Capítulo 3

Havia um mês agora, era o mesmo sonho. Toda noite, diversas vezes, até que Chaol pudesse vê-lo quando estava acordado.
Archer Finn gemendo enquanto Celaena enfiava a adaga em suas costelas até o coração. Ela abraçava o lindo cortesão como um amante, porém, quando olhava por cima dos ombros de Archer, os olhos estavam mortos. Vazios.
O sonho mudava, e Chaol não conseguia dizer nem fazer nada conforme os cabelos loiro-castanhos ficavam escuros e o rosto agonizante não era mais o de Archer, mas o de Dorian.
O príncipe herdeiro recuava, e a assassina o segurava com mais força, girando a adaga uma última vez antes de deixá-lo desabar nas pedras cinzentas do túnel. O sangue já empoçava – rápido demais. Mas Chaol ainda não se movia, não conseguia ir até o amigo ou até a mulher que amava.
Os ferimentos de Dorian se multiplicavam, e havia sangue... tanto sangue. Ele conhecia aqueles ferimentos. Embora jamais tivesse visto o corpo, lera os relatórios detalhando o que Celaena fizera com o assassino corrompido, Cova, naquele beco; o modo como o estripou por ter matado Nehemia.
Celaena abaixava a adaga, cada gota de sangue da lâmina reluzente provocava ondas na poça já formada ao redor. Ela inclinava a cabeça para trás, inspirando fundo. Inspirando a morte diante de si, absorvendo-a na própria alma, vingança e êxtase se misturando diante do massacre do inimigo. O verdadeiro inimigo. O Império Havilliard.
O sonho mudava de novo, e Chaol estava sob Celaena enquanto ela se contorcia acima dele, a cabeça ainda para trás, aquela mesma expressão de êxtase estampada no rosto manchado de sangue.
Inimiga. Amante.
Rainha.
A memória do sonho se dissolveu quando o capitão piscou para Dorian, que estava sentado ao seu lado na antiga mesa dos dois, no salão de baile, esperando por uma resposta para o que quer que tivesse dito. Chaol fez um gesto de ombros como que pedindo desculpas.
O príncipe herdeiro não devolveu o meio sorriso do amigo. Em vez disso, falou baixinho:
— Você estava pensando nela.
Chaol engoliu uma garfada do ensopado de cordeiro, mas não sentiu gosto de nada. Dorian era observador demais para o próprio bem. E o capitão não tinha interesse algum em falar sobre Celaena. Nem com Dorian, nem com ninguém. A verdade que sabia sobre ela poderia colocar mais vidas em perigo do que a da própria assassina.
— Estava pensando em meu pai — mentiu Chaol. — Quando ele voltar a Anielle em algumas semanas, devo acompanhá-lo.
Era o preço por enviar Celaena para a segurança de Wendlyn: o apoio do pai em troca do retorno do capitão ao lago Prateado, a fim de assumir seu título como herdeiro de Anielle. E ele estivera disposto a fazer esse sacrifício; faria qualquer sacrifício para manter Celaena e os segredos dela a salvo. Mesmo agora que sabia quem... o que ela era. Mesmo depois de a assassina ter contado sobre o rei e as chaves de Wyrd. Se era esse o preço a pagar, que fosse.
Dorian olhou para a grande mesa, na qual o rei e o pai de Chaol comiam. O príncipe herdeiro deveria estar sentado com eles, mas escolhera sentar-se com o amigo em vez disso. Era a primeira vez que Dorian fazia isso em muito tempo – a primeira vez que eles se falavam desde a conversa tensa após a decisão de mandar Celaena para Wendlyn.
O rapaz entenderia se soubesse a verdade. Mas não podia saber quem e o que a assassina era, ou o que o rei realmente planejava. O potencial para desastre era grande demais; e os próprios segredos do príncipe, mortais o bastante.
— Ouvi rumores de que deveria ir — falou Dorian, com cautela. — Não sabia que era verdade.
