Capítulo 13

Val levou a taça de vinho aos lábios. Suas pernas estavam esticadas no meu sofá; ela usava calça de pijama cinza-chumbo e camiseta azul-clara que dizia: “BEM, O PATRIARCADO NÃO VAI SE FODER SOZINHO”.
— Já faz mais de três semanas — ela disse, os pensamentos tão profundos quanto possível flutuando no vinho. Ela segurava a rolha como uma arma entre os dedos, depois cruzou as pernas como uma dama.
— Aonde você quer chegar? — perguntei.
— Ele simplesmente está tão... Não quero dizer que ele está apaixonado. É um pouco prematuro pra isso. Mas ele está tão... apaixonado.
— Você é ridícula.
— E você? — ela perguntou.
— Eu gosto dele — falei, depois de pensar um pouco. — Muito. — Não havia motivos para mentir para Val.
— Como é isso? Gostar de verdade de Thomas Maddox? Eu o odeio há tanto tempo que não consigo nem imaginar. Pra mim, ele não é humano de verdade.
— Talvez seja disso que eu gosto.
— Mentira.
— Quer dizer, ele tem um lado humano, e eu gosto de ser a única que ele permite que veja isso. É meio que o nosso segredo... algo que ele guarda só pra mim.
Ela remexeu o vinho na taça e depois a colocou de volta na boca, dando o último gole.
— Ah, toma cuidado. Isso soa perigoso, como se você estivesse nisso pra ganhar, raio de sol.
— Você está certa. Retiro o que eu disse.
— Bom, com essa observação deprimente, o vinho acabou, então vou indo nessa.
— Me sinto usada.
— Mas você curtiu. — Ela piscou. — A gente se vê amanhã.
— Quer que eu te leve em casa?
— Moro no próximo quarteirão — ela disse, com o olhar bêbado de desaprovação nem um pouco intimidador.
— Como é? — perguntei. — Morar no prédio do Sawyer?
— Eu costumava gostar. — Ela pegou a garrafa vazia e a levou até o balcão da cozinha. — Mas não durou muito. Agora eu simplesmente o ignoro.
— Por que todo mundo o detesta tanto?
— Você vai descobrir — ela respondeu.
Franzi a testa.
— Por que isso tem que ser um segredo? Por que você não pode simplesmente me contar?
— Confie em mim quando digo que alguém te dizer que ele é um canalha não ajuda. Você precisa sentir na pele.
Dei de ombros.
— E o Marks? Ele também mora lá, né?
— Ele mora no centro da cidade.
— Não sei o que pensar em relação a ele — falei, me levantando. — Acho que ele me odeia.
— O Marks e o Maddox têm um caso de amor. É nojento. — Para alguém que tinha acabado de beber uma garrafa e meia, ela andava com um equilíbrio impressionante.
Eu ri.
— Vou pra cama.
— Tá bom. Boa noite, xis com L. — Ela saiu sozinha, e eu ouvi o barulho do elevador.
Já com roupas-de-beber-vinho-em-casa, me joguei no colchão, a cara em cima do edredom amarelo e cinza.
Meus ouvidos captaram um barulho de batida à porta rompendo o silêncio. No início, pensei que era alguém em outro apartamento, mas então ficou mais alto.
— Val — chamei, irritada por ter de levantar. Atravessei a cozinha e a sala de estar para abrir a porta. — Você devia ter ficado... — Minha voz sumiu quando reconheci Jackson parado na porta, parecendo bêbado e desesperado.
— Liis.
— Meu Deus, Jackson. O que você está fazendo aqui?
— Fui ao bar do Top Gun, como você disse. Fiquei bêbado. Tem umas mulheres muito, muito — ele estreitou os olhos — gostosas nessa cidade. — Seu rosto desabou. — Isso me fez sentir ainda mais saudade de você — ele lamentou, passando por mim e entrando na sala de estar.
