Capítulo 16

Ao despertar no antigo quarto de Thomas na casa de Jim, fiquei preocupada que Taylor acordasse a qualquer momento e o constrangimento se instalasse. O sol nascera mais o menos na hora em que acordei, mas Taylor ainda dormia ao meu lado, respirando lenta e profundamente.
Os pássaros gorjeavam lá fora, e o céu azul e alguns fios elétricos eram as únicas coisa que eu podia ver de onde estava deitada. Aquele seria um dos melhores dias da minha vida. Quer Olive soubesse ou não, este seria o dia em que eu me tornaria parte de suas lembranças, e isso eu carregaria comigo para sempre.
— Baby? — disse Taylor. Ele tencionou o braço que estava relaxado sobre a minha cintura e me puxou mais para perto dele.
— Sim? — falei, pega desprevenida pelo termo carinhoso. De acordo com a minha experiência, esses termos só eram usados quando era preciso manter as aparências.
— Não tenho certeza se consigo acordar sem você de novo. — Sua voz era sonolenta, mas contente.
Soltei uma risada e esfreguei o nariz em seu pescoço.
— Consegue, sim.
— Mas eu não quero.
— Estes Park vai sentir sua falta.
— Acho que sim. — Ele cobriu minha bochecha de beijos. — Então, qual é o plano para hoje? Não quero ser cúmplice de sequestro antes do café da manhã.
Suspirei.
— Não quero que ela saiba quem sou nem por que estou aqui. Eu só... quero vê-la com meus próprios olhos. Dessa vez vou estar preparada e posso saborear o momento de quando eu deixar uma marca minúscula na vida dela, mesmo que eu seja a única a saber.
— Eu vou saber.
— Eu sei que parece egoísta — falei, cobrindo os olhos com os dedos.
Taylor ergueu meu queixo, descobrindo meus olhos com a outra.
— Provavelmente é a coisa menos egoísta que já ouvi. Olive está na casa ao lado, e tudo que você quer é ser apresentada como uma estranha, para se agarrar a esse momento enquanto ela segue com a própria vida.
Eu nunca tinha pensado nisso dessa forma. Parecia triste, mas honesto. Mais uma vez, a mulher refletida nos olhos de Taylor era digna de perdão. Nenhuma gratidão jamais poderia pagar algo assim.
— Você só está dizendo isso porque precisa — provoquei.
Ele sorriu, mas só havia sinceridade em seus olhos.
— Estou dizendo por que é verdade.
Como eu não respondi, ele baixou o olhar. A súbita mudança em seu humor foi desconcertante.
— O que foi? — perguntei.
— Quero te perguntar uma coisa, mas a resposta não importa.
Esperei.
— Onde está o pai da Olive? O pai biológico?
Engoli em seco.
— É uma longa história.
— Mas você não o amava?
Balancei a cabeça. Era verdade. Mesmo antes de conhecer o Taylor, eu sabia que apreciar a atenção de um homem mais velho, um homem que deveria ser uma figura respeitável, não era a mesma coisa que amar.
— Ele... ele te machucou? — Taylor perguntou.
Balancei a cabeça de novo.
— É muito importante para você saber?
Taylor pensou por um instante.
— Quero saber.
Virei de costas para ele. Eu não queria ver o seu rosto.
— Ele era meu professor, meu treinador, no ensino médio. Ele é casado. Ela sabe que ele a traiu, mas não sabe que foi com uma aluna. Ela não sabe da Olive.
— Meu Deus, Falyn. Ele deixou você lidar com isso sozinha?
— Não. Ele se ofereceu para pagar o que ele chamou de solução. Perdi a hora da consulta. E da seguinte. Nunca pensei que ele deixaria a esposa por mim. Nunca quis isso dele. Ainda não sei por que fiz isso.
— Porque você era muito jovem. Porque tinha um relacionamento de merda com o seu pai. Existe uma dezena de desculpas.
— Não tem desculpas. Eu fiz as minhas escolhas e agora estou tendo que conviver com elas.
— Mas você não tinha que conviver com elas sozinha. — Taylor me abraçou com força e enterrou o rosto em meu cabelo.
— Depois de hoje, eu vou ficar bem. Posso abrir mão dela nos meus próprios termos.
— Só me diz o que você precisa que eu faça: te dê espaço, um ouvido para te escutar, um ombro para chorar, uma mão para segurar...
— Provavelmente tudo isso — falei, puxando seus braços para mim até ele me abraçar.
— Qualquer coisa por você, baby.
Sorri ao me lembrar dele dizendo a mesma coisa do lado de fora do Bucksaw no dia em que nos conhecemos. Naquela época, apesar de ser só superficialmente, Taylor me fez sentir segura. Agora era de verdade, e ele ainda estava, de alguma forma, fazendo tudo dar certo.
