado por tochas e com tapeçarias penduradas, mas era o mesmo? Alguns dos corredores eram muito brilhantes, alguns com a luz muito fraca, as tochas queimando com tons variantes de brilho. Algumas vezes as tochas chamejavam e então apagavam quando ela passava, como se estivessem respondendo a algum estímulo peculiar que ela não podia ver. Neste corredor em particular a luz era bastante fraca. Ela escolheu seu caminho até o fim dele cuidadosamente, onde ele se ramificou em mais dois, cada um idêntico a este.
— Perdida? — perguntou uma voz atrás dela.
Uma voz lenta e arrogante, imediatamente familiar.
Will.
Tessa virou-se e viu que ele estava encostado descuidadamente contra a parede atrás dela, como se estivesse descansando em uma porta, seus pés em suas botas arranhadas cruzados à sua frente. Ele segurava alguma coisa na mão: sua pedra brilhante. Ele a embolsou quando Tessa olhou para ele, apagando sua luz.
— Você deveria me deixar mostrar-lhe o Instituto um pouco, Srta. Gray — sugeriu — sabe, para que não se perca novamente.
Tessa estreitou os olhos para ele.
— Claro, você pode simplesmente continuar perambulando por aí sozinha, se realmente quiser — acrescentou — devo avisá-la, porém, que há pelo menos três ou quatro portas no Instituto que você realmente não deve abrir. Há uma que leva à sala onde mantemos demônios presos, por exemplo. Eles podem ficar um pouco desagradáveis. Depois, há a sala de armas. Algumas das armas têm uma mente própria, e elas são afiadas. Depois, há os aposentos que se abrem para o ar. Elas têm o objetivo de confundir os invasores, mas quando você está tão alto como no topo da igreja, você não quer escorregar acidentalmente e...
— Não acredito em você. Você é um mentiroso terrível, Sr. Herondale. Ainda assim... — ela mordeu o lábio — não gosto de perambular. Você pode me mostrar o lugar se prometer que será sem truques.
Will prometeu. E, para surpresa de Tessa, ele foi fiel à sua palavra. Guiou-a por uma sucessão de corredores idênticos, falando enquanto eles andavam. Disse-lhe quantos cômodos o Instituto possuía (mais do que você poderia contar), disse-lhe quantos Caçadores de Sombras poderia viver nele ao mesmo tempo (centenas), e apresentou a ela o vasto salão de baile onde era realizada uma festa de Natal anual para o Enclave – que, Will explicou, era o seu termo para o grupo de Caçadores de Sombras que viviam em Londres. (Em Nova York, ele acrescentou, o termo era “Conclave”. Caçadores de Sombras americanos, ao que parecia, tinham seu léxico próprio.)
Depois do salão veio a cozinha, onde a mulher de meia idade que Tessa tinha visto na sala de jantar sala foi apresentada como Agatha, a cozinheira. Ela estava sentada costurando na frente de uma ampla cozinha e, para a intensa mistificação de Tessa, também fumava um cachimbo enorme. Ela sorriu com indulgência enquanto Will pegava várias tortas de chocolate da forma onde haviam sido deixadas para esfriar sobre a mesa. Will ofereceu um a Tessa.
Ela estremeceu.
— Oh, não. Eu odeio chocolate.
Will pareceu horrorizado.
— Que tipo de monstro poderia odiar chocolate?
— Ele come tudo — Agatha disse a Tessa com um sorriso plácido — desde que tinha doze anos, é. Suponho que todo o treinamento que o impede de engordar.
Tessa, divertindo-se com a ideia de um Will gordo, elogiou a fumarenta Agatha por seu domínio da enorme cozinha. Parecia um lugar que você poderia cozinhar para centenas, com fileira após fileiras de conservas e sopas, latas de temperos, e um enorme pernil assando em um gancho sobre a lareira.
— Muito bem — Will disse após terem deixado a cozinha — elogiar Agatha daquele jeito. Agora ela irá gostar de você. Não é bom se Agatha não gosta de você. Ela colocará pedras em seu mingau.
