Capítulo 5 - Um Coração Dividido

Sim, apesar de Deus procurar com toda a cautela,
Não existe coisa sã em nada disso;
Apesar de vasculhar todas as minhas veias, examinando-as,
Nelas não encontrará nada inteiro, além de amor.
– Algernon Charles Swinburne, Laus Veneris

Para: Membros do Conselho
De: Cônsul Josias Wayland,

É com o coração pesado que pego minha caneta para escrever-lhes, senhores. Muitos de vocês já me conhecem há um bom número de anos, e vários me conduziram à posição de Cônsul. Acredito que escolheram bem, tenho servido o Anjo o melhor que pude. É, no entanto, da natureza do ser humano errar, e acredito que o fiz ao nomear Charlotte Branwell diretora do Instituto de Londres.
Quando lhe concedi a posição, acreditava que ela iria seguir os passos de seu pai e se provar uma líder fiel, obediente às regras da Clave. Também acreditava que seu marido conteria suas tendências femininas naturais com relação à impulsividade e falta de reflexão. Infelizmente, este não é o caso. A Henry Branwell falta a força de caráter de conter sua esposa, e, sem as restrições das mulheres, ela deixou as virtudes da obediência muito atrás. Somente outro dia descobri que Charlotte deu ordens para a libertação da espiã Jessamine Lovelace da Cidade do Silêncio, e que ela retornasse ao Instituto, apesar do meu desejo expresso que ela fosse enviada para Idris. Também suspeito que ela dá ouvidos àqueles que que não são simpáticos à causa Nephilim e podem até estar em aliança com Mortmain, como o lobisomem Woolsey Scott.
O Conselho não serve ao Cônsul, sempre foi o contrário. Eu sou um símbolo do poder do Conselho e da Clave. Quando minha autoridade é prejudicada por desobediência, mina a autoridade de todos nós. Melhor um menino obediente como meu sobrinho, cujo valor não foi testado, do que aquela que foi testada e deixa a desejar.

