Capítulo 9 - O Enclave
Pode fazer de meu coração uma pedra de moinho, usar meu rosto como um sílex,
Enganar e ser enganado, e morrer: quem sabe? Nós somos cinzas e pó.
– Alfred, Lord Tennyson, Maud
— Tente novamente — Will sugeriu — apenas ande de uma extremidade do quarto para a outra. Nós lhe diremos se você parece convincente.
Tessa suspirou. Sua cabeça latejava, assim como o fundo de seus olhos. Era cansativo aprender a fingir ser um vampiro.
Fazia dois dias desde a visita de Lady Belcourt, e Tessa tinha gasto quase todos os momentos desde então tentando transformar-se de forma convincente na mulher vampira, sem grandes sucessos. Ela ainda se sentia como se estivesse deslizando ao redor da superfície da mente de Camille, incapaz de penetrar através dela e agarrar pensamentos ou personalidade. Isso tornava difícil saber como andar, como falar, e que tipo de expressões deveria estar usando quando encontrasse os vampiros na festa de de Quincey – que, sem dúvida, Camille conhecia muito bem, e que seria esperado que Tessa conhecesse também.
Ela estava na biblioteca agora, e havia passado as últimas horas desde o almoço praticando caminhar com o estranho caminhar deslizante de Camille, e falando com sua voz arrastada cuidadosa. Fixado em seu ombro estava um broche de joias que um dos humanos subjugados de Camille, uma pequena criatura enrugada chamada Archer, tinha trazido em um baú. Havia um vestido, também, para Tessa vestir para de Quincey, mas era muito pesado e elaborado para o período diurno.
Tessa vestia agora com seu próprio vestido novo azul e branco, que era incomodamente apertado demais no peito e muito frouxo na cintura sempre que ela mudava para Camille.
Jem e Will haviam montado acampamento em uma das longas mesas nos fundos da biblioteca, ostensivamente para ajudá-la e aconselhá-la, mas mais provavelmente, ao que parecia, para zombar e se divertir com sua consternação.
— Você aponta muito seus pés para fora quando anda — Will continuou.
Ele estava ocupado polindo uma maçã no peito de sua camisa, e parecia não notar Tessa olhando raivosamente para ele.
— Camille anda delicadamente. Como um fauno na floresta. Não como um pato.
— Eu não ando como um pato.
Eu gosto de patos — Jem observou diplomaticamente — principalmente aqueles no Hyde Park — ele olhou de soslaio para Will; os dois rapazes estavam sentados na borda da mesa alta, com as pernas balançando do lado — lembra quando você tentou me convencer a alimentar os marrecos no parque com uma torta de frango para ver se você poderia criar uma raça de patos canibais?
— Eles comeram — Will relembrou — pequenas bestas sanguinárias. Nunca confie em um pato.
— Vocês se importam? — Tessa exigiu. — Se não irão me ajudar, podem muito bem sair daqui os dois. Eu não deixei vocês ficarem aqui para que pudesse ouvi-los falar besteiras sobre patos.
— Sua impaciência — Will comentou — é muito imprópria para uma dama — ele sorriu para ela em torno da maçã — talvez a natureza vampírica de Camille esteja se afirmando?
Seu tom era brincalhão. Era tão estranho, pensou Tessa. Apenas alguns dias atrás, ele havia rosnado para ela sobre seus pais, e depois havia implorado a ela para ajudá-lo a esconder a tosse com sangue de Jem, seu rosto queimando com uma intensidade enquanto o fazia. E agora ele estava brincando como se ela fosse a irmãzinha de um amigo, alguém que ele conhecia casualmente, talvez pensasse com carinho, mas por quem ele não tinha sentimentos complexos.
Tessa mordeu seu lábio – e estremeceu com a dor aguda e inesperada. Os dentes de vampiro de Camille – seus dentes – eram governados por um instinto que ela não conseguia entender. Eles pareciam deslizar para frente sem aviso ou momento, alertando-a para a sua presença apenas por explosões repentinas de dor quando eles perfuravam a pele frágil de seu lábio. Ela sentiu o gosto de sangue em sua boca – seu próprio sangue, salgado e quente. Ela pressionou os dedos à boca; quando tirou a mão, seus dedos estavam manchados de vermelho.
— Deixe isso quieto — disse Will, baixando sua maçã e ficando de pé — você irá descobrir que se cura rapidamente.
Tessa cutucou seu incisivo esquerdo com a língua. Ele estava plano de novo, um dente normal.
— Eu não entendo o que os faz sair desse jeito!
— Fome — Jem explicou — você estava pensando sobre sangue?
— Não.
— Você estava pensando em me comer? — Will perguntou.
— Não!
— Ninguém iria culpá-la — Jem apontou — ele é muito chato.
Tessa suspirou.
— Camille é tão difícil. Eu não entendo nada sobre ela, muito menos ser ela.
Jem olhou para ela de perto.
— Você é capaz de tocar os pensamentos dela? Da forma como disse que podia tocar os pensamentos daqueles em quem se transformava?
— Ainda não. Eu tenho tentado, mas tudo o que consigo são flashes ocasionais, imagens. Seus pensamentos parecem muito bem protegidos.