— Taylor! — Jim gritou lá de baixo. — O café da manhã está na mesa!
Taylor se levantou e vestiu uma camiseta e uma calça jeans antes de colocar um boné azul-royal quase sobre os olhos.
— Preparada? Hoje nós vamos arrasar!
Depois de um banho rápido, vesti minha calça jeans favorita e uma blusa rosa que eu tinha comprado especialmente numa loja popular para o dia em que encontrasse minha filha de novo. Eu queria que a lembrança que ela tivesse de mim, apesar de muito rápida, fosse perfeita.
Taylor desceu, e eu levei um pouco mais de tempo no cabelo e na maquiagem.
Depois me juntei a ele e a Jim na mesa. Jim já tinha quase terminado de comer quando Trenton bateu duas vezes e abriu a porta da frente, anunciando sua chegada.
— Bom dia, família Maddox! — Trenton parou para reconhecer minha presença. — E amiga. — Ele foi até a cozinha, onde pratos tilintaram, portas e gavetas de armário bateram e a porta da geladeira abriu e fechou.
— Já chega dessa merda de amiga — disse Taylor.
Trenton parecia radiante quando sentou entre o pai e o irmão com uma tigela de cereais.
— Ah, é mesmo? Vocês selaram o pacto ontem à noite? O Trav disse que você fez ela chorar.
Jim bateu com força na parte de trás da cabeça de Trenton.
— Trenton Allen!
— Ai! O que foi que eu disse? — Trenton esfregou a nuca.
Jim bebeu seu café, tentando aliviar a expressão chateada do rosto.
— Está se sentindo melhor, Falyn?
— Muito. Obrigada.
— Qual é o plano para hoje, Taylor? — Jim perguntou.
Taylor deu de ombros, olhando para o irmão.
— Quais são seus planos para hoje, babacão?
Jim suspirou.
— Mas que porcaria! Não podemos ter uma refeição sem ofensas?
Os irmãos balançaram a cabeça. Jim também.
A colher de Trenton raspou na tigela de cereais.
— Trabalhar.
— Vai ficar de babá hoje? — Taylor perguntou.
Trenton pareceu confuso.
— Não. Por quê?
Taylor deu de ombros.
— A Olive é bem fofa, e eu nunca mais tive chance de vê-la.
Trenton enfiou uma colherada de ceral na boca, considerando o comentário de Taylor.
— Posso perguntar se ela quer ir até o parque, se você estiver mesmo disposto a passar a manhã com uma menina de cinco anos. Mas eu tenho que trabalhar mais tarde.
— Seis — falei.
Trenton piscou.
— Ela tem seis anos.
— Certo — ele disse. — Ela fez aniversário na semana passada. Vou levar um tempo para me acostumar com isso.
— O parque parece divertido — disse Jim, olhando para mim.
Eu não tinha certeza do que ele pensava saber, mas ele estava se aproximando da verdade.
— Você parece gostar de passar um tempo com ela — falei.
Trenton sorriu.
— Ela é uma garotinha legal. — Ele se levantou, pegou o celular no bolso e digitou um número.
— Ei, Trenton... — Taylor começou, mas alguém já tinha atendido do outro lado da linha.
— Shane — disse Trenton. — E aí, querido? Não. É. É. O que a Oó vai fazer hoje?
Olhei para Taylor e balbuciei: Oó?
Taylor deu de ombros, sem entender.
Trenton assentiu.
— É, meu irmão está na cidade com a namorada. O Taylor. Não, ele ainda é vendedor de seguros. Os dois são. No Colorado. Babacas. — E deu um sorriso convencido para o irmão mais velho.
Taylor não gostou.
Trenton continuou a conversa.
— Quer encontrar a gente no parque? Ou você tem compromisso?
Enquanto o Trenton escutava a resposta de Shane, meu estômago afundou. O Shane e a Liza me reconheceriam. Se eles fossem até o parque, eu não sabia como eles reagiriam por eu ter aparecido sem avisar.
— Tá bom, ótimo. Até mais. — Trenton colocou o celular sobre a mesa. — O Shane está no trabalho, e a Olive está em casa com a Liza. Ele vai ligar para a Liza, e a gente pode pegar a Olive daqui a vinte minutos.
— Que bom — disse Taylor. — O parque Bagby ainda é o preferido dela?
Trenton sorriu.
— É.
— Tá bom. Vou pegar uns cigarros, e encontramos com vocês lá.
— Ei — disse Trenton, ficando sério de repente —, nada de fumar perto da Olive.
— Eu sei, babacão. Te vejo daqui a pouco. A gente se vê mais tarde, pai.
Taylor e eu nos levantamos, e Jim acenou. Seguimos até o carro lá fora, nossos dedos entrelaçados. Não era a primeira vez que Taylor estendia a mão para mim, mas agora era diferente. Ele não estava só segurando a minha mão. Ele estava se oferecendo para ser testemunha do dia em que eu mudaria meu futuro e meu passado.
