Capítulo 40
— Conte seu maior desejo — murmurou Dorian nos cabelos de Sorscha, enquanto entrelaçava os dedos dos dois, maravilhado com a suavidade da pele bronzeada contra seus calos. Mãos tão lindas, como pombinhas.
Sorscha sorriu contra o peito do príncipe.
— Não tenho um maior desejo.
— Mentirosa. — Dorian beijou o cabelo dela. — Você é a pior mentirosa do mundo.
Sorscha se virou para a janela do quarto do príncipe, a luz da manhã fez com que os cabelos escuros brilhassem. Fazia duas semanas desde a noite em que o beijara, duas semanas desde que tinha começado a entrar de fininho nos aposentos dele depois que o castelo ia dormir. Os dois compartilhavam a cama, mas não do modo como Dorian ainda desejava. E ele odiava fazer as coisas às escondidas.
Contudo, Sorscha perderia o emprego se fossem descobertos. Sendo quem ele era... podia causar um mundo de problemas a ela apenas por se associar com o príncipe. Só a mãe de Dorian poderia encontrar modos de fazer com que a curandeira fosse mandada para outro lugar.
— Diga — falou ele de novo, inclinando-se para roubar um beijo. — Diga, e farei acontecer.
O príncipe sempre fora generoso com as amantes. Geralmente dava presentes para evitar que reclamassem quando ele perdesse o interesse, mas daquela vez, queria mesmo dar coisas a Sorscha. Dorian tentara dar joias e roupas à curandeira, mas ela recusara tudo. Assim, tinha começado a presenteá-la com ervas e livros raros e ferramentas especiais para a sala de trabalho.
Sorscha tentara recusar esses presentes, mas ele a convencera rapidamente – em grande parte beijando-a para abafar os protestos.
— E se eu pedisse a lua em um cordão?
— Então eu começaria a rezar para Deanna.
Sorscha sorriu, mas o sorriso de Dorian sumiu. Deanna, Senhora da Caça.
Ele costumava tentar não pensar em Celaena, Aelin – quem quer que fosse. Tentava não pensar em Chaol e suas mentiras, ou em Aedion e sua traição. Não queria ter nada com os dois, não agora que Sorscha estava com ele. Dorian fora um tolo uma vez, jurando que destruiria o mundo por Celaena. Um menino apaixonado por um incêndio descontrolado; ou que acreditava estar apaixonado.
— Dorian? — Sorscha se afastou para avaliar o rosto do príncipe.
Ela o olhou do mesmo modo como ele certa vez vira Celaena olhando para Chaol.
Ele a beijou de novo, um beijo suave e demorado, e o corpo da jovem se derreteu no dele. Dorian aproveitou a maciez da pele conforme percorria a mão pelo braço da curandeira. Ela puxou o braço de volta.
— Preciso ir. Estou atrasada.
Dorian resmungou. Estava mesmo quase na hora do café da manhã – e reparariam se Sorscha não fosse embora. Ela se desvencilhou do abraço e se vestiu, e ele a ajudou a amarrar o laço nas costas do vestido. Sempre escondido... seria assim a vida dele? Não apenas as mulheres que amava, mas a magia, os verdadeiros pensamentos...
A curandeira o beijou e foi até a porta, colocando a mão na maçaneta.
— Meu maior desejo — disse ela, com um sorrisinho — é uma manhã na qual eu não precise correr para a porta com a primeira luz.
Antes que Dorian pudesse responder, Sorscha foi embora.
Mas ele não sabia o que poderia dizer ou fazer para tornar aquilo real. Porque Sorscha tinha as obrigações dela, e Dorian, as dele.
Se partisse para ficar com ela, se ficasse contra o pai ou se a magia dele fosse descoberta, então o irmão se tornaria o herdeiro. E ao pensar em Hollin como rei um dia... No que faria com o mundo, principalmente com o poder do pai... Não, Dorian não podia ter o luxo de escolher, porque não havia opção.
Estava preso à coroa e estaria até o dia em que morresse.
Uma batida soou à porta, e ele sorriu, perguntando a si mesmo se Sorscha teria voltado. O sorriso desapareceu quando a porta se abriu.
— Precisamos conversar — decretou Chaol da entrada.
Dorian não o via havia semanas, mas... o amigo parecia mais velho. Exausto.
— Não vai se incomodar com bajulação? — perguntou Dorian, sentando no sofá.
— Você veria através dela mesmo. — O capitão fechou a porta atrás de si e se recostou nela.
— Tente.
— Sinto muito, Dorian — disse Chaol, baixinho. — Mais do que imagina.