— Bem, espero que você possa quebrar essa proteção antes de amanhã à noite — disse Will — ou eu não diria muito sobre as nossas chances.
— Will — Jem censurou — não diga isso.
— Você está certo — disse Will — eu não deveria subestimar minhas próprias habilidades. Se Tessa fizer uma confusão das coisas, tenho certeza de que serei capaz de lutar nosso caminho através das massas de vampiros escravocratas para a liberdade.
Jem – como era seu hábito, Tessa estava começando a perceber – simplesmente ignorou isso.
— Talvez, você só possa tocar os pensamentos dos mortos, Tessa? Talvez a maioria dos objetos dados a você pelas Irmãs Sombrias foi tirada de pessoas que foram assassinadas.
— Não. Eu toquei os pensamentos de Jessamine quando me transformei nela. Então não pode ser isso, felizmente. Que talento mórbido seria.
Jem estava olhando para ela com olhos prateados pensativos; algo sobre a intensidade de seu olhar a deixava quase desconfortável.
— Quão claramente você pode ver os pensamentos dos mortos? Por exemplo, se eu lhe der um item que tenha pertencido a meu pai, você saberia o que ele estava pensando quando morreu?
Foi a vez de Will parecer alarmado.
— James, eu não acho... — ele começou, mas parou quando a porta da biblioteca se abriu e Charlotte entrou na sala.
Ela não estava sozinha. Havia pelo menos uma dúzia de homens seguindo-a, estranhos que Tessa nunca tinha visto antes.
— O Enclave — sussurrou Will, e gesticulou para Jem e Tessa se esconderem atrás de uma das estantes de três metros.
Eles observaram de seu esconderijo enquanto a sala se enchia de Caçadores de Sombras – a maioria deles homens. Mas Tessa viu, enquanto entravam na sala, que entre eles estavam duas mulheres. Ela não podia deixar de olhar para elas, lembrando o que Will tinha dito sobre Boadiceia, que as mulheres poderiam ser guerreiras também.
A mais alta das mulheres – e ela devia ter quase um metro e noventa de altura – tinha cabelos brancos presos em uma coroa na parte de trás da cabeça. Ela parecia estar bem em seus sessenta anos, e sua presença era real. A segunda das mulheres era mais jovem, com cabelos escuros, olhos felinos, e um comportamento reservado.
Os homens eram um grupo mais misto. O mais velho era um homem alto, vestido todo em cinza. Seus cabelos e pele eram cinzentos também, seu rosto ossudo e aquilino, com um nariz fino e forte, queixo pontudo. Havia linhas duras nos cantos dos olhos e depressões escuras embaixo das maçãs do rosto. Seus olhos eram rodeados de vermelho. Ao lado dele estava o mais novo do grupo, um garoto com menos de um ano de diferença com Jem ou Will. Ele era bonito em uma espécie de forma angular, com características definidas, mas comuns, cabelos castanhos desgrenhados, e uma expressão alerta.
Jem fez um barulho de surpresa e desagrado.
— Gabriel Lightwood — ele murmurou baixinho para Will — o que ele está fazendo aqui? Pensei que ele estava na escola em Idris.
Will não se moveu. Ele estava encarando o menino de cabelos castanhos com as sobrancelhas levantadas, um sorriso brincando nos lábios.
— Só não entre em uma briga com ele, Will — Jem acrescentou apressadamente — não aqui. Isso é tudo o que peço.
— Um pouco demais para se pedir, você não acha? — Will replicou sem olhar para Jem.
Will tinha se inclinado para fora da estante, e estava assistindo Charlotte enquanto ela conduzia todos para a mesa grande na frente da sala. Ela parecia estar pedindo a todos que se instalassem nas cadeiras ao redor da mesa.
— Frederick Ashdown e George Penhallow, aqui, se vocês fizerem o favor — disse Charlotte — Lilian Highsmith, se você sentar ali perto do mapa...
— E onde está Henry? — perguntou o homem grisalho com um ar de brusca educação. — O seu marido? Como um dos chefes do Instituto, ele realmente deveria estar aqui.
Charlotte hesitou por uma fração de segundo antes de fixar um sorriso em seu rosto.
— Ele está a caminho, Sr. Lightwood — ela respondeu, e Tessa percebeu duas coisas – a primeira, que o homem de cabelos grisalhos era provavelmente o pai de Gabriel Lightwood, e a segunda, que Charlotte estava mentindo.
— É melhor que ele esteja — Sr. Lightwood murmurou — uma reunião do Enclave sem o chefe do Instituto presente – que coisa mais irregular — ele se virou então, e embora Will tivesse se movido para trás da estante alta, já era tarde demais. Os olhos do homem estreitaram — e quem está ali atrás, então? Saia e mostre-se!
Will olhou para Jem, que encolheu os ombros com eloquência.
— Não há por que se esconder até que eles nos arrastem para fora, não é?
— Fale por si mesmo — Tessa sibilou — eu não preciso de Charlotte com raiva de mim se não era para nós estarmos aqui.
— Não fique nervosa com isso. Não há nenhuma razão para que você tivesse alguma ideia sobre a reunião do Enclave, e Charlotte está perfeitamente consciente disso. Ela sempre sabe exatamente quem culpar — Will sorriu — eu viraria você de volta, se você me entende. Não há necessidade de dar um choque tão grande às velhas constituições grisalhas deles.
