Capítulo 14

Thomas jogou uma pilha grossa de papel na minha mesa, o músculo de seu maxilar pulsando. Ele andava de um lado para o outro, respirando pelo nariz.
— O que é isso?
— Leia — ele rosnou.
Assim que abri a pasta, Val entrou apressada na sala, se detendo abruptamente entre Thomas e a porta.
— Acabei de ouvir a notícia.
Franzi a testa e passei os olhos pelas palavras.
— Escritório do Inspetor Geral? — perguntei, erguendo o olhar.
— Merda — Val disse. — Merda.
O relatório tinha o seguinte título: “Uma análise do tratamento e da vigilância do FBI sobre o agente Aristotle Grove”.
Ergui os olhos para Thomas.
— O que foi que você fez?
Val fechou a porta e se aproximou da minha mesa.
— O Grove está lá embaixo. Ele vai ser preso hoje?
— Possivelmente — Thomas respondeu, ainda espumando.
— Achei que você tinha cuidado disso — falei, fechando a pasta e empurrando-a para frente.
— Cuidado disso? — ele perguntou, as sobrancelhas se erguendo.
Eu me inclinei para frente, mantendo a voz baixa.
— Eu falei que o Grove estava te dando informações erradas. Você demorou para agir.
— Eu estava juntando provas contra ele. Esse foi um dos meus motivos para trazer você pra cá. A Val também estava cuidando disso.
Olhei para minha amiga, que encarava a pasta como se ela estivesse em chamas.
Ela estava mordendo o lábio.
— Não preciso falar japonês pra saber que ele estava metido na merda — ela falou. — Espera um pouco... você é a especialista em idiomas que ele trouxe para esse caso?
Eu assenti.
Thomas apontou para ela.
— Isso é confidencial, Taber.
Val fez que sim com a cabeça, mas parecia desconfortável por não ter farejado isso.
Sawyer apareceu apressado por ali, ajeitando a gravata assim que a porta se fechou.
— Vim assim que soube. O que eu posso fazer? — ele perguntou.
Val deu de ombros.
— O que você faz melhor.
Sawyer pareceu decepcionado.
— Sério? De novo? Ele é meu alvo menos favorito. Você sabe que, se levássemos uma luz negra para o quarto do Grove, cada centímetro ia brilhar.
Val cobriu a boca, enojada.
Eu fiquei de pé, pressionando os punhos sobre a mesa.
— Alguém poderia me explicar que merda é essa que vocês estão falando?
— Temos que ser extremamente cuidadosos com o nosso modo de agir — Thomas disse. — O Travis pode ficar muito encrencado se tudo não for perfeito.
Val desabou na poltrona, exausta.
— Quando o Maddox foi transferido para a sede em Washington, antes de ser promovido a ASAC, ele conseguiu uma pista sobre um dos capangas do Benny com um agente da Unidade de Empreendimentos Criminosos Asiáticos da sede.
Olhei para ele, em dúvida.
— Você conseguiu uma pista sobre um dos chefes da máfia italiana de Vegas com a Unidade de Crimes Asiáticos em Washington?
Thomas deu de ombros.
— Eu poderia chamar de sorte, mas trabalhei no caso dia e noite desde que ele caiu na minha mesa. Não existe uma única impressão digital que eu não tenha verificado nem um histórico que eu não tenha acessado.
Val suspirou, impaciente.
— Você pode chamar isso de azar. O capanga era um garoto. O nome dele era David Kenji. O Travis deu uma surra nele até deixá-lo inconsciente uma noite em Vegas, para proteger a Abby.
— Isso não está na ficha do Travis — falei, olhando para Thomas.
Ele desviou o olhar, deixando Val continuar.
Ela assentiu.
— Foi propositalmente deixado de fora, para o Grove não desconfiar. Ele não pode saber nada sobre o Travis. Se ele transmitir o plano para qualquer membro da Yakuza, o Travis não será mais um agente infiltrado para o FBI.
— Por que o Grove passaria informações a respeito do recrutamento do Travis para um membro da Yakuza? — perguntei.
Val se sentou mais na beirada da poltrona.
— O David é filho da irmã de Yoshio Tarou.
— Tarou, o segundo no comando do Goto-Gumi no Japão? — perguntei, sem acreditar.