Em nome do Anjo,
Cônsul Josias Wayland

***

Will lembrou.
Em outro dia, meses atrás, na cama de Jem. A chuva batendo contra as janelas do Instituto, riscando o vidro com linhas claras.
— E isso é tudo? — Jem tinha perguntado. — É toda ela? A verdade?
Ele estava se sentando na cadeira, uma de suas pernas dobradas sob ele; ele parecia muito jovem. O violino estava encostado o lado da cadeira. Ele estava tocando quando Will entrara e, sem preâmbulos, anunciara que era o fim do fingimento, tinha uma confissão a fazer, e a faria naquele momento.
O anúncio encerrara Bach. Jem baixara o violino para longe, os olhos no rosto de Will o tempo todo, ansiedade florescendo por trás de seus olhos enquanto Will andava pelo quarto e falava, e andava e falava mais um pouco, até que as palavras acabaram.
— Essa é toda ela — Will falou finalmente quando terminou — e não te culpo se você me odeia. Posso entender.
Não fora uma longa pausa. O olhar de Jem ficara focado em seu rosto, firme e prata na luz vacilante do fogo.
— Eu nunca poderia te odiar, William.
A coragem de Will diminuía agora enquanto olhava a face do amigo, um par de calmos olhos azuis acinzentados.
— Eu tentei te odiar, Will, mas nunca pude controlar — ele disse.
Nesse momento, Will ficara dolorosamente ciente de que não havia contado “toda ela” a Jem. Havia mais verdade. Não falara do seu amor por Tessa. Mas era o seu fardo para suportar, não de Jem. Era algo que devia ser escondido para Jem ser feliz.
— Eu mereço o seu ódio — Will havia dito a Jem, sua voz quebrando — coloquei-o em perigo. Acreditava que estava amaldiçoado e que todos que me amavam iriam morrer, mas deixei que você se importasse comigo, permiti que fosse um irmão para mim, arriscando colocá-lo em perigo...
— Não havia perigo algum.
— Mas eu acreditava que havia. Se eu apontasse um revólver para sua cabeça, James, e puxasse o gatilho, realmente faria diferença se eu não soubesse que não havia balas na câmara?
Os olhos de Jem haviam se arregalado, e então ele rira, uma risada suave.
— Acha que eu não sabia que tinha um segredo? Will, acha que segui com minha amizade de olhos fechados? Eu não sabia da natureza do fardo que você carregava. Mas eu sabia que havia um — Jem levantara-se — eu sabia que você pensava que envenenava todos aqueles ao seu redor — acrescentou — que pensava que havia alguma força corruptora sobre você que iria me prejudicar. Eu queria mostrar-lhe que eu não iria quebrar, que o amor não era tão frágil. Por que eu faria isso?
Will encolhera os ombros uma vez, impotente. Quase desejara que Jem estivesse irritado com ele. Teria sido mais fácil. Ele nunca se sentia tão pequeno dentro de si como quando enfrentava a bondade expansiva de Jem. Ele pensara no Satanás de Milton: envergonhado, o Diabo parou, / e sentiu que a bondade era terrível.
— Você salvou a minha vida — Will tinha dito.
Um sorriso se espalhara pelo rosto de Jem, tão brilhante quanto o nascer do sol sobre o Tâmisa.
— Isso é tudo o que eu sempre quis ouvir.
— Will?
A voz calma tirou-o de seu devaneio. Tessa estava sentada na sua frente dentro da charrete, os olhos cinzentos da cor da chuva na penumbra.
— No que você está pensando?
Com esforço, ele puxou-se para fora de memória, seus olhos fixos no rosto de Tessa. Ela não usava chapéu, e o capuz de seu manto brocado tinha caído para trás. Seu rosto estava pálido – principalmente nas maçãs do rosto, ligeiramente apontadas para o queixo. Ele pensou que nunca vira um rosto com tal poder de expressão: cada sorriso dela partia seu coração como um relâmpago pode dividir uma árvore enegrecida, o mesmo acontecia com cada olhar de tristeza. No momento ela olhava-o com uma preocupação melancólica que atingiu seu coração.
— Jem — Will respondeu, com perfeita honestidade — eu estava pensando em sua reação quando lhe conte da maldição de Marbas.
— Ele ficou triste por você — ela disse imediatamente — eu sei que sim, ele me falou muito.
— Triste, mas não com pena. Jem sempre me deu exatamente o que eu precisava da maneira que eu precisava, até mesmo quando não sei o que preciso. Todos os parabatai são dedicados. Temos de ser, para dar o melhor de nós para o outro, até mesmo porque ganhamos força por fazê-lo. Mas com Jem é diferente. Por muitos anos, precisei dele para viver, e ele me manteve vivo. Pensei que ele não sabia que estava fazendo isso, mas talvez ele soubesse.