Chaol assentiu, tentando encontrar alguma coisa – qualquer coisa – para dizer ao amigo.
Ainda não haviam conversado sobre a outra coisa entre eles, o outro pedaço de verdade que surgira naquela noite nos túneis: Dorian tinha magia. O capitão não queria saber nada a respeito. Se o rei decidisse interrogá-lo... esperava que suportasse, se algum dia chegasse a isso. O rei, Chaol sabia, empregava métodos muito mais sombrios de extrair informações que a tortura. Então ele não perguntou, não disse uma palavra. E Dorian também não.
O capitão encarou o amigo. Não havia nada gentil ali. Contudo, o príncipe falou:
— Estou tentando, Chaol.
Tentando, pois Chaol não tê-lo consultado sobre o plano de mandar Celaena para longe de Adarlan fora uma quebra de confiança, e algo que o envergonhava, embora Dorian jamais pudesse saber disso também.
— Eu sei.
— E, apesar do que aconteceu, tenho quase certeza de que não somos inimigos. — A boca do príncipe se contraiu.
Você sempre será meu inimigo. Celaena gritara essas palavras para Chaol na noite em que Nehemia morreu. Gritara com dez anos de convicção e ódio, passara uma década guardando o maior segredo do mundo tão fundo dentro de si que havia se tornado uma pessoa totalmente diferente.
Porque Celaena era Aelin Ashryver Galathynius, herdeira do trono e legítima rainha de Terrasen.
Isso fazia dela inimiga mortal de Chaol. Isso a tornava inimiga de Dorian. O capitão ainda não sabia o que fazer a respeito daquilo, ou o que isso significava para eles, para a vida que havia imaginado com ela. O futuro com o qual sonhara certa vez tinha sido irreversivelmente destruído.
Chaol vira o vazio em seus olhos naquela noite nos túneis, assim como a ira e a exaustão e a tristeza. Vira Celaena perder a mente quando Nehemia morreu, e sabia o que ela fizera com Cova em retribuição. O capitão não duvidava por um segundo que Celaena pudesse perder o controle de novo. Havia uma escuridão tão reluzente dentro dela, uma fissura interminável que passava direto pelo centro da assassina.
A morte de Nehemia a havia destruído. O que Chaol fizera, seu papel naquela morte, a destruíra também. Ele sabia disso. Apenas esperava que Celaena conseguisse se recompor de novo. Porque uma assassina imprevisível e devastada era uma coisa. Mas uma rainha...
— Você parece prestes a vomitar — comentou Dorian, apoiando os antebraços na mesa. — Conte qual é o problema.
Chaol estivera encarando o vazio de novo. Durante um segundo, o peso de tudo o sufocou tanto que o capitão abriu a boca.
No entanto, o ressoar de espadas contra escudos em saudação ecoou do corredor, e Aedion Ashryver – o infame general do Norte e primo de Aelin Galathynius – adentrou o salão de baile.
O salão se calou, inclusive o pai de Chaol e o rei na grande mesa. Antes de Aedion chegar à metade do salão, o capitão se posicionou na base da plataforma.
Não que o jovem general fosse uma ameaça. Na verdade, era a forma como caminhava na direção da mesa do rei, os cabelos dourados na altura dos ombros brilhando à luz das tochas conforme sorria com deboche para todos.
Bonito era um jeito simples de descrever Aedion. Sobrepujante estava mais perto da realidade. Alto e muito musculoso, ele era, em cada centímetro, o guerreiro que os boatos divulgavam. Embora as roupas fossem principalmente para exercer a função, Chaol podia ver que o couro da armadura leve era de confecção requintada e elegantemente detalhado. Havia uma pele de lobo branco jogada sobre os ombros largos e um escudo redondo atado às costas – junto a uma espada de aparência antiga.
Mas o rosto dele. E os olhos... Pelos deuses.