Meu corpo todo ficou tenso. Ele não fazia parte da minha nova vida, e fiquei quase furiosa ao vê-lo de pé em meu novo apartamento livre-de-Jackson.
— Você não pode ficar aqui — comecei.
— Não quero fazer essas coisas sem você — ele enrolou as palavras. — Quero conhecer San Diego com você. Talvez se... se eu me transferisse pra cá também...
— Jackson, você está bêbado. Você mal me escuta quando está sóbrio. Vou chamar um táxi.
Fui até meu celular, mas ele o alcançou antes de mim e o jogou do outro lado da sala. O aparelho escorregou pelo chão e bateu no rodapé.
— Qual é o seu problema? — gritei antes de cobrir rapidamente a boca.
Corri para recuperar o aparelho celular. Ele estava caído com a tela para cima, perto do rodapé em que bateu. Eu o inspecionei para ver se não estava danificado. Por um milagre, não estava trincado nem lascado.
— Desculpa! — Jackson gritou de volta, se inclinando para frente e levantando as mãos. — Não chama um táxi, Liisee.
Ele se balançava de um lado para o outro intermitentemente, para manter o equilíbrio. Eu não me lembrava de tê-lo visto tão bêbado.
— Vou dormir aqui com você.
— Não — falei, o tom firme. — Você não vai ficar aqui.
— Liis. — Ele seguiu na minha direção, os olhos redondos vidrados e quase fechados. Nem estava olhando para mim, mas além de mim, oscilando para frente e para trás. Segurou meus ombros e se aproximou, os lábios franzidos e os olhos fechados.
Eu me abaixei, e nós dois caímos no chão.
— Que droga, Jackson! — Eu me levantei e o observei lutando para se recompor.
Levantando as mãos e oscilando para sentar, ele parecia uma tartaruga de barriga para cima. Eu gemi.
Ele ficou de joelhos e começou a chorar.
— Ah, não. Ah, por favor. Por favor, para — falei, estendendo as mãos.
Eu o ajudei a ficar de pé e comecei a digitar o número do táxi. Jackson arrancou o celular da minha mão e, mais uma vez, o aparelho caiu no chão.
Soltei seu braço, deixando-o cair, com força.
— Chega! Eu tentei ser legal. Sai daqui!
— Você não pode simplesmente me expulsar da sua vida, Liis! Eu te amo! — Ele se levantou lentamente.
Cobri os olhos.
— Você vai sentir tanta vergonha amanhã.
— Não vou, não! — Ele agarrou meus ombros e me sacudiu. — O que eu preciso fazer pra você me ouvir? Não posso te deixar ir embora! Você é o amor da minha vida!
— Você não está me dando escolha — falei, agarrando seus dedos e os dobrando para trás.
Ele gritou, mais de choque que de dor. Esse movimento poderia ter funcionado com qualquer outro bêbado idiota, mas não com um cara da SWAT. Mesmo bêbado, Jackson se livrou rapidamente de mim e me agarrou de novo.
Então a porta se abriu com tudo, a maçaneta batendo na parede. Em um minuto eu estava sendo agarrada pelo Jackson, e, no minuto seguinte, Jackson estava sendo agarrado por alguém.
— O que você pensa que está fazendo, porra? — Thomas perguntou com um olhar assassino, prendendo as costas do Jackson contra a parede com os dois punhos cerrados.
Meu ex-noivo empurrou Thomas e tentou lhe dar um soco, mas Thomas se abaixou e o empurrou de volta contra a parede, segurando-o ali com o antebraço na garganta dele.
— Não. Se. Mexe. Porra — Thomas falou, a voz baixa e ameaçadora.
— Jackson, faça o que ele está mandando — avisei.
— O que você está fazendo aqui? — Jackson quis saber. Ele olhou para mim. — Ele mora aqui? Vocês moram juntos?
Revirei os olhos.
— Meu Deus.
Thomas olhou para mim por sobre o ombro.
— Vou levá-lo pra fora e colocá-lo num táxi. Em que hotel ele está?
