Capítulo 22
A escada me pareceu uma opção melhor que o elevador para descer um andar. Desci com dificuldade até o meu andar e passei reto pela minha porta para ir até a janela no fim do corredor.
A esquina do outro lado da rua estava manchada de sangue, mas ninguém parecia notar. As pessoas que caminhavam por ali não tinham a menor ideia da violência que se passara, pouco menos de uma hora antes, no espaço por onde estavam caminhando.
Um casal parou a poucos centímetros da mancha maior, discutindo. A mulher olhou para os dois lados e atravessou a rua, e eu a reconheci pouco antes de ela entrar embaixo do toldo do nosso prédio. Marks a seguiu e eu suspirei, sabendo que os dois sairiam do elevador minutos depois.
Fui até a minha porta e a destranquei, depois esperei parada ali. O elevador apitou, e as portas revelaram minha amiga com a aparência mais irritada que eu já tinha visto.
Ela saiu e parou de repente, acotovelando Marks quando ele a atropelou.
— Você está de saída? — ela me perguntou.
— Não. Acabei de chegar. — Segurei a porta aberta. — Entra.
Ela passou por mim e Marks parou, aguardando o convite. Fiz que sim com a cabeça, e ele a seguiu até o sofá.
Fechei a porta e virei, cruzando os braços.
— Não estou no clima para ser psicóloga de vocês. Não consigo resolver minhas próprias merdas. — Tirei o cabelo do rosto e fui até a poltrona, pegando a coberta dobrada e a colocando no colo ao sentar.
— Você concorda comigo, né, Liis? — Marks perguntou. — Ela precisa expulsá-lo de lá.
— Ele não vai sair — Val explicou, irritada.
— Eu o faço sair, então — ele rosnou.
Revirei os olhos.
— Por favor, Marks. Você conhece a lei. Ele é marido dela. Se a polícia aparecer, você é que vai ser expulso.
Um músculo tremeu no maxilar de Marks, e ele olhou para além da minha cozinha.
— Você tem dois quartos. Você a convidou.
— Ela não quer perder o apartamento — comentei.
Os olhos de Val se arregalaram.
— Foi o que eu disse pra ele.
— Não quero você morando com ele! É esquisito pra caralho! — Marks exclamou.
— Joel, estou cuidando disso — Val explicou. — Se não quiser ficar por perto, eu entendo.
Estreitei os olhos.
— Por que vocês dois estão aqui?
Marks suspirou.
— Vim pegar a Val para jantar. Ele criou uma confusão. Normalmente eu espero do lado de fora, mas achei que podia ser cavalheiro uma vez na vida, porra. Ele fez uma cena. E com quem ela está puta? Comigo.
— Por que fazemos isso conosco? — perguntei, sobretudo para mim mesma. — Somos adultos. O amor deixa a gente burro.
— Ele não me ama — Val disse.
— Amo, sim — Marks falou, olhando para ela.
Ela virou lentamente para ele.
— Ama?
— Eu fiquei atrás de você durante meses e ainda estou. Você acha que isso é uma paquera casual pra mim? Eu te amo.
O rosto de Val desabou, e um biquinho se formou em seu lábio.
— Eu também te amo.
Eles se abraçaram e começaram a se beijar.
Olhei para o teto, pensando em ter um ataque.
— Desculpa — Val disse, limpando o batom.
— Tudo bem — respondi simplesmente.
— A gente devia ir embora — Marks falou. — A gente quase não conseguiu uma reserva. Não quero ficar dando voltas procurando uma refeição decente às nove e meia da noite.
Forcei um sorriso e fui até a porta, abrindo-a totalmente.
— Desculpa — Val sussurrou quando passou por mim.
Balancei a cabeça.
— Tudo bem.
Fechei a porta e fui direto ao meu quarto, desabando de cara na cama.
Val e Marks fizeram parecer que era tão fácil encontrar uma solução, apesar de ela estar dividindo o apartamento com Sawyer há mais de um ano. Eu estava arrasada morando no andar debaixo do de Thomas. Mas nossos problemas pareciam mais complicados do que morar com o ex. Eu amava um homem que eu não podia amar, que amava outra pessoa, mas me amava mais.
O amor podia ir tomar no cu.
***
Na manhã seguinte, fiquei aliviada de não encontrar Thomas no elevador.
Conforme as semanas se passavam, as coisas foram se tornando mais uma lembrança que uma preocupação.
Thomas fazia questão de chegar ao trabalho antes de mim e de ficar até muito mais tarde. As reuniões eram curtas e tensas, e, quando recebíamos uma missão, Val, Sawyer e eu odiávamos voltar para a Constance de mãos vazias.
O resto do Esquadrão Cinco mantinha a cabeça baixa, me olhando de cara feia quando achavam que eu não ia perceber. Os dias eram longos. O simples fato de estar na sala do esquadrão era estressante, e eu rapidamente me tornei a supervisora mais malquista para todos do prédio.
Oito dias seguidos se passaram sem que eu encontrasse Thomas no Cutter, e depois mais uma semana.
Anthony me dera o telefone de um amigo que conhecia alguém que transportava veículos, e, quando eu liguei e mencionei o nome dele, o preço caiu pela metade.
Em maio, meu Camry tinha sido entregue, e eu pude explorar melhor San Diego. Val e eu fomos ao zoológico, e comecei a visitar sistematicamente todas as praias, sempre sozinha. Isso acabou se tornando um vício.
Não demorei muito para me apaixonar pela cidade, e me perguntei se me apaixonar rapidamente ia começar a ser um vício também. Isso caiu por terra depois de diversas saídas com Val, quando me dei conta de que todas as interações com homens simplesmente me lembravam de como eu sentia falta de Thomas.