O capitão levou a mão à espada, contendo as feições para que permanecessem neutras, desinteressadas, mesmo quando o Lobo do Norte se aproximou o suficiente para matá-lo.
Eram os olhos de Celaena. Olhos Ashryver. Um turquesa impressionante, com o núcleo dourado tão brilhante quanto os cabelos. Os cabelos deles... Até o tom era o mesmo. Poderiam ser gêmeos se Aedion não tivesse 24 anos e o bronzeado de anos nas montanhas branco-neve de Terrasen.
Por que o rei se incomodara em manter Aedion vivo tantos anos atrás? Por que se incomodara em torná-lo um de seus generais mais temidos? Aedion era um príncipe da linha real Ashryver e fora criado na casa Galathynius – no entanto, servia ao rei.
O sorriso do homem permaneceu quando parou diante da grande mesa e fez uma reverência tão curta que Chaol ficou momentaneamente chocado.
— Vossa Majestade — disse o general, com aqueles malditos olhos incandescentes.
O capitão virou para a grande mesa para ver se o rei, se alguém, reparou nas semelhanças que poderiam não apenas condenar Aedion, mas também ele mesmo e Dorian e todos com quem se importava. O pai de Chaol apenas lhe deu um sorriso curto e satisfeito.
Mas o rei franziu a testa.
— Eu o espero há um mês.
O general teve, de fato, a ousadia de dar de ombros.
— Peço desculpas. As montanhas Galhada do Cervo foram assoladas por uma última tempestade de inverno. Parti quando pude.
Todos no salão prenderam a respiração. O temperamento e a insolência de Aedion eram quase lendários; parte do motivo pelo qual fora designado para os confins do Norte. O capitão sempre achou inteligente mantê-lo longe de Forte da Fenda, principalmente porque Aedion parecia ser um desgraçado duas-caras, e a Devastação – a legião do general – era notória pela habilidade e a brutalidade, mas agora... por que o rei o havia convocado à capital?
O monarca pegou o cálice, girando o vinho em seu interior.
— Não recebi notícias de que sua legião estava aqui.
— Não está.
Chaol se preparou para a ordem de execução, rezando para que não fosse o encarregado de cumpri-la. O rei falou:
— Ordenei que a trouxesse, general.
— E aqui estava eu, achando que queria o prazer de minha companhia. — Quando o soberano grunhiu, Aedion emendou: — Estarão aqui em uma semana ou mais. Eu não quis perder a diversão. — O homem mais uma vez gesticulou com aqueles enormes ombros. — Pelo menos não vim de mãos vazias. — Ele estalou os dedos atrás de si, e um pajem entrou correndo, segurando uma enorme bolsa. — Presentes do Norte, cortesia do último campo rebelde que saqueamos. Vai gostar deles.
O rei revirou os olhos e fez um sinal para o pajem.
— Mande para meus aposentos. Seus presentes, Aedion, costumam ofender companhias educadas.
Uma risada baixa; de Aedion, de alguns dos homens à mesa do rei. Ah, o general estava dançando sobre uma linha perigosa. Pelo menos Celaena tinha o bom senso de manter a boca fechada perto do rei.
Considerando os troféus que o monarca havia exigido da jovem como campeã, os itens naquela sacola não seriam apenas ouro e joias. Mas colecionar cabeças, braços e pernas do povo do próprio Aedion, o povo de Celaena...
— Tenho uma reunião do conselho amanhã; quero que esteja lá, general — ordenou o rei.
Aedion levou a mão ao peito.
— Sua vontade é a minha, Vossa Majestade.
Chaol precisou segurar o terror ao ver o que brilhou no dedo do homem. Um anel preto – o mesmo usado pelo rei, Perrington e a maioria daqueles sob o controle deles. Aquilo explicava por que o soberano permitia tal insolência: no fim das contas, sua vontade realmente era a de Aedion.