— Não tenho ideia. Jackson?
Seus olhos estavam fechados, e ele estava respirando fundo, os joelhos arqueados.
— Jackson? — falei alto, cutucando seu ombro. — Onde você está hospedado? — Como ele não respondeu, meus ombros desabaram. — Não podemos colocá-lo desmaiado num táxi.
— Ele não vai ficar aqui — Thomas disse, ainda com uma pontada de raiva na voz.
— Não vejo outra opção.
Ele se inclinou, deixando Jackson desabar sobre seu ombro, e o levou até o sofá. Mais cuidadoso do que eu pensei que seria, ajudou Jackson a se deitar e jogou uma coberta sobre ele.
— Vem comigo — disse, pegando a minha mão.
— O quê? — perguntei, resistindo de leve enquanto ele me arrastava porta afora.
— Você vai ficar comigo. Tenho uma reunião importante pela manhã e não vou conseguir dormir se ficar preocupado que ele acorde e vá até a sua cama.
Puxei a mão.
— Eu odiaria se você não estiver no seu melhor na reunião.
Thomas suspirou.
— Dá um tempo. Está tarde.
Ergui uma sobrancelha.
Ele desviou o olhar, irritado, e então me olhou de novo.
— Eu admito. Não quero que ele encoste a porra do dedo em você. — Ele estava com raiva dessa ideia, mas então o sentimento pareceu se desfazer. Deu um passo em minha direção, segurando delicadamente meus quadris. — Você ainda não consegue enxergar minhas mentiras?
— Não podemos simplesmente... sei lá... dizer o que pensamos ou sentimos?
— Achei que eu estava fazendo isso — Thomas disse. — Sua vez.
Mexi nas minhas unhas.
— Você estava certo. Estou assustada. Estou com medo de não conseguir fazer isso, mesmo querendo. E também não tenho certeza se você consegue.
Ele pressionou os lábios em uma linha rígida, se divertindo.
— Pegue a sua chave.
Dei alguns passos até o celular e me abaixei para pegá-lo, depois fui até o balcão e peguei as chaves com uma das mãos e a bolsa com a outra. Enquanto calçava a sandália, não pude evitar dar mais uma olhada para Jackson. Seus membros estavam espalhados em todas as direções, a boca aberta, e ele estava roncando.
— Ele vai ficar bem — Thomas comentou, estendendo a mão para mim.
Eu me juntei a ele no corredor, trancando a porta atrás de nós. Passamos pelo elevador e, em silêncio, subimos a escada. Quando chegamos à porta dele, Thomas abriu e me fez sinal para entrar.
Ele acendeu a luz, revelando um espaço tão imaculado que mal parecia habitado. Três revistas estavam arrumadas sobre a mesa de centro, e um sofá parecendo novo ficava encostado na parede.
Tudo estava em seu devido lugar: plantas, revistas e até fotografias. Havia tudo que caracteriza uma casa, mas, sob os enfeites, ela era perfeita demais, até estéril. Era como se Thomas tentasse se convencer de que tinha uma vida fora do FBI.
Fui até um aparador perto da TV de tela plana do outro lado da sala. Três porta-retratos de prata exibiam fotos em preto e branco. Uma delas devia ser dos pais. A outra era de Thomas com os irmãos, e eu me surpreendi com a semelhança entre os quatro mais novos. Depois, tinha uma de Thomas com uma mulher.
A beleza dela era singular, parecendo selvagem e natural. O cabelo curto repicado e a blusa justa decotada me surpreenderam. Ela não fazia o tipo que eu acharia ser de Thomas de jeito nenhum. O delineador grosso e os olhos esfumados eram mais proeminentes em tons de cinza. Thomas a abraçava como se ela fosse preciosa, e eu senti um nó se formar na garganta.
— Essa é a Camille? — perguntei.
— Sim — ele respondeu, a voz com um quê de vergonha. — Desculpa. Eu raramente fico em casa. Esqueci que estava aí.