— Sente muito porque mentir lhe custou a mim... e a ela? Sentiria muito se não tivesse sido pego?
O maxilar do capitão se contraiu. E talvez o príncipe estivesse sendo injusto, mas não se importava.
— Sinto muito por tudo — falou Chaol. — Mas eu... estou trabalhando para consertar isso.
— E quanto a Celaena? Quem você realmente quer ajudar trabalhando com Aedion, ela ou eu?
— Os dois.
— Você ainda a ama? — Dorian não sabia por que se importava, por que aquilo era importante.
Chaol fechou os olhos por um momento.
— Parte de mim sempre vai amá-la. Mas precisava tirá-la deste castelo. Porque era perigoso demais, e ela estava... o que ela estava se tornando...
— Ela não estava se tornando nada diferente do que sempre foi e sempre teve a capacidade de ser. Você apenas, finalmente, enxergou tudo. E depois que viu aquela outra parte dela... — disse Dorian, baixinho. Tinha levado até aquele momento, até Sorscha, para entender o que aquilo significava. — Não pode escolher quais partes vai amar. — Dorian percebeu que sentia pena de Chaol. O coração do príncipe estava partido pelo amigo, por tudo o que o capitão certamente percebia nos últimos meses. — Assim como não pode escolher quais partes de mim aceitar.
— Eu não...
— Escolhe, sim. Mas o que está feito, está feito, Chaol. E não há retorno, independentemente do quanto tentar mudar as coisas. Gostando ou não, também teve um papel em trazer todos nós até aqui. Você a mandou por esse caminho, o de revelar o que e quem ela é, e o de decidir o que ela fará agora.
— Acha que eu queria que isso acontecesse? — Chaol estendeu os braços. — Se eu pudesse, faria tudo voltar ao modo como era. Se eu pudesse, ela não seria rainha e você não teria magia.
— É claro... é claro que ainda vê a magia como um problema. E é claro que deseja que ela não seja quem é. Porque, na verdade, não tem medo dessas coisas, não é? Não... é do que elas representam. A mudança. Mas vou lhe dizer — Dorian inspirou, a magia faiscou, então se acalmou com um lampejo de dor — as coisas já mudaram. E mudaram por sua causa. Eu tenho magia, não há como desfazer isso, não há como me livrar disso. E quanto a Celaena... — Dorian segurou o poder que irrompia quando imaginou, percebeu, pela primeira vez, como seria ser Celaena. — Quanto a Celaena — repetiu ele — você não tem o direito de desejar que ela não seja o que é. A única coisa a qual tem direito é decidir se é seu inimigo ou seu amigo.
Dorian não conhecia toda a história da assassina, não sabia o que tinha sido verdade e o que tinha sido mentira, ou como fora em Endovier, escravizada ao lado dos conterrâneos dela, ou se curvar para o homem que assassinara sua família. Contudo, o príncipe a vira, vira lampejos da pessoa por baixo, independentemente de nome ou título.
E ele sabia, bem no fundo, que Celaena não fechara os olhos para a magia dele, pois entendia o fardo, e o medo. Ela não dera as costas e desejara que Dorian fosse outra coisa além do que era. Voltarei por você.
Então, ele encarou o amigo, mesmo sabendo que Chaol estava magoado e distante, e falou:
— Já tomei minha decisão com relação a ela. E, quando chegar o momento, independentemente de você estar aqui ou em Anielle, espero que sua escolha seja a mesma que a minha.
***
Aedion odiava admitir, mas o autocontrole do capitão era impressionante conforme esperavam no apartamento até que Murtaugh chegasse. Ren, que não conseguia ficar com a bunda na cadeira por mais de um minuto, mesmo com os ferimentos ainda em recuperação, caminhava de um lado para outro pelo salão.
Chaol, por outro lado, estava sentado ao lado da lareira, falando pouco, mas sempre observando, sempre ouvindo.
Naquela noite, o capitão parecia diferente. Mais cauteloso, porém mais fechado. Graças a todas aquelas reuniões nas quais atentamente observara os movimentos dele, cada fôlego e piscar de olhos, Aedion instantaneamente reparou na diferença. Será que tinha surgido alguma notícia, algum progresso?
Murtaugh deveria retornar naquela noite, depois de algumas semanas perto de baía da Caveira. Ele recusara a oferta de Ren de acompanhá-lo e disse ao neto que descansasse. O que, embora tivesse tentado esconder, deixara o jovem lorde ansioso, inquieto e agressivo. Aedion estava sinceramente surpreso pelo apartamento não ter sido revirado. No acampamento de guerra, Aedion poderia ter levado Ren ao ringue de disputas e o deixado lutar para esquecer. Ou o teria enviado em alguma missão própria. Ou pelo menos teria feito com que cortasse lenha durante horas.