— Oh, nossa — disse Tessa, mas ela não podia esconder o fato de que estava entretida.
Eles foram da cozinha para a sala de música, onde havia harpas e um velho piano de cauda, juntando poeira. No fim de um lance de escadas ficava a sala de estar, um lugar agradável onde as paredes, em vez de pedra descoberta, eram forradas com um padrão brilhante de folhas e lírios. Fogo estava aceso em uma grande grelha, e várias poltronas confortáveis estavam colocadas perto dela. Havia uma grande mesa de madeira na sala também, que Will explicou que era o lugar onde Charlotte fazia muito do trabalho de funcionamento do Instituto. Tessa não pôde deixar de se perguntar o que era que Henry Branwell fazia, e onde ele o fazia.
Depois disso, havia a sala de armas, melhor que qualquer coisa que Tessa imaginou que se pudesse encontrar em um museu. Centenas de maças, machados, punhais, espadas, facas e até mesmo algumas pistolas estavam pendurados nas paredes, bem como uma coleção de diferentes tipos de armadura, de grevas usadas para proteger as canelas a conjuntos completos de malhas metálicas. Um homem jovem de aparência sólida com cabelos castanhos escuros estava sentado em uma mesa alta, polindo um conjunto de adagas curtas. Ele sorriu quando os dois entraram.
— Noite, Mestre Will.
— Boa noite, Thomas. Você conhece a Srta Gray.
Ele indicou Tessa.
— Você estava na Casa Sombria! — Tessa exclamou olhando mais de perto para Thomas. — Você veio com o Sr. Branwell. Pensei...
— Que eu era um Caçador de Sombras? — Thomas sorriu.
Ele tinha um tipo de rosto doce, agradável e sincero, e um monte de cabelo ondulado. Sua camisa estava aberta na gola, mostrando um pescoço forte. Apesar de sua óbvia juventude, ele era extremamente alto e musculoso, a largura de seus braços apertando contra as suas mangas.
— Eu não sou, senhorita, somente fui treinado como um.
Will encostou-se à parede.
— Aquela remessa de misericórdias já chegou, Thomas? Tenho encontrado uma determinada quantidade de demônios Shax ultimamente, e preciso de algo estreito, que possa furar carapaças blindadas.
Thomas começou a dizer algo a Will sobre o envio ser adiado devido ao mau tempo em Idris, mas a atenção de Tessa tinha sido desviada para outra coisa. Era uma caixa alta de madeira dourada, polida a um alto brilho, com um padrão queimando na frente – uma cobra, engolindo a própria cauda.
— Não é o símbolo das Irmãs Sombrias? — ela exigiu. — O que está fazendo aqui?
— Não exatamente — Will respondeu — a caixa é um Pyxis. Demônios não têm almas; sua consciência vem de um tipo de energia, que algumas vezes pode ser preso e armazenado. O Pyxis os contém com segurança... Ah, e o desenho é um Ouroboros, o “devorador de cauda”. É um símbolo alquímico antigo designado para representar as diferentes dimensões – o nosso mundo, dentro da serpente, e do resto da existência, no exterior — ele deu de ombros — o símbolo das Irmãs Sombrias foi a primeira vez que vi alguém desenhar um ouroboros com duas cobras. Oh, não, você não — ele acrescentou enquanto Tessa se aproximava da caixa. Ele habilmente pisou na frente dela — o Pyxis não pode ser tocado por qualquer pessoa que não seja Caçador de Sombras. Coisas ruins acontecem. Agora vamos. Tomamos o suficiente do tempo de Thomas.
— Eu não me importo — Thomas protestou, mas Will já estava em seu caminho para fora.
Tessa olhou para Thomas da porta. Ele havia voltado a polir o armamento, mas havia algo sobre o posicionamento de seus ombros que fez Tessa pensar que ele parecia um pouco solitário.
— Eu não sabia que vocês deixavam mundanos lutarem com vocês — ela disse a Will depois que eles deixaram a sala de armas para trás — Thomas é um servo, ou...