— Oh!
Por um momento, Tessa tinha quase esquecido que ela ainda estava disfarçada de Camille. Rapidamente ela começou a trabalhar em despojar a transformação, e quando os três saíram de trás da estante, ela era ela mesma novamente.
— Will — Charlotte suspirou ao vê-lo, e balançou a cabeça em direção a Tessa e Jem — eu disse que o Enclave teria uma reunião aqui às quatro horas.
— Você disse? — Will perguntou. — Devo ter esquecido. Que horror — seus olhos deslizaram de lado, e ele sorriu — e aí, Gabriel.
O garoto de cabelos castanhos retornou o olhar de Will com um olhar furioso. Ele tinha olhos verdes muito brilhantes, e sua boca, enquanto olhava para Will, estava dura com nojo.
— William — disse ele, finalmente, e com algum esforço. Ele virou seu olhar sobre Jem — e James. Vocês não são um pouco jovens para estar à espreita em reuniões do Enclave?
— Você não é? — Jem rebateu.
— Eu fiz dezoito anos em junho — disse Gabriel, inclinando-se tanto para trás em sua cadeira que as pernas da frente saíram do chã — tenho todo o direito de participar das atividades do Enclave agora.
— Que fascinante para você — disse a mulher de cabelos brancos que Tessa tinha pensado parecer régia — então esta é ela, Lottie? A garota feiticeira sobre a qual você estava nos falando? — A pergunta era dirigida a Charlotte, mas o olhar da mulher repousava sobre Tessa. — Ela não parece grande coisa.
— Nem Magnus Bane na primeira vez que o vi — opinou o Sr. Lightwood, dobrando um olhar curioso sobre Tessa — vamos ver então. Mostre-nos o que você pode fazer.
— Eu não sou uma feiticeira — Tessa protestou furiosamente.
— Bem, você certamente é algo, minha menina — disse a mulher mais velha — se não uma feiticeira, então o quê?
— Já basta — Charlotte levantou-se — a Srta. Gray já demonstrou sua boa fé para mim e para o Sr. Branwell. Isso terá de ser bom o suficiente por agora – pelo menos até o Enclave tomar a decisão que deseja utilizar seus talentos.
— Claro que desejam — disse Will — nós não temos esperança de sucesso neste plano sem ela...
Gabriel trouxe a sua cadeira para frente com tal força que as pernas da frente bateram no chão de pedra com um barulho estranho.
— Sra. Branwell — disse ele furiosamente — William é, ou não, muito jovem para estar participando de uma reunião do Enclave?
O olhar de Charlotte foi do rosto corado de Gabriel para a face sem expressão de Will. Ela suspirou.
— Sim, ele é. Will, Jem, se vocês, por favor, aguardassem fora no corredor com Tessa.
A expressão de Will apertou, mas Jem lançou um olhar de advertência sobre ele, e ele permaneceu em silêncio. Gabriel Lightwood pareceu triunfante.
— Eu mostrarei a vocês a saída — ele anunciou, saltando de pé.
Ele conduziu os três para fora da biblioteca, em seguida, virou para o corredor depois deles.
— Você — ele cuspiu para Will, mantendo sua voz baixa, para que aqueles que estavam na biblioteca não pudessem ouvi-lo — você desonra o nome de Caçadores de Sombras por toda parte.
Will inclinou-se contra a parede do corredor e fitou Gabriel com gelados olhos azuis.
— Eu não sabia que havia muito do nome restando para a desgraça, depois que seu pai...
— Agradecerei se não falar da minha família — rosnou Gabriel, esticando o braço atrás de si para fechar a porta da biblioteca.
— Que pena que a perspectiva de sua gratidão não é tentadora — Will comentou.
Gabriel olhou para ele, seus cabelos em um desalinho, os olhos verdes brilhantes de raiva. Ele lembrou Tessa de alguém naquele momento, embora ela não pudesse ter dito quem.
— O quê? — Gabriel rosnou.
— Ele quer dizer — Jem esclareceu — que não se importa com seus agradecimentos.
As bochechas de Gabriel escureceram para um escarlate maçante.
— Se você não fosse menor de idade, Herondale, seria monomachia para nós. Só você e eu, até a morte. Eu retalharia você a trapos sangrentos de tapete...
— Pare, Gabriel — Jem interrompeu, antes que Will pudesse responder — incitar Will para um combate sozinho... isso é como punir um cão depois de você o ter atormentado até ele te morder. Você sabe como ele é.
— Muito obrigado, James — Will disse, sem tirar os olhos de Gabriel — aprecio o testemunho por meu caráter.
Jem deu de ombros.
— É a verdade.
Gabriel atirou a Jem um olhar sombrio.
— Fique fora disso, Carstairs. Isso não lhe diz respeito.
Jem aproximou-se da porta e de Will, que estava perfeitamente imóvel, encarando o olhar frio de Gabriel com um de seus próprios. Os pelos da nuca de Tessa começaram a formigar.
— Se se trata de Will, se trata de mim — Jem disse.
Gabriel sacudiu a cabeça.
