Capítulo 8
— De jeito nenhum — falei para a agente Davies.
Ela rangeu os dentes, se empertigando no assento em minha sala.
— Você não vai pegar três milhões de dólares dos contribuintes para um esquema capenga qualquer.
— Não é um esquema capenga, Lindy. Está bem aí no documento. Se mandarmos três milhões para essa conta, teremos a confiança de Vick.
— Você sabe quanto vale a confiança de um intermediário pra mim?
— Três milhões? — Davies respondeu, os olhos grandes apenas meio esperançosos.
— Não. Pare de desperdiçar meu tempo. — Continuei digitando no notebook, verificando minha agenda.
Val e eu tínhamos uma reunião de almoço no Fuzzy e em seguida eu precisaria perguntar ao Thomas se podia falar com o outro especialista em idiomas, o agente Grove, sobre umas discrepâncias que eu havia encontrado em seu FD-302.
Davies deu um tapa na minha mesa e se levantou.
— Só mais uma maldita mandona... — Seus resmungos foram diminuindo conforme ela se aproximava da porta.
— Agente Davies — chamei.
Ela virou, o rabo de cavalo balançando enquanto fazia o movimento. Sua expressão irritada endureceu quando seus olhos encontraram os meus.
— Você precisa entender bem uma coisa: eu não sou mandona. Sou a porra da chefe.
O olhar austero de Davies se suavizou e ela piscou.
— Tenha um bom dia, agente Lindy.
— Você também, agente Davies. — Fiz sinal para ela fechar a porta e, quando isso aconteceu, coloquei os fones de ouvido e escutei o arquivo digital que Thomas me enviara pela manhã.
O arquivo que o agente Grove traduzira uns dias antes era preciso, exceto por alguns elementos importantes. Eu queria ter perguntado sobre isso ao Thomas mais cedo, mas alguma coisa parecia errada. Era um número aqui e outro ali, mas então Grove anotou errado o nome de um suspeito e começou a deixar algumas coisas totalmente de fora.
Tirei os fones e segui até a sala do esquadrão, notando que Grove não estava em sua mesa.
— Val — chamei —, você viu o Maddox?
Ela caminhou até mim, segurando um pacote de batata frita em uma das mãos e lambendo o sal da outra.
— Ele está entrevistando alguém no Centro de Boas-Vindas Talibã.
Franzi a testa.
— Sério? É assim que a gente vai chamar isso?
— É assim que todo mundo chama — ela disse, dando de ombros.
Val estava se referindo ao prédio milionário que ficava em frente ao nosso edifício multimilionário. Era usado como ponto de segurança para visitantes, e era ali que interrogávamos possíveis suspeitos. Desse modo, se eles ou seus amigos tentassem trazer explosivos, o prédio principal não estaria em risco. Alguém tinha chamado esse ponto de segurança de Centro de Boas- Vindas Talibã e, por algum motivo bizarro, o apelido pegou.
Dei um tapinha em meu crachá de identificação — um hábito para garantir que ele estava comigo antes de sair — e parti. Normalmente era um passeio agradável atravessar o estacionamento até o prédio da segurança, mas baixas nuvens cinza estavam ribombando no céu, e enormes gotas de chuva começaram a cair alguns segundos depois de eu ter posto o pé no concreto.
O ar tinha um cheiro metálico, e eu respirei fundo. Eu tinha passado quase a última semana toda em ambientes fechados. Isso era algo para o qual eu ainda não havia me preparado. Era fácil trabalhar atrás de uma mesa nas temperaturas congelantes de Chicago. Trabalhar tanto quando a temperatura era amena estava sendo mais difícil conforme os dias lindos apareciam, um atrás do outro.
Olhei para o céu, vendo flashes de raios nos limites da cidade. Seria mais fácil estar no trabalho com uma tempestade do lado de fora. Empurrei as portas duplas de vidro, sacudindo as mãos e molhando o carpete com a água da chuva. Apesar de ensopada, eu estava de bom humor.
Com um sorriso largo, olhei para a agente à mesa. Ela não ficou impressionada com minha positividade, meus modos ou o fato de eu ter andado tanto na chuva.
Meu sorriso desapareceu, e eu pigarreei.
— O agente especial Maddox?
Ela deu uma bela olhada no meu crachá e então fez um sinal para trás com a cabeça.
— Ele está na sala de interrogação dois.
— Obrigada. — Fui até a porta de segurança e me inclinei de leve, segurando o crachá em frente à caixa preta na parede. Eu me senti ridícula, e em breve teria que encontrar um cordão de crachá retrátil.
A tranca fez um clique, e eu empurrei a porta. Segui pelo corredor e passei por mais uma porta antes de avistar Thomas de pé, sozinho, observando o agente Grove interrogar um sujeito — um asiático magro e mal-humorado, com um casaco esportivo brilhante.
— Agente Lindy — Thomas disse.
