Capítulo 1

Pessoas demais em um salão pequeno soavam muito como o rugido de um incêndio — as inflexões altas e baixas, o sussurro constante e familiar que só se tornava mais alto quanto mais você se aproximava. Nos cinco anos em que servi mesas para Chuck e Phaedra Niles no Bucksaw Café, ficar perto de tanta gente impaciente e faminta dia após dia às vezes me fazia desejar incendiar o local. Mas a multidão da hora do almoço não era o que me fazia voltar. Era o zumbido reconfortante das conversas, o calor da cozinha e todas as chances de sair dali que eu havia desperdiçado.
— Falyn! Mas que porra é essa? — Chuck tentava não deixar o suor cair na sopa.
Ele estendeu a mão e mexeu o caldo em uma panela funda. Atirei um pano limpo para ele.
— Como pode estar tão quente no Colorado? — reclamou ele. — Eu me mudei pra cá porque sou gordo. Pessoas gordas não gostam de calor.
— Então talvez você não devesse pilotar um fogão pra ganhar a vida — falei, forçando um sorriso.
A bandeja pareceu pesada quando a levantei nos braços, mas não tanto quanto antes. Agora eu conseguia carregá-la com seis pratos cheios, se fosse preciso. Recuei em direção às portas vaivém, batendo meu traseiro nelas.
— Você está demitida — soltou ele. Chuck secou a careca com o pano de algodão branco e depois o jogou no centro de sua bancada.
— Eu me demito! — falei.
— Isso não tem graça! — Ele se afastou do calor que irradiava de sua estação de trabalho.
Virando em direção ao salão principal, parei na porta, avistando todas as vinte e duas mesas e doze bancos no balcão com trabalhadores, famílias, turistas e moradores da região. De acordo com Phaedra, a mesa treze acomodava uma escritora best-seller e sua assistente. Eu me inclinei para frente, compensando o peso da bandeja, e pisquei para Kirby em agradecimento quando ela abriu o apoio ao lado da mesa onde eu colocaria a bandeja.
— Obrigada, amor — falei, pegando o primeiro prato.
Eu o pousei em frente a Don, meu primeiro cliente regular e que dava as melhores gorjetas da cidade. Ele ajeitou os óculos de armação grossa e se acomodou na cadeira, tirando seu clássico chapéu fedora. Sua jaqueta cáqui estava um pouco surrada, assim como a camisa social e a gravata que usava todos os dias. Nas tardes menos movimentadas, eu o ouvia falar de Deus e sobre como ele sentia falta da esposa.
O longo rabo de cavalo de Kirby balançava enquanto ela tirava os pratos de uma mesa perto das janelas. Ela estava apoiando uma pequena bacia cheia de pratos sujos no quadril e piscou para mim enquanto passava em direção à cozinha. Ela só se afastou por tempo suficiente para deixar a pilha de pratos e copos para Hector lavar, depois voltou para seu posto de recepcionista. Seus lábios, naturalmente manchados de vinho, se curvaram quando uma leve brisa soprou pela porta aberta de vidro, apoiada por uma rocha enorme, uma das centenas que Chuck colecionara ao longo dos anos.
Kirby cumprimentou um grupo de quatro homens que entrara enquanto eu servia Don.
— Você pode cortar esse bife pra mim, bonitão? — perguntei.
Don não precisava de cardápio. Ele sempre pedia a mesma refeição: uma salada da casa nadando em molho ranch, picles fritos, um New York steak ao ponto menos e o cheesecake de pecã com chocolate de Phaedra — e tudo ao mesmo tempo.
Don obedeceu, ajeitando a gravata entre os botões da camisa e, com as mãos magras e trêmulas, serrou a carne suculenta em seu prato. Ele olhou para cima e assentiu rapidamente com a cabeça.
Enquanto ele rezava sobre a comida, eu o deixei por um instante, para apanhar a jarra de chá gelado doce sobre o balcão do bar. Quando voltei e peguei seu copo, segurei a jarra de lado, para derramar gelo suficiente junto com o líquido marrom-claro.
Don tomou um gole e soltou um suspiro satisfeito.
— Fantástico, Falyn. Eu adoro quando a Phaedra faz chá gelado.
O queixo dele era preso à parte inferior da garganta por um pedaço de pele solta, e o rosto e as mãos eram salpicados de manchas do tempo. Ele era viúvo e havia perdido peso desde o falecimento de Mary Ann.