— Você é um Caçador de Sombras decente, James, e um cavalheiro. Você tem a sua... deficiência, mas ninguém lhe culpa por isso. Mas este... — ele curvou o lábio, apontando o dedo na direção de Will — este lixo só te arrasta para baixo. Encontre outra pessoa para ser seu parabatai. Ninguém espera que Will Herondale viva além dos dezenove anos, e ninguém irá sentir de vê-lo partir, também...
Aquilo era demais para Tessa. Sem pensar nisso, ela explodiu, indignada:
— Que coisa a dizer!
Gabriel, interrompido no meio de seu discurso, parecia tão chocado como se uma das tapeçarias de repente começasse a falar.
— Perdão?
— Você me ouviu. Dizer para alguém que você não ficaria triste se ele morresse! É imperdoável! — Ela tomou Will pela manga. — Venha, Will. Esta... esta pessoa... obviamente não vale a pena desperdiçar o seu tempo com ele.
Will pareceu imensamente entretido.
— É verdade.
— Você... você... — Gabriel, gaguejou um pouco, olhando para Tessa de uma maneira alarmada. — Você não tem a menor ideia das coisas que ele fez...
— E eu não me importo, também. Vocês todos são Nephilins, não são? Bem, não são? Deveriam estar do mesmo lado — Tessa franziu o cenho para Gabriel — acho que você deve a Will um pedido de desculpas.
— Eu preferiria ter minhas entranhas arrancadas e amarradas em um nó na frente dos meus próprios olhos do que me desculpar para tal um verme.
— Gracioso — Jem disse suavemente — você não quis dizer isso. Não a parte de Will ser um verme, é claro. A parte sobre as entranhas. Isso soa terrível.
— Eu falo sério — Gabriel respondeu, começando a se empolgar com o assunto — eu preferiria ser jogado em um tonel de veneno Malphas e deixado para dissolver lentamente, até que apenas os meus ossos restassem.
— Sério? — Will perguntou. — Porque eu conheço um cara que poderia nos vender um barril de...
A porta da biblioteca abriu. Sr. Lightwood estava na soleira.
— Gabriel — disse ele em um tom congelante — você pretende participar da reunião – sua primeira reunião no Enclave, se eu devo lembrá-lo – ou você preferiria brincar aqui fora no corredor com o resto das crianças?
Ninguém pareceu particularmente contente por esse comentário, especialmente Gabriel, que engoliu em seco, assentiu, atirou um último olhar cortante para Will, e seguiu o seu pai de volta para a biblioteca, fechando a porta atrás deles com uma batida.
— Bem — Jem falou após a porta se fechar atrás de Gabriel — foi quase tão mau quanto eu esperava que fosse. Esta é a primeira vez que você o vê desde a festa de Natal do ano passado? — ele perguntou, dirigindo a questão a Will.
— Sim. Acha que eu deveria ter dito a ele que senti sua falta?
— Não.
— Ele é sempre assim? — Tessa perguntou. — Tão horrível?
— Você deveria ver seu irmão mais velho — Jem observou — faz Gabriel parecer mais doce que bolo de gengibre. Odeia Will ainda mais do que Gabriel, se isso é possível.
Will sorriu com isso, então se virou e começou a andar pelo corredor, assobiando enquanto ia. Após um momento de hesitação, Jem foi atrás ele, gesticulando para Tessa seguir.
— Por que Gabriel Lightwood lhe odeia, Will? — Tessa perguntou enquanto andavam. — O que você fez a ele?
— Não foi nada que eu fiz para ele — Will respondeu, andando a um ritmo acelerado. — Foi algo que eu fiz à sua irmã.
Tessa olhou de soslaio para Jem, que deu de ombros.
— Onde há nosso Will, há meia dúzia de meninas irritadas dizendo que ele comprometeu a virtude delas.
— Você o fez? — Tessa perguntou, se apressando para acompanhar os meninos.
Havia uma velocidade máxima a qual você podia andar em pesadas saias que se enrolavam em torno de seus tornozelos enquanto você andava. A entrega dos vestidos de Bond Street tinha sido no dia anterior, e ela estava apenas começando a se acostumar a usar o material tão caro. Se lembrou dos vestidos leves que usava quando era uma garotinha, quando fora capaz de correr até seu irmão, chutá-lo no tornozelo e ir embora sem que ele fosse capaz de alcançá-la. Perguntou-se brevemente o que aconteceria se ela tentasse fazer isso com Will. Duvidava que fosse funcionar para sua vantagem, apesar de o pensamento ter um certo apelo.
— Comprometeu a virtude dela, eu quero dizer.
— Você tem um monte de perguntas — disse Will, virando bruscamente para a esquerda e subindo um conjunto de escadas estreitas — não é?
— Eu tenho — Tessa concordou, os saltos de suas botas estalando ruidosamente sobre os degraus de pedra, enquanto seguia Will para cima. — O que é parabatai? E o que você quis dizer sobre o pai de Gabriel ser uma vergonha para os Caçadores de Sombras?
— Parabatai em grego é apenas um termo para um soldado pareado com um motorista de biga — disse Jem — mas quando os Nephilins dizem isso, queremos dizer uma equipe combinada de guerreiros – dois homens que juram proteger um ao outro e guardar as costas uns dos outros.