— Thomas esteve no Instituto quase toda sua vida — Will disse, guiando Tessa em torno de uma curva acentuada no corredor — há famílias que têm a Visão em suas veias, famílias que sempre serviram aos Caçadores de Sombras. Os pais de Thomas serviram os pais de Charlotte no Instituto, e agora Thomas serve Charlotte e Henry. E seus filhos irão servir os deles. Thomas faz tudo – dirige , cuida de Balios e Xanthos – esses são os nossos cavalos – e ajuda com as armas. Sophie e Agatha gerem o resto, embora Thomas as auxilie ocasionalmente. Suspeito que ele tem intenções românticas com Sophie e não gosta de vê-la trabalhar muito.
Tessa ficou feliz em ouvir isso. Ela sentia-se terrível por sua reação à cicatriz de Sophie, e o pensamento de que ela tinha um admirador do sexo masculino – e um belo como aquele – aliviou um pouco sua consciência.
— Talvez ele seja apaixonado por Agatha — ela sugeriu.
— Espero que não. Eu pretendo casar-me com Agatha. Ela pode ter mil anos, mas faz uma geleia azeda incomparável. A beleza desaparece, mas cozinhar bem é eterno — ele parou em frente a uma porta grande de carvalho, com dobradiças de latão espessas — aqui estamos, agora — ele disse, e a porta se abriu ao seu toque.
A sala em que eles entraram era maior até do que o salão de baile que ela tinha visto antes. Era maior em comprimento do que em largura, com mesas de carvalho retangulares colocadas no centro, desaparecendo até a parede mais distante, que era pintada com uma imagem de um anjo. Cada mesa era iluminada por uma lâmpada de vidro que cintilava branca. A metade superior das paredes era uma galeria interna com um corrimão de madeira passando em torno que poderia ser alcançada por meio de escadas em espiral em ambos os lados da sala. Fileiras e mais fileiras de estantes situavam-se em intervalos, como sentinelas formando alcovas de ambos os lados da sala. Havia mais estantes em cima, também; os livros eram escondidos atrás de telas de metal decorado, cada tela estampada com um padrão de quatro Cs. Vitrais enormes curvando-se para fora, revestidos com bancos de pedra gasta, eram fixados em intervalos entre as prateleiras.
Um vasto volume tinha sido deixado fora em um suporte, suas páginas abertas e convidativas. Tessa se aproximou, pensando que deveria ser um dicionário, apenas para descobrir que suas páginas eram rabiscadas com escrita ilegível iluminada e gravadas com mapas de aparência estranha.
— Esta é a Grande Biblioteca — disse Will — cada Instituto tem uma biblioteca, mas esta é a maior de todos eles – a maior do Ocidente, de qualquer modo — ele encostou-se à porta, braços cruzados sobre o peito — eu disse que iria lhe dar mais livros, não é?
Tessa ficou tão surpresa por ele se lembrar do que tinha dito que levou vários segundos para responder.
— Mas os livros estão todos atrás das grades! Como um tipo de prisão literária!
Will sorriu.
— Alguns desses livros são perigosos. É prudente ter cuidado.
— Sempre se deve ter cuidado com livros — disse Tessa — e com o que está dentro deles, pois as palavras têm o poder de nos transformar.
— Não estou certo de que um livro jamais tenha me mudado — disse Will — bem, há um volume que promete ensinar a transformar-se em um rebanho inteiro de ovelhas...
— Somente os de mente muito fraca recusam-se a ser influenciados pela literatura e poesia — disse Tessa, determinada a não deixá-lo mudar descontroladamente de assunto.
— Claro, por que alguém iria querer ser um rebanho inteiro de ovelhas é totalmente outra questão — Will completou — existe algo que você queira ler aqui, Srta. Gray, ou não? Nomeie-o, e irei tentar livrá-lo de sua prisão para você.
— Você acha que a biblioteca tem o The Wide, Wide World? Ou Mulherzinhas?
— Nunca ouvi falar de nenhum deles. Não temos muitos romances.
