Capítulo 43
Rowan não deixou Celaena sair da cama naquele dia. Ele levou bandejas de comida para ela, chegou a se certificar de que consumisse até a última gota do ensopado de carne, metade de um pão crocante, uma tigela das primeiras cerejas da primavera e uma caneca de chá de gengibre. Ele mal precisava oferecer qualquer encorajamento, pois Celaena estava faminta. No entanto, se não o conhecesse melhor, diria que Rowan estava exagerando.
Emrys e Luca a visitaram uma vez para checar se ela estava viva, olharam uma vez para o rosto frio como pedra de Rowan, ouviram o irromper de um grunhido e saíram, dizendo que a assassina estava em mãos mais que competentes e prometendo voltar quando ela estivesse se sentindo melhor.
— Sabe — falou Celaena, sentada na cama com a quarta caneca de chá do dia — duvido muito que alguém vá me atacar agora, se já me aturaram por tanto tempo.
Rowan, que estava de novo debruçado sobre o mapa com as localizações dos corpos, nem mesmo ergueu o rosto do assento à escrivaninha.
— Isso não é negociável.
A jovem poderia ter gargalhado se uma descarga de dor que a fez se contorcer e lhe ofuscou a visão não tivesse percorrido o corpo. Ela aguentou, segurando a caneca com força, concentrando-se na respiração. Era por isso que permitia que Rowan exagerasse. Graças à crise de magia que tivera na noite anterior, cada parte de Celaena estava dolorida. O latejar e as pontadas e as torções constantes, a enxaqueca entre as sobrancelhas, a tonteira na visão... mesmo ao passar os olhos pelo quarto, sentia dores na cabeça.
— Então, quer dizer que sempre que alguém se aproxima do esgotamento, não somente passa por todo esse desespero, mas, se for fêmea, os machos ao redor entram em frenesi?
Rowan apoiou a caneta e se virou para avaliá-la.
— Isso dificilmente é frenesi. Pelo menos você pode se defender fisicamente quando sua magia é inútil. Para outros feéricos, mesmo que tivessem armas e treinamento em defesa, se não podem tocar na própria magia, ficam vulneráveis, principalmente quando estão esgotados e com dor. Isso deixa as pessoas um pouco nervosas; principalmente machos, é verdade. Dizem que alguns matam sem nem pensar ou identificar uma ameaça, real ou não.
— Que tipo de ameaça? As terras de Maeve são pacíficas.
Celaena se esticou para apoiar a xícara de chá, mas Rowan já estava em movimento, tão ágil que a interceptou antes que chegasse à mesa. Tomando a caneca com um cuidado surpreendente, viu que estava vazia e serviu mais.
— Ameaças de qualquer lugar... machos, fêmeas, criaturas... Não dá para argumentar contra isso. Mesmo se não fizesse parte de nossa cultura, ainda haveria um instinto para proteger os indefesos, independentemente de serem fêmeas ou machos, jovens ou velhos. — Rowan estendeu a mão para pegar um pedaço de pão e uma tigela de ensopado de carne. — Coma isto.
— Me dói dizer, mas, se der mais uma mordida, vou vomitar por todo canto. — Ah, ele estava definitivamente exagerando e, embora comovesse o coração miserável de Celaena, já estava bem irritante.
O desgraçado apenas mergulhou o pão no ensopado, estendendo-os para ela.
— Precisa manter a energia. Provavelmente chegou tão perto do esgotamento porque não tinha comida bastante no estômago.
Tudo bem, o cheiro era bom demais para resistir, de toda forma. Celaena pegou o pão e o ensopado. Enquanto comia, Rowan verificou se o quarto passava pela inspeção: o fogo ainda estava alto (sufocantemente quente, como estivera desde a manhã, graças aos calafrios que a percorriam), apenas uma janela estava entreaberta (para permitir a entrada da mais fraca das brisas quando ela tivesse ondas de calor), a porta estava fechada (e trancada) e mais um bule de chá estava à espera (no momento fumegando na escrivaninha de Rowan). Após garantir que tudo estava em ordem e que nenhuma ameaça espreitava nas sombras, ele olhou para Celaena com o mesmo escrutínio: pele (lívida e lustrosa devido aos resquícios das ondas de calor), lábios (pálidos e rachados), postura (inerte e inútil), olhos (abatidos pela dor e cada vez mais irritados). O guerreiro franziu a testa de novo.
Depois de entregar a tigela vazia para ele, Celaena esfregou o polegar e o indicador contra a dor de cabeça insistente entre as sobrancelhas.