O capitão manteve o rosto inexpressivo quando o rei lhe deu um aceno curto com a cabeça; dispensado. Ele silenciosamente fez uma reverência, agora ansioso demais para voltar à mesa. Para longe do monarca, do homem que tinha o destino do mundo nas mãos sangrentas. Para longe do pai, que via demais. Para longe do general, que agora fazia sua ronda pelo salão, dando tapinhas nos ombros de homens, piscando para mulheres.
Chaol dominou o horror que se revirava no estômago antes de afundar de volta no assento e notar Dorian franzindo a testa.
— Presentes de fato — murmurou o príncipe. — Pelos deuses, ele é insuportável.
O capitão não discordou. Apesar do anel preto do rei, Aedion ainda parecia pensar por conta própria – e era tão bárbaro fora do campo de batalha quanto dentro deste. O general costumava fazer Dorian parecer celibatário quando se tratava de encontrar formas libertinas de se divertir. Chaol jamais passara muito tempo com Aedion, nem quisera, mas Dorian o conhecia havia algum tempo. Desde...
Eles se conheceram na infância. Quando o príncipe e o pai visitaram Terrasen nos dias antes de a família real ser massacrada. Quando Dorian conheceu Aelin – conheceu Celaena.
Era bom que ela não estivesse ali para ver o que Aedion havia se tornado. Não apenas pelo anel. Voltar-se contra o próprio povo...
O general deslizou para o banco diante deles, sorrindo. Um predador avaliando a presa.
— Vocês dois estavam sentados nesta mesma mesa da última vez que os vi. Bom saber que algumas coisas não mudam.
Pelos deuses, aquele rosto. Era o rosto de Celaena; o outro lado da moeda. A mesma arrogância, a mesma raiva descontrolada. Mas, enquanto aquilo crepitava na assassina, em Aedion parecia... pulsar. E havia algo mais desprezível, muito mais amargo no rosto do general.
Dorian apoiou os antebraços na mesa, dando um sorriso preguiçoso.
— Oi, Aedion.
Aedion o ignorou e estendeu a mão para uma coxa assada de cordeiro, o anel preto brilhando.
— Gosto da nova cicatriz, capitão — comentou ele, indicando com o queixo a linha branca e fina na bochecha de Chaol. A cicatriz que Celaena lhe dera na noite em que Nehemia morreu e ela tentou matá-lo, agora um lembrete constante de tudo o que perdera. Aedion continuou: — Parece que ainda não acabaram com você. E finalmente lhe deram uma espada de gente grande também.
Dorian falou:
— Fico feliz por ver que aquela tempestade não acabou com sua alegria.
— Semanas do lado de dentro com nada para fazer a não ser treinar e levar mulheres para a cama? Foi um milagre eu ter me incomodado em descer das montanhas.
— Não sabia que se incomodava em fazer qualquer coisa que não servisse a seus interesses.
Uma risada baixa.
— Aí está aquela graça encantadora dos Havilliard. — O general começou a devorar a refeição, e Chaol estava prestes a exigir o porquê de este se incomodar em sentar com os dois, se apenas para torturá-los, como sempre gostava de fazer quando o rei não estava olhando, mas percebeu que Dorian encarava o homem.
Não estava observando o tamanho ou a armadura de Aedion, e sim o rosto dele, os olhos...
— Não deveria estar em uma ou outra festa? — perguntou Chaol para o general. — Fico surpreso por continuar aqui quando os prazeres usuais o esperam na cidade.
— Essa é sua forma educada de pedir um convite para minha festa amanhã, capitão? Surpreendente. Sempre deixou implícito que estava acima do meu tipo de celebração. — Aqueles olhos turquesa se semicerraram, e ele deu a Dorian um leve sorriso. — Você, no entanto; a última festa que dei foi muito boa para você. Gêmeas ruivas se me lembro bem.
— Ficará desapontado ao saber que superei aquele tipo de existência — respondeu o príncipe.
Aedion voltou para a refeição.
— Mais para mim, então.