Goto-Gumi era um dos mais antigos integrantes da gangue original da Yakuza japonesa. Tarou era um chefe importante, na liderança do Goto- Gumi desde a década de 70. Ele não apenas intimidava os inimigos, mas era criativo em suas execuções, deixando os corpos mutilados expostos para todo mundo ver.
Val assentiu.
— A irmã de Tarou morou com ele até morrer, quando David tinha catorze anos.
Foi a minha vez de assentir.
— Tudo bem, então vocês estão me dizendo que o Travis também é alvo da Yakuza?
Thomas balançou a cabeça.
Franzi a testa.
— Não estou ouvindo ninguém dizer por que tem um maldito relatório do inspetor geral na minha mesa.
— O Tarou é encrenca, Liis — Thomas comentou. — O Grove tem lhe passado informações pelos membros da Yakuza que interrogou aqui e, mais recentemente, tem falado com Tarou diretamente. É por isso que não tivemos rastros de suas atividades criminosas apesar de todos os interrogatórios. Eles estão sempre um passo à frente.
— Então deixamos o IG prender o Grove. Quem se importa? — perguntei.
O rosto de Thomas desabou.
— A coisa fica ainda pior. O David morreu há alguns meses. Levou uma surra até ficar inconsciente em uma luta, e ninguém o viu desde então.
— O Tarou acha que foi o Travis? — perguntei.
— Não esqueça — Sawyer se intrometeu — que a briga do David com o Travis foi há mais de um ano, e, pelo que eles sabem, o Travis não foi a Vegas desde então.
— As lutas eram realizadas pela máfia — Val disse. — Benny colocou David contra alguém que queria sangue. O tio Tarou culpou Benny e mandou vários capangas para os Estados Unidos exigindo uma explicação. O lutador que matou David foi encontrado espalhado por todo o deserto. Bom, nem todas as partes dele foram encontradas. Temos motivos para acreditar que os homens enviados por Tarou fazem parte desse ninho da Yakuza que temos interrogado.
Franzi a testa, ainda confusa.
— Por que o sobrinho de Tarou estava fazendo um serviço de capanga de baixo nível para o Benny?
— Por causa da mãe — Val disse simplesmente, como se eu devesse saber. — Quando a mãe dele morreu, David culpou Tarou. Houve uma briga. O garoto fugiu para os Estados Unidos. Foi atraído pelo que já conhecia e acabou chegando ao Benny.
— Isso é um desastre — falei.
Val ergueu o olhar para Thomas e depois para mim.
— Estávamos esperando para entregar o Grove porque sabíamos que ele estava jogando nos dois lados, mas, agora que interrompemos a conexão com o Benny, não sabemos que informações sobre o caso o Grove passou.
— Merda — falei. — Quanto ele sabe?
Thomas deu um passo na minha direção.
— Como eu disse, já suspeito dele há algum tempo. O Sawyer andou rastreando suas atividades.
— Que tipo de atividades? — perguntei.
Sawyer cruzou os braços.
— Atividades diárias: o que ele come, onde dorme. Sei o que lhe causa indigestão, que tipo de sabonete ele usa e quais sites pornôs ele acessa para se masturbar.
— Obrigada por isso — falei.
Ele deu uma risadinha.
— Vigilância, chefe. Sou muito bom em vigilância.
— Como o mestre — Val disse.
Sawyer sorriu para ela.
— Obrigado.
Ela revirou os olhos.
— Vai se foder.
Ele continuou:
— O Maddox manteve o Grove no escuro sobre a maior parte do caso Vegas, mas, quando os casos começaram a se entrelaçar, o Grove ficou interessado... e o Tarou também. O Benny está acalmando as coisas como Tarou, e, no caso desses caras, o dinheiro pode transformar inimigos em amigos. As lutas geram muito dinheiro. O Benny quer um campeão, e o Travis é uma garantia.
Val se recostou na poltrona.
— Podemos controlar o que o Grove descobre no FBI, mas, se o Bennyou o Tarou mencionarem Travis Maddox para o Grove, acaba tudo. Ele vai fazer a ligação.
Suspirei.
— O acordo do Travis, até o acesso da Abby...
Thomas fez que sim com a cabeça.
— O caso. Todo ele. Vamos precisar entregar o que temos e fechá-lo sem o Travis ou a Abby.
— E o Travis não vai mais ser um agente infiltrado do FBI. Ele vai para a prisão.
O peso de minhas palavras pareceu atingir Thomas, e ele usou a estante como apoio.
Olhei para o documento entre mim e Val.