— Talvez — Tessa concordou — ele nunca teria te contado, seria um esforço desperdiçado.
— Ele nunca te disse nada sobre isso?
Tessa balançou a cabeça. Suas mãos pequenas, com luvas brancas, estavam em punhos em seu colo.
— Ele só fala de você com o maior orgulho, Will. Te admira mais do que você poderia imaginar. Quando soube da maldição, ele estava com o coração partido por você, mas havia também, quase, uma espécie de...
— Justificativa? — ele sugeriu.
Ela assentiu com a cabeça.
— Ele sempre acreditou que você era bom. E então foi comprovado.
— Oh, eu não sei — ele respondeu amargamente — ser bom e ser amaldiçoado não são a mesmo coisa.
Ela se inclinou para a frente e pegou a mão de Will, pressionando-a entre as suas. O toque era como um fogo branco em suas veias. Ele não podia sentir sua pele, apenas o pano de as luvas, mas ainda assim não importava. Você me acendeu, o monte de cinzas que eu sou, em fogo. Ele se perguntou uma vez porque o amor sempre era relacionado a queimar. O calor em suas próprias veias, agora, deram a resposta.
— Você é bom, Will. Não há melhor posição do que a minha para dizer com perfeita confiança quão bom você realmente é.
Ele falou lentamente, não querendo que Tessa retirasse as mãos.
— Você sabe, quando tínhamos 15 anos de idade, Yanluo, o demônio que assassinou os pais de Jem, foi finalmente morto. O tio de Jem estava determinado a se mudar da China para Idris e convidou Jem para ir viver com ele lá. Jem recusou... por mim. Ele disse que não se deixa seu parabatai. Que fazia parte das palavras do juramento. “Sua gente será a minha gente.” Me pergunto, se eu tivesse tido a chance de voltar para a minha família, eu teria feito o mesmo por ele?
— Você está fazendo isso. Não pense que não sei que Cecily quer que você volte para casa com ela. E que você permanece por causa de Jem.
— E por você — Will respondeu antes que pudesse se parar.
Tessa imediatamente retirou as mãos da dele, e Will se amaldiçoou em silêncio e barbaramente: Como pôde ter sido tão tolo? Como, depois de dois meses? Você tem sido tão cuidadoso. Seu amor por ela é apenas um fardo que ela suporta por educação. Lembre-se disso.
Mas Tessa só estava puxando a cortina de lado porque a carruagem diminuiu a velocidade. Eles estavam se movendo para um estábulo, cuja entrada possuía uma placa: todos os condutores de veículos devem encaminhar seus cavalos sob este arco.
— Nós estamos aqui — ela falou, como se ele não tivesse dito uma palavra.
Talvez não tivesse, Will pensou. Talvez não tivesse falado em voz alta. Talvez ele só estivesse ficando louco. Certamente não era inimaginável, sob as circunstâncias.
Quando a porta da carruagem foi aberta, trouxe uma lufada de ar fresco do Chelsea entrou. Ele viu Tessa endireitar a cabeça enquanto Cyril ajudava-a a descer. Will se juntou a Tessa na calçada de pedras. O lugar cheirava ao Tâmisa. Antes de a represa ser construída, o rio chegava muito mais perto da linhas de casas, suas margens suavizadas pela luz a gás na escuridão. Agora, o rio foi separado por uma distância maior, mas ainda se podia cheirar a sujeira, o sal e o ferro da água.
A entrada do número 16 era em estilo georgiano, feita de tijolo vermelho liso, com uma sacada que se projetava sobre a porta da frente. Lá estava um pequeno quadrado pavimentado, e um jardim situava-se atrás de um elegante cerca, toda trabalhada em ferro. O portão já estava aberto. Tessa o empurrou e marchou até os degraus da frente para bater na porta, Will apenas alguns passos atrás dela.
A porta foi aberta por Woolsey Scott, que usava calças e camisa de seda estampadas na cor amarelo-canário. Ele tinha um monóculo de ouro empoleirado nos num dos olhos, e considerou os dois com algum desgosto.
— Oh, puxa. Eu teria mandado o criado pegar o recado e despachá-lo, mas imaginei que fosse outra pessoa.
— Quem? — Tessa perguntou, questão que Will não achou pertinente – mas era o jeito de Tessa, ela estava sempre perguntando coisas. Deixem-na sozinha em uma sala, e ela começa a fazer perguntas ao mobiliário e às plantas.
— Alguém com absinto.
— Tome o suficiente dessa coisa e vai achar que você é outra pessoa — disse Will — estamos procurando Magnus Bane, se ele não estiver aqui, diga-nos e não vamos tomar mais de seu tempo.
Woolsey suspirou como se isso prevalecesse sobre tudo.