Cruzei os braços, ciente de que minha blusa branca estava molhada e eu estava com frio.
— Há quanto tempo ele está nisso?
— Não muito. O sujeito não está colaborando.
Ouvi os dois conversando em japonês. Imediatamente, franzi o cenho.
— O que a fez vir até aqui? — Thomas perguntou.
— Eu tinha perguntas sobre algumas transcrições do Grove. Preciso da sua permissão para falar com ele.
— Para o caso Yakuza?
— Sim.
Ele sussurrou, inabalável:
— Sua função aqui é confidencial.
— Alguém deixou uma pilha dos relatórios dele na minha porta. Achei que o Grove soubesse que eu era especialista e quisesse minha opinião.
— Suposições são perigosas, Liis. Eu os coloquei lá.
— Ah.
— Você encontrou alguma coisa?
— Muitas coisas.
Olhei pelo vidro para as três pessoas lá dentro. Outro agente estava sentado no canto, fazendo anotações, mas parecendo extremamente entediado.
— Quem é aquele? — perguntei.
— Pittman. Ele destruiu um carro pela terceira vez. Vai ficar em trabalho interno por um tempo.
Olhei para Thomas. Sua expressão era indecifrável.
— Você não parece surpreso por eu ter encontrado discrepâncias — falei, observando Grove através do espelho unidirecional. Apontei. — Ali. Ele acabou de traduzir que onze ex-membros da Yakuza estão morando em um prédio que também abriga outros sujeitos investigados pelo FBI.
— E daí?
— O sujeito relatou que essas pessoas ainda são membros da Yakuza, na verdade, e são dezoito, não onze. O Grove está omitindo. Ou ele fala um japonês de merda ou não é confiável.
O agente Grove se levantou e deixou o interrogado na sala com o agente da transcrição. Saiu devagar antes de fechar a porta atrás de si. Quando viu nós dois, ele se assustou, mas se recuperou rapidamente.
— Agente Maddox — ele disse em um tom nasalado.
Qualquer outro teria deixado passar o ligeiro tremor em seus dedos quando ele ergueu os óculos. Era um homem rechonchudo com a pele acobreada. Os olhos eram tão escuros que quase chegavam a ser pretos, e o bigode enrolado mexia quando ele falava.
Thomas apontou para mim com a mesma mão que segurava o café.
— Essa é a agente Lindy, a nova supervisora do Esquadrão Cinco.
— Já ouvi seu nome — Grove disse, me olhando. — De Chicago?
— Nascida e criada.
Grove estava com a expressão que eu costumava ver pouco antes de alguém me perguntar se eu era coreana, japonesa ou chinesa. Ele estava tentando adivinhar se eu falava o idioma que ele traduzira incorretamente.
— Talvez você devesse entrar e me ajudar. Ele tem um sotaque esquisito. Está me confundindo um pouco — Grove disse.
Dei de ombros.
— Eu? Não falo japonês. Mas ando pensando em fazer umas aulas.
Thomas se intrometeu:
— Talvez você pudesse ensiná-la, Grove.
— Como se eu tivesse tempo pra isso — ele resmungou, esfregando distraidamente as palmas suadas uma na outra.
— Era só uma ideia — o chefe comentou.
— Vou pegar um café. A gente se vê por aí.
Thomas ergueu o queixo uma vez, esperando o agente Grove deixar o ambiente.
— Muito bem — disse, observando Pittman rabiscar.
— Há quanto tempo você sabe? — perguntei.
— Tenho minhas suspeitas há pelo menos três meses. Tive certeza quando perdi uma prisão depois de entrar numa sala vazia que eu sabia que estava cheia de membros da Yakuza dois dias antes.
Ergui uma sobrancelha.
Ele deu de ombros.
— Eu ia designá-lo para traduzir os Títulos Três que conseguimos dos caras do Benny em Vegas, mas, depois dessa prisão perdida, pensei melhor no assunto. Em vez disso, preferi designar a tarefa para alguém novo, alguém melhor.
— Alguém que não fosse agente duplo?
Thomas virou para mim com um leve sorriso.
— Por que acha que eu trouxe você para cá?
— Você vai prendê-lo? — perguntei. — O que vai fazer?
Ele deu de ombros.
— Duvido que a gente continue a usá-lo como tradutor.
Fiz uma careta.
— Estou falando sério.
— Eu também.
Thomas caminhou comigo pelo corredor até sairmos para o estacionamento, jogando o café no lixo e abrindo um guarda-chuva.
— Você devia investir em um desses, Liis. Estamos na primavera, sabe como é.
Ele não disse meu nome com tanta aspereza como dissera antes. Ele o pronunciou com suavidade, a língua acariciando cada letra, e eu me vi contente por termos a chuva como desculpa para ficar tão próximos.