— Então, quando a magia acaba — disse ela —, ou você para ou se esgota?
Rowan se recostou na cadeira.
— Bem, há o carranam. — A palavra no velho idioma era linda na língua dele, e, se Celaena tivesse um último desejo, talvez tivesse implorado para que ele só falasse na antiga língua, apenas para se deliciar com os sons exóticos. — É difícil explicar — continuou ele. — Só o vi ser usado um punhado de vezes em campos de batalha. Quando está exaurido, seu carranam pode transferir o poder dele a você, contanto que sejam compatíveis e compartilhem ativamente uma ligação de sangue.
Celaena inclinou a cabeça para o lado.
— Se nós fôssemos carranam, e eu desse a você meu poder, ainda usaria apenas vento e gelo, não meu fogo? — Ele assentiu, sério. — Como sabe se é compatível com alguém?
— Não há como dizer até tentar. E a ligação é tão rara que a maioria dos feéricos jamais conheceu alguém que fosse compatível, ou em quem confiasse o bastante para testar. Há sempre uma ameaça de tomarem poder demais, e, se a pessoa não for habilidosa, pode destruir sua mente. Ou os dois podem se esgotar por completo.
Interessante.
— É possível simplesmente roubar a magia de outra pessoa?
— Feéricos menos dignos certa vez tentaram isso, para vencer batalhas e acrescentar aos próprios poderes, mas jamais funcionou. E, se desse certo, era porque a pessoa que mantinham refém era coincidentemente compatível. Maeve tornou ilegal qualquer ligação forçada muito antes de eu nascer, mas... Fui enviado algumas vezes para caçar feéricos corruptos que mantinham seus carranam como escravos. Em geral, os escravos ficam tão destruídos que não há como reabilitá-los. Matá-los é a única piedade que podemos oferecer.
O rosto e a voz de Rowan não se alteraram, mas Celaena comentou, baixinho:
— Fazer isso deve ser mais difícil que todas as guerras e cercos que já travou.
Uma sombra percorreu o rosto sério do guerreiro.
— A imortalidade não é tanto um dom quanto os mortais acreditam. Pode gerar monstros que até você se sentiria enjoada ao saber que existem. Imagine os sádicos que já encontrou, então os imagine com milênios para cultivar as habilidades e os desejos deturpados.
Celaena estremeceu.
— Essa conversa se tornou ruim demais para depois da refeição — afirmou ela, recostada nos travesseiros. — Diga qual de seus soldadinhos é o mais bonito e se ele gostaria de mim.
Rowan deu um risinho.
— A ideia de você com qualquer de meus colegas faz meu sangue esfriar.
— São tão ruins assim? Aquele gatinho amigo seu parecia decente.
As sobrancelhas dele se ergueram.
— Não acho que meu amigo gatinho saberia o que fazer com você... nem qualquer um dos outros. Provavelmente acabaria em derramamento de sangue. — Celaena continuou sorrindo, e Rowan cruzou os braços. — Provavelmente teriam muito pouco interesse em você, pois em breve estará velha e decrépita, portanto, não valerá o esforço que seria preciso para conquistá-la.
Ela revirou os olhos.
— Estraga prazeres.
O silêncio recaiu de novo, então Rowan a fitou de cima a baixo mais uma vez (lúcida, ainda que exausta e mal-humorada), e Celaena não ficou muito surpresa quando o olhar parou nos pulsos expostos – um dos poucos pedaços de pele à mostra graças a todos os cobertores que ele havia empilhado sobre a assassina. Eles não tinham discutido isso na noite anterior, mas Celaena sabia que o guerreiro estava tentando tocar no assunto.
Não havia julgamento nos olhos dele ao falar:
— Um curandeiro habilidoso provavelmente se livraria dessas cicatrizes, com certeza as de seu pulso e a maioria em suas costas.
Celaena trincou o maxilar, mas, depois de um momento, expirou. Embora soubesse que Rowan entenderia sem muitas explicações, ela respondeu:
— Havia celas no interior das minas usadas para punir os escravos. Celas tão escuras que você acordaria nelas acreditando que tinha ficado cego. Eles me trancaram lá algumas vezes, uma vez por três semanas seguidas, e a única coisa que me ajudou a enfrentar isso foi me lembrar de meu nome, diversas e diversas vezes: Eu sou Celaena Sardothien.