— Então vamos simplesmente esperar a noite toda — falou Ren, por fim, parando diante da mesa de jantar e olhando para os dois.
O capitão deu apenas um leve aceno de cabeça, mas Aedion cruzou os braços, sorrindo preguiçosamente para ele.
— Tem algo melhor a fazer, Ren? Estamos interferindo em uma visita a uma das casas de ópio?
Um golpe baixo, mas nada que o capitão já não tivesse adivinhado com relação ao jovem. E, se mostrasse qualquer indicação daquele tipo de hábito, Aedion não o deixaria chegar a cem quilômetros de Aelin. Ren balançou a cabeça e falou:
— Estamos sempre esperando agora. Esperando que Aelin mande algum sinal, esperando por nada. Aposto que meu avô também não terá nada. Fico surpreso por não estarmos todos mortos a essa altura, por aqueles homens não terem me encontrado. — Ren encarou a lareira, a luz fazia a cicatriz parecer ainda mais profunda. — Tenho alguém que... — Ele parou de falar, olhando para Chaol. — Poderia descobrir mais a respeito do rei.
— Não confio nada em suas fontes, principalmente depois que aqueles homens encontraram você — disse Chaol.
Tinha sido um dos informantes de Ren, preso e torturado, que entregara a localização dele. E embora a informação tivesse sido obtida sob condições difíceis, ainda não cheirava bem para Aedion.
Ele disse isso, e Ren ficou tenso, abrindo a boca para disparar alguma coisa, sem dúvida idiota e inconsequente, mas um assobio de três notas interrompeu.
O capitão assobiou de volta, e o rapaz estava à porta, abrindo-a para encontrar o avô ali. Mesmo de costas, Aedion percebeu o alívio que percorreu o corpo de Ren ao apertar o braço contra o do avô, semanas de espera sem notícias finalmente terminavam. Murtaugh não era jovem, de modo algum, e, quando tirou o capuz, o rosto estava pálido e sombrio.
— Tem brandy na mesa do bufê — avisou Chaol, e Aedion, mais uma vez, precisou admirar aqueles olhos atentos, mesmo que jamais fosse contar a ele.
O velho assentiu, agradecendo, e não se incomodou em remover a capa ao tomar um copo da bebida.
— Avô. — Ren ainda estava à porta.
Murtaugh se virou para Aedion.
— Responda com sinceridade, garoto: sabe quem é o general Narrok?
Aedion ficou de pé com um movimento fluido. Ren deu alguns passos na direção deles, mas Murtaugh permaneceu onde estava enquanto o general caminhava até a mesa do bufê e, devagar, com cuidado calculado, se servia de um copo de brandy.
— Me chame de garoto de novo — retrucou Aedion, com uma calma letal, encarando o velho — e vai voltar a morar em barracos e esgotos.
O velho ergueu as mãos.
— Quando se tem minha idade, Aedion...
— Não desperdice o fôlego — falou o general, voltando para a cadeira. — Narrok está no sul; da última vez que tive notícias, ele levava a armada para as ilhas Mortas. — Território pirata. — Mas isso foi há meses. Somos informados apenas do que precisamos saber. Descobri sobre as ilhas Mortas porque alguns dos navios do lorde pirata velejaram para o norte em busca de confusão, e eles nos informaram que tinham ido para lá para evitar a frota de Narrok. Os piratas tinham se dividido, na verdade. O lorde pirata Rolfe levara metade para o sul; alguns tinham ido para o leste; e outros cometeram o erro fatal de velejar para a costa norte de Terrasen.
Murtaugh se apoiou na mesa do bufê.
— Capitão?
— Creio que eu saiba ainda menos que Aedion — respondeu Chaol.
Murtaugh esfregou os olhos, e Ren pegou uma cadeira à mesa para o avô, que se sentou com um gemido breve. Era um milagre aquele saco de ossos ainda estar respirando. O general conteve uma pontada de arrependimento. Fora criado melhor que isso, sabia que não deveria agir como um babaca arrogante e esquentado. Rhoe teria vergonha dele por falar com um idoso daquela forma.
Mas Rhoe estava morto, todos os guerreiros que Aedion amava e venerava estavam mortos havia dez anos, e o mundo estava pior por causa disso. Ele estava pior por causa disso.
Murtaugh suspirou.