Chaol fechou os punhos sob a mesa. Celaena não fora exatamente virtuosa nos últimos dez anos, mas jamais matara um cidadão nato de Terrasen.
Recusara-se, na verdade. E Aedion sempre fora um desgraçado detestável, mas agora... Será que sabia o que usava no dedo? Sabia que apesar da arrogância, da ousadia, da insolência, o rei podia obrigá-lo a se curvar diante da vontade real sempre que quisesse? O capitão não podia avisar Aedion, não sem potencialmente arriscar a própria vida, assim como a vida de todos que amava, caso o general tivesse realmente se aliado ao rei.
— Como estão as coisas em Terrasen? — perguntou Chaol, porque Dorian avaliava Aedion de novo.
— O que gostaria que eu dissesse? Que estamos todos bem alimentados depois de um inverno rigoroso? Que não perdemos tantos para doenças? — Ele riu com escárnio. — Acho que caçar rebeldes é sempre divertido se você tem gosto para a coisa. Espero que Sua Majestade tenha convocado a Devastação para o sul a fim de dar um pouco de ação de verdade a ela.
Quando Aedion levou a mão à água, Chaol viu o cabo da espada do general. Metal opaco salpicado de impressões e arranhões, o punho não passava de um pedaço de chifre rachado e arredondado. Uma espada tão simples e comum para um dos maiores guerreiros de Erilea.
— A Espada de Orynth — gabou-se Aedion. — Um presente de Sua Majestade em minha primeira vitória.
Todos conheciam aquela espada. Era herança da família real de Terrasen, passada de governante a governante. Por direito, era de Celaena. Pertencera ao pai dela. Que o general a possuísse, considerando o que a espada agora fazia, as vidas que tomava, era como um tapa na cara da assassina e de sua família.
— Fico surpreso por se importar com tanto sentimentalismo — comentou Dorian.
— Símbolos têm poder, príncipe — afirmou Aedion, fixando o olhar nele. O olhar de Celaena, inabalável e vivo com desafio. — Ficaria surpreso com o poder que isto ainda brande no Norte, o que faz para convencer as pessoas a não seguirem planos tolos.
Talvez as habilidades e a perspicácia de Celaena não fossem incomuns em sua linhagem. Mas Aedion era Ashryver, não Galathynius – o que significava que a bisavó dele tinha sido Mab, uma das três rainhas feéricas, mais recentemente coroada deusa e renomeada Deanna, Senhora da Caça. Chaol engoliu em seco.
O silêncio caiu, tenso como a corda de um arco.
— Problemas entre vocês dois? — perguntou o general, mordendo a carne. — Vou adivinhar: uma mulher. A campeã do rei, talvez? Dizem os boatos que ela é... interessante. Foi por isso que superou meu tipo de diversão, principezinho? — Aedion olhou pelo salão. — Gostaria de conhecê-la, acho.
Chaol lutou contra a vontade de pegar a espada.
— Ela viajou.
Então Aedion lançou um sorriso cruel a Dorian.
— Uma pena. Talvez pudesse ter me convencido a seguir em frente também.
— Cuidado com o que fala — grunhiu o capitão. Ele podia ter rido, caso não quisesse estrangular tanto o general. Dorian apenas tamborilou os dedos na mesa.
— E mostre algum respeito.
Aedion deu um risinho, terminando o cordeiro.
— Sou o servo fiel de Sua Majestade, como sempre fui. — Aqueles olhos Ashryver mais uma vez caíram sobre Dorian. — Talvez eu seja sua cadelinha algum dia também, príncipe.
— Se ainda estiver vivo — ronronou o rapaz.
Aedion continuou comendo, mas Chaol ainda podia sentir a concentração inquieta do general sobre os dois.
— Dizem os boatos que a Matriarca de um clã de bruxas foi morta nos arredores, não faz muito tempo — falou Aedion, casualmente. — Ela desapareceu, embora o alojamento indicasse que foi uma luta e tanto.