O rosto de Rowan estava tenso, mas ela continuou:
— Quando me soltavam, tanto de minha mente tinha se fechado na escuridão que a única coisa da qual lembrava era que eu me chamava Celaena. Celaena Sardothien, arrogante e corajosa e habilidosa, Celaena que não conhecia medo ou desespero, Celaena que era uma arma afiada pela morte. — Ela passou a mão trêmula pelo cabelo. — Não costumo me permitir pensar nessa parte de Endovier — admitiu a assassina. — Depois que saí, havia noites em que eu acordava e pensava que estava de volta àquelas celas, então precisava acender todas as velas do quarto para provar a mim mesma que não estava. Eles não somente matam as pessoas nas minas, eles as destroem.
“Há milhares de escravos em Endovier, e um bom número vem de Terrasen. Independentemente do que eu faça com meu direito de nascença, vou encontrar um modo de libertá-los algum dia. Eu vou libertá-los. Eles e todos os escravos de Calaculla também. Portanto, minhas cicatrizes servem como um lembrete disso.”
Celaena jamais tinha dito aquilo, mas ali estava. Se depois de lidar com o rei de Adarlan, se a destruição dele não pusesse de alguma forma um fim aos campos de trabalhos forçados, ela poria. Pedra por pedra, se necessário.
Rowan perguntou:
— O que aconteceu há dez anos, Aelin?
— Não vou falar sobre isso.
— Se aceitasse a coroa, poderia libertar Endovier muito mais facilmente do que...
— Não posso falar sobre isso.
— Por quê?
Havia um poço na memória dela, um poço do qual não conseguiria sair se algum dia caísse. Não eram as mortes de seus pais. Celaena conseguira contar a outros em termos vagos sobre os assassinatos. Aquela dor ainda era lancinante, ainda a assombrava, mas acordar entre os cadáveres não fora o momento que destruíra tudo que Aelin Galathynius era e poderia ter sido. No fundo da mente, Aelin ouviu a voz de outra mulher, linda e agitada, outra mulher que...
A assassina esfregou a testa de novo.
— Tenho essa... revolta — disse ela, rouca. — Esse desespero e ódio e revolta que moram e respiram dentro de mim. Não há sanidade nisso, não há bondade. É um monstro morando sob minha pele. Durante os últimos dez anos, trabalhei todos os dias, toda hora, para manter isso trancafiado. E, assim que eu falar sobre aqueles dois dias, o que aconteceu antes e depois, esse monstro vai se soltar, e não será possível saber o que farei.
“Foi assim que consegui ficar diante do rei de Adarlan, como consegui ficar amiga do filho dele e do capitão, como consegui viver naquele palácio. Porque não dei espaço àquela revolta, àquelas memórias. Agora procuro as ferramentas que podem destruir meu inimigo, e não posso soltar o monstro, pois vai me fazer usar essas ferramentas contra o rei, e não vai guardá-las como eu deveria; caso contrário, eu seria capaz de destruir o mundo por simples desprezo. Então é por isso que devo ser Celaena, não Aelin, porque ser Aelin significa encarar essas coisas e libertar esse monstro. Entende?”
— Se faz diferença, não acho que você destruiria o mundo por desprezo. — A voz de Rowan ficou severa. — Mas também acho que gosta de sofrer. Você coleciona cicatrizes porque quer provas de que está pagando por quaisquer que sejam os pecados que tenha cometido. E sei disso porque tenho feito a mesma porcaria de coisa há duzentos anos. Diga, acha que vai para algum Além-mundo abençoado ou espera um inferno em chamas? Está torcendo pelo inferno, pois como poderia enfrentar essas coisas no Além-mundo? Melhor sofrer, ser condenada pela eternidade e...
— Basta — sussurrou Celaena.
Devia ter soado tão deprimida e pequena quanto se sentia, porque o guerreiro voltou para a escrivaninha. Ela fechou os olhos, mas o coração estava palpitando.
Não sabia quantas horas tinham se passado. Depois de um tempo, o colchão se moveu e rangeu, então um corpo morno tocou o dela. Não a segurando, apenas deitando ao lado. Ela não abriu os olhos, mas inspirou o cheiro dele, o pinho e a neve, e a dor se acalmou um pouco.
— Pelo menos se você for para o inferno — falou Rowan, as vibrações no peito murmuravam contra o corpo dela —, estaremos juntos.
— Já sinto pena do deus sombrio. — O guerreiro passou a enorme mão pelos cabelos dela, fazendo-a quase ronronar. Não tinha percebido quanto sentia falta de ser tocada, por qualquer um, amigo ou amante. — Quando eu voltar ao normal, posso presumir que vai gritar comigo por quase ter me esgotado?