Desviei de poças, apreciando em silêncio quando Thomas se esforçava para manter o guarda-chuva sobre a minha cabeça. Por fim, ele decidiu colocar a mão livre na minha cintura e me puxar para o seu lado. Quando chegávamos a uma poça, ele simplesmente me erguia sobre ela sem esforço.
— Nunca gostei de chuva — Thomas disse quando paramos na frente das portas do saguão, enquanto ele sacudia o guarda-chuva. — Mas posso ter mudado de ideia.
Forcei um sorriso, tentando ao máximo não deixar evidente a tontura ridícula que senti com seu flerte inocente. Assim que entramos no saguão do prédio principal, Thomas voltou ao seu típico comportamento de ASAC.
— Preciso de um FD-três-zero-dois sobre suas descobertas até o fim do dia. Preciso relatar isso ao SAC.
— Pode deixar — falei, virando para o elevador.
— Liis?
— Sim.
— Você vai malhar hoje?
— Hoje não. Vou almoçar com a Val.
— Ah.
Apreciei o lampejo de decepção em seus olhos.
— Amanhã eu estarei lá.
— Ah, tá bom — ele disse, tentando disfarçar o pequeno golpe no ego.
Se ele parecesse mais triste, eu não ia conseguir disfarçar o sorriso que ameaçava se estender pelo meu rosto.
Assim que entrei no elevador e a adrenalina diminuiu, fiquei muito irritada comigo mesma. Eu havia basicamente o expulsado da minha cama na noite em que nos conhecemos porque tinha certeza de que estaria ocupada demais curtindo minha liberdade. Estar com o Jackson era sufocante, e uma transferência pareceu a solução perfeita.
Por que diabos eu me sinto assim em relação ao Thomas? Apesar da minha opinião sobre começar um novo relacionamento e considerando o temperamento e a bagagem emocional dele, o que há em Thomas que me faz perder a capacidade de raciocinar?
O que quer que fosse, eu precisava dar um jeito nisso. Tínhamos que nos concentrar em cumprir a missão em St. Thomas, e algo confuso como sentimentos não ajudaria ninguém.
O elevador se abriu e revelou Val sorrindo animada no corredor.
Depois de me avistar, seu bom humor desapareceu.
— Você nunca ouviu falar em guarda-chuva, Liis? Meu Deus.
Revirei os olhos.
— Você age como se eu estivesse coberta de cocô de cachorro. É só chuva.
Ela me seguiu até a minha sala e sentou em uma das poltronas em frente à minha mesa. Cruzou as pernas e os braços e me olhou feio.
— Pode abrir o bico.
— Do que você está falando? — perguntei, tirando os saltos e colocando-os um ao lado do outro perto da ventilação do chão.
— Sério? — Ela ergueu o queixo. — Não seja assim. Primeiro as amigas, depois os paus.
Sentei e entrelacei os dedos sobre a mesa.
— Apenas me diga o que quer saber, Val. Tenho coisas pra fazer. Acho que acabei de fazer o agente Grove ser demitido... ou preso.
— O quê? — Suas sobrancelhas se ergueram por meio segundo, e então ela estava franzindo a testa outra vez. — Você pode ser mestre em desviar o foco, mas eu sei quando alguém está me escondendo alguma coisa, e você, Liis, tem um segredo.
Cobri os olhos com as mãos.
— Como você adivinhou? Preciso melhorar nisso.
— O que quer dizer com “como você adivinhou”? Você sabe de quantos interrogatórios eu já participei? Eu simplesmente sei. Eu diria que sou vidente, mas isso é idiotice, então vou dizer apenas: “Obrigada, papai, por ser um canalha traidor e aprimorar meu detector de mentiras”.
Tirei as mãos do rosto e dei uma olhada para ela.
— O quê? Eu digo a verdade... ao contrário de você, sua... amiga falsa e suja.
Franzi o nariz.
— Isso foi duro.
— Assim como saber que a sua amiga não confia em você.
— Não é que eu não confie em você, Val. Só que não é da sua conta.
Ela se levantou e contornou a poltrona, colocando as mãos no encosto.
— Francamente, eu preferia que você não confiasse em mim. E... você não está mais convidada para ir ao Fuzzy.
— O quê? — dei um gritinho. — Ah, para com isso!
— Não. Nada de Fuzzy pra você. E eles me amam, Liis. Você sabe o que isso significa? Nada de Fuzzy no almoço. Nada de Fuzzy pra sempre. — Ela enfatizou cada sílaba das duas últimas palavras. Depois arregalou os olhos e girou nos calcanhares antes de bater a porta atrás de si.
Cruzei os braços e fiz um biquinho.
Cinco segundos depois, meu ramal tocou e eu atendi.
— Lindy — falei rapidamente.
— Anda logo. Estou com fome.
Eu sorri, peguei a bolsa e os sapatos e segui apressada para o corredor.
é possivel amar todos os irmaos Maddox <3
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