Capítulo 10

Depois de um dia sofrível de treinamento com os novos recrutas, de evitar Dorian e de se manter bem longe dos olhos vigilantes do rei, Chaol estava quase nos aposentos, mais que pronto para dormir, quando percebeu que dois de seus homens não estavam no posto do lado de fora do salão. Os dois que restavam se encolheram conforme o capitão parou subitamente.
Não era incomum que os guardas, de vez em quando, perdessem um turno. Se alguém estivesse doente, se tivesse alguma tragédia familiar, Chaol sempre encontrava um substituto. Mas dois guardas faltando, sem substitutos à vista...
— É melhor alguém começar a falar — exigiu ele, rispidamente.
Um dos guardas pigarreou; um mais jovem, que acabara de terminar o treinamento três meses antes. O outro era relativamente novo também, e por isso Chaol os designara para o turno da noite, do lado de fora do salão. Mas o capitão os colocara sob os olhos supostamente responsáveis e vigilantes de outros dois guardas, ambos ali havia três anos.
O guarda que pigarreou ficou vermelho.
— Hã, eles disseram... Ah, capitão, disseram que ninguém iria reparar se tivessem saído, pois é o salão, e está vazio, e hã...
— Use palavras — disparou Chaol. Ele assassinaria os dois desertores.
— A festa do general, senhor — respondeu o outro. — O general Ashryver passou por aqui a caminho de Forte da Fenda e os convidou. Disse que não seria problema para você, então foram com ele.
Um músculo se contraiu no maxilar de Chaol. É claro que Aedion disse isso.
— E vocês dois — grunhiu o capitão — não acharam que seria útil relatar isso a alguém?
— Com todo respeito, senhor — falou o segundo —, nós estávamos... nós não queríamos que pensassem que éramos delatores. E é apenas o salão...
— Resposta errada — resmungou Chaol. — Os dois farão turno duplo durante um mês... nos jardins. — Onde ainda estava congelando. — Seu tempo de lazer agora é inexistente. E, se algum dia deixarem de reportar mais uma vez que outro guarda abandonou o posto, estarão fora daqui. Entendido?
Ao receber murmúrios de confirmação, ele saiu pisando duro em direção à frente do castelo. De jeito nenhum iria dormir agora. Tinha dois guardas para caçar em Forte da Fenda... e um general com quem trocar algumas palavras.

***

Aedion alugara a taberna inteira. Homens estavam à porta para manter a ralé do lado de fora, mas um olhar irritado de Chaol, um lampejo do cabo da espada em formato de águia fez com que os dois saíssem da frente. O lugar estava abarrotado com vários nobres, algumas mulheres que podiam ser cortesãs ou parte da corte, além de homens – muitos homens bêbados e falando alto. Jogos de cartas, dados, cantoria lasciva ao som do pequeno quinteto ao lado do fogo crepitante, torneiras de cerveja despejando líquido livremente, garrafas de espumante... Será que Aedion pagaria por aquilo com o próprio dinheiro sujo ou era por conta do rei?
Chaol viu os dois guardas, mais meia dúzia de outros, jogando cartas com mulheres no colo, sorrindo como demônios. Até que o viram.
Ainda imploravam perdão quando o capitão os mandou embora – de volta ao castelo, onde lidaria com o grupo no dia seguinte. Não conseguia decidir se mereciam perder as posições, pois Aedion havia mentido e Chaol não gostava de fazer tais escolhas, a não ser que tivesse pensado bem a respeito primeiro. Então lá se foram os guardas para a noite gélida. Depois o capitão começou o processo de caçar o general.
No entanto, ninguém sabia onde ele estava. Primeiro, alguém mandou Chaol ao andar de cima, para um dos quartos da taberna. Lá, de fato, encontrou as duas mulheres com as quais alguém dissera que Aedion tinha sumido, mas outro homem estava entre elas. Chaol apenas exigiu saber para onde fora o general. As mulheres disseram que o tinham visto jogando dados na adega com alguns membros mascarados da alta nobreza. Então o capitão desceu furioso. E, realmente, havia membros mascarados da alta nobreza. Fingiram ser apenas festejadores, mas Chaol os reconheceu mesmo assim, ainda que não os tivesse chamado pelo nome. Os nobres insistiram que Aedion fora visto pela última vez tocando violino no salão principal.
Assim, Chaol subiu de novo. O general certamente não estava tocando o violino. Ou o tambor, ou o alaúde, ou a gaita. Na verdade, parecia que Aedion Ashryver sequer estava na própria festa.
Uma cortesã o chamou para oferecer seus atributos, e teria ido embora depois do grunhido do capitão, caso uma moeda de prata não tivesse sido oferecida por informação sobre o general. Ela o vira sair uma hora antes – de braços dados com uma de suas rivais. Seguiam para um lugar mais privado, mas a mulher não sabia onde. Se Aedion não estava mais ali, então... Chaol voltou para o castelo.
Mas ele recebeu mais uma informação. A Devastação chegaria em breve, disseram as pessoas, e, quando a legião descesse para a cidade, planejava mostrar a Forte da Fenda outro nível de imoralidade. Todos os guardas reais estavam convidados, pelo visto.
Era a última coisa que queria, ou de que precisava – uma legião inteira de guerreiros mortais causando estragos em Forte da Fenda, distraindo seus homens. Se isso acontecesse, o rei poderia prestar atenção demais a Chaol; ou perguntar para onde ia quando desaparecia de vez em quando.
Então, o capitão precisava de mais que apenas trocar uma palavra com Aedion. Precisava encontrar algo para usar contra o general, para que concordasse em não dar aquelas festas e jurasse manter a Devastação sob controle. Na noite seguinte, Chaol iria a qualquer que fosse a festa que o general promovesse.
E veria que vantagem poderia encontrar.

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