Dorian respondeu, a língua afiada:
— Qual seu interesse nisso?
— É de meu interesse saber quando comerciantes poderosos do reino encontram seu fim.
Um calafrio desceu pela espinha de Chaol. Sabia pouco sobre bruxas. Celaena contara algumas histórias; e o capitão sempre rezou para que fossem exageradas. Mas algo como pavor percorreu o rosto do príncipe.
Chaol se aproximou.
— Não é de sua conta.
Aedion mais uma vez o ignorou e piscou um olho para o príncipe. As narinas de Dorian se dilataram, o único sinal do ódio que subia para a superfície. Esse e o ar no salão ter mudado – ter se avivado. Magia.
O capitão apoiou a mão no ombro do amigo.
— Vamos nos atrasar — mentiu ele, mas Dorian entendeu. Chaol precisava tirá-lo dali, levá-lo para longe de Aedion, e tentar acalmar a tempestade desastrosa que se formava entre os homens. — Descanse bem, Aedion.
O príncipe não se incomodou em dizer nada, os olhos cor de safira estavam congelados.
Aedion deu um risinho.
— A festa é amanhã em Forte da Fenda, se tiver vontade de reviver os bons e velhos tempos, príncipe.
Ah, o general sabia exatamente quais botões apertar e não dava a mínima para a confusão que criasse. Isso o tornava perigoso, mortal. Principalmente no que dizia respeito a Dorian e à magia dele. Chaol se obrigou a dar boa noite a alguns dos homens para parecer casual e despreocupado, conforme os dois saíam do salão. Aedion Ashryver fora até Forte da Fenda, perdendo, por pouco, a chance de esbarrar com a prima havia muito perdida.
Se ele soubesse que Aelin ainda estava viva, se soubesse quem e o que havia se tornado, ou o que aprendera sobre o poder secreto do rei, será que ficaria ao lado dela, ou a destruiria? Considerando as ações, considerando o anel que usava... Chaol não queria o general perto da jovem. Tampouco perto de Terrasen. Ele imaginou quanto sangue seria derramado quando Celaena soubesse o que o primo fizera.
Chaol e Dorian andaram em silêncio durante a maior parte do caminho até a torre do príncipe. Quando viraram em um corredor vazio e tiveram certeza de que ninguém poderia ouvir, Dorian falou:
— Eu não precisava que você se intrometesse.
— Aedion é um desgraçado — grunhiu Chaol. A conversa poderia ter terminado ali, e uma parte dele estava tentada a permitir, mas o capitão se obrigou a dizer: — Fiquei preocupado que você perdesse a calma. Como fez nas passagens. — Ele expirou com alívio. — Você está... estável?
— Alguns dias são melhores que outros. Ficar com raiva ou com medo parece disparar a coisa.
Eles entraram no corredor que terminava na porta de madeira arqueada para a torre de Dorian, mas Chaol o impediu ao apoiar o braço no ombro do amigo.
— Não quero detalhes — murmurou ele, para que os guardas do lado de fora da porta não pudessem ouvir — porque não quero que meu conhecimento seja usado contra você. Sei que cometi erros, Dorian. Acredite em mim, eu sei. Mas minha prioridade sempre foi, e ainda é, proteger você.
O rapaz encarou o capitão por um bom tempo, inclinando a cabeça para o lado. Chaol devia parecer tão deprimido quanto se sentia, pois a voz do príncipe foi quase carinhosa ao perguntar:
— Por que realmente a mandou para Wendlyn?
Ansiedade tomou conta dele, crua e lancinante. Mas por mais que quisesse contar ao amigo sobre Celaena, por mais que quisesse descarregar todos os segredos para que preenchesse o vazio no fundo do corpo, não podia. Então apenas respondeu:
— Eu a enviei para fazer o que precisa ser feito — Em seguida caminhou de volta pelo corredor. Dorian não o deteve.

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