— Homens? — Tessa perguntou. — Não poderia haver uma equipe de mulheres, ou uma mulher e um homem?
— Eu pensei que você tinha dito que as mulheres não têm sede de sangue — Will disse sem se virar — e quanto ao pai de Gabriel, digamos que ele tem uma certa reputação de gostar de demônios e Seres do Submundo mais do que deveria. Eu ficaria surpreso se algumas das visitas noturnas do velho Lightwood a certas casas em Shadwell não o tivessem deixado com um sórdido caso de varíola demoníaca.
— Varíola demoníaca? — Tessa ficou horrorizada e fascinada ao mesmo tempo.
— Ele inventou isso — Jem apressadamente tranquilizou-a — realmente, Will. Quantas vezes nós temos que lhe dizer que não existe tal coisa de varíola demoníaca?
Will havia parado na frente de uma porta estreita em uma curva da escada.
— Eu acho que é essa — ele falou meio que para si mesmo, e sacudiu a maçaneta.
Quando nada aconteceu, ele tirou sua estela da jaqueta e rabiscou uma marca negra na porta. Ela abriu com uma nuvem de poeira.
— Este deve ser um depósito.
Jem o seguiu para dentro, e, depois de um momento, Tessa também.
Se encontrou em uma pequena sala cuja única iluminação vinha de uma janela arqueada disposta bem alto na parede. Luz embaçada derramava através dela, mostrando um espaço quadrado preenchido com baús e caixas. Poderia ser um espaço de armazenamento em qualquer lugar, se não fossem as pilhas de armas velhas nos cantos – coisas pesadas de ferro que pareciam enferrujadas lâminas largas e correntes ligadas a pedaços de metal cravados.
Will pegou um dos baús e moveu-o para o lado para criar um quadrado de espaço aberto no chão. Mais poeira subiu. Jem tossiu e lhe lançou um olhar reprovador.
— Alguém poderia pensar que você nos trouxe aqui para nos matar, a não ser que a sua motivação para fazer isso parece confusa na melhor das hipóteses.
— Sem assassinato — Will falou — espere um pouco. Eu preciso mover mais um baú.
Enquanto ele empurrava a coisa pesada para a parede, Tessa lançou um olhar de soslaio para Jem.
— O que Gabriel quis dizer — perguntou, baixando sua voz para Will não ouvir — “a sua deficiência”?
Os olhos prateados de Jem se arregalaram um pouco antes de ele dizer:
— Meus problemas de saúde. Isso é tudo.
Ele estava mentindo, Tessa sabia. Ele tinha o mesmo tipo de olhar que Nate tinha quando mentia – um olhar um pouco limpo demais para ser verdadeiro. Mas antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Will se levantou e anunciou:
— Aqui estamos. Venham sentar-se.
Ele então procedeu para sentar-se no sujo chão empoeirado; Jem foi se sentar ao lado dele, mas Tessa recuou por um momento, hesitante. Will, que estava com sua estela para fora, olhou para ela com um sorriso torto.
— Não vem se juntar a nós, Tessa? Suponho que você não queira estragar o vestido bonito que Jessamine comprou pra você.
Era a verdade, na realidade. Tessa não tinha nenhuma vontade de destruir a mais bonita peça de roupa que ela já teve. Mas o tom zombeteiro de Will foi mais irritante do que a ideia de destruir o vestido. Endurecendo seu queixo, ela foi e sentou-se em frente aos garotos, de modo que eles formaram um triângulo.
Will colocou a ponta do estela contra o chão sujo, e começou a movê-la. Amplas linhas escuras fluíram a partir da ponta, e Tessa observou fascinada. Havia algo de especial e bonito sobre a forma como a estela rabiscava – não como tinta fluindo de uma pena, mas como se as linhas sempre tivessem estado lá, e Will as estivesse descobrindo.
Ele estava na metade quando Jem fez um barulho de realização, claramente reconhecendo a marca que seu amigo estava desenhando.
— O que você... — começou ele, mas Will ergueu a mão que não estava ocupada, balançando a cabeça.
— Não. Se eu fizer besteira aqui, nós poderíamos muito bem cair através do chão.
Jem revirou os olhos, mas não pareceu importar: Will já tinha acabado, e estava levantando a estela para longe do desenho que tinha feito. Tessa deu um pequeno grito quando as tábuas de assoalho deformadas entre eles pareceram brilhar – e então se tornaram tão transparentes quanto uma janela. Lançando-se para frente, esquecendo-se completamente de seu vestido, ela encontrou-se encarando através delas como um painel de vidro.
Estava olhando para o que percebeu ser a biblioteca. Podia ver a grande mesa redonda e o Enclave sentado em volta, Charlotte entre Benedict Lightwood e a mulher elegante de cabelos brancos. Charlotte era facilmente reconhecível, mesmo de cima, pelo elegante atar do seu cabelo castanho e os movimentos rápidos das mãos pequenas enquanto ela falava.
— Por que aqui? — Jem perguntou a Will em voz baixa. — Por que não a sala de armas? É ao lado da biblioteca.
— O som irradia. É mais fácil escutar daqui de cima. Além do mais, quem pode dizer que um deles não decidiria fazer uma visita à sala de armas no meio da reunião para ver o que temos em estoque? Já aconteceu antes.