Rowan soltou uma risada baixa, mas continuou lhe acariciando o cabelo.
— Você não faz ideia.
Celaena sorriu contra o travesseiro, e a mão dele parou por um momento, então recomeçou.
Depois de um longo tempo, ele murmurou:
— Não tenho dúvidas de que vai conseguir libertar os escravos dos campos de trabalhos forçados algum dia. Não importa que nome use.
Os olhos de Celaena arderam por trás das pálpebras, mas ela se aproximou mais do toque, chegando ao ponto de apoiar a mão no peito largo dele, aproveitando as batidas tranquilas e reconfortantes do coração.
— Obrigada por cuidar de mim — falou a jovem.
Rowan grunhiu, em aceitação ou dispensa, ela não soube dizer. O sono a chamou, e ela o seguiu para a inconsciência.
***
O guerreiro a manteve entocada no quarto por mais alguns dias, e, mesmo quando ela disse que já se sentia bem, foi obrigada a passar mais meio dia na cama. Celaena estava achando bom ter alguém, mesmo um guerreiro feérico insuportável e irritadiço, que se importasse se ela vivia ou morria.
O aniversário da assassina chegou – 19 anos, de alguma forma, pareceu bem entediante – e o único presente foi Rowan tê-la deixado sozinha por algumas horas. Ele voltou com notícias de outro cadáver de um semifeérico encontrado perto da costa. Celaena pediu para vê-lo, mas o guerreiro recusou imediatamente (na verdade, foi mais como se latisse em resposta) e disse que tinha o examinado sozinho. Era o mesmo padrão: um sangramento nasal seco, um corpo drenado até restar apenas uma casca, então o descarte sem preocupação. Rowan também voltara para aquela cidade – onde tinham ficado mais que felizes ao vê-lo, pois levou ouro e prata.
E ele retornara com chocolates para Celaena, pois alegava se sentir insultado por ela considerar sua ausência um presente de aniversário. A jovem tentou abraçá-lo, mas ele não aceitou e deixou isso claro. Mesmo assim, da próxima vez em que ela foi tomar banho, seguira de fininho por trás da cadeira de Rowan à escrivaninha, dando um grande e ruidoso beijo na bochecha do guerreiro. Ele gesticulou para ela sair, e limpou o rosto, emitindo um grunhido, mas Celaena suspeitava que ele a tivesse deixado ultrapassar suas defesas.
Foi um erro pensar que finalmente retornar ao exterior seria agradável.
Celaena estava parada do lado oposto ao de Rowan em uma clareira, os joelhos levemente dobrados, as mãos fechadas em punhos sem força. Ele não tinha dito para que fizesse aquilo, mas a jovem entrou em posição defensiva ao ver o leve brilho nos olhos dele.
O guerreiro apenas exibia aquela expressão quando estava prestes a tornar sua vida um inferno. E como não tinham ido até as ruínas do templo, Celaena presumiu que Rowan achava que pelo menos um elemento de seu poder fora dominado, apesar dos eventos do Beltane. O que significava que estavam a caminho de dominar o segundo.
— Sua magia não tem forma — falou Rowan, por fim, tão imóvel que Celaena o invejou por aquilo. — E, porque não tem forma, você tem pouco controle. Como um modo de ataque, uma bola de fogo ou uma chama são úteis, sim. Mas, se estiver enfrentando adversários habilidosos, se quiser ser capaz de usar seu poder, então precisa aprender a lutar com ele. — A assassina resmungou. — Mas — acrescentou ele, em tom afiado — tem uma vantagem que muitos possuidores de magia não têm: já sabe lutar com armas.
— Primeiro chocolates no meu aniversário, agora um elogio de verdade?
Os olhos do guerreiro se semicerraram, e os dois tiveram mais uma das conversas sem palavras. Quanto mais falar, mais vou fazer com que pague por isso em um minuto.
Celaena deu um leve sorriso. Desculpe, mestre. Sou sua para que me instrua.
Mimada. Rowan inclinou o queixo na direção dela.
— Seu fogo pode assumir a forma que quiser, o único limite é a imaginação. E considerando como foi criada, caso parta para uma ofensiva...
— Quer que eu faça uma espada de fogo?
— Flechas, adagas... você direciona o poder. Visualize e use como faria com uma arma mortal.
Celaena engoliu em seco.
Rowan deu um risinho. Medo de brincar com fogo, princesa?
Você não vai ficar feliz se eu queimar suas sobrancelhas.