Dei um meio sorriso.
— Eu sei. Volto em instantes pra falar com você.
— Porque você é a melhor — gritou Don quando me afastei.
Kirby conduziu o grupo de homens até minha última mesa vazia. Todos, exceto um, estavam cobertos de fuligem manchada com o suor do dia. O cara limpo parecia ser apenas companhia, o cabelo recém-lavado comprido apenas o suficiente para cair até os olhos. Os outros aparentavam estar satisfeitos com a exaustão depois de um turno longo e difícil.
Só os turistas encaravam os caras esfarrapados. Os moradores sabiam exatamente quem eram e por que estavam aqui. Suas botas empoeiradas e os três capacetes azuis sobre o colo, com o emblema do departamento ambiental, facilitavam a identificação de sua especialidade: uma equipe de elite dos bombeiros, provavelmente a divisão Alpina do Estes Park.
Os incêndios isolados estavam especialmente implacáveis naquela estação, e parecia que a Guarda Florestal despachara equipes de todos os distritos, algumas vindas de lugares tão distantes quanto Wyoming e South Dakota. Colorado Springs estava enevoada havia semanas. A fumaça dos incêndios ao norte tinha transformado o sol da tarde em uma bola de fogo vermelha. Não víamos as estrelas desde antes do meu último salário.
Cumprimentei os homens com uma expressão gentil.
— O que vamos beber?
— Você tem um cabelo lindo — disse um deles.
Abaixei o queixo e arqueei uma sobrancelha.
— Cala a porra da boca e faz seu pedido, Zeke. Nós provavelmente vamos ser chamados de volta logo.
— Que merda, Taylor — disse Zeke. Sua testa franzida foi se virando para mim. — Arruma alguma coisa pra ele comer, tá? Ele fica mal-humorado quando está com fome.
— Posso fazer isso — falei, já irritada com eles.
Taylor me olhou e, por um instante, fui capturada por um aconchegante par de íris marrons. Em menos de um segundo, encontrei algo familiar por trás de seus olhos. Então ele piscou e voltou para o cardápio.
Apesar de geralmente serem bonitos, charmosos e com uma quantidade respeitável de músculos, os homens que passavam pela cidade com cinzas nas botas só eram admirados de longe. Nenhuma garota dali que se desse ao respeito seria vista saindo com um desses caras fascinantes, bronzeados e corajosos por dois motivos: eles eram passageiros e deixariam você para trás, grávida ou com o coração partido. Eu já tinha visto isso tantas vezes, e não só com as equipes de bombeiros, mas também com as tripulações aéreas que passavam por aqui. Para os caras que meu pai chamava de vagabundos, Springs era um bufê de jovens desesperadas o bastante para serem levadas a se apaixonar por alguém que sabiam que não ia ficar.
Eu não era uma delas, mesmo que, de acordo com meus pais, eu fosse a vagabunda mais instruída de Colorado Springs.
— Vamos começar com as bebidas. — Mantive o tom agradável e a mente na gorjeta decente que os bombeiros costumavam deixar sobre a mesa.
— O que você quer, Trex? — Zeke perguntou ao cara limpo.
Trex me olhou por sob os cachos úmidos, sem nenhuma emoção nos olhos.
— Só uma água.
Zeke deixou o cardápio de lado.
— Eu também.
Taylor olhou de novo para mim, o branco de seus olhos praticamente reluzindo em contraste com a sujeira em seu rosto. O marrom aconchegante de suas íris combinava com o cabelo raspado. Apesar dos olhos gentis, a pele dos braços era repleta de tatuagens, e ele parecia ter passado por coisas suficientes para ter conquistado cada uma delas.
— Você tem chá? — perguntou Taylor.
— Sim. Chá gelado. Pode ser?
Ele assentiu com a cabeça antes de observar com expectativa os homens diante dele.
— O que você quer, Dalton?
Dalton estava de cara feia.
— Eles não têm Cherry Coke. — E levantou o olhar para mim. — Por que ninguém no maldito estado do Colorado tem Cherry Coke?
Taylor cruzou os braços sobre a mesa, os músculos dos antebraços deslizando e enrijecendo sob a pele coberta de tinta.
— Já aceitei isso. Você devia aceitar também, cara.
— Posso fazer uma pra você — falei.