— Bem, eu quero romances — Tessa respondeu — ou poesia. Os livros são para ler, não para transformar-se em animais de pecuária.
Os olhos de Will brilharam.
— Acho que podemos ter uma cópia de Alice no País das Maravilhas em algum lugar.
Tessa franziu o nariz.
— Ah, este é para crianças pequenas, não é? Eu nunca gostei muito... parecia tanta besteira aleatória.
Os olhos de Will eram muito azuis.
— Há muito sentido no aleatório, às vezes, se você desejar procurar por ele.
Mas Tessa já havia espiado um volume familiar em uma prateleira e dirigiu-se para saudá-lo como um velho amigo.
— Oliver Twist — ela gritou — vocês têm algum outro dos romances do Sr. Dickens? — Ela juntou as mãos. — Oh! Você tem Um Conto de Duas Cidades?
— Aquela coisa boba? Homens andando por aí tendo suas cabeças decepadas por amor? Ridículo.
Will impeliu-se da porta e fez o seu caminho em direção a Tessa. Ele fez um gesto expansivo para o vasto número de volumes em torno dele.
— Não, aqui você encontrará todos os tipos de conselhos sobre como cortar a cabeça de alguém se precisar; muito mais útil.
— Eu não! — Tessa protestou. — Não preciso cortar a cabeça de ninguém, quero dizer. E qual é a razão de um monte livros que ninguém quer realmente ler? Você não tem mesmo quaisquer outros romances?
— Não, a menos que o Segredo de Lady Audley seja que ela mata demônios em seu tempo livre — Will subiu em uma das escadas e puxou um livro da prateleira — encontrarei outra coisa para você ler. Pegue.
Ele deixou o livro cair sem olhar, e Tessa teve que se atirar para frente para agarrá-lo antes que atingisse o chão.
Era um grande volume meio quadrado encadernado em veludo azul escuro. Havia um padrão cortado no veludo, um símbolo serpenteante que a lembrava das marcas que decoravam a pele de Will. O título estava gravado na capa em prata: O Códex dos Caçadores de Sombras. Tessa olhou para Will.
— O que é isso?
— Imaginei que você teria dúvidas sobre os Caçadores de Sombras, dado que você está atualmente habitando o nosso sanctum sanctorum, por assim dizer. Esse livro deve dizer qualquer coisa que você queira saber – sobre nós, a nossa história, até mesmo sobre Seres do Submundo como você — o rosto de Will ficou sério — tenha cuidado com ele, porém. Tem 600 anos de idade e é a única cópia de seu tipo. Perder ou danificá-lo é punido com morte nos termos da Lei.
Tessa colocou o livro longe dela como se estivesse pegando fogo.
— Você não pode estar falando sério.
— Você está certa. Eu não estou — Will saltou da escada e caiu levemente na frente dela — você realmente acredita em tudo o que digo, não é? Eu lhe pareço extraordinariamente confiável, ou você é apenas um tipo ingênuo?
Em vez de responder, Tessa fez uma careta para ele e atravessou a sala em direção a uma dos bancos de pedra dentro do nicho da janela. Atirando-se no assento, ela abriu O Códex e começou a ler, estudiosamente ignorando Will mesmo quando ele se moveu para sentar ao lado dela. Ela podia sentir o peso de seu olhar enquanto ela lia.
A primeira página do livro Nephilim mostrava a mesma imagem que ela tinha se acostumado a ver nas tapeçarias nos corredores: o anjo saindo do lago, segurando uma espada numa mão e uma taça na outra. Embaixo da ilustração havia uma nota: O Anjo Raziel e os Instrumentos Mortais.
— É assim que tudo começou — Will disse alegremente, como que alheio ao fato de que ela o estava ignorando — uma magia de invocação aqui, um pouco de sangue de anjo lá, e você tem uma receita para guerreiros humanos indestrutíveis. Você nunca irá nos entender lendo um livro, veja bem, mas é um começo.
— Dificilmente humanos – mais como anjos vingadores — Tessa disse baixinho, virando as páginas.