Tente.
— Quando treinou para ser assassina, qual foi a primeira coisa que aprendeu?
— A me defender.
Celaena entendeu por que Rowan parecera divertir-se tanto durante os últimos minutos quando falou:
— Que bom.
***
Não era surpreendente que ter adagas atiradas contra ela fosse horrível.
Rowan atirou adaga mágica após adaga mágica em Celaena, e toda porcaria de vez, o escudo de fogo que ela tentou imaginar (e fracassou) não fez nada. Se sequer aparecesse, sempre se manifestava longe demais para a esquerda ou direita.
Rowan não queria uma parede de chamas. Não, queria um escudo pequeno e controlado. E não importava quantas vezes arranhasse as mãos, os braços ou o rosto, não importava que agora houvesse sangue seco coçando nas bochechas.
Um escudo – era tudo o que Celaena precisava fazer, e ele pararia.
Suando e ofegante, ela começava a perguntar a si mesma se deveria se colocar diretamente no caminho da próxima adaga para acabar com o próprio sofrimento quando Rowan grunhiu.
— Tente com mais determinação.
— Estou tentando — disparou Celaena, fazendo um rolamento para o lado conforme duas adagas reluzentes eram lançadas contra sua cabeça.
— Está agindo como se estivesse à beira do esgotamento.
— Talvez eu esteja.
— Se acredita, por um segundo, que está perto de um esgotamento depois de uma hora de treino...
— Aconteceu rápido assim no Beltane.
— Aquilo não foi o fim de seus poderes. — A próxima adaga de gelo pairava no ar ao lado da cabeça dele. — Você caiu no feitiço da magia e deixou que ela fizesse o que queria, deixou que a consumisse. Se tivesse mantido a concentração, poderia manter aquelas fogueiras acesas por semanas... meses.
— Não. — Celaena não tinha uma resposta melhor que aquela.
As narinas do guerreiro se dilataram levemente.
— Eu sabia. Você queria que seu poder fosse insignificante, ficou aliviada quando achou que aquilo era tudo o que tinha.
Sem aviso, Rowan lançou uma adaga, então a seguinte, depois a seguinte contra ela. Celaena ergueu o braço esquerdo como ergueria um escudo, imaginando a chama cercando o braço, bloqueando aquelas adagas, destruindo-as, mas...
A jovem xingou tão alto que os pássaros pararam de cantar. Ela segurou o antebraço enquanto o sangue escorria e encharcava a túnica.
— Pare de me acertar! Já entendi!
Mas outra adaga chegou. E outra.
Abaixando e desviando, erguendo o braço ensanguentado diversas vezes, Celaena trincou os dentes e o xingou. Ele lançou uma adaga, girando com eficiência mortal – e a assassina não conseguiu se mover rápido o bastante para evitar o leve arranhão na maçã do rosto. Ela sibilou.
Rowan estava certo – estava sempre certo, e Celaena odiava isso. Quase tanto quanto odiava o poder que a inundava, fazendo o que quisesse. Era dela para que comandasse, não o contrário. Celaena não era escrava do poder. Não era mais escrava de ninguém. E, se Rowan jogasse mais uma porcaria de adaga contra o rosto dela...
Ele jogou.
O cristal de gelo não passou pelo antebraço erguido de Celaena antes de desaparecer em um chiado de vapor.
Ela olhou por cima do limite tremeluzente da chama vermelha e compacta que queimava diante do braço. Em formato de... escudo.
Rowan sorriu devagar.
— Terminamos por hoje. Vá comer alguma coisa.
O escudo circular não a queimou, embora as chamas rodopiassem e chiassem. Conforme Celaena ordenara. Tinha... funcionado.
Então ela ergueu o olhar para Rowan.
— Não. De novo.
***
Depois de uma semana fazendo escudos de vários tamanhos e temperaturas, Celaena conseguia ter diversas defesas queimando ao mesmo tempo, assim como podia envolver o vale inteiro com um breve pensamento para protegê-lo de um ataque externo. E, quando acordou certa manhã antes do alvorecer, não sabia dizer por que o fez, mas saiu do quarto que compartilhava com Rowan e desceu até as pedras protetoras.
Ao passar por elas, Celaena estremeceu não só por causa do frio da manhã, mas também devido ao poder das pedras curvas dos portais, que deu um choque em sua pele. No entanto, nenhuma das sentinelas dos postos de observação a ordenou que parasse quando caminhou pelo limite de rochas altas e escavadas até achar um trecho de terreno liso para começar a praticar.
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