Dalton jogou o cardápio na mesa.
— Me traz só uma água — resmungou. — Não é a mesma coisa.
Recolhi os cardápios e me inclinei na direção do rosto de Dalton.
— Tem razão. A minha é melhor.
Enquanto eu me afastava, ouvi alguns deles rindo feito crianças.
E um dizendo:
— Eita!
Parei na mesa de Don a caminho do balcão de bebidas.
— Tudo bem aí?
Don murmurou um “sim” enquanto mastigava sua carne. Ele tinha quase terminado. Os outros pratos, exceto o cheesecake, tinham sido raspados. Dei um tapinha em seu ombro ossudo e contornei o balcão. Enchi dois copos de plástico com água gelada e um com chá gelado, depois comecei a preparar a Cherry Coke de Dalton.
Phaedra empurrou as portas duplas e franziu a testa ao ver uma família em pé ao lado da recepção de Kirby.
— Tem fila de espera? — perguntou ela. Phaedra secou as mãos no pano de prato amarrado à sua cintura como se fosse um avental.
Ela nasceu e cresceu em Colorado Springs. Chuck e Phaedra se conheceram num show. Ela era uma completa hippie, e ele tentava ser um. Eles participavam de manifestações pacíficas, protestavam contra a guerra e eram conhecidos como os donos da cafeteria mais popular do centro da cidade. O aplicativo Urbanspoon listava o Bucksaw Café como escolha número um para almoçar, mas Phaedra cuidava pessoalmente de tudo quando notava uma fila de clientes.
— Não podemos ter um ótimo serviço e nenhuma fila de espera. O movimento é bom — falei, misturando meu xarope de cereja especial na Coca-Cola.
Os longos cabelos grisalhos de Phaedra estavam divididos ao meio e presos num coque firme, e a pele morena enrugada pesava sobre os olhos. Era um fiapo de mulher, mas não demorava muito para você descobrir que ela podia virar um urso se a irritasse. Pregava paz e borboletas, mas não aguentava merda nenhuma.
Phaedra olhou para baixo ao dizer:
— Não vamos continuar com todo esse movimento por muito tempo se deixarmos as pessoas irritadas. — Ela se apressou até a porta da frente, se desculpando com a família na espera e garantindo que teria uma mesa em breve.
A mesa vinte havia acabado de pagar a conta. Phaedra disparou até eles, agradeceu e esvaziou a mesa, limpando-a rapidamente. Então fez sinal para que Kirby conduzisse a família aos seus lugares.
Enchi a bandeja com as bebidas e atravessei o salão. A equipe de bombeiros ainda estava olhando o cardápio. Resmunguei por dentro. Isso significava que ainda não tinham escolhido.
— Precisam de um minuto? — perguntei, passando a bebida para cada um.
— Eu pedi uma água — disse Dalton, segurando a Cherry Coke e franzindo o cenho.
— Experimenta. Se você não gostar, trago a água.
Ele tomou um gole, depois outro. Seus olhos se arregalaram.
— Ela não estava brincando, Taylor. É melhor que a verdadeira.
Taylor levantou o olhar para mim.
— Quero uma também, então.
— Pode deixar. Para comer?
— Vamos todos querer o panini de peru apimentado — disse Taylor.
— Todos vocês? — perguntei, hesitando.
— Todos nós — respondeu Taylor, me entregando o comprido cardápio laminado.
— Está bem. Volto já com sua Cherry Coke — falei antes de deixá-los para verificar as outras mesas.
As dezenas de vozes da cafeteria lotada ricocheteavam nas janelas e voltavam até o bar, onde eu estava preparando outra Cherry Coke. Kirby contornou o balcão, os sapatos gemendo no piso de cerâmica laranja e branca. Phaedra era fã de coisas aleatórias: retratos divertidos, bugigangas e cartazes desbotados. Era tudo eclético, assim como ela.
— De nada — disse Kirby, ajeitando a blusa dentro da saia.
— Pelo apoio de bandeja? Já te agradeci.
— Estou falando do grupo de bombeiros barulhentos que coloquei na sua seção.
Kirby mal havia completado dezenove anos, suas bochechas ainda eram repletas de gordura de bebê. Ela namorava Gunnar Mott desde o segundo ano do ensino médio, por isso tinha o enorme prazer de tentar me juntar com todos os homens com aparência mais ou menos decente que entravam pela porta.