Havia dezenas de imagens de anjos – caindo do céu, soltando penas como uma estrela pode soltar faíscas ao cair. Havia mais imagens do Anjo Raziel, segurando um livro aberto em cujas páginas runas queimavam como fogo, e havia homens ajoelhados em volta dele, homens em cuja pele tatuagens podiam ser vistas. Imagens de homens como o que ela tinha visto em seu pesadelo, com os olhos faltando e lábios costurados; imagens de Caçadores de Sombras brandindo espadas flamejantes, como anjos guerreiros do Céu. Ela olhou para Will.
— Você é, então, não é? Parte anjo?
Will não respondeu. Ele estava olhando pela janela, através de um painel inferior transparente. Tessa seguiu seu olhar; a janela dava para o que tinha de ser a frente do Instituto, pois havia um pátio arredondado abaixo deles, cercado por muros. Através das grades de um portão alto de ferro encimado por um arco curvado, ela podia avistar um pouco da rua além, iluminada por luz amarela fraca de gás. Haviam letras de ferro trabalhado no arco em cima do portão; quando olhados desta direção, eles estavam do lado avesso, e Tessa franziu os olhos para decifrá-los.
— Pulvis et umbra sumus. É um verso de Horácio. “Nós somos pó e sombra”. Adequado, não acha? — Will perguntou. — Não é uma vida longa, matar demônios; a pessoa tende a morrer jovem, e depois eles queimam seu corpo – do pó ao pó, no sentido literal. E então desaparecemos nas sombras da história, malmente uma marca na página de um livro mundano para lembrar ao mundo que uma vez existimos.
Tessa olhou para ele. Ele estava com aquele olhar que ela achava tão estranho e convincente – aquela diversão que não parecia passar além da superfície de suas feições, como se ele achasse tudo no mundo infinitamente engraçado e infinitamente trágico ao mesmo tempo. Ela se perguntou o que o tinha feito ser assim, como ele tinha passado a achar a escuridão divertida, pois era uma qualidade que ele não parecia partilhar com qualquer um dos outros Caçadores de Sombras que ela havia encontrado, por mais que brevemente. Talvez fosse algo que ele tenha aprendido com seus pais – mas que pais?
— Você não se preocupa? — Ela disse suavemente. — De que o que está lá fora... pode entrar aqui?
— Demônios e outras coisas desagradáveis, você quer dizer? — Will perguntou, embora Tessa não tivesse certeza se era o que ela queria dizer, ou se ela estava falando dos males do mundo em geral. Ele colocou uma mão contra a parede. — A argamassa que fez estas pedras foi misturada com o sangue de Caçadores de Sombras. Cada pilar é esculpido em madeira de tramazeira. Cada prego usado para juntar as vigas é feito de prata, ferro ou electrum. O local é construído em solo sagrado cercado por barreiras. A porta da frente pode ser aberta apenas por quem possui sangue de Caçador de Sombras; caso contrário ela permanece trancada para sempre. Este local é uma fortaleza. Então, não, não estou preocupado.
— Mas por que viver em uma fortaleza? — Ao ver seu olhar surpreso ela elaborou. — Vocês claramente não são aparentados com Charlotte e Henry, eles mal têm idade suficiente para ter adotado vocês, e nem todas as crianças Caçadores de Sombras devem viver aqui ou haveria mais, além de você e Jessamine...
— E Jem — Will lembrou.
— Sim, mas... você vê o que eu quero dizer. Por que você não mora com sua família?
— Nenhum de nós tem pais. Os de Jessamine morreram em um incêndio, os de Jem... bem, Jem veio de uma boa distância para viver aqui, depois que seus pais foram assassinados por demônios. Nos termos da Lei do Pacto, a Clave é responsável por crianças Caçadores de Sombras órfãs com idade inferior a dezoito anos.
— Então vocês são a família uns dos outros.
— Se você deve romantizar, suponho que somos – todos irmãos e irmãs sob o teto do Instituto. Você também, Srta. Gray, ainda que temporariamente.
