Salvando Raphael Santiago
Foi uma onda de calor violenta no final do verão de 1953. O sol estava castigando o asfalto cruelmente, que parecia ter se tornado mais plano do que o normal, e alguns garotos malcriados estavam abrindo um hidrante para fazer uma fonte na rua e conseguir alguns minutos de alívio.
Era o sol fazendo efeito nele, Magnus pensou mais tarde; aquilo o encheu de desejo de ser um detetive particular. Isso e o romance de Raymond Chandler que ele tinha acabado de ler.
Mesmo assim, havia um problema com o plano. Nas capas dos livros e filmes, a maioria dos detetives pareciam ter se vestido com a roupa de domingo para um evento de uma cidade pequena. Magnus quis tirar a mancha da sua nova profissão e se vestir de um jeito que fosse ao mesmo tempo aceitável para a profissão, agradável aos olhos, e da mais alta moda. Ele deixou o sobretudo de lado e escolheu sua jaqueta cinza de punhos de veludo verde, assim como um chapéu-coco com abas curvadas.
O calor estava tão terrível que ele teve que tirar a jaqueta assim que colocou o pé para fora da porta, mas já contava com isso – estava usando suspensórios verde-esmeralda.
Se tornar um detetive não era somente transformar seu guarda-roupa. Ele era um bruxo, e as pessoas – bem, nem todo mundo pensava neles como pessoas – frequentemente vinham até ele em busca de uma solução mágica para seus problemas, o que ele sempre lhes dava. Por um preço. Boatos que Magnus era o bruxo que te tiraria do aperto se espalharam por Nova Iorque. Havia o Santuário também, no Brooklyn, se você precisasse se esconder, mas o bruxo que era dono dele não resolvia seus problemas. Magnus resolvia. Então por que não pagar por isso?
Magnus não tinha ideia de que simplesmente se tornar um detetive privado ia fazer com que um caso caísse em suas mãos no momento em que ele pintou as palavras MAGNUS BANE, DETETIVE PARTICULAR em negrito na janela. Mas, como se alguém tivesse sussurrado sua convicção pessoal no ouvido do destino, um caso apareceu.
Magnus voltou para o seu apartamento depois de comprar um sorvete de casquinha. Quando ele a viu, ficou agradecido que já tivesse terminado de comer. Ela era certamente uma daquelas mundanas que conhecia do Mundo das Sombras o suficiente para ir atrás de Magnus por sua magia.
Ele retirou chapéu para ela e perguntou:
— Posso ajudá-la, madame?
Não era uma loira daquelas que levariam um bispo a jogar bola e abrir um buraco no vitral da igreja. Ela era uma mulher pequena de pele escura, e mesmo não sendo bonita, tinha uma aura brilhante de inteligência ao seu redor, forte o bastante para parecer que se ela quisesse que vitrais fossem quebrados. Magnus teria que ver o que poderia fazer. Ela estava usando um vestido xadrez ligeiramente desgastado com um cinto. Parecia estar na casa dos 30, a mesma idade que a companheira de Magnus, e sob o cabelo preto encaracolado havia um rosto em formato de coração, e sobrancelhas tão finas que davam a ela um ar desafiador que parecia fazer com que ela fosse mais atrativa e intimidante.
Ela olhou para a mão dele, a dela era pequena, seu punho era forte.
— Eu sou Guadalupe Santiago — ela disse. — Você é um... — Ela acenou com a mão. — Eu não sei a palavra certa. Um feiticeiro, fazedor de mágica.
— Você pode falar “bruxo” se quiser — Magnus falou — não faz diferença. O que você quer dizer é: alguém com o poder de te ajudar.
— Sim — Guadalupe concordou — sim, foi o que eu quis dizer. Preciso que você me ajude. Preciso que você salve meu filho.
Magnus a conduziu para dentro. Ele pensou que tivesse entendido a situação no momento em que ela mencionou ajuda para um parente. Pessoas frequentemente vinham até ele buscando cura, não tanto quanto iam à busca de Catarina Loss, mas elas vinham. Ele preferiria muito mais curar um garoto mundano do que um Caçador de Sombras arrogante, mesmo que ganhasse menos dinheiro com isso.
— Fale-me sobre seu filho.
— Raphael — Guadalupe disse — o nome dele é Raphael.
— Fale-me sobre Raphael. Há quanto tempo ele está doente?
— Ele não está doente. Temo que talvez ele esteja morto — sua voz era firme, como se ela não estivesse dando voz a algo que deveria ser o maior medo de qualquer mãe.
Magnus franziu a testa.
— Eu não sei o que as pessoas te falaram, mas não posso te ajudar com isso.
Guadalupe ergueu uma mão.
— Não é uma doença comum ou algo que qualquer pessoa do meu mundo poderia curar — ela falou. — É algo do seu mundo, e a forma como ele tocou o meu. É algum tipo de monstro para quem Deus virou as costas, aqueles que observam na escuridão e atacam inocentes.
Ela deu uma volta pela sala, sua saia mostrando suas pernas bronzeadas.
— Los vampiros – ela sussurrou.
— Oh, Deus, não os sangrentos vampiros de novo — Magnus falou. — Ah, não tive a intenção de fazer trocadilhos.
Ditas as palavras proibidas, Guadalupe retomou sua coragem e continuou sua história.
— Nós temos escutado os sussurros de tais criaturas. E depois, mais sussurros. Havia um monstro andando pela vizinhança. Pegando meninos e meninas. Um dos amigos do meu Raphael teve seu irmão mais novo sequestrado, e o acharam quase em sua porta, o pequeno corpo drenado de sangue. Nós, mães, todas oramos, cada família orou, para que o nosso temor fosse embora. Mas o meu Raphael, ele tinha começado a sair com um grupo de garotos que eram um pouco mais velhos do que ele. Bons meninos, sabe? De boas famílias, mas um pouco... duros, querendo demonstrar que eram adultos antes de serem homens de verdade, entende o que quero dizer?
Magnus parou de fazer piadas. Um vampiro caçando crianças por esporte – um vampiro que tivesse gosto por isso e nenhuma inclinação a parar – não era brincadeira. Ele olhou nos olhos de Guadalupe com um ar sério para mostrar que havia compreendido.
— Eles formaram uma gangue — Guadalupe continuou. — Não uma gangue de rua, mas, bem, era pra proteger nossas ruas dos monstros, eles disseram. Eles os seguiram até o seu covil uma vez, e estavam todos falando sobre como eles sabiam onde era, como poderiam chegar a ele. Eu devia... eu não estava dando atenção à conversa dos meninos. Temia pelos jovens garotos, tudo parecia ser um jogo. Mas então Raphael e seus amigos... Desapareceram, algumas noites atrás. Eles tinham ficado fora de casa antes, mas desta vez – desta vez foi por muito tempo. Raphael nunca faria eu me preocupar assim. Quero que você descubra onde os vampiros estão, e eu quero que vá atrás do meu filho. Se Raphael estiver vivo, quero que o salve.
Se um vampiro já tinha matado crianças humanas, uma gangue de adolescentes indo atrás dele iria parecer doces entregues de bandeja. O filho desta mulher estava morto.
Magnus acenou com a cabeça.
— Vou tentar descobrir o que aconteceu com ele.
— Não — a mulher disse.
Magnus se encontrou olhando para cima, surpreendido por seu tom de voz.
— Você não conhece o meu Raphael. Mas eu o conheço. Ele está com garotos mais velhos, mas ele não é bobo. Todos o escutavam. Ele tem só 15 anos, mas é tão forte e rápido e tão inteligente quanto um homem feito. Se pelo menos um deles sobreviveu, este é Raphael. Não vá a procura do seu corpo. Vá e salve Raphael.
— Você tem a minha palavra — Magnus prometeu a ela.
Ele estava com pressa para sair. Antes de visitar o Hotel Dumont, o lugar que tinha sido abandonado por mortais e habitado por vampiros desde os anos 1920, o lugar onde Raphael e seus amigos foram, ele tinha outras perguntas a fazer. Outros Seres do Submundo deveriam saber sobre um vampiro que quebrou a Lei abertamente, mesmo que eles esperassem que os vampiros se resolvessem entre eles mesmos ou que os outros não tivessem decidido ir até os Caçadores de Sombras.
Guadalupe agarrou a mão de Magnus antes de ele sair, e seus dedos o seguraram. Seu ar desafiador de antes se tornou apelativo. Magnus teve o pressentimento de que ela nunca tinha implorado a alguém antes, mas que estava prestes a implorar por seu filho.
— Eu dei a ele uma cruz para usar no pescoço — ela disse — o padre da igreja Santa Cecília me deu com as próprias mãos e eu o dei a Raphael. É pequeno e feito de ouro; você vai reconhecê-lo pelo colar. — Ela tomou um suspiro trêmulo. — Eu dei a ele uma cruz.
— Então você deu a ele uma chance — Magnus respondeu.
***
Vá até as fadas para ouvir fofocas sobre vampiros, até os lobisomens para ouvir sobre fadas, e não faça fofoca sobre lobisomens, porque eles tentam arrancar um pedaço da sua cara: esse era o lema de Magnus.
Por acaso ele conhecia uma fada que trabalhava no clube Lou Walters’s Latin Quarter, no lado antigo da Times Square. Magnus tinha ido ver Mae West uma vez ou outra e reparou em uma garota com um encantamento que cobria suas asas de fada e sua pele pálida. Ele e Aeval têm sido amigos desde esse dia – tão amigos quanto possível, uma vez que os dois só mantinham esse relacionamento por informações.
Ela estava sentada nos degraus da escada, já nos trajes. Havia uma grande parte de pele lilás claro à mostra.