— Não — falei simplesmente. — Não estou interessada em nenhum deles, então nem tenta essa sua baboseira de formar casal. E eles são da elite dos bombeiros, não apenas bombeiros.
— Tem diferença?
— Muita. Pra começar, eles combatem incêndios florestais. Andam quilômetros com mochilas e equipamentos enormes, ficam de plantão sete dias por semana, vinte e quatro horas por dia, viajam para os locais dos incêndios, além de serrar a madeira caída e cavar para impedir a propagação do fogo.
Kirby me encarou, nem um pouco impressionada.
— Não fala nada pra eles. É sério — alertei.
— Por que não? Os quatro são bonitos. Isso torna suas chances bem fantásticas.
— Porque você é péssima nisso. Você nem se importa se eles fazem o meu tipo. Você apenas me junta com os caras para indiretamente poder sair com eles. Lembra da última vez que você tentou me arrumar alguém? Fiquei grudada naquele turista nojento a noite toda.
— Ele era tão sexy — disse ela, fantasiando diante de Deus e todo mundo.
— Ele era chato. E só falava de si mesmo, de ginástica... e dele próprio.
Kirby ignorou minha resistência.
— Você tem vinte e quatro anos. Não tem nada de errado em aguentar uma hora de conversa chata pra curtir três horas de sexo maravilhoso.
— Eca. Eca, não. Para. — Torci o nariz e balancei a cabeça, imaginando sem querer uma conversa sexual que incluía as palavras “repetições” e “proteína”. Coloquei o copo de Taylor numa bandeja.
— Falyn, seu pedido está pronto! — Chuck gritou da cozinha.
Com a bandeja na mão, passei pelo passa-pratos e vi que o pedido da mesa treze estava esperando na prateleira na parede que separava o bar da cozinha. As lâmpadas de aquecimento sobre a prateleira esquentavam minhas mãos enquanto eu pegava cada prato e colocava na bandeja, e então levei rapidamente a comida até a mesa. A escritora e sua assistente mal perceberam quando coloquei o bife e a salada de queijo feta e o sanduíche de frango sobre a mesa.
— Está tudo em ordem por aqui? — perguntei.
A autora assentiu, mal respirando enquanto falava sem parar. Levei a última Cherry Coke para a equipe de elite dos bombeiros, mas, quando me virei para me afastar, um deles segurou meu pulso. Olhei sobre o ombro, fazendo uma careta para o homem da mão ofensiva.
Taylor recuou ao ver minha reação.
— Canudo? — Ele soltou meu pulso. — Por favor — pediu.
Lentamente peguei um em meu avental e lhe entreguei. Depois girei nos calcanhares e verifiquei minhas outras mesas, uma após a outra.
Don terminara o cheesecake e, como sempre, deixara uma nota de vinte dólares sobre a mesa, e a escritora deixou o dobro disso. O recibo assinado da equipe de bombeiros mal foi arredondado para um dólar a mais.
Tentei não amassar a conta e jogá-la no chão.
— Babacas — falei entredentes.
O resto da tarde seguiu acelerada, nada diferente das outras desde que o aplicativo decidira colocar o Bucksaw Café no mapa da comida gourmet. Conforme as horas passavam, servi mais bombeiros e equipes de elite dos bombeiros, e todos deixaram gorjetas decentes, assim como o restante das minhas mesas, mas não consegui afastar a amargura causada por Taylor, Zeke, Dalton e Trex.
Cinquenta e um centavos. Eu devia ir atrás dos caras e jogar o troco na cara deles.
As luzes da rua brilhavam sobre os que passavam pela lanchonete rumo ao bar country de dois andares a quatro prédios de distância. Garotas que mal tinham vinte e um anos trotavam em grupos, usando saia curta e botas altas, curtindo o ar noturno do verão — não que agosto tivesse exclusividade nas roupas que mostram a pele. A maioria dos moradores tirava as camadas de roupa sempre que a temperatura ficava acima de quatro graus.
Virei a placa na porta, para que a palavra “fechado” ficasse voltada para a calçada, mas dei um pulo para trás quando um rosto se agigantou na minha frente do outro lado. Era Taylor, o cara da equipe de elite dos bombeiros e péssimo em gorjetas. Antes de meu cérebro ter tempo de impedir minha reação, estreitei os olhos e o encarei com desprezo.