Em uma noite quente e úmida de sábado, entrei no estacionamento do Kansas City BBQ e joguei as chaves na bolsa. Mesmo de vestido de alça, eu sentia o suor pingando sob meus seios e escorrendo pela barriga. Era um calor que só o mar ou uma piscina podiam aliviar.
Minha pele estava grudenta, e meu cabelo, preso em um nó frouxo no topo da cabeça. A umidade me lembrava a ilha, e eu precisava me distrair. Abri a porta e congelei. A primeira coisa em minha linha de visão foi Thomas de pé na frente de um alvo com uma loira, segurando-a com um braço enquanto a ajudava a mirar o dardo com o outro.
No instante em que fizemos contato visual, girei nos calcanhares e voltei rapidamente para o carro. Correr de sandália anabela não era fácil. Antes mesmo que eu conseguisse atravessar o estacionamento da frente, alguém dobrou a esquina, e eu esbarrei nessa pessoa e fui arrancada do solo.
Quando eu ia atingir o chão, mãos enormes me seguraram.
— Que pressa é essa? — Marks perguntou, me soltando apenas quando me equilibrei.
— Desculpa. Eu só estava vindo para um jantar meio tarde.
— Ah — ele disse com um sorriso revelador. — Você viu o Maddox lá dentro.
— Eu, hum... posso encontrar outro lugar para comer.
— Liis? — Thomas chamou da porta.
— Ela não quer comer aqui por sua causa — Marks gritou de volta, segurando meu ombro.
Todo mundo jantando do lado de fora virou para olhar para mim. Eu me livrei das mãos de Marks e ergui o queixo.
— Vai se foder.
Saí pisando duro até o meu carro.
Marks gritou atrás de mim:
— Você tem andado demais com a Val!
Não virei. Em vez disso, vasculhei a bolsa procurando a chave e apertei o botão do controle.
Antes de eu conseguir abrir a porta, senti mãos em mim de novo.
— Liis — Thomas disse, sem fôlego, depois de correr pelo estacionamento.
Puxei o braço e abri a porta com força.
— Ela é só uma amiga. Ela trabalhou no cargo da Constance para o Polanski, quando ele era o ASAC.
Balancei a cabeça.
— Você não precisa explicar.
Ele enfiou as mãos nos bolsos.
— Preciso, sim. Você está chateada.
— Não porque eu quero. — Levantei o olhar para ele. — Vou dar um jeito. Até lá, evitar sua presença está dando certo.
Thomas fez que sim com a cabeça.
— Desculpa. Chatear você é a última coisa que eu quero. Você, hum... você está linda. Ia encontrar alguém?
Fiz uma cara feia.
— Não, não vou encontrar ninguém. Não estou namorando. Eu não namoro — soltei. — Não que eu espere que você faça a mesma coisa — adicionei, apontando para o restaurante.
Comecei a sentar no banco do motorista, mas Thomas segurou delicadamente meu braço.
— Nós não estamos saindo — ele disse. — Eu só estava ajudando com os dardos. O namorado dela está lá dentro.
Olhei furiosa para ele, em dúvida.
— Ótimo. Preciso ir. Ainda não comi.
— Come aqui — ele disse e me deu um sorrisinho esperançoso. — Posso te ensinar a jogar também.
— Prefiro não ser uma das muitas. Obrigada.
— Você não é. Nunca foi.
— Não, só uma das duas.
— Acredite ou não, Liis... você foi a única. Nunca houve ninguém além de você.
Suspirei.
— Desculpa. Eu não devia ter tocado nesse assunto. A gente se vê no trabalho na segunda. Temos uma reunião cedo.
— É — ele disse, dando um passo para trás.
Deslizei para o assento do motorista e, como se fosse uma faca, enfiei a chave na ignição. Meu carro soltou um rosnado delicado, e eu dei ré e saí da vaga, deixando Thomas sozinho no estacionamento.
Na primeira placa de drive-thru que avistei, parei e esperei na fila. Quando recebi meu hambúrguer, que não era do Fuzzy, e minha batata frita pequena, dirigi até em casa.
A sacola amassou quando fechei a porta do carro, e eu segui até as portas do hall, me sentindo péssima porque meu plano brilhante de me distrair não poderia ter sido um fracasso maior.
— Ei! — Val chamou do outro lado da rua.
Olhei para ela, que acenou.
— Você está gostosa! Vem para o Cutter comigo!
Levantei a sacola.
— Jantar? — ela gritou.
— Mais ou menos! — gritei de volta.
— Fuzzy?
— Não!
— Nojento! — ela berrou. — Uma bebida alcoólica vai te satisfazer melhor!
Suspirei e olhei para os dois lados antes de atravessar a rua. Val me abraçou, e seu sorriso desapareceu quando ela percebeu minha expressão.
— O que há de errado?
— Fui ao KC. O Thomas estava lá com uma loira muito alta e bonita.
Ela cerrou os lábios.
— Você é muito melhor que ela. Todo mundo sabe que ela é uma piranha.
— Você a conhece? — perguntei. — É a assistente do Polanski.
— Ah — Val disse. — Não, a Allie é um doce, mas a gente vai fingir que ela é uma piranha.
— Allie? — choraminguei, soltando uma baforada como se o vento tivesse me derrubado. O nome parecia exatamente o da garota perfeita por quem o Thomas poderia se apaixonar. — Pode me matar agora.
Ela passou o braço pelos meus ombros.
— Estou armada. Posso fazer isso, se quiser.
Encostei a cabeça no ombro dela.
— Você é uma boa amiga.
— Eu sei — Val disse, me guiando até o Cutter.
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