Tessa, olhando para baixo, fascinada, percebeu que realmente ela podia ouvir o murmúrio de vozes.
— Eles podem nos ouvir?
Will balançou a cabeça.
— O encantamento é estritamente de mão única — ele franziu a testa, inclinando para frente — do que eles estão falando?
Os três ficaram em silêncio, e, na quietude, o som da voz de Benedict Lightwood levantou-se claramente aos seus ouvidos.
— Eu não sei sobre isso, Charlotte. Este plano inteiro parece muito arriscado.
— Mas não podemos simplesmente deixar de Quincey continuar assim — argumentou Charlotte — ele é o vampiro chefe dos clãs de Londres. O resto dos Filhos da Noite vai a ele para obter orientação. Se nós permitimos que ele arrogantemente infrinja a Lei, que mensagem isso envia para o Submundo? Que os Nephilins têm ficado frouxos em sua guarda?
— Só para ver se eu entendi — Lightwood disse — você está disposta a aceitar a palavra de Lady Belcourt que de Quincey, um aliado de longa data da Clave, está realmente matando mundanos em sua própria casa?
— Eu não sei por que você está surpreso, Benedict — havia um fio afiado na voz de Charlotte — é a sua sugestão que nós ignoremos o relato dela, apesar do fato de que ela não nos deu nada além de informações confiáveis no passado? E apesar do fato de que, se ela está mais uma vez nos dizendo a verdade, o sangue de todos que de Quincey assassinar deste ponto em diante estará em nossas mãos?
— E apesar do fato de que somos obrigados pela Lei a investigar qualquer relato do Pacto sendo quebrado — disse um homem esbelto de cabelo escuro na extremidade da mesa — você sabe disso tanto quanto o resto de nós, Benedict; você está simplesmente sendo teimoso.
Charlotte exalou enquanto a face de Lightwood escurecia.
— Obrigada, George. Eu aprecio isso.
A mulher alta que mais cedo havia chamado Charlotte de Lottie deu uma risada baixa e estrondosa.
— Não seja tão dramática, Charlotte. Você tem que admitir, todo o negócio é bizarro. Uma menina trocadora de formas que pode ou não ser uma feiticeira, bordéis cheios de corpos mortos, e um informante que jura que vendeu algumas ferramentas de máquinas para de Quincey – um fato que você parece considerar como uma parte da prova mais consumada, apesar de recusar-se a dizer-nos o nome do seu informante.
— Eu jurei que não iria envolvê-lo — Charlotte protestou — ele teme de Quincey.
— Ele é um Caçador de Sombras? — Lightwood perguntou. — Porque se não, ele não é confiável.
— Realmente, Benedict, as suas opiniões são as mais antiquadas — disse a mulher com os olhos de gato — alguém poderia acreditar, falando com você, que os Acordos nunca aconteceram.
— Lilian está correta; você está sendo ridículo, Benedict — George Penhallow concordou — procurar um informante totalmente confiável é como procurar uma amante casta. Se elas fossem virtuosas, seriam pouco úteis para você em primeiro lugar. Um informante só fornece informações; é nosso trabalho verificar essas informações, que é o que Charlotte está sugerindo que façamos.
— Eu simplesmente odiaria ver os poderes do Enclave usados de modo errado neste caso — Lightwood disse em um tom sedoso.
Era muito estranho, pensou Tessa, ouvir este grupo de adultos elegantes abordarem um ao outro sem títulos honoríficos, simplesmente por seus primeiros nomes. Mas esse parecia ser o costume dos Caçadores de Sombras.
— Se, por exemplo, houvesse uma vampira que tivesse um ressentimento contra o chefe de seu clã, e talvez quisesse vê-lo removido do poder, que melhor maneira do que deixar a Clave fazer o trabalho sujo por ela?
— Inferno — Will murmurou, trocando um olhar com Jem — como ele sabe sobre isso?
Jem sacudiu a cabeça, como se dissesse eu não sei.
— Saber sobre o quê? — Tessa sussurrou, mas sua voz foi abafada por Charlotte e a mulher de cabelos brancos, ambas falando ao mesmo tempo.
— Camille nunca faria isso! — Charlotte protestou. — Ela não é uma tola, em primeiro lugar. Ela sabe qual seria a punição por mentir para nós!
— Benedict tem um ponto — disse a mulher mais velha — seria melhor se um Caçador de Sombras tivesse visto de Quincey quebrar a Lei...
— Mas esse é o ponto desta iniciativa inteira — Charlotte falou. Havia um tom em sua voz – de nervosismo, um desejo esforçado de se provar. Tessa sentiu uma ponta de simpatia por ela — para observar de Quincey quebrar a Lei, tia Callida.
Tessa fez um barulho surpreso.
Jem levantou o olhar.
— Sim, ela é tia de Charlotte. Era seu irmão – o pai de Charlotte – quem dirigia o Instituto. Ela gosta de dizer às pessoas o que fazer. Embora, é claro, ela sempre faça o que quer.
— Ela faz — Will concordou — sabia que ela me fez propostas sexuais uma vez?
Jem não parecia como se acreditasse nisso mesmo um pouco.
— Ela não fez isso.