Taylor estendeu as mãos, a voz abafada atrás do vidro.
— Eu sei. Ei, desculpa. Eu ia deixar uma grana, mas fomos chamados e acabei me esquecendo. Eu não devia ter vindo para a cidade enquanto estávamos de serviço, mas eu estava enjoado da comida do hotel.
Eu mal o reconheci sem as sete camadas de imundície. Com as roupas limpas, ele até poderia ser confundido com alguém que eu poderia achar atraente.
— Não se preocupe — falei, virando em direção à cozinha.
Taylor bateu no vidro.
— Ei! Moça!
Deliberadamente lenta, eu o encarei, inclinando o pescoço.
— Moça? — Eu quase cuspi a palavra.
Taylor abaixou as mãos e então as enfiou nos bolsos.
— Abra a porta para eu poder te dar uma gorjeta. Você está me fazendo sentir mal.
— Você devia mesmo! — Girei nos calcanhares, bufando de raiva, e avistei Phaedra, Chuck e Kirby atrás de mim, todos se divertindo muito com a situação. — Alguém vai me ajudar?
Todos estavam com a mesma expressão presunçosa, e eu revirei os olhos, encarando Taylor mais uma vez.
— Agradeço pelo gesto, mas estamos fechados — falei.
— Então eu te dou o dobro de gorjeta da próxima vez.
Balancei a cabeça para dispensá-lo.
— Tanto faz.
— Talvez eu pudesse, humm... te levar pra jantar? Matar dois coelhos com uma cajadada só.
Arqueei uma sobrancelha.
Taylor olhou para os lados. Os transeuntes estavam começando a diminuir a passada para poder assistir à nossa conversa.
— Não, obrigada.
Ele bufou soltando uma risada.
— Você está agindo como se eu fosse um grande babaca. Quero dizer, posso até ser... um pouco. Mas você... você é... perturbadora.
— Ah, então é culpa minha vocês não terem deixado gorjeta? — perguntei, levando a mão ao peito.
— Bom... mais ou menos — disse ele.
Eu o olhei com raiva.
— Você não é um babaca. Você é um lixo.
A boca de Taylor lentamente se curvou em um largo sorriso, e ele colocou as duas mãos no vidro.
— Você precisa sair comigo agora.
— Cai fora e vai pro inferno — falei.
— Falyn! — gritou Phaedra. — Pelo amor de Deus!
Estendi a mão e apaguei a luz externa, deixando Taylor no escuro. O esfregão e o balde amarelo que eu tinha acabado de encher com água quente antes de ter sido tão rudemente interrompida ainda estavam esperando.
Phaedra soltou um muxoxo para mim e assumiu meu lugar na porta da frente, girando a chave na tranca, antes de guardá-la no avental. Chuck se escondeu na cozinha, enquanto Kirby e eu limpávamos a área de refeições.
Kirby balançou a cabeça enquanto limpava embaixo da mesa seis.
— Você vai se arrepender disso.
— Duvido. — Coloquei a mão dentro do avental e joguei um enorme pedaço de chiclete na boca.
O rosto de Kirby desabou. Não consegui identificar se ela estava com pena de mim ou apenas cansada de argumentar.
Meus velhos e fiéis fones se ajustaram aos meus ouvidos, e a cantora da banda Hinder ecoou pelos fios que saíam do celular enquanto eu passava o esfregão no piso de cerâmica. O cabo de madeira deixava pelo menos uma farpa na minha mão todas as noites, mas eu preferia isso a ter aulas de piano obrigatórias três vezes por semana. Era melhor isso do que ter que dar informações sobre o meu paradeiro várias vezes ao dia ou me arriscar a ser repreendida em público e muito melhor que frequentar a faculdade de medicina.
Eu detestava ficar doente ou estar perto de gente doente, fluidos corporais e fisiologia em sua forma mais básica. As únicas pessoas que achavam uma boa ideia eu ir para a faculdade de medicina eram os idiotas dos meus pais.
Durante a pausa de dois segundos depois do fim de “The Life”, ouvi uma batida nos painéis de vidro que formavam a parede da frente do Bucksaw Café. Levantei o olhar e congelei, puxando os dois fios pendurados na minha orelha.
O dr. William Fairchild, ex-prefeito de Colorado Springs, estava na calçada, batendo com os dedos mais uma vez, apesar de eu estar olhando diretamente para ele.