— Corri para cá o mais rápido possível. Não descansei mais que algumas horas na última semana. A frota de Narrok se foi. O capitão Rolfe é, mais uma vez, o lorde pirata de baía da Caveira, mas não passa disso. Os homens dele não se aventuram até as ilhas Mortas, a leste.
Apesar da pontada de vergonha, Aedion trincou os dentes quando Murtaugh não foi direto ao ponto.
— Por quê? — Ele exigiu saber.
As rugas no rosto do velho se intensificaram à luz da lareira.
— Porque os homens que vão às ilhas a leste não voltam. E em noites de vento, até mesmo Rolfe jura que pode ouvir... rugidos, rugidos vindos das ilhas; humanos, mas não exatamente. A tripulação que se escondeu nas ilhas durante a ocupação de Narrok alega que aquilo se acalmou, como se tivesse levado com ele a fonte do barulho. E Rolfe... — Murtaugh esfregou o osso do nariz. — Ele me contou que na noite em que velejaram de volta às ilhas, viram algo de pé em um afloramento de rochas, logo na fronteira das ilhas leste. Parecia um homem pálido, mas... não era. Rolfe pode ser apaixonado por si mesmo, mas não é mentiroso. Ele disse que o que quer, quem quer, que fosse, parecia errado. Como se houvesse um buraco de silêncio ao redor da coisa, destoando dos rugidos que costumam ouvir. E que aquilo simplesmente os observou passarem velejando. No dia seguinte, quando voltaram para o mesmo local, tinha sumido.
— Sempre houve lendas de criaturas estranhas nos mares — ponderou o capitão.
— Rolfe e os homens dele juraram que não era nada das lendas. Tinha sido feito, eles disseram.
— Como sabiam? — perguntou Aedion, olhando para Chaol, cujo rosto ainda estava pálido como osso.
— A coisa usava um colar preto, como um bicho de estimação. Deu um passo na direção deles, como se para ir até o mar caçá-los, mas foi puxado de volta por um tipo de mão invisível, alguma coleira oculta.
Ren enrugou a testa coberta de cicatrizes.
— O lorde pirata acha que há monstros nas ilhas Mortas?
— Ele acha, e eu também acredito, que estão sendo criados ali. E Narrok levou alguns com ele.
Foi Chaol quem perguntou:
— Para onde Narrok foi?
— Para Wendlyn — respondeu Murtaugh. O coração de Aedion, maldito coração, parou. — Narrok levou a frota para Wendlyn, para lançar um ataque surpresa.
— Isso é impossível — comentou o capitão, ficando de pé. — Por quê? Por que agora?
— Porque alguém — retorquiu o velho, em tom mais afiado do que Aedion jamais ouvira — convenceu o rei a mandar a campeã para lá a fim de matar a família real. Que hora melhor para testar esses supostos monstros do que quando o país está mergulhado em caos?
Chaol segurou o encosto da cadeira.
— Ela não vai matá-los de verdade, jamais faria isso. Era... era tudo encenação — argumentou o capitão.
Aedion imaginou que aquilo seria tudo o que contaria aos homens Allsbrook, e tudo o que precisavam saber no momento. O general ignorou o olhar cauteloso que Ren lançou a ele, sem dúvida para ver como reagiria à notícia de seus parentes Ashryver serem alvos. Mas eles já estavam mortos para Aedion havia dez anos, desde que se recusaram a mandar ajuda para Terrasen. Que os deuses os ajudassem caso o próprio general algum dia colocasse os pés naquele reino.
Ele se perguntou o que Aelin pensava dos parentes, se achava que Wendlyn poderia ser convencida a formar uma aliança agora, principalmente com Adarlan lançando um ataque em maior escala nas fronteiras. Talvez ela ficasse satisfeita em permitir que todos queimassem, como o povo de Terrasen tinha queimado. Tanto fazia para ele qualquer uma das opções.
— Não faz diferença se foram assassinados ou não — disse Murtaugh. — Quando aquelas coisas chegarem, acho que o mundo em breve descobrirá o que nossa rainha vai enfrentar.
— Podemos mandar um aviso? — insistiu Ren. — Rolfe pode avisar Wendlyn?
— Rolfe não vai se envolver. Ofereci promessas de ouro, de terras, quando nossa rainha voltar... nada pode convencê-lo. Ele recuperou seu território e não vai arriscar a vida dos homens de novo.
— Então deve haver alguma embarcação que fure o bloqueio, alguma mensagem que possamos mandar clandestinamente — continuou Ren.
Aedion pensou em informá-lo que Wendlyn não se incomodara em ajudar Terrasen, mas decidiu que não estava com vontade de entrar em um debate ético.