— Magnus — ele chamou — é o seu garoto de olhos azuis.
Houve passos no corredor atrás de Woolsey e Magnus apareceu vestido com suas roupas noite, como se tivesse acabado de chegar de uma festa. A frente da camisa e os punhos eram branco engomado, o fraque preto tinha uma franja irregular de seda escuro. Os olhos dele foram de Will para Tessa.
— A que devo a honra, a esta hora tão tardia?
— Um favor — Will respondeu, e emendou quando as sobrancelhas de Magnus subiram: — e uma questão.
 Woolsey suspirou e se afastou a porta.
— Muito bem. Venham para a sala de estar.
Ninguém se ofereceu para recolher seus chapéus ou casacos, e uma vez que eles chegaram à sala de estar, Tessa tirou as luvas e ficou com as mãos perto do fogo, tremendo ligeiramente. Seu cabelo era uma massa úmida de cachos na nuca, e Will moveu o olhar para longe dela antes que pudesse se lembrar de como era passar as mãos por aqueles cabelos e sentir os fios entre seus dedos. Era mais fácil no Instituto, com Jem e os outros para distraí-lo, para lembrá-lo que Tessa não era seu caminho. Aqui, sentindo-se como se estivesse de frente para o mundo com ela ao seu lado – sentindo que ela estava ali por ele em vez de, muito sensatamente, pela saúde de seu noivo – era quase impossível não lembrar.
Woolsey se jogou numa poltrona florida. Arrancou o monóculo de seu olho e estava balançando-o em seus dedos, a corrente de ouro pendendo.
— Eu simplesmente não posso esperar para ouvir sobre o que é.
Magnus se aproximou da lareira e encostou-se a ela, a imagem perfeita de um jovem cavalheiro ocioso. A sala fora pintado de um azul pálido, e decorado com quadros que mostravam vastas áreas de granito, um cintilante mar azul, homens e mulheres em vestimentas clássicas. Will pensou ter reconhecido uma reprodução de uma Alma-Tadema – ou pelo menos devia ser uma reprodução, certo?
— Não se embasbaque com as paredes, Will — Magnus falou — você esteve bastante ausente por meses. O que te traz aqui agora?
— Eu não queria incomodá-lo... — Will murmurou.
Era apenas parcialmente verdade. Uma vez que Magnus provou que a maldição que Will acreditava estar sobre ele era falsa, ela passara a evitar Magnus, não porque estava zangado com o bruxo, ou porque não precisava mais dele, mas porque a visão do feiticeiro lhe causava dor. Havia lhe escrito uma pequena carta, contando-lhe o que tinha acontecido e que o seu segredo não era mais um segredo. Tinha falado de noivado de Jem com Tessa. Pedira que Magnus não respondesse.
— ... mas isto é uma crise — Will continuou.
Os olhos de gato de Magnus se arregalaram.
— Que tipo de crise?
— Trata-se de yin fen... — Will começou.
— Gracioso — Woolsey comentou — não me diga minha matilha está tomando essas coisas de novo?
— Não. Não há nada disso para tomar.
Ele viu a compreensão surgir no rosto de Magnus e passou a explicar a situação o melhor que pôde. Magnus não mudou a expressão enquanto Will falou – não mais que Church mudaria quando alguém falava com ele. Magnus apenas assistiu-o com seus olhos verdes e dourados até que Will terminou.
— E sem o yin fen...?  Magnus começou.
— Ele vai morrer — Tessa completou, voltando-se a partir da lareira.
Suas bochechas estavam coradas, pelo calor do fogo ou do estresse da situação, Will não sabia.
— Não imediatamente, mas... no decorrer da semana. Seu corpo não pode se sustentar sem o pó.
— Como é que ele o toma? — Woolsey perguntou.
— Dissolvido em água, ou inalando... O que isso tem a ver? — Will demandou.
— Nada. Eu só estava me perguntando. Drogas de demônio são uma coisa curiosa.
— Para nós, que o amamos, é uma visão mais que curiosa — disse Tessa.
Seu queixo foi para cima, e Will se lembrou do que lhe falara uma vez, sobre ser como Boadiceia. Ela era corajosa, e a adorava por isso, mesmo que sua coragem tenha sido empregada na defesa de seu amor por alguém.
— Por que vieram até mim com isso? — A voz de Magnus era tranquila.
— Você nos ajudou antes — Tessa respondeu — pensamos que talvez pudesse ajudar novamente. Você ajudou com de Quincey e Will, com sua maldição...
— Eu não estou à sua disposição — Magnus interrompeu — ajudei com de Quincey porque Camille me pediu, e outrora ajudei Will porque ele me ofereceu um favor em troca. Eu sou um feiticeiro. Não sirvo Caçadores de Sombras de graça.
— E eu não sou uma Caçador de Sombras — Tessa replicou.
Houve um silêncio. Então:
— Hmm — Magnus disse, e afastou-se do fogo — eu entendo, Tessa, que devo ter dar os parabéns?
— Eu...
— Por seu noivado com James Carstairs.
— Ah — ela corou, e sua mão foi para garganta, onde sempre usava o colar da mãe de Jem, seu presente para ela — sim. Obrigado.
Will sentiu mais do que viu os olhos de Woolsey em todos os três – Magnus, Tessa, e ele próprio, deslizando de um para o outro, a mente por trás dos olhos examinando, deduzindo, desfrutando.
Os ombros de Will enrijeceram.
— Eu ficaria feliz em lhe oferecer algo desta vez — ele disse — outro favor, ou o que você queira, pelo yin fen. Se é pagamento, eu poderia arranjar, ou seja, eu poderia tentar...
— Eu poderia ter ajudado antes, mas agora... — Magnus suspirou. — Pense, o seu par. Se alguém está comprando todo o yin fen do país, então é porque tem uma razão. E quem tem uma razão para fazer isso?
— Mortmain — Tessa sussurrou antes que Will pudesse dizer.
Ele ainda se lembrava de sua própria voz: os servos de Mortmain tem comprado uma grande quantidade de yin fen no East End. Eu confirmei. Se o seu acabar, essa era a única fonte...
Então você comprou para que eu não ficasse sem antes, Jem falara. A menos que esteja disposto a me deixar morrer, que seria, é claro, a atitude mais sensata a se tomar.
Com yin fen suficiente para durar meses, Will não pensara que haveria perigo. Tinha pensado que Mortmain iria encontrar outra forma de atormentá-los, pois certamente iria ver que este plano não funcionaria. Will não esperava que a droga para um ano inteiro acabasse em oito semanas.
— Você não quer nos ajudar — Will percebeu — não quer se posicionar como um inimigo de Mortmain.
— Bem, você pode culpá-lo? — Woolsey ergueu-se em um turbilhão de seda amarela. — O que você possivelmente poderia oferecer que faria o risco valer a pena para ele?
— Eu te darei qualquer coisa — Tessa em uma voz baixa que Will sentiu em seus ossos — qualquer coisa, se você puder nos ajudar a ajudar Jem.
Magnus agarrou um punhado de seu preto cabelo.
— Deus, vocês dois. Eu posso fazer investigações. Rastrear alguma das rotas de navegação habituais. A Velha Molly...
— Eu estive com ela — Will disse — algo a assustava tanto, ela não vai nem mesmo rastejar para fora de seu túmulo.
Woolsey bufou.
— E isso não te diz nada, pequeno Caçador de Sombras? Isso tudo realmente vale a pena, só para esticar a vida do seu amigo por mais alguns meses, outro ano? Ele vai morrer de qualquer jeito. E quanto mais cedo ele morrer, mais cedo poderá ter a sua noiva, por quem você está apaixonado — ele moveu o olhar divertido para Tessa — você realmente deve estar contando os dias com grande entusiasmo até que ele morra.
Will que não sabia o que aconteceu depois. De repente, tudo ficou branco, e monóculo de Woolsey estava voando pelo cômodo. A cabeça de Will bateu dolorosamente em algo... o lobisomem estava debaixo dele, chutando e praguejando... eles estavam rolando o tapete, e havia uma forte dor em seu pulso, onde Woolsey lhe arranhou. A dor clareou sua cabeça, e ele ficou ciente de que Woolsey estava prendendo-o ao chão, os olhos amarelos e os dentes arreganhados e afiados como punhais, prontos para morder.
— Parem, parem com isso!
Tessa, perto da fogueira, ergueu um atiçador.
Will, engasgando, colocou a mão contra o rosto de Woolsey, empurrando-o para longe. Woolsey gritou, e de repente o peso estava fora do peito de Will.
Magnus levantou o lobisomem e o impeliu para longe. Então as mãos do feiticeiro estavam segurando as costas da jaqueta de Will, e o Caçador de Sombras se viu sendo arrastado do lugar, olhando Woolsey depois dele, a mão no rosto onde o anel de prata de Will tinha queimado sua bochecha.
— Me solte, me solte!
Will lutou, mas o aperto de Magnus era de ferro. Ele levou Will pelo corredor e até uma biblioteca meio iluminada. O Caçador de Sombras tentou se livrar assim que Magnus o soltou, resultando em um tropeço deselegante que foi deixá-lo contra o encosto de um sofá de veludo vermelho.
— Eu não posso deixar Tessa sozinha com Woolsey...
— A virtude dela está em pouco perigo com ele — Magnus disse secamente — Woolsey vai se comportar, o que é mais do que posso dizer de você.
Will se virou lentamente, limpando o sangue de seu rosto.
— Você está me encarando — ele falou para Magnus — parece Church antes de morder alguém.
                        