— O inspetor geral simplesmente acabou com o nosso plano.
Sawyer balançou a cabeça.
— O Grove ainda não sabe. Precisamos telefonar, atrasar sua prisão e arrastar o caso só mais um pouco.
— Você devia ter nos contado que seu contato era a Liis — Val reclamou. — A gente podia ter evitado isso.
Thomas olhou furioso para ela, mas ela não cedeu.
— Como? — ele perguntou. — Contar para vocês que a Liis estava de olho no Grove ia impedir que o escritório do IG escrevesse esse relatório? Você tá de brincadeira, porra?
— Saber que poderíamos usar a Liis para verificar as transcrições do Grove teria sido útil — Sawyer disse.
— Eu estava pedindo à Liis para verificá-los, Sawyer. — Thomas pareceu irritado. — Você acha que ela fica ouvindo Taylor Swift quando está com os fones de ouvido?
Balancei a cabeça.
— Por que o segredo?
Thomas ergueu as mãos e então as deixou cair na lateral do corpo.
— É aula de espionagem básica, crianças. Quanto menos pessoas sabem, menos risco você corre. Eu não queria que o Grove soubesse que eu tinha outra tradutora de japonês na unidade. Ele precisava ficar de olho em todos os interrogatórios para o Tarou, e outro agente que falasse japonês poderia atrapalhar. Ela podia acabar virando alvo só para manter o Grove encarregado dos interrogatórios da Yakuza.
— Ah — Val disse. — Você precisava protegê-la.
Sawyer revirou os olhos.
— Isso é um absurdo. Ele nem a conhecia para querer protegê-la. — Levou um instante, mas, quando ele percebeu a vergonha em meus olhos, sua boca abriu. Seu dedo indicador se agitou entre mim e Thomas. — Vocês dois estavam...
Balancei a cabeça.
— Isso foi antes. Ele não sabia que eu estava aqui para trabalhar no FBI.
— Mencionar a área de atuação vem logo depois da troca de nomes — Sawyer gargalhou. — Você passou a noite com a nova contratada, Maddox? Não me surpreende ter acabado com ela na primeira reunião. Você não gosta de surpresas. Isso tudo está começando a fazer sentido.
— Não temos tempo pra isso — Thomas desdenhou.
Sawyer parou de rir.
— Foi por isso que você deu a promoção pra ela?
O sorrisinho nos lábios de Val desapareceu.
— Ah, merda.
Thomas disparou para cima de Sawyer, e Val e eu ficamos entre os dois, quicando como bolas de pinball enquanto os separávamos.
— Tá bom! Desculpa! — Sawyer disse.
— Por favor, um pouco de decoro, porra! — gritei. — Somos adultos! No trabalho!
Thomas deu um passo para trás, e Sawyer ajeitou a gravata e sentou.
— Vê se cresce! — soltei para Thomas.
Ele levou os dedos à boca enquanto se acalmava.
— Desculpa — disse entredentes. — Vou ligar para o Polanski.
Precisamos enterrar esse relatório e interceptar o mandado de prisão do Grove. Pelo menos por enquanto.
Val ajeitou as roupas.
— Você liga para o SAC. Eu ligo para o escritório do IG.
— Vou atrás do Grove. Ver se ele suspeita de alguma coisa — Sawyer disse.
A expressão de Thomas ficou séria.
— Temos que manter isso sob estrito controle.
— Entendido — Sawyer e Val disseram. Eles deixaram Thomas e a mim sozinhos na minha sala, e a gente se
encarou.
— Você deixou seus principais agentes de fora pra me proteger? — perguntei.
— O Marks sabia.
Inclinei a cabeça.
— O Marks nem está nesse caso.
Ele deu de ombros.
— Confio nele.
— Você também pode confiar na Val.
— A Val fala demais.
— A gente pode confiar nela mesmo assim.
Thomas rangeu os dentes.
— Eu não devia precisar me explicar. É perigoso, Liis. Essas pessoas com quem estamos lidando, se conseguirem seu nome...
— Essa é a coisa mais idiota que eu já ouvi — soltei.
Ele piscou, surpreso com a minha reação.
— Consigo acertar um alvo a oitenta metros de distância com uma pistola calibre vinte e dois, derrubar um agressor com o dobro do meu tamanho e enfrento a sua arrogância pelo menos duas vezes por dia. Consigo lidar com o Benny, a Yakuza e o Grove. Não sou a Camille. Assim como você, sou uma agente do FBI, e você tem que me respeitar pelo que sou. Entendeu?