— Ela fez — Will insistiu — foi tudo muito escandaloso. Eu poderia ter aderido às suas exigências, também, se ela não me assustasse tanto.
Jem simplesmente balançou a cabeça e voltou sua atenção para a cena que se desenrolava na biblioteca.
— Há também a questão do selo de de Quincey — Charlotte estava dizendo — que encontramos no interior do corpo da garota mecânica. Há simplesmente muitas evidências ligando-o a estes eventos, evidências demais para não investigar.
— Eu concordo — disse Lilian — eu pelo menos estou preocupada com esta questão das criaturas mecânicas. Fazer garotas mecânicas é uma coisa, mas e se ele estiver fazendo um exército robô?
— Isso é pura especulação, Lilian — Frederick Ashdown falou.
Lilian descartou-o com um aceno de sua mão.
— Um autômato não é nem serafim nem demônio em sua aliança; não é um dos filhos de Deus ou do Diabo. Seria vulnerável às nossas armas?
— Acho que você está imaginando um problema que não existe — Benedict Lightwood apontou — tem havido autômatos há anos; mundanos são fascinados com as criaturas. Nenhum representou uma ameaça para nós.
— Nenhum foi feito usando magia antes — Charlotte rebateu.
— Que você saiba — Lightwood parecia impaciente.
Charlotte endireitou suas costas; apenas Tessa e os outros, olhando acima dela, podiam ver que suas mãos estavam atadas firmemente juntas em seu colo.
— Sua preocupação, Benedict, parece ser que nós puniremos injustamente de Quincey por um crime que ele não cometeu, e, assim, comprometeremos o relacionamento entre os Filhos da Noite e os Nephilins. Estou correta?
Benedict Lightwood assentiu.
— Mas tudo o que o plano de Will precisa é que nós observemos de Quincey. Se não o virmos quebrar a Lei, não agiremos contra ele, e o relacionamento não será ameaçado. Se o virmos quebrando a Lei, então o relacionamento é uma mentira. Não podemos permitir o abuso da Lei do Pacto, não importa o quanto nos seja... conveniente ignorar.
— Eu concordo com Charlotte — disse Gabriel Lightwood, falando pela primeira vez, e para surpresa de Tessa — acho que o plano dela é sólido. Exceto em uma parte – enviar a menina trocadora de forma para lá com Will Herondale. Ele nem sequer é velho o suficiente para estar nesta reunião. Como podemos confiar a ele uma missão desta gravidade?
— Bajuladorzinho pretensioso — Will rosnou, inclinando-se mais para frente, como se desejasse alcançar através do portal mágico e estrangular Gabriel — quando eu pegá-lo sozinho...
— Eu deveria ir com ela ao invés — Gabriel continuou — posso protegê-la um pouco mais. Em vez de simplesmente proteger a mim mesmo.
— Enforcamento é bom demais para ele — concordou Jem, que parecia estar tentando não rir.
— Tessa conhece Will — protestou Charlotte — ela confia em Will.
— Eu não iria tão longe — Tessa murmurou.
— Além disso — Charlotte continuou — foi Will quem concebeu este plano, Will quem de Quincey reconhecerá do Clube Pandemônio. É Will quem sabe o que procurar na casa da cidade de de Quincey para ligá-lo às criaturas mecânicas e os mundanos assassinados. Will é um excelente investigador, Gabriel, e um bom Caçador de Sombras. Você tem que admitir isso.
Gabriel se recostou na cadeira, cruzando os braços sobre o peito.
— Eu não tenho que admitir qualquer coisa sobre ele.
— Então, Will e sua garota feiticeira entram na casa, circulam na festa de de Quincey até observarem alguma violação da Lei, e então sinalizam para o resto de nós... como? — perguntou Lilian.
— Com a invenção de Henry — Charlotte respondeu.
Houve um ligeiro – muito ligeiro – tremor na voz dela quando ela disse aquilo.
— O Fósforo. Ele enviará um fulgor de pedra enfeitiçada extremamente brilhante, iluminando todas as janelas da casa de de Quincey, apenas por um momento. Esse será o sinal.
— Oh, bom Deus, não uma das invenções de Henry de novo — disse George.
— Houve algumas complicações com o Fósforo no início, mas Henry o demonstrou para mim na noite passada — Charlotte protestou — funciona perfeitamente.
Frederick bufou.
— Lembra-se da última vez que Henry ofereceu-nos o uso de uma de suas invenções? Estivemos todos limpando tripas de peixe de nossos equipamentos por dias.
— Mas aquilo não devia ser usado perto de água... — Charlotte começou, ainda na mesma voz trêmula, mas os outros já tinham começado a falar acima dela, conversando animadamente sobre as invenções falhas de Henry e as terríveis consequências delas, enquanto Charlotte caía no silêncio.
Pobre Charlotte, Tessa pensou. Charlotte, cujo senso de sua própria autoridade era tão importante, e tão caramente comprado.
— Bastardos, falando por cima dela assim — resmungou Will.
Tessa olhou para ele com espanto. Ele estava olhando fixamente para a cena abaixo dele, seus punhos apertados ao seu lado. Então ele era afeiçoado a Charlotte, ela pensou, e ficou surpreendida com quão contente ficou ao perceber isso. Talvez isso significasse que Will realmente tinha sentimentos, afinal.