— Começar uma briga com o chefe do Praetor Lupus — Magnus disse amargamente — você sabe o que a matilha dele faria com você se tivessem um pretexto. Você quer morrer, não é?
— Não — Will respondeu, surpreendendo um pouco até a si mesmo.
— Eu não sei por que sempre te ajudei.
— Você gosta de coisas quebradas.
Magnus deu dois passos do outro lado da sala e segurou o rosto de Will com seus longos dedos, forçando seu queixo para cima.
— Você não é Sydney Carton. Que bem fará você morrer por James Carstairs, quando é ele quem está morrendo afinal?
— Se eu salvá-lo, então valerá a pena...
— Deus! — Os olhos de Magnus se estreitaram. — O que é valerá a pena? O que poderia ter esse valor?
— Tudo o que eu perdi! — Will gritou. — Tessa!
Magnus tirou a mão do rosto de Will. Ele deu alguns passos para trás e respirava lentamente, como se estivesse contando até dez mentalmente.
— Sinto muito — ele falou finalmente — pelo o que Woolsey disse.
— Se Jem morrer, não posso ficar com Tessa. Porque será como se eu estivesse esperando que ele morresse, ou que fiquei um pouco alegre com a sua morte, se isso me permitir tê-la. E não vou ser essa pessoa. Não vou lucrar com sua morte. Assim, ele deve viver — Will baixou o braço, a manga suja de sangue — é a única maneira de nada disso acontecer. Caso contrário, é apenas...
— Sem sentido, cheio de sofrimento e dor desnecessária? Suponho que não te ajudaria se eu lhe contasse a forma como a vida é. Os bons sofrem, o mal prospera, e tudo o que é mortal morre.
— Eu quero mais do que isso. Você me fez querer mais do que isso. Me mostrou que eu só estava amaldiçoado porque tinha escolhido acreditar que sim. Você me disse que havia possibilidades, sentido. E agora quer virar as costas para o que criou.
Magnus riu.
— Você é incorrigível.
— Já ouvi isso — Will que se moveu para longe do sofá, fazendo uma careta — vai me ajudar, então?
— Eu vou ajudá-lo — Magnus mexeu em sua camisa e tirou algo que pendia em uma corrente, que brilhava com uma suave luz vermelha. Era uma pedra quadrada vermelha — pegue isso.
Ele colocou-a na mão de Will. Will olhou para Magnus em confusão.
— Isto era de Camille.
— Eu dei a ela como um presente — Magnus explicou, sua boca curvando amargamente — ela me devolveu todos os presentes mês passado. Você pode muito bem levar. A pedra avisa quando os demônios estão perto. Pode funcionar para aquelas criações mecânicas de Mortmain.
— O amor verdadeiro não morre — Will recitou, lendo a inscrição no verso do colar na luz que vinha do corredor — eu não posso usar isso, Magnus. É bonito demais para um homem.
— Então serve para você. Vá para casa e limpe-se. Te chamo assim que tiver informações — ele olhou para Will profundamente — enquanto isso, faça o seu melhor para ser digno da minha ajuda.