— Estou aqui para falar com uma fada sobre um vampiro — ele disse em voz baixa, e ela riu.
Magnus não pôde sorrir também. Ele tinha um pressentimento de que não seria capaz de tirar da cabeça a imagem do rosto de Guadalupe.
— Estou procurando por um garoto. Humano. Foi pego por alguém do clã hispânico do Harlem, provavelmente.
Aeval deu de ombros, um movimento fluido e gracioso vindo dela.
— Você conhece os vampiros. Pode ser qualquer um deles.
Magnus hesitou, e depois falou:
— A questão é que esse vampiro gosta dos garotos bem jovens.
— Nesse caso... — as asas de Aeval tremeram. Mesmo os mais indiferentes dos Seres do Submundo não gostavam de ouvir sobre ataques a crianças. — Eu devo ter escutado algo sobre um tal de Louis Karnstein.
Magnus fez um gesto para que ela seguisse em frente, inclinando-se para frente e afastando o chapéu para que ela falasse mais perto de seu ouvido.
— Ele estava morando na Hungria até recentemente. É velho e poderoso, motivo pela qual Lady Camille o recebeu de braços abertos. E ele tem um carinho especial por crianças. Acha que o sangue delas é o mais puro e doce, uma vez que a carne mais nova é a mais macia. Ele foi expulso da Hungria por mundanos que encontraram seu covil... Que encontraram todas as crianças no seu covil.
Salve Raphael, Magnus pensou. Parecia cada vez mais uma missão impossível.
Aeval olhou para ele, seus grandes olhos redondos mostrando um pequeno cintilar de preocupação. Quando o mundo das fadas se preocupava, era hora de entrar em pânico.
— Acabe com isso, feiticeiro — ela disse. — Você sabe o que os Caçadores de Sombras farão se descobrirem sobre alguém assim. Se Karnstein está usando seus velhos truques em nossa cidade, vai ser pior para nós todos. Os Nephilim vão matar todos os vampiros que virem pela frente. Será “lâminas serafim primeiro, perguntas depois” para todo mundo.
Magnus não gostava de chegar perto do Hotel Dumont se pudesse evitar. Era perturbador, trazia memórias ruins e também, frequentemente, abrigava sua ex-amante.
Mas hoje parecia que o hotel era seu inevitável destino.
O sol estava escaldante, mas não por muito tempo. Se Magnus tinha vampiros para enfrentar, queria enfrenta-los enquanto estivessem mais vulneráveis.
***
O Hotel Dumont continuava lindo, mas não tanto quanto antes, Magnus pensou enquanto entrava. Ele foi desgastado pelo tempo, pequenas teias de aranhas se formando em cada canto. Desde a década de 1920, os vampiros o tinham tomado como propriedade privada e têm se reunido por ali. Magnus nunca perguntara como Camille e os vampiros estiveram envolvidos na tragédia dos anos 20, ou porque eles tomaram aquele lugar como seu. Provavelmente gostavam de um ambiente decadente e abandonado. Ninguém mais chegava ali perto. Os mundanos diziam que o hotel era mal-assombrado.
Magnus não deixou de lado a esperança de que um dia os mundanos tomariam o lugar de volta e o reconstruiriam, expulsando os vampiros de lá. Isso irritaria muito Camille.
Uma vampira jovem veio até Magnus, o vermelho e verde de seu vestido e seu cabelo tingido se misturando em um vulto brilhante.
— Você não é bem-vindo aqui, bruxo!
— Não sou? Ah, querida, que descuido da minha parte. Peço desculpas. Mas antes de ir, talvez eu possa perguntar algo? O que pode me dizer sobre Louis Karnstein? — Magnus perguntou ocasionalmente. — E as crianças que ele tem trazido para o hotel e assassinado?
A garota deu um passo para trás como se Magnus tivesse colocado uma cruz à sua frente.
— Ele é um hóspede aqui — ela disse em voz baixa — e Lady Camille disse que deveríamos ser bons anfitriões. Nós não sabíamos.
— Não? — Magnus perguntou, e sua descrença na encenação da moça coloriu sua voz como uma gota de sangue na água.
Os vampiros de Nova York eram cuidadosos, claro. Havia um mínimo de quantidade de sangue humano permitido, e qualquer “acidente” era acobertado rapidamente, debaixo nos narizes dos Caçadores de Sombras. Entretanto, Magnus poderia facilmente acreditar que se Camille tinha razões para agradar um hóspede, iria deixar que ele continuasse com seus assassinatos. Ela faria isso tão facilmente que seria capaz de agradar seu hóspede com itens de luxúria, como prata, veludo e vidas humanas.
E Magnus não acreditou nem por um momento que uma vez que Louis Karnestein tivesse trazido as presas suculentas para casa, carregando toda a culpa mas querendo compartilhar um pouco do sangue, que ela não o teria recebido. Ele olhou para a delicada garota e se perguntou quantas pessoas ela já teria matado.
— Você preferiria — ele falou gentilmente — que eu fosse embora e voltasse com os Nephilim?
Os Nephilim – os bichos-papões dos monstros, e todos aqueles que poderiam ser monstros. Magnus tinha certeza de que essa garota poderia ser um monstro, se quisesse. Sabia que se ele mesmo quisesse, poderia ser um monstro.
Sabia de mais uma coisa: ele não tinha a intenção de deixar um jovem garoto no covil de monstros.
Os olhos da garota se arregalaram.
— Você é Magnus Bane.
— Sim — Magnus confirmou. Às vezes era bom ser reconhecido.
— Os corpos estão lá em cima. No quarto azul. Ele gosta de brincar com eles... Antes de... — ela estremeceu e deu espaço para ele passar, desaparecendo nas sombras.
Magnus endireitou seus ombros. Ele assumiu que a conversa havia sido entediante, uma vez que nenhum desafio foi oferecido a ele e nenhum outro vampiro o impediu enquanto subia as escadas curvas, o dourado e vermelho escondidos embaixo de um carpete cinza. Subiu cada vez mais alto pelos apartamentos, onde sabia que o clã dos vampiros de Nova York entretinham seus hóspedes.
Encontrou o quarto azul facilmente: era um dos maiores do corredor, provavelmente do hotel. Se esse continuasse sendo um hotel, no real sentido da palavra, os hóspedes destes quartos teriam que pagar uma fortuna pelos prejuízos. Um buraco fora feito no teto, e o que sobrou dele foi pintado de azul claro, o azul delicado que os artistas acreditavam ser a cor do céu de verão.
O verdadeiro céu de verão estava à mostra pelo buraco no teto, um branco cegante queimando tão brilhante como uma tocha de alguém que vai à procura de um monstro.
Magnus viu sujeira em todo lugar pelo chão, sujeira que ele não pensou que fosse apenas uma indicação de acumulo de tempo. Ele viu sujeira, e viu os corpos: pendurados, torcidos como bonecas, espalhados como aranhas pelo chão e apoiados nas paredes. Não havia graciosidade na morte.
Havia corpos de adolescentes, aqueles que vieram destemidos em busca de um predador que estava vagando por suas ruas, que tinham pensado inocentemente que sairiam dali triunfantes. E havia outros corpos, corpos antigos de crianças mais novas. As crianças que Louis Karnstein tinha tirado das ruas de Raphael Santiago, matado e escondido.
Não havia salvação para essas crianças, Magnus pensou. Não havia nada nesse quarto além de sangue e morte, e o eco do medo, a perda de toda a possibilidade de salvamento. Louis Karnstein era cruel. Isso acontecia de vez em quando, com o distanciamento da humanidade. Magnus já tinha visto isto acontecer com um amigo bruxo 30 anos atrás.
Magnus esperava que se ele, porventura, ficasse louco desse jeito, tão cruel ao ponto de envenenar o ar a sua volta e machucar pessoas com quem ele entrasse em contato, que haveria alguém que o amasse o suficiente para fazê-lo parar. Até matá-lo, se for preciso.
Marcas de mãos ensanguentadas decoravam as paredes azuis, e no chão havia poças escuras. Havia sangue humano e de vampiro: o sangue vampiresco de um vermelho escuro, um vermelho que continuava dessa cor mesmo quando secava, vermelho sempre e eternamente. Magnus andou ao redor das poças, mas em uma em especial ele viu algo brilhando, submerso quase além da esperança, mas com um brilho insistente que chamou sua atenção.
Magnus parou e tirou a coisa brilhante da poça. Era uma cruz. Pequena e dourada. E pensou que poderia devolver aquilo para Guadalupe, afinal. Ele o colocou no bolso.
Magnus deu um passo para frente, e depois outro. Não tinha certeza se o chão o aguentaria, pensou consigo, mas sabia que isso era só uma desculpa. Ele não queria andar no meio de toda aquela morte.
Mas de repente percebeu que tinha que fazer isso.
Tinha que fazer isso porque no canto mais longe do quarto, nas sombras mais escuras, ele escutou gemidos e sons horripilantes. Ele viu um garoto nos braços de um vampiro.
Magnus ergueu a mão, e a força da sua mágica jogou o vampiro pelos ares e ele se chocou contra uma das paredes ensanguentadas. Ouviu o barulho de algo quebrando e viu o vampiro deslizar para o chão. Ele não iria ficar lá por muito tempo.
Magnus correu pelo quarto, tropeçando nos corpos e derrapando no sangue, caindo de joelhos ao lado do garoto. Pegou-o nos braços. Ele era jovem, quinze ou dezesseis anos. E estava morrendo.
Magnus não poderia colocar sangue em um corpo por meio de mágica, especialmente um que já estivesse morrendo por falta do mesmo. Ele segurou a cabeça escura do garoto com uma mão, observou seus olhos vidrados e esperou para ver se haveria um momento em que eles voltariam a se focar. Um momento em que Magnus poderia dizer adeus ao garoto.