— Nesse caso — disse Tessa, sentindo sangue quente subir em seu rosto — acho que preferiria que me chamasse pelo meu nome de batismo, como faz com a Srta. Lovelace.
Will olhou para ela, lenta e rigidamente, depois sorriu. Seus olhos azuis acenderam quando ele sorriu.
— Então você deve fazer o mesmo por mim. Tessa.
Ela nunca tinha pensado muito sobre seu nome antes, mas quando ele o disse, era como se ela o estivesse ouvindo pela primeira vez – o rígido, o carinho do duplo, o jeito que ele parecia terminar em uma respiração. Sua própria respiração era muito curta quando ela disse, baixinho:
— Will.
— Sim? — Diversão brilhava em seus olhos.
Com uma espécie de horror Tessa percebeu que ela tinha simplesmente dito seu nome por uma questão de dizê-lo; ela não tinha realmente uma pergunta. Apressadamente ela disse:
— Como vocês aprendem... a lutar como você? Desenhar aqueles símbolos mágicos, e o resto?
Will sorriu.
— Nós tivemos um tutor que proveu a nossa educação e treinamento físico – embora ele tenha ido para Idris, e Charlotte esteja procurando um substituto – juntamente com Charlotte, que cuida de nos ensinar história e línguas antigas.
— Então ela é sua governanta?
Um olhar de divertimento escuro passou pelas feições de Will.
— Você poderia dizer isso. Mas eu não chamaria Charlotte de governanta se fosse você, não se deseja preservar seus membros intactos. Você não pensaria ao olhar para ela, mas ela é bastante habilidosa com uma variedade de armas, a nossa Charlotte.
Tessa piscou, surpresa.
— Você não quer dizer... Charlotte não luta, não é? Não do jeito que você e Henry fazem.
— Certamente que sim. Por que ela não iria?
— Porque ela é uma mulher — Tessa respondeu.
— Boadiceia também era.
— Quem?
—  ‘Então a Rainha Boadiceia, de pé altivamente na carroça / Brandindo em sua mão um dardo e lançando olhares leoninos — Will parou ao olhar de incompreensão de Tessa, e sorriu. — Nada? Se você fosse inglesa, conheceria. Lembre-me de encontrar um livro sobre ela para você. De qualquer modo, ela foi uma rainha guerreira poderosa. Quando finalmente foi derrotada, tomou veneno, em vez de deixar-se capturar pelos romanos. Ela foi mais corajosa do que qualquer homem. Gosto de pensar que Charlotte é do mesmo molde, embora um pouco menor.
— Mas ela não pode ser boa nisto, pode? Quero dizer, as mulheres não têm esse tipo de sentimentos.
— Que tipo de sentimentos são esses?
— Sede de sangue, suponho — disse Tessa, após um momento — ferocidade. Sentimentos de guerreiro.
— Eu vi você brandir aquela serra para as Irmãs Sombrias — Will ressaltou — e, se me lembro bem, o segredo de Lady Audley era, na verdade, que ela era uma assassina.
— Então, você leu! — Tessa não conseguiu esconder sua alegria.
Ele parecia divertido.
— Eu prefiro The trail of the serpent. Mais aventura, menos drama doméstico. Nenhum deles é tão bom quanto The Moonstone, no entanto. Você já leu Collins?
— Eu adoro Wilkie Collins — Tessa exclamou — Oh... Armadale! E The woman in white... Você está rindo de mim?
— Não de você — disse Will, sorrindo — mais por sua causa. Eu nunca vi ninguém ficar tão animado sobre livros antes. Você acharia que eles eram diamantes.
— Bem, eles são, não são? Não há nada que você ame assim? E não diga “brigas” ou “tênis de quadra” ou algo bobo.
— Bom Senhor — ele disse com falso horror — é como se ela já me conhecesse.
— Todos têm algo que não podem viver sem. Eu descobrirei o que é para você, não tema.