***

— Se você chegar perto de mim, vou bater na sua cabeça com este atiçador — Tessa ameaçou, brandindo o instrumento da lareira entre ela e Woolsey Scott como se fosse uma espada.
— Não tenho dúvidas de que bateria — ele respondeu, olhando-a com uma espécie de respeito relutante enquanto limpava o sangue de seu queixo com um lenço com um monograma bordado.
Will também estava com sangue, o seu próprio e o de Woolsey. Sem dúvida, ele estava em outra sala com Magnus agora, sangue manchando por toda parte. Will nunca se preocupara com a limpeza, muito menos quando estava emotivo.
— Vejo que começou a ser como eles, os Caçadores de Sombras que parece adorar tanto. O que deu em você para se envolver com um deles? Ainda mais com um moribundo.
Raiva irrompeu em Tessa, e ela considerou bater em Woolsey com o atiçador, ele chegasse perto dela ou não. Ele se movera rapidamente na briga com Will, e Tessa não gostava de suas chances.
— Você não sabe nada sobre James Carstairs. Não fale sobre ele.
— Você o ama, não é? — Woolsey conseguiu soar desagradável. — Mas ama Will, também.
Tessa congelou por dentro. Ela sabia que Magnus tinha conhecimento da afeição de Will para com ela, mas a ideia de ter seu sentimento em retorno estampado na testa era muito aterrorizadora para se pensar.
— Isso não é verdade.
— Mentirosa — Woolsey rebateu — realmente, que diferença faz se um deles morre? Você sempre tem uma boa segunda opção.
Tessa pensou em Jem, na forma de seu rosto, os olhos fechados em concentração enquanto tocava violino, a curva de sua boca quando sorria, seus dedos cuidadosos sobre ela – cada traço dele inexplicavelmente amado por ela.
— Se você tivesse dois filhos — ela respondeu — poderia dizer que está tudo bem se um dos deles morresse, porque ainda tem outro?
— Pode-se amar dois filhos. Mas seu coração pode ser entregue no amor romântico a apenas uma única pessoa. Essa é a natureza de Eros, não é? Senão os romances nos diriam, embora eu mesmo não tenha experiência nisso.
— Eu passei a entender algumas coisas sobre romances — Tessa observou.
— O quê?
— Que eles não são verdadeiros.
Woolsey arqueou uma sobrancelha.
— Você é uma coisa engraçada. Eu diria que posso entender o que esses garotos veem em você, mas... — Ele encolheu os ombros. Suas roupas amarelas tinham uma longa gota de sangue agora — ... as mulheres não são algo que eu já compreendi.
— O que sobre elas acha tão misterioso, senhor?
— O objetivo delas, principalmente.
— Bem, você deve ter tido uma mãe — Tessa comentou.
— Alguém me pariu, sim — Woolsey falou sem muito entusiasmo — eu me lembro dela pequeno.
— Talvez, mas você não existiria sem uma mulher, não é? No entanto, encontram pouco uso para nós, nós que somos mais inteligentes, determinadas e pacientes do que os homens. Homens podem ser mais fortes, mas são as mulheres que suportar.
— É isso o que você está fazendo? Suportando? Certamente uma mulher comprometida deve ser feliz — seus olhos claros prenderam-se aos dela — um coração dividido não pode parar em pé, como eles dizem. Você ama os dois, e isso te parte em pedaços.
— Casa — disse Tessa.
Ele levantou uma sobrancelha.
— O quê?
— Uma casa dividida não pode parar em pé. Não um coração. Talvez você não devesse fazer citações, se não pode fazê-las corretamente.
— E talvez você devesse parar de sentir pena de si mesma — ele retrucou — a maioria das pessoas têm a sorte de ter um grande amor em sua vida. Você ter encontrou dois.
— Diz o homem que não tem nenhum.
— Oh! — Woolsey cambaleou para trás com a mão contra seu coração, simulando um desmaio. — A pomba tem dentes. Muito bem, se você não deseja discutir assuntos pessoais, então talvez algo mais geral? Sua natureza? Magnus parece convencido de que você é uma feiticeira, mas eu não estou tão certo. Acho que pode haver um pouco do sangue das fadas sobre você, o que o poder de Mudar senão uma magia de ilusão? E quem são os mestres da magia e ilusão senão o Povo Justo?
Tessa pensou na fada de cabelo azul na festa de Benedict, que havia afirmado conhecer sua mãe, e sua respiração ficou presa na garganta. Antes que ela pudesse dizer outra palavra a Woolsey, porém, Magnus e Will surgiram na porta. Wil, tal qual Tessa previu, sujo como anteriormente, e carrancudo. Ele olhou de Tessa para Woolsey e deu uma risada curta.
— Suponho que você estava certo, Magnus. Tessa não corria perigo com ele. Não se pode dizer o inverso.
— Tessa, querida, abaixe o atiçador — Magnus pediu, estendendo a mão — Woolsey pode ser terrível, mas há maneiras melhores de lidar com seus humores.
Com um último olhar para Woolsey, Tessa entregou o atiçador para Magnus. Ela se moveu para recuperar as luvas – e Will seu casaco. Houve um borrão de movimento e vozes, e Tessa ouviu Woolsey rir. Mal estava prestando atenção, estava muito focada em Will. Podia dizer pelo olhar em seu rosto que de tudo que ele e Magnus tinham conversado em particular, nada resolveu o problema das drogas de Jem. Ele parecia assombrado, e um pouco mortal, o sangue colorindo suas maçãs do rosto salientes fazendo com que o azul de seus olhos parecesse mais surpreendente.
Magnus acompanhou-os da sala de estar até a porta da frente, onde o ar fresco bateu Tessa como uma onda. Ela puxou as luvas mais para cima e acenou um adeus para Magnus, que fechou a porta, deixando os dois na noite.
O Tâmisa brilhava após as árvores, a estrada e a represa; e as lâmpadas a gás da ponte Battersea refletiam na água, transformando a noite azul em dourado. A sombra da charrete era visível por baixo das árvores junto à cerca. Acima deles, a lua aparecia e desaparecia entre movimentos dos bancos de nuvem cinzenta.
Will estava completamente imóvel.
— Tessa.
Sua voz soava peculiar, estranha e embargada. Tessa desceu rapidamente as escadas para ficar ao lado dele, olhando para seu rosto. O rosto de Will era tão mutável como a própria luz da lua, ela nunca tinha visto a sua expressão assim ainda.
— Ele disse que iria ajudar? — Ela sussurrou. — Magnus?
— Ele vai tentar, mas... o jeito como olhou para mim... ele se sentiu pesaroso por mim, Tess. Isso significa que não há esperança, não é? Se até mesmo Magnus acha que o esforço está condenado, não há nada mais que eu possa fazer, não é?
Ela colocou a mão sobre o braço dele. Will não se moveu. Era tão peculiar estar tão perto dele, a sensação e a presença familiar quando há meses tinham se evitado, mal se falando. Não queria nem encontrar seus olhos. E agora ele estava aqui, com cheiro de sabão, chuva, sangue e Will...
— Você tem feito muito — ela sussurrou — Magnus vai tentar ajudar, e vamos continuar pesquisando, algo ainda pode vir à luz. Você não pode abandonar a esperança.
— Eu sei. Eu sei disso. E ainda me sinto como medo no meu coração, como se fosse a última hora da minha vida. tive desespero antes, Tess, mas nunca tal medo. E eu ainda tinha conhecimento disso, eu sempre soube...
Que Jem que iria morrer. Ela não disse isso. As palavras estavam entre eles, não ditas.
— Quem sou eu? — Ele sussurrou. — Por anos fingi que eu era uma pessoa diferente, e então regozijei-me que eu poderia voltar a ser quem era de verdade, apenas para descobrir que não retornei para a verdade. Eu fui uma criança comum, e então eu não era um homem muito bom, e agora não sei mais ser nenhuma dessas coisas. Não sei o que eu sou, e quando Jem desaparecer, não haverá ninguém para me mostrar.
— Eu sei quem você é. Você é Will Herondale — foi tudo o que Tessa disse, e em seguida, seus braços estavam ao redor dela, a cabeça em seu ombro.
Ela congelou no início de puro espanto, e então, cuidadosamente abraçou-o de volta segurando-o enquanto ele estremeceu. Will não estava chorando, era outra coisa, uma espécie de ataque, como se estivesse se asfixiando. Ela sabia que não deveria tocá-lo, mas não podia imaginar que Jem desejasse que ela afastasse Will em tal momento. Não poderia ser Jem para ele, pensou, não poderia ser a bússola que apontava o norte, mas poderia tornar sua carga mais leve de carregar.