Thomas engoliu em seco, pensando com cuidado na resposta.
— Não acho que você seja fraca, Liis.
— Então por quê?
— Alguma coisa aconteceu comigo quando conheci você.
— Tivemos uma ótima noite de sexo. Você sente atração por mim. Isso não significa que deve descartar seus melhores agentes. Esse é mais um motivo pelo qual é uma péssima ideia explorarmos o que quer que seja isso aqui — falei, gesticulando entre nós.
— Não, é mais do que isso. Desde o começo... eu sabia.
— Sabia o quê? — soltei.
— Que eu teria de ser cuidadoso. Eu já perdi alguém que amava, e isso me fez mudar. Eu já abri mão de alguém que amava, e isso me destruiu. Eu sei que, quando você for embora, Liis, qualquer que seja o motivo... isso vai acabar comigo.
Fechei a boca e gaguejei as seguintes palavras:
— O que faz você pensar que vou a algum lugar?
— Não é isso que você faz? Foge? Não é esse o seu objetivo na vida?
Seguir em frente?
— Isso não é justo.
— Não estou falando só de promoções, Liis. Estamos mexendo não com um, mas com dois círculos mortais da máfia. Eles não sabem que estamos atrás do Grove. Se o Grove descobrir que você fala o idioma e pode entregá-lo, eles vão te ver como um problema. Você sabe como são essas pessoas. Elas são muito boas em apagar problemas.
— Mas o Grove não sabe, e a Val e o Sawyer não teriam contado para ele.
— Eu não ia arriscar — ele disse, sentando na poltrona que Val ocupara há pouco.
— Então agora temos dois problemas. Ele vai perceber quando seu irmão começar a trabalhar para o FBI. Se quer que a coisa com o Travis dê certo, a gente precisa se livrar do Grove.
— E não podemos nos livrar do Grove sem que o Tarou saiba que estamos atrás dele e do Benny. O caso vai implodir.
Fiquei ali parada, totalmente perdida.
— O que vamos fazer?
— Vamos dar um tempo. O momento deve ser perfeito.
— Então não temos que operar um milagre, mas dois.
— Você precisa ter cuidado, Liis.
— Não começa. Vamos ter foco.
— Que merda! Estou mais focado do que estive há muito tempo. Quando entrei na sala do esquadrão e te vi sentada ali... Eu admito, tá bom? Saber que eu te trouxe para expor o Grove me encheu de pânico, e ainda enche. Não tem nada a ver com você precisar de proteção ou ser uma agente do sexo feminino, mas com o fato de que, a qualquer momento, você pode ter um alvo nas costas, e a porra da culpa vai ser minha! — ele gritou a última parte, as veias do pescoço pulsando.
— Faz parte do nosso trabalho, Thomas. É isso que a gente faz.
Ele pegou a pasta e a jogou do outro lado da sala. Os papéis explodiram em todas as direções antes de caírem no chão.
— Você não está ouvindo o que estou dizendo! — Ele se inclinou, as palmas estiradas na minha mesa. — Essas pessoas vão te matar, Liis. Não vãopensar duas vezes.
Obriguei meus ombros a relaxarem.
— Vamos partir para Eakins no sábado e participar de uma cerimônia nas ilhas Virgens no domingo, e precisamos convencer seu irmão a mentir para a esposa pelo resto da vida antes de irmos embora na segunda-feira, porque nosso chefe quer uma resposta. Vamos nos concentrar nisso primeiro.
O rosto de Thomas desabou, derrotado.
— Só... fica longe do agente Grove. Você não é boa em mentir.
— Mas você acredita que posso convencer sua família de que somos um casal durante todo o fim de semana.
— Sei como é ter você nos meus braços — ele disse. — Confio nisso.
Ele fechou a porta ao sair, e, depois de alguns segundos, finalmente soltei a respiração que eu não tinha me dado conta de que estava prendendo.

Comentários

  1. É cada reviravolta, até com a máfia japonesa se meteram, se o Benny e esse Tarou descobrem, não vai ser o Travis que eles vão atrás não, eles vão querer extinguir todos os Maddox da face da terra.

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  2. Ainda não vi uma família com tanta tendência para encrenca como os maddox kkk
    Mds!!
    Sem falar em Abby

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Nada de spoilers! :)

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