O garoto não olhou para ele e nem falou. Ele agarrou a mão de Magnus. Magnus pensou que ele havia se movimentado por reflexo, como um bebê, mas segurou sua mão e tentou dar ao garoto conforto que conseguiu.
O garoto respirou uma, duas, três vezes, e depois seu aperto se afrouxou.
— Você sabia o nome dele? — Magnus perguntou rudemente ao vampiro. — Era Raphael?
Ele não sabia por que tinha perguntado. Não queria saber se o garoto que Guadalupe pediu que ele encontrasse havia acabado de morrer em seus braços, que o último membro daquela missão fracassada de salvar inocentes havia quase sobrevivido tempo suficiente – mas não conseguiu. Ele não poderia esquecer o olhar de expectativa no rosto de Guadalupe Santiago.
Ele olhou para o vampiro, que não se mexeu para atacar. Ele estava sentado, apoiado na parede onde Magnus o jogou.
— Raphael — o vampiro respondeu devagar. — Você veio aqui à procura de Raphael?
Ele deu uma risada curta e áspera, quase incrédula.
— Qual a graça? — Magnus perguntou.
Uma fúria sombria estava crescendo em seu peito. Havia passado um bom tempo desde que ele tinha matado um vampiro, mas ele estava desejando fazer isso de novo.
— Eu sou Raphael Santiago — o garoto respondeu.
Magnus encarou o garoto vampiro – Raphael. Ele estava com os joelhos dobrados na altura de seu peito e os braços em volta deles. Debaixo de seus cachos desarrumados havia um rosto delicado em formato de coração como o de sua mãe, grandes olhos escuros que encantariam mulheres – ou homens – quando ele fosse maior, e uma boca macia e infantil manchada de sangue. Sangue cobria a parte baixa de seu rosto, e Magnus pôde ver o brilho branco de uma presa aparecendo acima do lábio inferior de Raphael, como diamantes no escuro.
Ele era a única coisa que se movia naquele quarto cheio de uma quietude horripilante. Violentos tremores percorriam todo o seu corpo magro, ele estava tremendo tão forte que Magnus podia ver, tão forte que parecia violento, o bater de dentes tão alto como os de alguém que estivesse quase para morrer de frio. O quarto estava tão quente quanto os mundanos imaginavam que o inferno seria, mas o garoto tremia como se estivesse com tanto frio que nunca poderia se sentir aquecido novamente.
Magnus ficou de pé, movendo-se cautelosamente entre sujeira e morte até que estivesse perto do garoto vampiro, e depois falou gentilmente.
— Raphael?
Raphael levantou seu rosto ao som da voz de Magnus. Ele havia visto vários outros vampiros com a pele tão branca como sal. A pele de Raphael continuava bronzeada, mas não tinha o mesmo tom quente da pele de sua mãe. Não era mais a pele de um garoto vivo.
Não havia salvação para Raphael.
Suas mãos estavam cobertas de sujeira e sangue. Seu rosto estava manchado de sujeira também. Ele tinha cabelo escuro, uma delicada massa encaracolada que sua mãe deveria ter adorado passar as mãos, que deveria ter acariciado quando ele tinha pesadelos e chamava por ela, cabelo cujo cacho provavelmente havia guardado consigo. Aquele cabelo estava cheio de cinzas de mortos.
Havia marcas vermelhas de lágrimas brilhando em seu rosto. Havia sangue em seu pescoço, mas Magnus sabia que a mordida já tinha cicatrizado.
— Onde está Louis Karnstein? — Magnus perguntou.
Quando Raphael respondeu, desta vez em um baixo e fraco espanhol, ele disse:
— O vampiro pensou que eu o ajudaria com os outros se me transformasse em um dos seus — ele riu de repente. — Mas eu não ajudei. Não. Ele não esperava por isso. Ele está morto. Ele virou cinzas e elas voaram pelos ares.
Ele fez um gesto em direção ao buraco no teto.
Magnus ficou em silêncio. Era extremamente incomum um novo vampiro conseguir superar o desejo voraz por sangue e conseguir pensar, ou fazer alguma coisa além de se alimentar. Magnus se perguntou se Raphael havia matado mais de um de seus amigos.
Ele não iria perguntar, e não somente porque seria cruel. Mesmo que Raphael tivesse matado um de seus amigos no seu período de “recém-formação” e conseguido superar isso para depois matar Karnstein, ele teria que ter uma vontade de ferro.
— Eles estão todos mortos — Raphael disse, parecendo fazer esforço para conseguir falar aquilo.
Sua voz ficou limpa de repente. Seus olhos escuros estavam vivos novamente quando ele encarou Magnus, e depois ele virou o rosto deliberadamente, dispensando Magnus como alguém que não importava.
Raphael, Magnus viu com um crescente senso de desconfiança, estava olhando para o buraco no teto, o que ele havia apontado quando falou que Karnstein virou cinzas.
— Eles estão todos mortos — Raphael repetiu devagar — e eu estou morto também.
Ele levantou, rápido como uma cobra, e correu.
Magnus só conseguiu se mover rápido o suficiente porque viu para onde o vampiro estava olhando e porque sabia como Raphael estava se sentindo, o sentimento frio de ser um excluído, tão sozinho que ele mal parecia existir.
Raphael correu para o lugar onde havia um raio de luz letal e Magnus correu atrás dele. Ele jogou o garoto no chão quase quando ele estava atingindo o raio de luz.
Raphael deu um grito como o de um pássaro, um lamento que não era nada além de raiva e fome, que ecoou na cabeça de Magnus e fez seus pelos eriçarem. Raphael tentou empurrá-lo e engatinhar para o sol, e quando Magnus não o soltou usou toda a sua força de vampiro para se soltar, puxando e torcendo. Ele não hesitava, não tinha nenhum receio em relação ao seu novo poder. Tentou morder a garganta de Magnus. Tentou rasgá-lo membro a membro. Magnus tinha que usar magia para prendê-lo ao chão, e mesmo com ele todo preso, Magnus ainda tinha que se desviar de suas presas que estalavam, buscando morder algo.
— Me deixe ir! — o garoto gritou, sua voz embargada.
— Calma, calma — Magnus sussurrou. — Sua mãe me enviou, Raphael. Fique quieto. Sua mãe me enviou para te encontrar. — Ele tirou a cruz de ouro do bolso e segurou-a na frente do rosto de Raphael. — Ela me deu isso, disse para te salvar.
Raphael se encolheu para longe da cruz e Magnus afastou a corrente rapidamente, mas não antes que o garoto parasse de lutar e começasse soluçar, soluços que sacudiam todo o seu corpo, como se ele pudesse se arrancar de si mesmo seu novo e odiado “eu” se se enfurecesse o suficiente.
— Você é idiota? — Ele disse ofegante. — Não pode me salvar. Ninguém pode.
Magnus podia sentir o seu desespero como se fosse sangue. Magnus acreditou nele. Ele segurou o garoto vampiro entre sujeira e sangue e desejou que o tivesse encontrado morto.
***
O choro fez com que Raphael se tornasse dócil. Magnus o levou para sua própria casa, porque ele não tinha a menor ideia do que fazer com ele.
Raphael se sentou, e parecia ser uma pequena trouxa infeliz no sofá de Magnus.
Magnus teria se sentido dolorosamente triste por ele, mas tinha parado em uma cabine telefônica em seu caminho para casa e telefonou para Etta no pequeno clube de jazz onde ela estava cantando aquela noite, para lhe dizer para não vir a sua casa por um tempo, porque ele tinha um vampiro bebê para cuidar.
— Um vampiro bebê, ein? — Etta perguntou, rindo, da mesma forma que uma mulher pode rir de seu marido que sempre traz para casa os itens mais estranhos de um mercado de antiguidades locais. — Eu não conheço nenhum exterminador na cidade que você poderia chamar para cuidar disso.
Mangnus tinha sorrido e dito:
— Eu posso lidar com isso sozinho. Confie em mim.
— Oh, eu costumo confiar — Etta tinha dito — ainda que minha mãe tenha tentado me ensinar a julgar melhor as pessoas.
Magnus esteve ao telefone tagarelando com Etta por apenas alguns minutos, mas quando saíra, encontrara Raphael agachado na calçada. Quando Magnus se aproximou, ele silvou, suas presas brancas e afiadas como agulha à mostra, como um gato que protege a sua caça. O homem em seus braços, o colarinho branco de sua camisa tingido de vermelho, já estava inconsciente. Magnus carregou o homem para longe do vampiro e o deixou em um beco, esperando que ao acordar o homem pensasse que tinha sido assaltado.
Quando voltou para a calçada, Raphael ainda estava agachado, com as mãos enroladas em garras contra o peito. Ainda havia um rastro de sangue em sua boca. Magnus sentiu desespero em seu coração. Aqui não havia apenas uma criança desesperada. Aqui havia um monstro com o rosto de um anjo de Caravaggio.
— Você deveria ter me deixado morrer — Raphael falou com uma voz fraca, vazia.
— Eu não pude.
— Por que não?
— Porque prometi a sua mãe que iria trazê-lo para casa — Magnus respondeu.
Raphael ficou quieto o resto do caminho após a menção de sua mãe. Magnus podia ver seu rosto no brilho das luzes da rua. Ele tinha o olhar ferido de uma criança que havia sido esbofeteada: dor e perplexidade. E não há maneira de aguentar nenhum desses sentimentos.
— E você acha que ela iria me querer em casa de volta? — Raphael perguntou. — Desse jeito?