— Ai, merda. Merda... Falyn — sibilou Kirby.
— Estou vendo ele... e ela — falei, estreitando os olhos para a loira baixinha escondida atrás do imponente doutor.
Phaedra seguiu imediatamente até a porta da frente e enfiou a chave na fechadura, girando-a. Ela abriu a porta, mas não deu as boas-vindas às pessoas na calçada.
— Olá, dr. Fairchild. Não estávamos esperando o senhor.
Ele agradeceu, tirando o chapéu de caubói, antes de tentar entrar.
— Eu só precisava falar com a Falyn.
Phaedra colocou a mão no batente da porta, impedindo-o de dar mais um passo.
— Sinto muito, William. Como eu disse, não estávamos te esperando.
William piscou uma vez e então olhou para a esposa.
— Falyn — disse ela, espiando por sobre o ombro largo do marido.
Ela estava usando um caro tubinho cinza combinando com os sapatos. Pela roupa dela e pelo terno e gravata dele, acho que tinham ido ao centro para encontrar alguém para jantar.
Ela deu um passo para o lado, para poder me encarar.
— Você tem um tempinho para conversar?
— Não. — Estourei uma grande bola de chiclete e o deixei voltar para a boca.
As portas duplas se abriram, e Chuck saiu da cozinha, as mãos e os antebraços ainda molhados e cobertos de espuma.
— Dr. Fairchild — disse ele. — Blaire.
Blaire não ficou contente.
— Dra. Fairchild— disse ela, tentando parecer casual, mas sem sucesso.
— Com todo respeito — começou Chuck —, vocês não podem aparecer aqui sem avisar. Acho que sabem disso. Olha, por que não telefonam, na próxima vez? Causaria menos estresse pra todo mundo.
Os olhos de Blaire se voltaram para Chuck. Ela já estava planejando fazê-lo se arrepender de enfrentá-la.
— Tem um rapaz lá fora. Ele veio te ver? — perguntou William.
Soltei o esfregão e passei direto por Phaedra e pelos meus pais até avistar Taylor em pé com as mãos enfiadas nos bolsos da calça jeans, encostado no canto do prédio, logo depois da parede de vidro.
— O que você ainda está fazendo aqui? — perguntei.
Taylor se empertigou e abriu a boca para falar.
William apontou para ele.
— Ele é um daqueles malditos lixos temporários do departamento ambiental?
O rosto vermelho de William e o súbito brilho em seus olhos me encheram de uma satisfação que só a verdadeira maldade poderia provocar.
Taylor deu alguns passos na nossa direção, sem se deter pela raiva de William.
— Esse deve ser o seu pai.
Masquei o chiclete, irritada com a apresentação inesperada.
Blaire afastou o olhar, enojada.
— Sério, Falyn, você parece uma vaca ruminando.
Soltar uma bola enorme e deixá-la estourar de volta na minha boca foi a única resposta em que consegui pensar.
Confiante, Taylor estendeu a mão.
— Taylor Maddox, senhor. Lixo da Guarda Florestal dos Estados Unidos.
O bombeiro ergueu o queixo, provavelmente achando que isso impressionaria o imbecil diante dele.
Em vez disso, William mudou o peso do corpo para a outra perna, irado.
— Um vagabundo. E eu achava que você não poderia chegar mais ao fundo do poço. Meu Deus, Falyn.
Taylor recuou a mão, enfiando-a outra vez no bolso da calça jeans. Seu maxilar enrijeceu enquanto ele claramente tentava resistir à vontade de retrucar.
— Bill — alertou Blaire, dando uma olhada em quem estava por perto para escutar. — Não é o momento nem o local.
— Prefiro o termo “sazonal” — disse Taylor. — Faço parte da Equipe Alpina de Bombeiros, com base em Estes Park.
Seus largos ombros se ergueram quando ele empurrou os punhos mais a fundo nos bolsos da calça. Tive a sensação de que era para impedi-lo de socar o maxilar de William.
O movimento de Taylor fez meu pai notar seus braços.
— Equipe de elite dos bombeiros, é? E, pelo que parece, caderno de desenhos no tempo livre.
Taylor soltou uma risadinha, olhando para seu braço direito.
— Meu irmão é tatuador.
— Você não está saindo com esse aproveitador, está? — Como sempre, a pergunta do meu pai mais parecia uma exigência de resposta.