— Já mandei alguns mensageiros para lá — respondeu o velho —, mas não tenho muita confiança neles. E, quando chegarem, pode ser tarde demais.
— Então, o que fazemos? — insistiu o jovem lorde.
Murtaugh bebeu o brandy.
— Continuamos procurando formas de ajudar daqui. Porque não acredito, por um segundo, que as novas surpresas de Sua Majestade estejam apenas nas ilhas Mortas.
Essa era uma observação interessante. Aedion tomou um gole de brandy, mas apoiou o copo. Álcool não o ajudaria a organizar a variedade de planos que se formavam. Assim, o general ouviu aos demais apenas em parte conforme entrava em um ritmo constante, uma batida à qual calculava todas as batalhas e campanhas.
***
Chaol observou Aedion caminhar de um lado para outro no apartamento; Murtaugh e Ren tinham saído para resolver coisas próprias. O general falou:
— Quer me contar por que parece que está prestes a vomitar?
— Você sabe tudo o que sei, então é fácil imaginar por quê — replicou Chaol da poltrona, o maxilar contraído.
A briga com Dorian não o deixara com pressa de voltar ao castelo, mesmo que precisasse do príncipe para testar suas teorias sobre o feitiço. Dorian estivera certo a respeito de Celaena, a respeito de Chaol ressentir a escuridão e as habilidades e a verdadeira identidade da jovem, mas... aquilo não mudara o modo como ele se sentia.
— Ainda não entendo seu papel nisso, capitão — argumentou Aedion. — Não está lutando por Aelin ou por Terrasen; pelo que, então? O bem maior? Seu príncipe? De que lado isso o coloca? É um traidor ou um rebelde?
— Não. — O sangue de Chaol congelou ao pensar naquilo. — Não estou de lado algum. Só quero ajudar meu amigo antes de partir para Anielle.
O lábio do general se retraiu com um grunhido.
— Talvez esse seja seu problema. Talvez não escolher um lado seja o que o aflige. Talvez precise dizer a seu pai que vai quebrar a promessa.
— Não vou dar as costas a meu reino ou a meu príncipe — disparou Chaol. — Não vou lutar em seu exército e massacrar meu povo. E não vou quebrar a promessa a meu pai. — A honra dele poderia muito bem ser a única coisa que restaria no fim daquilo.
— E se seu príncipe se colocar de nosso lado?
— Eu vou lutar ao lado dele, como eu puder, mesmo que seja de Anielle.
— Então lutará ao lado do príncipe, mas não pelo que é certo. Não tem livre-arbítrio, não tem vontade própria?
— Minhas vontades não são de sua conta. — E aquelas vontades... — Independentemente do que Dorian decidir, ele jamais aprovaria o assassinato de inocentes.
Um riso de escárnio.
— Não tem gosto por sangue?
Chaol não daria a Aedion a satisfação de se afetar para igualar o temperamento ao dele. Em vez disso, cutucou a ferida certa ao dizer:
— Acho que sua rainha o condenaria se derramasse uma gota de sangue inocente. Ela cuspiria em sua cara. Há pessoas boas neste reino, que merecem ser consideradas em qualquer ação que tomem.
Os olhos do general se voltaram para a cicatriz na bochecha de Chaol.
— Exatamente como ela condenou você pela morte da amiga? — Aedion deu um sorriso lento e maligno, então, quase rápido demais para que o capitão percebesse, colocou-se diante do rosto dele, os braços apoiados na lateral da cadeira.
Chaol se perguntou se o homem o acertaria, ou mataria, conforme as feições se tornavam mais lupinas do que o capitão jamais as vira, o nariz franzido, os dentes expostos. Aedion falou:
— Quando seus homens tiverem morrido a seu redor, quando tiver visto suas mulheres imperdoavelmente feridas, quando tiver observado multidões de órfãos morrerem de fome nas ruas de sua cidade, então pode falar comigo sobre poupar vidas inocentes. Até lá, o fato é que você, capitão, não escolheu um lado porque ainda é um menino e ainda tem medo. Não de perder vidas inocentes, mas de perder quaisquer que sejam os sonhos aos quais se agarra. Seu príncipe seguiu em frente, minha rainha seguiu em frente. Mas você, não. E isso vai lhe custar no fim.
Chaol não teve nada a dizer depois disso, então rapidamente saiu do apartamento. Ele mal dormiu naquela noite, mal fez qualquer coisa além de encarar a espada, jogada na mesa. Quando o sol nasceu, o capitão foi até o rei e contou sobre os planos de voltar a Anielle.
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