Sua voz tremeu, e seu lábio inferior ainda manchado do sangue do homem vacilou. Ele passou a mão no rosto e Magnus viu novamente: a maneira como ele se recompôs em um instante, o controle severo que ele exercia sobre si mesmo.
— Olhe para mim. Diga-me que ela vai me chamar para entrar.
Magnus não podia dizer isso a ele. Lembrou-se como Guadalupe tinha falado sobre monstros, aqueles que andam na escuridão e caçam inocentes. Pensou em como ela reagiria – a mulher que tinha dado a seu filho uma cruz – a um filho com sangue nas mãos. Lembrou-se de seu padrasto forçando-o a repetir orações até as palavras sagradas terem um gosto amargo em sua boca, lembrou-se de sua mãe e como ela não tinha sido capaz de tocá-lo quando o conheceu, e como seu padrasto o havia segurado e prendido debaixo da água. No entanto, eles o tinham amado uma vez, e Magnus os amou.
O amor não superou tudo. O amor nem sempre suporta. Tudo o que você possui pode ser tomado de você, o amor pode ser a última coisa que te restará, e então o amor será tomado de você também.
Magnus sabia, porém, que o amor pode ser a última esperança e uma estrela para se guiar. Uma luz que foi embora mas já brilhou uma vez.
Magnus não podia prometer a Raphael o amor de sua mãe, mas já que Raphael ainda amava sua mãe, Magnus queria ajuda-lo, e talvez soubesse como.
Ele andava de um lado para outro em seu tapete e captou o flash dos olhos escuros de Raphael, que se assustou com sua pausa repentina.
— E se ela nunca tiver que saber?
Raphael piscou lentamente, hesitando.
— Como assim? — Ele perguntou cautelosamente.
Magnus enfiou a mão no bolso e tirou a coisa brilhante de lá, escondendo-a em uma concha com as palmas da mão.
— E se você aparecer na porta dela — sugeriu Magnus — usando a cruz que ela te deu?
Ele largou a cruz e por reflexo Raphael a pegou com a mão aberta. A cruz tocou na palma de Raphael e ele estremeceu, Magnus viu um tremor que correu por todo o seu corpo magro e fez com que seu rosto ficasse contraído de dor.
— Muito bem, Raphael — disse Magnus suavemente.
Raphael abriu os olhos e olhou para Magnus, que não era o que Magnus estava esperando. O cheiro de carne queimada encheu o quarto de Magnus. Ele ia ter que usar um pouco de purificador de ar.
— Muito bem, Raphael. Você é realmente corajoso. Pode coloca-lo agora.
Raphael encarou Magnus e muito lentamente fechou os dedos sobre a cruz. Fiapos minúsculos de fumaça escaparam pelos espaços entre seus dedos.
— Muito bem? — Perguntou o vampiro. — Corajoso? Eu só estou começando.
Ficou ali sentado no sofá de Magnus, todo o seu corpo arqueado de dor, e agarrou a cruz de sua mãe. E não a soltou.
Magnus reavaliou a situação.
— Um bom começo — Magnus disse em um tom de voz condescendente — mas vai demorar um pouco mais.
Os olhos de Raphael se estreitaram, mas ele não respondeu.
— É claro — Magnus acrescentou casualmente — talvez você não consiga fazer isso. Vai dar muito trabalho e você é apenas um garoto.
— Eu sei que vai dar trabalho — Raphael respondeu, dizendo as palavras com certo esforço. — Só tenho você para me ajudar e você não é tão impressionante.
Ocorreu a Magnus que a pergunta de Raphael no hotel dos vampiros – Você é idiota? – tinha sido não só uma expressão do seu desespero, mas também uma expressão da personalidade de Raphael.
E logo aprendeu que essa era a pergunta favorita de Raphael.
***
Nas noites que se seguiram, Raphael adquiriu uma boa quantidade de roupas horrivelmente monocromáticas, dispensou vários dos clientes de Magnus indelicadamente, dedicou a sua “não-vida” a bagunçar a vida de Magnus, e manteve-se severamente impressionado por qualquer magia que Magnus exibia.
Magnus o avisou sobre os Caçadores de Sombras, os filhos do Anjo que iriam persegui-lo se ele quebrasse qualquer uma de suas leis, e disse-lhe tudo o que havia para dizer e todas as pessoas que poderia conhecer, sobre os Seres do Submundo que existiam lá fora, fadas, lobisomens e feiticeiros, e a única coisa que pareceu interessar a Raphael foi quanto tempo ele conseguia segurar a cruz, e o quanto conseguia segurar a mais em cada noite.
O veredicto de Etta era que nada diminuiria a força de vontade daquela criança.
Etta e Raphael eram distantes um do outro. Raphael ficou aberta e ofensivamente surpreso que Magnus tivesse uma amiga, e Etta, embora soubesse sobre o Submundo, era cautelosa com todos os Seres do Submundo com exceção de Magnus. Basicamente, Raphael ficava fora do caminho quando Etta vinha visitar Magnus.
Etta e Magnus se conheceram em um clube, quinze anos antes,. Ele a convenceu de dançar, e ela disse que ao final da canção tinha se apaixonado. Disse-lhe que tinha sido amor antes do fim da música.
Era a tradição deles de que quando Etta voltasse depois de uma noite em que Magnus não pudesse acompanhá-la – e Magnus estava perdendo muitas, por conta de Raphael – Etta tirava seus saltos altos, os pés ardendo de uma longa noite, mas mantinha seu vestido frisado, e eles dançavam juntos, murmurando bobagens no ouvido um do outro e competindo para adivinhar em qual música eles dançariam por mais tempo.
A primeira vez que Etta encontrou Raphael, ela ficou um pouco quieta depois.
— Ele virou vampiro apenas alguns dias atrás — ela disse, casualmente, quando eles estavam dançando. — Foi isso o que você disse. Antes disso, ele era apenas um menino.
— Se serve de alguma ajuda, tenho uma suspeita de que ele era uma ameaça.
Etta não riu.
— Sempre pensei em como os vampiros são velhos — ela disse — nunca pensei em como as pessoas podem se tornar em um deles. Acho que faz sentido. Quero dizer – Raphael, pobre garoto, ele é muito jovem. Mas posso entender porque as pessoas querem ficar jovens para sempre. Da mesma maneira que você.
Etta estava falando sobre a idade cada vez mais nos últimos meses. Ela não tinha mencionado os homens que vieram ouvi-la cantar em clubes, que queria levá-la para casa e ter filhos com ela. Ela não precisava.
Magnus compreendia. Podia ler os sinais, como um marinheiro sabia que nuvens no céu trariam uma tempestade. Ele havia sido deixado antes, por muitas razões, e esta não era incomum.
A imortalidade era algo que você paga para ter, e aqueles que você amou pagam, de novo e de novo. Houve alguns poucos preciosos que tinham ficado com Magnus até que a morte os separasse, mas morte ou não, vinha uma nova fase de suas vidas onde sentiam que não poderiam prosseguir, e todos eles foram tirados de Magnus por algum motivo.
Ele não podia culpar Etta.
— Você gostaria de ter isto? — Magnus perguntou, finalmente, depois de muito tempo dançando juntos.
Ele não fez a oferta, mas pensou que poderia cumprir. Havia maneiras de se fazer isso. Maneiras que se pagariam preços terríveis em troca. Maneiras que seu pai conhecia, e Magnus odiava seu pai. Mas se ela poderia ficar com ele para sempre...
Houve outro silêncio. Tudo o que Magnus ouviu foi o clique de seus sapatos e o deslizar suave de pés descalços em seu piso de madeira.
— Não — Etta respondeu, seu rosto pressionado no ombro de Magnus. — Não. Se eu pudesse ter tudo do meu jeito, iria querer um pouco mais de tempo com você. Mas eu não pararia o tempo por isso.
***
Lembretes estranhos e dolorosos vinham até Magnus de vez em quando, uma vez que ele tinha se acostumado com Raphael como o sempre irritado e irritante companheiro de casa. Ele ficaria surpreso com o lembrete do que já sabia: que o relógio de Raphael tinha sido interrompido, que a sua vida humana tinha sido violentamente arrancada dele.
Magnus estava inventando um novo penteado com a ajuda de spray de água e uma pitada de magia quando Raphael chegou por trás dele e o surpreendeu. Raphael fazia isso muitas vezes, uma vez que tinha o caminhar silencioso característico de sua espécie. Magnus suspeitava que ele fizesse de propósito, mas uma vez que Raphael nunca tinha esboçado um sorriso, era difícil de saber.
— Você é muito fútil — Raphael comentou com desaprovação, olhando para o cabelo de Magnus.
— E você é muito jovem — Magnus revidou.
Raphael geralmente tinha resposta para tudo o que Magnus dizia, mas em vez de uma resposta, Magnus recebeu um longo silêncio. Quando levantou os olhos do espelho, viu que Raphael tinha se movido para a janela e estava olhando a noite.
— Eu teria dezesseis agora — Raphael disse, a voz tão distante e fria como a luz da lua. — Se eu tivesse sobrevivido.
Magnus se lembrou do dia em que se deu conta de que já não estava envelhecendo, olhando em um espelho que parecia mais frio que todos os outros antes deste, como se estivesse vendo seu reflexo em um caco de gelo. Como se o espelho tivesse sido responsável pela sua imagem completamente congelada e absolutamente distante.
Ele se perguntava como era diferente de ser um vampiro, de saber até o dia exato, a hora, o minuto em que você deixou de pertencer ao curso quente e mundano da humanidade. Quando você parou e o mundo continuou, e não sentiu sua falta.
Ele não perguntou.
— Vocês — Raphael começou. “Vocês” era como ele se referia a bruxos, porque ele era muito charmoso. — Vocês param de envelhecer de forma aleatória, não é? Você nasceu como um ser humano, e é sempre o que é, mas envelhece como um ser humano faz até não querer mais.