Taylor olhou para mim, e eu forcei um sorriso.
— Não — falei. — Estamos apaixonados. — Fui até o cara, que parecia tão surpreso quanto meu pai, e lhe dei um beijo de leve no canto da boca. — Saio às oito da noite amanhã. A gente se vê amanhã.
Taylor sorriu e colocou a mão na minha cintura, me puxando para o seu lado.
— Qualquer coisa por você, baby.
William me olhou com desdém, mas Blaire tocou delicadamente seu peito, sinalizando para ele ficar quieto.
— Falyn, precisamos conversar — disse ela, os olhos notando cada tatuagem em Taylor e cada rasgo em sua calça jeans.
— A gente já conversou — falei, me sentindo confiante abraçada a Taylor. — Se eu tiver mais alguma coisa pra dizer, eu telefono.
— Você não fala com a gente há meses. Já é hora — disse ela.
— Por quê? — perguntei. — Nada mudou.
Os olhos de Blaire se afastaram do meu rosto e percorreram meu corpo, depois voltaram.
— Muita coisa mudou. Você está horrível.
Taylor me afastou de leve, me deu uma conferida de cima a baixo, depois demonstrou discordar.
Blaire suspirou.
— Nós demos espaço e tempo para você entender isso tudo sozinha, mas já chega. Você precisa voltar para casa.
— Então a futura campanha dele não tem nada a ver com isso? — Apontei com a cabeça para o meu pai, que inflou o peito, indignado.
Sua audácia de fingir se sentir ofendido tornou quase impossível eu me acalmar.
Meu rosto se contorceu.
— Quero que vocês dois vão embora. Agora.
William inclinou o corpo e deu um passo à frente em um movimento ofensivo. Taylor se empertigou, pronto para me defender, se fosse preciso. Chuck já tinha enfrentado meus pais, mas estar ao lado de Taylor era diferente. Ele mal me conhecia, mas estava ali, numa pose protetora diante de mim, olhando com raiva para o meu pai, incitando-o a dar mais um passo. Eu não me sentia tão segura havia muito tempo.
— Boa noite, doutores — disse Phaedra com seu trêmulo sotaque do sul.
Taylor me pegou pela mão e me conduziu para a área de refeições da cafeteria, passando pelos meus pais.
Phaedra fechou a porta na cara do meu pai e enfiou a chave na fechadura enquanto Blaire observava. Quando Phaedra deu as costas para eles, meus pais seguiram para seu destino original.
Chuck cruzou os braços, encarando Taylor.
Taylor me olhou de cima, apesar de eu poder encarar todo o seu um metro e oitenta.
— Você só fez isso para irritar seus pais, não foi?
Alisei meu avental e encontrei seu olhar.
— Ãhã.
— Você ainda quer que eu te pegue às oito? — perguntou Taylor. — Ou isso foi só pra se mostrar?
Olhei de relance para Kirby, que parecia totalmente feliz com a situação.
— Não é necessário — respondi.
— Vamos lá. — Taylor sorriu, mostrando os dentes, e uma covinha profunda apareceu no meio de sua bochecha esquerda. — Eu entrei no jogo. O mínimo que você pode fazer é me deixar te levar para jantar.
Tirei a franja dos olhos.
— Tá bom. — Desamarrei o avental para ir para casa.
— Ela acabou de dizer sim? — Taylor perguntou.
Chuck deu uma gargalhada.
— É melhor você aproveitar a oportunidade e sair correndo, garoto. Ela não diz sim para alguém há muito tempo.
Subi trotando os degraus até meu apartamento no andar de cima da cafeteria, ouvindo a porta da frente depois que alguém levou Taylor para fora. Depois de dar alguns passos até a janela que dava para a Tejon Street, observei Taylor seguir até sua caminhonete no estacionamento.
Um longo suspiro separou meus lábios. Ele era bonito e charmoso demais e fazia parte de uma equipe de elite dos bombeiros. Eu já fazia parte de uma estatística. Não o deixaria me transformar em outra. Um jantar não seria difícil, e eu meio que devia isso a ele por ter entrado no jogo enquanto eu irritava meus pais.
Eu já estava bem treinada na arte de cair fora. Um jantar e estaríamos quites.

Comentários

  1. todo livro é a mesma coisa, a menina nao quer o maddox e ele fica doido atras dela aff

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Nada de spoilers! :)

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