Meu peito doeu. A foto naquele porta-retratos era a única resposta que eu precisava. Apesar do meu esforço em contrário, eu estava me apaixonando pelo Thomas, mas ele ainda amava Camille. Mesmo em um mundo perfeito, onde duas pessoas obcecadas pelo trabalho pudessem fazer um relacionamento dar certo, nós dois tínhamos o obstáculo adicional do amor não correspondido. No momento, isso era problema de Thomas, mas, se eu me permitisse ter sentimentos mais profundos, o problema seria meu.
Sempre acreditei firmemente que não é possível amar duas pessoas ao mesmo tempo. Se o Thomas ainda ama a Camille, o que isso significa para mim?
Uma sirene agressiva disparou em minha cabeça, tão alta que eu mal conseguia pensar. Os sentimentos por Thomas, pelo agente Maddox, meu chefe, precisavam parar agora mesmo. Olhei para seu sofá enquanto me preocupava com a possibilidade de um dia estar implorando para ele me amar, aparecendo bêbada e emotiva na porta dele antes de desmaiar em seu sofá, como Jackson estava desmaiado no meu.
— Se você não se importar, ajeito as coisas no chão. O sofá não me parece muito confortável.
Ele deu uma risadinha.
— O Taylor disse a mesma coisa. Você pode dormir na cama.
— Pelo nosso histórico, acho que essa é uma ideia especialmente ruim — falei, citando uma frase dele.
— O que planeja fazer quando estivermos em St. Thomas? — ele perguntou.
— Vai ser a sua vez de dormir no chão. — Tentei afastar a dor da minha voz.
Thomas seguiu até seu quarto e voltou com um travesseiro e um saco de dormir enrolado.
Olhei para o que ele estava carregando.
— Você tem isso pro caso de alguém dormir aqui?
— Para acampar — ele respondeu. — Você nunca acampou?
— Não desde que inventaram a água encanada.
— A cama é toda sua — ele disse, ignorando minha alfinetada. — Troquei os lençóis ainda hoje.
— Obrigada — falei, passando por ele. — Desculpa por termos acordado você.
— Eu não estava dormindo. Tenho que admitir que foi uma surpresa ouvir um homem gritando na sua sala.
— Sinto muito.
Thomas acenou, me dispensando, e foi até o interruptor para apagar a luz.
— Para de pedir desculpas por ele. Eu saí porta afora antes de ter tempo de pensar.
— Obrigada. — Coloquei a mão na maçaneta. — Vá dormir. Não quero que você fique bravo comigo se não conseguir se concentrar durante a reunião.
— Só existe um motivo para eu não conseguir me concentrar durante a reunião, e não é sono.
— Esclareça.
— Vamos passar a maior parte do fim de semana juntos, e eu tenho que convencer meu irmão a fazer uma coisa que ele não vai querer fazer. O domingo vai ser importante, Liis, e, neste momento, você é a maior distração da minha vida.
Meu rosto corou, e eu fiquei feliz por estar escuro ali.
— Vou tentar não ser.
— Acho que você não pode evitar ser uma distração, assim como eu não posso evitar pensar em você.
— Agora eu entendo por que você disse que sermos amigos seria uma ideia ruim.
Thomas fez que sim com a cabeça.
— Eu falei isso três semanas atrás, Liis. A situação mudou.
— Não muito.
— Somos mais que amigos agora, e você sabe disso.
Olhei para a foto de Thomas e Camille e apontei para ela.
— É ela que me apavora, e ela não vai desaparecer.
Thomas foi até o porta-retratos e o virou.
— É só uma foto.
As palavras que eu queria dizer ficaram presas na garganta.
Ele deu um passo na minha direção.
Eu me afastei da porta, estendendo a mão.
— Temos um trabalho a fazer. Vamos nos concentrar nisso.
Ele não conseguiu esconder a decepção.
— Boa noite.

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