Magnus se perguntou se Raphael tinha lido os mesmos pensamentos na expressão de Magnus.
— Sim.
— Você acha que o seu povo têm alma? — perguntou Raphael.
Ele ainda estava olhando para fora da janela.
Magnus tinha conhecido pessoas que achavam que eles não tinham. Ele acreditava que sim, mas isso não quer dizer que nunca tenha duvidado.
— Não importa — Raphael continuou antes que Magnus pudesse responder. Sua voz era estável. — De qualquer forma, eu invejo vocês.
— Por quê?
O luar derramava-se sobre Raphael, branqueando seu rosto, fazendo com que ele parecesse uma estátua de mármore de um santo que morreu jovem.
— Ou vocês ainda têm suas almas — Raphael respondeu. — Ou vocês nunca a tiveram, e não sabem o que é vagar pelo mundo condenados, exilados, sentindo a falta dela para sempre.
Magnus pousou a escova de cabelo.
— Todos os Seres do Submundo têm alma — ele disse. — É o que nos torna diferente dos demônios.
Raphael zombou.
— Isso é uma crença dos Nephilim.
— E daí? Às vezes eles estão certos.
Raphael disse algo indelicado em espanhol.
— Eles pensam que são salvadores, los Cazadores de Sombras. Os Caçadores de Sombras. No entanto, eles nunca vieram me salvar.
Magnus olhou para o menino em silêncio. Ele nunca tinha sido capaz de argumentar contra as convicções de seu padrasto a respeito do que Deus queria ou o que Deus ou julgava. Ele não sabia como convencer Raphael de que ainda pode ter uma alma.
— Vejo que você está tentando me distrair da verdadeira questão aqui — Magnus disse ao invés. — Você fez aniversário, uma desculpa perfeita para eu dar uma das minhas famosas festas, e nem sequer me conta?
Raphael olhou para ele em silêncio, em seguida virou-se e foi embora.
Magnus tinha pensado muitas vezes em ter um animal de estimação, mas nunca tinha considerado a aquisição de um vampiro adolescente mal-humorado. Uma vez que Raphael fosse embora, pensou, ele iria adotar um gato. E sempre daria uma festa de aniversário para o seu gato.
***
Não demorou para que Raphael conseguisse ficar com a cruz no pescoço, a noite toda, sem gritar ou mostrar qualquer sinal visível de desconforto. No final da noite, quando ele a tirou, havia uma marca fraca contra seu peito, de uma queimadura curada há muito tempo, mas era só isso.
— Então é isso — Magnus disse. — Isso é ótimo. Você está pronto! Vamos visitar sua mãe.
Ele enviara-lhe uma mensagem dizendo para não se preocupar e não visitá-lo, que ele estava usando toda a magia que podia para salvar Raphael e não podia ser incomodado, mas sabia que isso não a afastaria para sempre.
A expressão de Raphael era pálida enquanto ele brincava com a corrente com uma das mãos, o seu único sinal de incerteza.
— Não — ele disse. — Quantas vezes você vai me subestimar? Eu não estou pronto. Não estou nem perto de estar pronto.
Ele explicou a Magnus o que queria fazer a seguir.
— Você está fazendo uma boa ação me ajudando — Raphael falou na noite seguinte quando se aproximaram do cemitério. Sua voz era quase clínica.
Magnus pensou, mas não disse em voz alta: Sim, porque houve momentos em que eu estava tão desesperado quanto você, e estava tão miseravelmente convencido de que eu não tinha alma. As pessoas o ajudaram quando ele precisou, porque precisavam dele e não por outro motivo. Lembrou-se dos Irmãos do Silêncio vindo até ele em Madri, e ensinando-lhe que ainda havia uma maneira de viver.
— Você não precisa agradecer — Magnus respondeu. — Não estou fazendo isso por você.
Raphael deu de ombros, um gesto fluido e indiferente.
— Tudo bem, então.
— Quero dizer, você poderia agradecer ocasionalmente — Magnus apontou. Poderia arrumar o apartamento de vez em quando.
Raphael considerou aquilo por um momento.
— Não, acho que não.
— Acho que sua mãe deveria ter batido em você — Magnus disse. — Frequentemente.
— Meu pai me bateu uma vez quando estávamos em Zacatecas — Raphael respondeu casualmente.
Raphael não havia mencionado um pai antes, e Guadalupe não havia mencionado um marido, embora Magnus saiba que ele tinha muitos irmãos.
— Ele fez isso? — Magnus tentou manter sua voz neutra e encorajadora, no caso de Raphael querer confiar nele.
Raphael parecia divertido.
— Ele não me bateu uma segunda vez.
Havia um pequeno cemitério isolado e afastado, no Queens, cercado por prédios altos e escuros, um armazém e uma casa abandonada no estilo vitoriano. Magnus tinha feito com que a área fosse pulverizada com água benta, abençoada e fez dela sagrada. Igrejas tinham solo sagrado, mas os cemitérios nem tanto. Todos os vampiros tinham que ser enterrados em algum lugar e depois conseguir sair.
Ele não ia fazer uma barreira como o Instituto dos Caçadores de Sombras, mas seria bastante difícil para Raphael conseguir colocar o pé no chão.
Era mais um teste. Raphael tinham prometido não fazer mais do que colocar o pé no chão.
Raphael tinha prometido.
Quando Raphael ergueu o queixo e avançou diretamente para o pedaço de terra sagrada, correndo, queimando e gritando, Magnus se perguntou como ele poderia ter acreditado.
— Raphael! — ele gritou e correu atrás do vampiro, para a escuridão e para a terra sagrada.
Raphael subiu em uma lápide e ficou equilibrado sobre ela. Seu cabelo encaracolado estava puxado para trás de seu rosto magro, o corpo arqueado, os dedos em garra contra a borda de mármore. Seus dentes estavam à mostra, e seus olhos estavam negros e sem vida. Ele parecia um fantasma, um pesadelo saindo da sepultura. Menos humano, mais desalmado que qualquer outro tipo de animal selvagem.
Ele saltou. Não para Magnus, mas para fora do perímetro do cemitério. E saiu pelo outro lado.
Magnus o perseguiu. Raphael estava se balançando, se inclinando contra o muro baixo de pedra, como se mal pudesse ficar de pé. A pele de seus braços estava visivelmente queimada. Ele parecia querer arrancar fora o resto de sua pele em agonia, mas não tinha forças para isso.
— Bem, você conseguiu — Magnus observou. — O que eu quero dizer é que você quase conseguiu me dar um ataque cardíaco. Não pare agora. A noite é uma criança. O que vai fazer para me irritar agora?
Raphael olhou para ele e sorriu. Não era uma expressão agradável.
— Eu vou fazer a mesma coisa de novo.
Magnus supôs que ele havia pedido por isso.
Quando Raphael tinha atravessado a terra santa de novo, não uma, mas dez vezes, e ficou fraco demais para correr, se encostou na parede e murmurou para si mesmo, primeiramente sufocando, e em seguida cuspindo a palavra para fora, o nome de Deus.
Ele se engasgou com sangue enquanto o dizia, tossiu, e continuou murmurando.
— Dios.
Magnus ficou observando-o, fraco demais para ficar de pé e continuar machucando a si mesmo, enquanto pudesse.
— Raphael, não acha que já fez o suficiente?
Previsivelmente, Raphael olhou para ele e respondeu:
— Não.
— Você tem a eternidade para aprender a fazer isso e aprender a se controlar. Você tem...
— Mas eles não têm! — Raphael explodiu. — Dios, você não entende? A única coisa que me resta é a esperança de vê-los, de não quebrar o coração da minha mãe. Eu preciso convencê-la. Preciso fazer isso perfeitamente, e preciso fazer isso logo, enquanto ela ainda esteja à espera de que eu esteja vivo.
Ele tinha falado “Dios” quase sem vacilar desta vez.
— Você está sendo muito bondoso.
— Não é mais possível eu ser bondoso — Raphael replicou, com a voz dura. — Se eu ainda fosse bondoso e corajoso, faria com que minha mãe soubesse da verdade. Eu iria andar a pé no sol e acabaria com a minha própria vida. Mas eu sou egoísta, mau, um animal sem coração, e não quero queimar no fogo do inferno ainda. Quero ver minha mãe, e eu vou. Eu vou. Eu vou!
Magnus assentiu.
— E se Deus pudesse te ajudar? — ele perguntou gentilmente.
Foi o mais perto que ele conseguiu dizer de: e se tudo o que você acredita é errado, mesmo assim você poderia ser amado e perdoado?
Raphael balançou a cabeça teimosamente.
— Eu sou uma das Crianças da Noite. Não sou mais uma criança Dele, não estou mais sob seu olhar atento e cuidadoso. Deus não vai me ajudar — Raphael disse, sua voz grossa, falando com a boca cheia de sangue. Ele cuspiu o sangue. — E Deus não vai me parar.
Magnus não discutiu com ele novamente. Raphael ainda era tão jovem, de muitas formas, e todo o seu mundo tinha desabado a sua volta. Tudo o que ele acreditava no mundo tinha deixado de fazer sentido, e ele iria se apegar a elas, mesmo que suas próprias crenças lhe dissessem que ele estava irremediavelmente perdido, condenado e morto.
Magnus nem sabia se seria certo tentar deixar essas crenças de lado.
Naquela noite, um pouco depois de Magnus pegar no sono, ele acordou com um murmúrio, a voz fervorosa de Raphael. Magnus tinha escutado pessoas orando muitas vezes e reconheceu o som. Ele ouviu os nomes, nomes desconhecidos, e se perguntou se esses nomes tinham sido amigos de Raphael. Ele ouviu o nome de Guadalupe, o nome de sua mãe, e sabia que os outros nomes tinham de ser os nomes dos irmãos de Raphael.