Não que isso tivesse algo a ver com ela, se ele gostava ou não, é claro. Ela olhou rapidamente para longe de Will, para Jem, que parecia igualmente fora de compostura. Ele estava mordendo o lábio.
— Onde está Henry? Ele já não deveria ter chegado?
Como se em resposta, a porta do depósito se abriu com um estrondo, e os três se viraram para ver Henry em pé com olhos arregalados e cabelos selvagens na porta. Ele estava segurando algo na mão – o tubo de cobre com o botão preto do lado que tinha quase levado Will a quebrar seu braço caindo sobre o guarda-louça na sala de jantar.
Will olhou para aquilo com medo.
— Leve esse maldito objeto para longe de mim.
Henry, que estava com o rosto vermelho e suando, olhou para todos eles em horror.
— Inferno. Eu estava procurando pela biblioteca. O Enclave...
— Está em reunião — Jem completou — sim, nós sabemos. É um lance de escada abaixo daqui, Henry. Terceira porta à direita. E é melhor você ir. Charlotte está esperando por você.
— Eu sei — Henry lamentou — maldição, maldição, maldição. Eu estava apenas tentando conseguir consertar o Fósforo direito, é tudo.
— Henry — Jem disse — Charlotte precisa de você.
— Certo.
Henry virou como se fosse se atirar para fora do cômodo, depois virou e olhou para eles, um olhar de confusão passando sobre o rosto sardento, como se apenas agora ele se perguntasse por que Will, Tessa e Jem poderiam estar agachados juntos em uma sala de armazenamento quase fora de uso.
— O que vocês três estão fazendo aqui, afinal?
Will inclinou sua cabeça para o lado e sorriu para Henry.
— Charadas. Jogo de grupo.
— Ah. Certo, então — disse Henry, e correu pela porta, deixando-a girar até fechar atrás dele.
— Charadas — Jem bufou de desgosto, depois se inclinou para frente novamente, com os cotovelos sobre os joelhos, enquanto a voz de Callida derivou de baixo.
— Honestamente, Charlotte — ela estava dizendo — quando você irá admitir que Henry não tem nada a ver com o funcionamento deste lugar, e que você está fazendo tudo sozinha? Talvez com a ajuda de James Carstairs e Will Herondale, mas nenhum deles tem mais do que dezessete anos. De quanta ajuda eles podem ser?
Charlotte fez um barulho murmurado de depreciação.
— É demais para uma pessoa, especialmente alguém da sua idade — disse Benedict — você só tem vinte e três anos de idade. Se quiser se demitir...
Apenas vinte e três anos! Tessa estava atônita. Ela havia pensado que Charlotte fosse muito mais velha, provavelmente porque ela exalava um ar de competência.
— Cônsul Wayland atribuiu o funcionamento do Instituto a mim e meu marido há cinco anos — Charlotte respondeu bruscamente, aparentemente tendo encontrado sua voz novamente — se você tem algum problema com a escolha dele, deve conversar com ele. Enquanto isso, irei dirigir o Instituto como eu achar melhor.
— Espero que isso signifique que planos como o que você está sugerindo ainda passem por votação? — disse Benedict Lightwood. — Ou você está regendo por decreto agora?
— Não seja ridículo, Lightwood, é claro que é posto em votação — disse Lilian zangada, sem dar a Charlotte uma chance de responder — todos a favor de ir a de Quincey, digam sim.
Para surpresa de Tessa, houve um coro de sims, e nem um único não. A discussão havia sido controversa o suficiente e ela tinha estado certa de que pelo menos um dos Caçadores de Sombras iria tentar pular fora. Jem pegou o seu olhar surpreso e sorriu.
— Eles são sempre assim — murmurou — gostam de manobrar pelo poder, mas nenhum deles votaria não em uma questão como esta. Seriam marcados como covardes por isso.
— Muito bem — Benedict falou — amanhã à noite acontece, então. Está todo mundo suficientemente preparado? Existem...
A porta da biblioteca bateu aberta, e Henry entrou – parecendo, se possível, ainda mais de olhos arregalados e de cabelos selvagens do que antes.
— Eu estou aqui! — anunciou ele. — Não estou muito atrasado, estou?
Charlotte cobriu o rosto com as mãos.
— Henry — disse Benedict Lightwood secamente — que bom te ver. Sua esposa estava acabando de nos informar sobre sua mais nova invenção. O fósforo, não é?
— Sim! — Henry segurou o fósforo com orgulho. — É isso. E posso prometer que funciona como anunciado. Vê?
— Agora, não há necessidade de uma demonstração — Benedict começou às pressas, mas já era tarde demais.
Henry já havia pressionado o botão. Houve um clarão, e as luzes se apagaram na biblioteca de repente, deixando Tessa olhando para um quadrado preto apagado no chão. Suspiros subiram até eles. Houve um grito, e algo caiu ao chão e quebrou. Erguendo-se acima de tudo estava o som de Benedict Lightwood, xingando fluentemente.
Will ergueu o olhar e sorriu.
— Um pouco embaraçoso para Henry, é claro — ele comentou alegremente — e ainda assim, de algum modo bastante satisfatório, vocês não acham?
Tessa não podia deixar de concordar com ambas as afirmações.
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