***

— Você gostaria de ter esta terrível caixa de rapé que alguém me deu? É de prata, então eu não posso tocá-la — Woolsey falou.
Magnus, de pé na janela da sala de estar, afastara a cortina apenas o suficiente para que pudesse ver Will e Tessa sobre os degraus da frente, agarrando-se um no outro como se suas vidas dependessem disso. Ele deu uma resposta evasiva.
Woolsey revirou os olhos.
— Ainda lá fora, os dois?
— Absolutamente.
— Confuso, todo esse negócio de amor romântico — Woolsey comentou — é muito melhor do jeito que fazemos. Apenas questões físicas.
— É verdade.
Will e Tessa tinha se separado finalmente, embora suas mãos ainda estivessem unidas. Tessa parecia estar persuadindo Will a descer os degraus.
— Você acha que teria se casado, se não tivesse sobrinhos para continuar o nome da família?
— Acho que eu teria. Brada Deus à Inglaterra, a Harry, a São Jorge e Praetor Lupus! — Woolsey riu, ele tinha se servido de um copo de vinho tinto no aparador, e girou agora, olhando sob seu íntimo inconstante.
— Você deu o colar de Camille para Will — observou.
— Como você sabe?
A mente de Magnus estava apenas em parte na conversa, a outra metade estava assistindo Will e Tessa caminharem em direção a sua charrete. De alguma forma, apesar da diferença de altura e estatura, ela parecia ser a única que estava se inclinando.
— Você estava usando quando deixou a sala com Will, mas não quando voltou. Suponho que não lhe contou quanto vale? Que ele está usando um rubi que custa mais do que o Instituto?
— Eu não quero aquele colar.
— Lembrete trágico de um amor perdido?
— Não se adequa à minha aparência — Will e Tessa estavam na charrete agora, e seu condutor estava pegando as rédeas — acha que há uma chance para ele?
— Uma chance para quem?
— Will Herondale. Para ele ser feliz.
Woolsey suspirou e baixou seu monóculo.
— Existe uma chance para você ser feliz se ele não ser?
Magnus não disse nada.
— Você está apaixonado por ele? — Woolsey perguntou – apenas curiosidade, sem ciúme.
Magnus se perguntou se era melhor ter um coração assim, ou não ter coração nenhum.
— Não — ele respondeu — fico imaginando, mas não. É outra coisa. Sinto que devo a ele. Ouvi dizer que quando se salva uma vida, você é responsável por essa vida. Sinto que sou responsável por aquele garoto. Se ele não encontrar a felicidade, sentirei que falhei. Se não puder ter essa garota que ele ama, sentirei que falhei ele. Se não puder manter seu parabatai por ele, sentirei que falhei.
— Então você irá falhar com ele — Woolsey apontou. — Nesse meio tempo, enquanto você está deprimido e buscando yin fen, acho que eu poderia estar viajando. Ver o campo. A cidade me deprime no inverno.
— Faça o que preferir.
Magnus deixar a cortina fechar-se, bloqueando a visão da charrete de Will e Tessa, uma vez que sumiu do campo de visão.

***

Para: Cônsul Josias Wayland
De: Inquisidor Victor Whitelaw

Josias,
Fiquei profundamente preocupado ao saber de sua carta ao Conselho sobre o tema Charlotte Branwell. Como velhos conhecidos, esperava que você talvez pudesse falar mais livremente para mim do que para eles. Existe algum problema em relação ela que lhe diz respeito? O pai dela era um querido amigo nosso, e eu não soube que ela fez nada de desonroso.

Com preocupação,
Victor Whitelaw

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Trono de Vidro

Os Instrumentos Mortais

Trono de Vidro