Da mesma maneira que mortais clamavam a Deus, a anjos e santos, como entoavam ao rezar seu terço, Raphael estava clamando os únicos nomes que eram sagrados para ele e que não queimariam sua língua ao pronunciá-los. Raphael estava clamando por sua família.
***
Havia muitas desvantagens em ter Raphael como companheiro de quarto que não dizia respeito à convicção dele de ser uma alma condenada, ou mesmo o fato de Raphael usar muito sabonete no banho (mesmo que ele não suasse e não precisasse tomar banho tantas vezes) e nunca lavar a louça. Quando Magnus falou sobre isso, Raphael respondeu que não comia comida e portando não fazia nenhuma sujeira.
Mais uma desvantagem tornou-se evidente no dia em que Ragnor Fell, Alto Bruxo de Londres e eterno calo no pé de Magnus, veio até ele em uma visita inesperada.
— Ragnor, está é uma surpresa bem-vinda — disse Magnus, abrindo a porta.
— Eu fui pago por alguns Nephilim para fazer esta viagem — disse Ragnor. — Eles precisam de um feitiço.
— E a minha lista de espera é muito longa — Magnus assentiu tristemente. — Estou com muitas demandas.
— E você constantemente afronta os Caçadores de Sombras, então eles não gostam de você, com exceção de algumas almas rebeldes — disse Ragnor. — Quantas vezes eu já te disse, Magnus? Comporte-se profissionalmente em um ambiente profissional. O que significa não ser rude com os Nephilim, e também não se apegar a nenhum Nephillim.
— Eu nunca me apeguei a um Nephilim! — Magnus protestou.
Ragnor tossiu, e no meio da tosse disse algo que soou como “Herondale”.
— Bem — disse Magnus. — Quase nunca.
— Não se apegue a um Nephillim — Ragnor repetiu com firmeza. — Fale respeitosamente com seus clientes e lhes dê o serviço que desejarem, assim como a magia. E guarde a casualidade para seus amigos. Falando nisso, eu não te vi nestes tempos, e você está mais horrível do que costuma estar.
— Isso não é verdade.
Ele sabia que parecia extremamente em forma. E estava usando uma gravata incrível.
— Quem está batendo na porta? — A voz imperiosa de Raphael veio do banheiro, e o resto de Raphael apareceu depois dele, vestido com uma toalha, mas parecendo tão crítico como sempre. — Eu disse que você tem que começar a manter um horário de expediente regular, Bane.
Ragnor olhou para Raphael. Raphael encarou malignamente Ragnor. Havia certa tensão no ar.
— Oh, Magnus — disse Ragnor, e ele cobriu os olhos com uma grande mão verde. — Ah não, não.
— O que? — perguntou Magnus, intrigado.
Ragnor abruptamente baixou a mão.
— Não, você está certo, é claro. Eu estou sendo bobo. Ele é um vampiro. Ele parece ter só quatorze anos. Quando anos você tem? Aposto que você é mais velho que qualquer um de nós, haha.
Raphael olhou para Ragnor como se ele fosse louco. Magnus achou muito refrescante ter alguém com a mesma expressão que ele, pra variar.
— Eu teria dezesseis agora — Raphael respondeu lentamente.
— Ah, Magnus! — Ragnor lamentou. — Isso é nojento! Como você pôde? Você ficou louco?
— O que? — Magnus perguntou novamente.
— Nós concordamos que dezoito era a idade mínima — disse Ragnor. — Você, eu e Catarina fizemos uma promessa.
— Uma promes... Não, espera. Você acha que eu estou namorando Raphael? — Magnus perguntou. — Raphael? Isso é ridículo. Isso é...
— Essa é a ideia mais repugnante que eu já ouvi — a voz de Raphael aumentou, provavelmente as pessoas na rua podiam ouvi-lo.
— Isso foi um pouco forte demais — Magnus apontou. — E sinceramente doloroso.
— E se eu quisesse desfrutar de atividades não-naturais – e me deixe ser bem claro aqui, eu certamente não iria querer — Raphael continuou com desdém — até parece que eu escolheria ele. Ele! Ele se veste como um maníaco, age como um tolo, e faz piadas piores do que as pessoas que jogam ovos podres em aniversariantes.
Ragnor começou a rir.
— Homens melhores do que você imploraram por uma chance de ter tudo isso aqui — Magnus murmurou. — Eles lutaram duelos em minha honra. Um homem lutou em um duelo pela minha honra, mas foi um pouco embaraçoso, uma vez que minha honra já não existia há tempos.
— Você sabia que às vezes ele passa horas no banheiro? — Raphael anunciou sem piedade. — Ele gasta sua magia em seu cabelo. Em seu cabelo!
— Eu amo este garoto! — Ragnor observou.
Claro que ama. Raphael falava com grave desespero sobre o mundo em geral, era ansioso para insultar Magnus em particular, e tinha uma língua tão afiada quanto seus dentes. Raphael era, obviamente, a alma gêmea de Ragnor.
— Leve-o embora — Magnus sugeriu. — Leve-o para longe, muito longe.
Em vez disso, Ragnor se sentou em uma cadeira e Raphael se sentou junto a ele na mesa.
— Deixe-me te contar outra coisa sobre Bane — Raphael começou.
— Eu estou de saída — Magnus anunciou. — Vou descrever o que eu quero dizer quando digo que vou sair, mas acho que seria difícil que qualquer de vocês entendesse o conceito de “desfrutar um bom tempo com boas companhias”. Não pretendo retornar até que vocês dois parem de insultar seu charmoso anfitrião.
— Então você está se mudando daqui e me deixando seu apartamento? — Raphael perguntou. — Por mim tudo bem.
— Algum dia essa sua boca esperta vai te colocar em um monte de problemas — Magnus disse sombriamente por sobre o ombro.
— Olha quem fala — Ragnor disse.
— Olá? — disse Raphael, irônico como de costume. — Alma maldita.
Pior companheiro de quarto do mundo.
Ragnor ficou em sua casa por 13 dias. E foram os mais longos 13 dias da vida de Magnus. Toda vez que Magnus tentava se divertir um pouco, lá estavam eles, o baixinho e o verde, balançando a cabeça em conjunto, e em seguida dizendo coisas esnobes. Em uma ocasião, Magnus virou a cabeça muito rapidamente e os viu trocando um comprimento com os punhos.
— Me escreva — Ragnor pediu a Raphael quando estava indo embora. — Ou me ligue, se quiser. Eu sei que jovens preferem ligar.
— Foi muito bom te conhecer, Ragnor — Raphael disse. — Eu estava começado a pensar que todos os bruxos eram completamente inúteis.
***
Não muito tempo depois que Ragnor foi embora, Magnus tentou se lembrar da última vez que Raphael tinha bebido sangue. Magnus sempre tinha evitado pensar em como Camille obtinha suas refeições, mesmo quando ele a amava, e não queria ver Raphael matando alguém novamente. Mas ele viu a mudança de tom de pele de Raphael, viu a marca de tensão sobre sua boca e pensou em chegar em casa e ver Raphael murcho de puro desespero.
— Raphael, eu não sei bem como dizer isto, mas você está se alimentando direito? — Magnus perguntou. — Até pouco tempo atrás você era um garoto em fase de crescimento.
— El hambre agudiza el ingenio — disse Raphael.
A fome aguça o engenho.
— Bom provérbio. No entanto, como a maioria dos provérbios, soa sábio e na verdade não esclarece nada.
— Você acha que eu iria me permitir estar perto de minha mãe – ao redor de meus irmãos menores, se não tivesse certeza, sem sombra de duvidas, que podia me controlar? — perguntou Raphael. — Quero saber que se eu estiver preso em uma sala com um deles, e se eu não tivesse sentido o gosto de sangue por dias, se eu poderia me controlar.
Raphael quase matou outro homem naquela noite, na frente dos olhos de Magnus. Ele provou que estava certo.
Magnus não precisava se preocupar se Raphael estava com fome por pena ou piedade, ou qualquer sentimento mais suave do que para com o resto da humanidade. Raphael não se considerava mais uma parte da humanidade e pensou que poderia cometer qualquer pecado no mundo porque já estava condenado. Ele simplesmente tinha se privado de beber sangue para provar a si mesmo que podia ficar sem ele, para testar seus próprios limites, e exercer o autocontrole absoluto que ele estava determinado a alcançar.
Na noite seguinte, Raphael atravessou a terra sagrada e, em seguida, calmamente bebeu o sangue de um mendigo dormindo na rua, que poderia nunca mais acordar, apesar do feitiço de cura que Magnus sussurrou sobre o homem. Eles estavam andando pela noite, Raphael calculando em voz alta quando tempo ele levaria para se tornar tão forte quanto precisava ser.
— Eu acho que você é forte o suficiente — Magnus disse. — E você tem muito autocontrole. Olha como consegue reprimir severamente todo o seu trabalho heroico para não me mostrar o que sente.
— Às vezes, não rir da sua cara é um exercício de autocontrole brutal — Raphael falou gravemente. — Essa é a verdade.
Foi então que Raphael se enrijeceu, e quando Magnus fez menção de fazer uma pergunta, Raphael o abafou bruscamente. O feiticeiro se procurou os olhos escuros de Raphael e seguiu a direção em que ele olhava. Não sabia o que Raphael tinha visto, mas achou que não faria mal segui-lo quando ele começou a se mover.