Ela quis falar de ânimo leve, mas ao olhar no rosto dele, sua voz sumiu na incerteza. Ele estava olhando para ela com uma constância ímpar; seus olhos eram do mesmo azul escuro do veludo do livro que ela segurava. O olhar dele passou por seu rosto, pela sua garganta, até a cintura, antes de subir de volta até seu rosto, onde permaneceu em sua boca. O coração de Tessa estava batendo como se ela tivesse corrido subindo escadas. Algo em seu peito doeu, como se ela estivesse com fome ou sede. Havia algo que ela queria, mas ela não sabia o que...
— É tarde — Will disse abruptamente, olhando para longe — eu deveria levar-lhe de volta ao seu quarto.
— Eu...
Tessa queria protestar, mas não havia nenhuma razão para fazê-lo. Ele estava certo. Era tarde, o brilho pontual das estrelas visível através dos vidros limpos da janela. Ela levantou-se, segurando o livro ao peito, e foi com Will para o corredor.
— Há alguns truques para aprender os caminhos dentro do Instituto que eu devo ensiná-la — ele falou, ainda sem olhar para ela.
Havia algo estranhamente desconfiado em sua atitude agora, algo que não existia momentos atrás, como se Tessa tivesse feito algo para ofendê-lo. Mas o que ela poderia ter feito?
— Maneiras de identificar as diferentes portas e virar...
Ele parou, e Tessa viu que alguém estava vindo pelo corredor em direção a eles. Era Sophie, um cesto de roupa debaixo um de seus braços. Vendo Will e Tessa, ela fez uma pausa, a sua expressão tornando-se mais cautelosa.
— Sophie! — A desconfiança dele se tornou travessura. — Já conseguiu colocar meu quarto em ordem?
— Está feito — Sophie não retornou o sorriso — ele estava um nojo. Espero que no futuro você possa se abster de largar pedaços de demônio morto pela casa.
A boca de Tessa caiu aberta. Como podia Sophie falar de tal forma com Will? Ela era uma serva, e ele – mesmo que fosse mais jovem que ela – era um cavalheiro. E ainda assim ele parecia tomar isso por normal.
— Tudo parte do trabalho, jovem Sophie.
— O Sr. Branwell e o Sr. Carstairs parecem não ter nenhum problema em limpar suas botas — Sophie respondeu, olhando sombriamente de Will para Tessa — talvez você possa aprender com seus exemplos.
— Talvez — disse Will — mas eu duvido.
Sophie fez uma careta e voltou a andar pelo corredor, os ombros tensos com indignação.
Tessa olhou para Will com espanto.
— O que foi isso?
Will encolheu os ombros preguiçosamente.
— Sophie gosta de fingir que ela não gosta de mim.
— Não gosta de você? Ela lhe odeia!
Em outras circunstâncias, ela poderia ter perguntado se Will e Sophie haviam rompido relações, porém uma pessoa não rompe relações com os empregados. Se eles não eram satisfatórios, você os demitia.
— Aconteceu... aconteceu alguma coisa entre vocês?
— Tessa — Will disse com paciência exagerada — chega. Existem coisas que você não pode esperar entender.
Se havia uma coisa Tessa odiava, era lhe dizerem que havia coisas que ela não conseguiria entender. Porque ela era jovem, porque ela era uma garota – por qualquer uma das mil razões que nunca pareciam fazer nenhum sentido realmente. Ela levantou o queixo teimosamente.
— Bem, não, se você não irá me dizer. Mas então eu teria dizer que me parece bastante provável que ela te odeie porque você fez algo terrível para ela.
A expressão de Will escureceu.
— Você pode pensar o que quiser. Não é como se você soubesse alguma coisa sobre mim.
— Eu sei que você não gosta de dar respostas diretas às perguntas. Sei que você provavelmente tem em torno de dezessete anos. Sei que você gosta de Tennyson – você o citou na Casa Sombria, e novamente agora. Sei que você é um órfão, como eu...
— Eu nunca disse que era um órfão — Will falou com selvageria inesperada — e eu detesto poesia. Então, no fim das contas, você realmente não sabe nada sobre mim, não é?
E com isso, ele girou sobre os calcanhares e se afastou.

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