Havia um beco atrás de um mercado abandonado. Nas sombras, havia um ruído que poderia ser de ratos no lixo, mas quando eles se aproximaram Magnus pôde ouvir o que tinha atraído Raphael: o som de risadas, o som de sucção e de gemidos de dor.
Ele não tinha certeza do que Raphael estava fazendo, mas não tinha planos de abandoná-lo agora. Magnus estalou os dedos e uma luz surgiu em sua mão, enchendo o beco com brilho, iluminando os rostos de quatro vampiros na frente dele. E sua vítima.
— O que pensam que estão fazendo? — Raphael demandou.
— O que te parece? — respondeu a única menina do grupo. Magnus a reconheceu como a alma corajosa e solitária que ele tinha abordado no Hotel Dumont. — Nós estamos bebendo sangue. O que é? Você de novo?
— É isso o que você estava fazendo? — perguntou Raphael com uma voz de surpresa exagerada. — Sinto muito. Não devo ter percebido isto, já que eu estava preocupado com a forma incrivelmente estúpida que vocês estão agindo.
— Estúpida? — Ecoou a menina. — Você quer dizer “errada”? Você está nos reprim...
Raphael estalou os dedos impacientemente para ela.
— Se eu quis dizer “errada”? — perguntou. — Estamos todos mortos e já condenados. O que “errado” ainda significa para seres como nós?
A menina inclinou a cabeça, pensativa.
— Eu quis dizer estúpida — disse Raphael. — Não que eu considere caçar uma criança de raciocínio lento algo honroso, sabe? Considere o seguinte: se você mata essa criança, você traz os Caçadores de Sombras para cima de nós. Eu não sei quanto a vocês, mas eu não quero que nenhum Nephilim venha tirar minha curta vida com uma lâmina porque alguém teve um pouco de fome e foi muito burro.
— Então você está querendo dizer “ah, poupe a vida dela” — zombou um dos meninos, embora a garota tenha lhe dado uma cotovelada.
— Mas mesmo se vocês não a matarem — Raphael continuou implacavelmente, como se ninguém o tivesse interrompido – bem, então, você já bebeu dela, sob condições não controladas e frenéticas que tornam mais fácil para ela de provar acidentalmente um pouco do seu sangue. Que vai deixá-la com uma compulsão para te seguir. Faça vitimas o suficiente e você será seguido por inúmeros subjugados – e, francamente, eles não são os melhores para se conversar – ou você vai transformá-los em mais vampiros. O que, matematicamente falando, eventualmente, deixa você com um problema de fornecimento sangue, porque não restarão seres humanos. Os seres humanos podem desperdiçar recursos, sabendo que pelo menos eles não vão estar por perto para lidar com as consequências, mas idiotas como vocês nem sequer têm essa desculpa. Meu Deus, vocês são tão cabeças de vento que quando uma lâmina serafim cortar suas cabeças, ou olhar ao redor e ver uma paisagem isolada, ou enquanto estiverem morrendo de fome, vão pensar se eu tivesse sido um pouco mais esperto e tivesse escutado Raphael quando tive a chance...
— Ele está falando sério? — perguntou outro vampiro, parecendo impressionado.
— Sim — Magnus confirmou. — É o que ele faz dele uma companhia tão tediosa.
— Esse é o seu nome? Raphael? — a garota vampira perguntou. Ela estava sorrindo, seus olhos pretos brilhando.
— Sim — Raphael respondeu irritado, imune ao flerte da mesma forma que era imune a todas as outras coisas que traziam diversão. — Qual é a vantagem de ser imortal se você é irresponsável e incrivelmente estúpida? Qual o seu nome?
O sorriso da garota vampira se alargou, mostrando suas presas brilhando por trás de seus lábios com batom.
— Lily.
— Aqui jaz Lily, — disse Raphael. — Morta por um Caçador de Sombras porque estava matando pessoas e depois nem sequer teve a inteligência de cobrir seus rastros.
— O quê? Agora você está nos dizendo para ter medo de mundanos? — perguntou outro vampiro, rindo, um homem com cabelos grisalhos nas têmporas. — Essas são histórias antigas para assustar os mais novos de nós. Suponho que você seja muito jovem mesmo, mas...
Raphael sorriu, seus dentes arreganhados, embora sua expressão não tivesse nada a ver com humor.
— Eu sou muito jovem. E quando eu estava vivo, era um caçador de vampiros. Eu matei Louis Karnstein.
— Você é um vampiro caçador de vampiros? — perguntou Lily.
Raphael praguejou em espanhol.
— Não, é claro que eu não sou um vampiro caçador de vampiros. Que tipo de cobra traiçoeira eu seria então? Além disse, isso é algo estúpido para ser. Eu seria morto instantaneamente por outros vampiros, que viriam juntos com uma ameaça em comum. Pelo menos eu espero que sim. Talvez todos eles sejam estúpidos. Eu sou alguém que fala coisas que fazem sentido — Raphael informou a todos severamente — e há muita pouca concorrência nesse trabalho.
O vampiro com cabelos grisalhos estava quase fazendo beicinho.
— Lady Camille nos permite fazer o que quisermos.
Raphael não era tolo. Ele não iria insultar a líder do clã de vampiros de sua cidade.
— Lady Camille certamente tem mais o que fazer para se preocupar em correr atrás de vocês, idiotas, e ela acha que vocês são mais inteligentes do que realmente são. Deixem-me lhes dar algo para pensar, se é que vocês são capazes disso.
Lily se esgueirou até Magnus, seus olhos ainda em Rafael.
— Eu gosto dele — ela falou. — Ele é tipo um líder, mesmo sendo um pouco excêntrico. Você sabe o que eu quero dizer?
— Desculpe. Fiquei surdo com a menção de que alguém pudesse gostar de Raphael.
— Ele não tem medo de nada — Lily continuou, sorrindo. — Está falando com Derek como um professor fala com uma criança travessa, e tenho visto Derek rasgar a cabeça das pessoas e beber o sangue delas a partir do tronco pessoalmente.
Ambos olharam para Raphael, que estava dando um discurso. Os outros vampiros haviam se encolhido e afastado um pouco.
— Você já está morto. Gostaria de ser impossibilitado de existir completamente? — perguntou Raphael. — Uma vez que deixar este mundo, todos nós temos que seguir em frente um dia e arder no fogo eterno do inferno. Você quer que sua existência seja condenada por nada?
— Acho que preciso beber — Magnus murmurou. — Alguém quer uma bebida?
Todos os vampiros, exceto Raphael, levantaram as mãos silenciosamente. Raphael deu um olhar acusador para Magnus, mas ele acreditava que seu rosto sempre tinha sido daquele jeito.
— Muito bem. Eu estou pronto para compartilhar — Magnus disse, tirando o seu frasco de ouro com desenhos em relevo do seu cinto especialmente fabricado de ouro em relevo. — Mas vou logo avisando, não tenho sangue de inocentes aqui para compartilhar. Este é Scotch.
Depois que os outros vampiros estavam bêbados, Raphael e Magnus ajudaram a garota mundana a seguir seu caminho de volta para casa, um pouco tonta por falta de sangue, mas razoavelmente bem. Magnus não se surpreendeu quando Raphael usou seu encanto de vampiro. Supôs que Raphael vinha praticando isso também. Ou talvez já fosse natural para Raphael impor sua vontade sobre a dos outros.
— Nada aconteceu. Você vai se deitar em sua cama e não vai se lembrar de nada. Não ande por essas áreas durante a noite. Você vai conhecer homens repugnantes e demônios sugadores de sangue — Raphael disse à menina, com os olhos nos dela, inabalável. — E vá à igreja.
— Você acha que a sua vocação pode ser dizer a todos o que fazer? — perguntou Magnus quando eles estavam voltando para casa.
Raphael olhou para ele com amargura. Ele tinha um rosto tão doce, Magnus pensou – o rosto de um anjo inocente.
— Você nunca deveria usar aquele chapéu novo.
— Esse é exatamente o meu ponto — disse Magnus.
***
A casa dos Santiago ficava no Harlem, na Rua 129, Lenox Avenue.
— Você não precisa esperar por mim — Raphael falou para Magnus enquanto caminhavam. — Eu estava pensando que, não importa como isso vai terminar, depois disso irei para a corte de Lady Camille conviver com vampiros. Eles poderiam me usar lá, e eu poderia ter – algo para fazer. Eu... Desculpa, se isso te ofende.
Magnus pensou em Camille, e em tudo o que suspeitava dela. Lembrou-se do horror dos anos vinte e que ele ainda não sabia exatamente como ela tinha se envolvido nisso.
Mas Raphael não podia continuar sendo hóspede de Magnus, um hóspede do Submundo temporário sem ter a onde pertencer, nada para ancorá-lo nas sombras e mantendo-o longe do sol.
— Ah não, Raphael, por favor, não me deixe — Magnus falou em um tom monótono. — Onde eu estaria sem a luz do seu sorriso doce? Se você for, eu vou me jogar no chão e começar a chorar.
— Sério? — perguntou Raphael, levantando uma sobrancelha fina. — Porque se fizer isso, vou ficar para assistir ao show.
— Vá embora — Magnus disse. — Fora! Quero você fora daqui! Darei uma festa quando você for embora, e sabe que odeia minhas festas. Odeia juntamente a moda, a música e a diversão. Nunca vou te culpar por ir e fazer o que melhor lhe convém. Quero que você tenha um propósito. Quero que você tenha algum motivo para viver, mesmo que não ache que esteja vivo.
Houve uma breve pausa.
— Bem, excelente — disse Raphael. — Porque eu ia embora de qualquer jeito. Estou cansado de Brooklyn.
— Você é um moleque insuportável — Magnus respondeu, e Raphael sorriu um de seus raros sorrisos chocantemente doces.
Seu sorriso desapareceu rapidamente quando eles se aproximaram de seu antigo bairro. Magnus podia ver que Raphael estava lutando contra o pânico. Magnus se lembrou dos rostos de sua mãe e de seu padrasto. Ele conhecia o sentimento de estar afastado da família.
Preferia que o sol fosse tirado dele, como já tinha sido tirado de Raphael, a ter um amor tomado de si. Ele se encontrou rezando, como raramente fazia nos últimos anos, como o homem que o criou fazia, como Raphael fazia, para que ambos não fosse tomados de Raphael, que já havia perdido um deles.
Eles se aproximaram da porta da casa, uma varanda com treliça verde. Raphael olhou para ela com uma mistura de medo e saudade, como um pecador pode olhar para as portas do céu.
Coube a Magnus bater na porta, e aguardar que alguém o atendesse.
Quando Guadalupe Santiago abriu a porta e viu seu filho, o tempo para oração tinha acabado.
Magnus podia ver todo o seu coração em seus olhos quando ela olhou para Raphael. Ela não se moveu, não se jogou em cima dele. Estava olhando para ele, o rosto e cachos escuros de seu anjo, em seu quadro de leves bochechas, coradas porque ele havia se alimentado antes de vir para que parecesse mais vivo, a corrente de ouro brilhando ao redor do pescoço. Era a cruz? Ele podia vê-la se perguntando. Era o presente dela, destinado a mantê-lo seguro?
Os olhos de Raphael estavam brilhando. Foi a única coisa que eles não haviam planejado, Magnus percebeu com um terror repentino. A única coisa que eles não haviam praticado – Raphael chorar. Se ele derramasse lágrimas na frente de sua mãe, aquelas lágrimas seriam de sangue, e tudo estaria acabado.
Magnus começou a falar tão rápido quando conseguiu.
— Eu o encontrei para você, como você pediu — ele disse. — Mas quando cheguei, ele estava muito perto da morte, então eu tive que dar-lhe um pouco do meu próprio poder, fazendo-o ser como eu — Magnus chamou a atenção de Guadalupe, o que era difícil, já que toda a sua atenção estava em seu filho. — Um fazedor de mágica — ele disse, como ela havia dito a ele uma vez. — Um feiticeiro imortal.
Ela pensava que os vampiros eram monstros, mas tinha vindo até Magnus para obter ajuda. Ela podia confiar em um bruxo. Podia acreditar que um bruxo não era um condenado.
Todo o corpo de Guadalupe estava tenso, mas ela deu um pequeno aceno com a cabeça. Ela reconheceu as palavras, Magnus sabia, queria acreditar. Ela queria tanto acreditar no que eles estavam dizendo que não conseguia decidir se confiava neles.
Ela parecia mais velha do que há alguns meses, desgastada pelo tempo sem o seu filho. Parecia mais velha, mas não menos feroz, e ela estava com o braço bloqueando a porta, as crianças olhando em volta dela, mas protegidas por seu corpo.
Mas ela não fechou a porta. Ela ouviu a história, e deu atenção absoluta para Raphael, seus olhos traçando as linhas familiares de seu rosto quando ele falava.
— Todo esse tempo eu estive em treinamento para que pudesse voltar para casa, pra você, e te fazer sentir orgulho. Mãe — Raphael disse — eu te asseguro, imploro que acredite em mim. Eu ainda tenho uma alma.
Os olhos de Guadalupe ainda estavam fixos na corrente fina e brilhante em volta do pescoço dele. Os dedos trêmulos de Raphael a puxaram para fora da camisa. A cruz dançou pendendo de sua mão, dourada e brilhante, a coisa mais brilhante em toda a cidade à noite.
— Você a usa — Guadalupe sussurrou. — Eu estava com tanto medo que você não quisesse ouvir a sua mãe.
— Claro que eu ouvi — disse Raphael, sua voz tremendo. Mas ele não chorou, não aquele Raphael com um gênio de ferro. — Eu a usei e ela me manteve segura. Ela me salvou. Você me salvou.
Todo o corpo de Guadalupe mudou, da imobilidade para o movimento, e Magnus percebeu que mais de uma pessoa nessa conversa tinha um gênio de ferro. Raphael tinha a quem puxar.
Ela passou pelo limiar da porta e estendeu os braços. Raphael correu para eles, passou por Magnus mais rapidamente do que um ser humano podia se mover, e lançou um braço apertado ao redor do pescoço de sua mãe. Ele tremia em seus braços, sacudindo todo enquanto ela acariciava seu cabelo.
— Raphael — ela murmurou em seus cachos negros.
Primeiro Magnus e Raphael não tinham sido capazes de parar de falar, e agora parecia que ela não seria capaz.
— Raphael, mi hijo, Raphael, meu Raphael.
Magnus sabia que no amontoado de palavras de amor e conforto que ela estava falando Raphael se sentia seguro, que eles tinham conseguido, que Raphael poderia ter sua família de volta e que eles nunca teriam que saber da verdade. Todas as palavras ditas representavam carinho e declarações de amor, reivindicando-o “meu filho, meu filho, minha criança”.
Os outros meninos se amontoaram ao redor de Raphael, dada a bênção de sua mãe, e Rafael os tocou com mãos suaves, tocou o cabelo dos pequenos queridos, puxando com carinho que parecia quase descuidado, embora fosse muito cuidadoso, e empurrou os meninos mais velhos em saudação áspera, mas não realmente áspera.
Atuando em seu papel de benfeitor e professor de Raphael, Magnus o abraçou também. Como Raphael era espinhoso, Magnus nunca o tinha abraçado. Magnus nunca esteve tão perto dele desde o dia em que lutou com Raphael para que ele não fosse para o sol. As costas de Raphael pareciam frágeis sob as mãos de Magnus – embora não fossem.
— Te devo uma, bruxo — Raphael falou em um sussurro contra a orelha de Magnus. — Prometo que não vou esquecer.
— Não seja ridículo — Magnus respondeu, e em seguida, quando se afastou, bagunçou o cabelo encaracolado de Raphael.
O olhar indignado no rosto de Raphael foi hilário.
— Vou te deixar sozinho com sua família — Magnus disse, e ele se foi.
Antes de ele ir, no entanto, fez uma pausa e criou algumas faíscas azuis de seus dedos que formavam pequenas casinhas e estrelas, fazendo com que as crianças achassem a magia divertida, e não a temessem. Ele disse-lhes que Raphael não era tão talentoso ou fabulosamente talentoso como ele mesmo e não seria capaz de realizar tais milagres minúsculos durante anos. Fez uma reverência fluorescente que deixou os pequeninos rindo e Raphael revirando os olhos.
Magnus foi embora, caminhando lentamente. O inverno estava chegando, mas não estava completamente lá ainda, e ele estava feliz em simplesmente caminhar e apreciar as pequenas coisas da vida – o ar estaladiço de inverno, as poucas folhas douradas que ainda se enrolavam sob seus pés, as árvores nuas acima dele esperando para renascer na glória. Ele estava indo para casa, para um apartamento que suspeitava que sentir um pouco vazio. Mas em breve ele convidaria Etta, e ela iria dançar com ele e encher as salas com amor e riso, assim como sua vida por um tempo ainda, antes de deixá-lo.
Ele ouviu passos de trovão atrás dele e por um momento pensou ser Raphael, o baile de máscaras em ruínas ao seu redor, de repente, quando pensavam que tinham saído vitoriosos.
Mas não era Raphael. Magnus não viu Raphael novamente por vários meses, e até lá Raphael era o segundo em comando de Camille, mandando calmamente em vampiros centenas de anos mais velhos do que ele como só Raphael podia fazer. Raphael falou com Magnus, então, como um Ser do Submundo importante para outro, com profissionalismo perfeito, mas Magnus sabia que Raphael não tinha se esquecido de nada.
As relações sempre foram tensas entre Magnus e os vampiros de Nova York, o clã de Camille, mas de repente eles estavam bem menos complicadas. Vampiros de Nova York vieram a suas festas, embora Raphael não, e aproximaram-se dele para pedir ajuda mágica, embora Raphael nunca tivesse pedido por isso novamente.
Os passos perseguindo Magnus da noite fria de inverno não eram Raphael, mas de Guadalupe. Ela estava ofegante por ter corrido, o cabelo escuro deslizando de suas presilhas, formando uma nuvem sobre o rosto dela. Ele quase correu para ela antes que pudesse se conter.
— Espere — ela disse. — Eu não paguei.
Suas mãos tremiam, transbordando de dinheiro. Magnus fechou os dedos dela ao redor do dinheiro
— Tome — ela falou-lhe. — Pegue-o. Você o mereceu, merecia mais. Trouxe de volta para mim o meu filho mais velho, o mais doce de todos, meu menino corajoso. Você o salvou.
Ela ainda estava tremendo quando Magnus segurou suas mãos. Ele descansou sua testa contra a dela. Segurou-a perto o suficiente para beijar, perto o suficiente para sussurrar os segredos mais importantes do mundo, e falou com ela como teria desejado que um bom anjo falasse com sua família, a sua própria alma jovem, há muito tempo e em uma terra distante.
— Não — ele murmurou. — Não, eu não o salvei. Você o conhece melhor do que qualquer um conhece ou irá conhecer. Você o ensinou a ser tudo o que ele é, e o conhece até os ossos. Sabe quão forte ele é. Sabe o quanto ele te ama. Se eu te dei alguma coisa, dê-me agora a sua fé. Ensine uma coisa a todos os seus filhos. Eu nunca lhe disse nada mais verdadeiro do que isso. Creia nisso, quando não acreditar em mais nada: Raphael salvou a si mesmo.
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