Puxei o cinto de segurança sobre o peito, observando Taylor girar a chave na ignição.
— Trouxe seu celular? — ele perguntou.
— Não. Por quê?
— Porque você vai querer tirar fotos. Tudo bem. Pode usar o meu.
Balancei a cabeça.
— Não. Nada de fotos. Só lembranças.
— Tem certeza? — ele perguntou.
Eu assenti e respirei fundo enquanto Taylor engatava a ré no carro.
Paramos na loja de conveniência no fim da rua. Taylor correu até lá, comprou dois maços de cigarro e saiu rapidamente com os dois na mão.
Fiz uma careta.
Ele implorou com os olhos.
— Eu te garanto: hoje é noite de pôquer.
— E você vai fumar os dois maços?
— Talvez.
Franzi o nariz, e ele deu uma risadinha. Depois beijou minha mão, antes de sair para a rua e seguir em direção ao parque.
O trajeto até o Parque Bagby era curto, apenas uns três quilômetros. Taylor parou na pequena área de estacionamento de cascalho, e eu empurrei a porta, sentindo as pedrinhas se esmagarem sob meus pés até chegar ao gramado.
— Caramba, não brinco numa dessas há muito tempo! — disse Taylor, me puxando para a gangorra. Ele sentou numa ponta, esperando que eu sentasse na outra.
— Nem pense que eu vou nesse negócio. Não quero passar o dia no pronto-socorro em vez de passar com a Olive.
Ele pareceu decepcionado, mas em seguida riu.
— Você me conhece bem demais. Ainda bem que tem pelo menos um adulto nesse relacionamento.
— Ah, num relacionamento? — perguntei.
A ideia pegou Taylor de surpresa.
— Humm... bom... é. Não estamos em um?
— Ainda tenho até segunda-feira. Você disse que éramos amigos até depois do fim de semana.
Ele arqueou uma sobrancelha, indiferente.
— Não faço as coisas que fiz com você ontem à noite com os meus amigos. Nossa amizade está oficialmente acabada.
Ele sentou, deixando seu peso levá-lo para o chão enquanto meus pés saíam da grama.
— É justo — falei. Agora era eu quem me aproximava do chão.
Um lento sorriso foi se espalhando pelo rosto de Taylor até ele ficar radiante com a vitória. Então colocou um cigarro na boca.
— Caralho. Meu pai disse que isso ia acontecer, mas eu nunca acreditei nele.
— O quê? — perguntei.
— Sou um homem de uma mulher só.
Um Dodge Intrepid vermelho caindo aos pedaços estacionou ao lado do nosso carro alugado, e a porta do motorista se abriu de repente, revelando Trenton. Ele deu uma corridinha pela frente do automóvel e abriu a porta do carona, então se esticou até o banco traseiro e colocou uma belezinha platinada em pé do lado de fora.
Meu coração pulou no instante em que Trenton deu um passo para o lado e o rosto angelical da garotinha apareceu. Liza trançara seu cabelo na lateral, e ela usava um par de belas, porém funcionais, sapatilhas de boneca com solado grosso de borracha, para um dia de brincadeiras com Trenton no parque.
Olive saiu a toda velocidade em direção aos brinquedos, passando correndo por nós e seguindo direto para o balanço. Fui com Taylor e Trenton até o banco mais próximo e fiquei observando enquanto ela se ajeitava. Com sua vozinha suave, ela gritou para Trenton empurrá-la, e lágrimas ferroaram os meus olhos. O dia pelo qual eu esperava tinha finalmente chegado.
— Eu empurro — falei, me levantando num pulo.
— Ah — disse Trenton. — Tá bom.
— Pode ser? — perguntei a Olive.
Ela fez que sim com a cabeça.
— Qual altura? — perguntei, antes de puxar as correntes para ajeitar Olive no assento.
— Alto! — ela deu um gritinho.
Eu a empurrei uma vez, e mais uma.
— Mais alto! — Ela deu risadinhas.
— Tá bom assim — gritou Trenton. — Ela pede mais alto, mas depois fica com medo.
— Não é vedade! — disse Olive.
Eu a empurrei com cuidado, apenas o suficiente para deixá-la feliz. Olhei para Taylor, que nos observava como um pai orgulhoso.
Olive me deixou empurrá-la por mais dez minutos, depois me pediu para balançar com ela, então sentei no balanço ao seu lado. Quando comecei a movimentar meu assento, ela estendeu a mão para pegar a minha. Balançamos juntas, dando risadinhas por nada e por tudo.
Ela jogou a cabeça para trás, e a risada mais maravilhosa do mundo flutuou pelo ar.
Tudo foi desaparecendo aos poucos, e naquele momento éramos só eu e ela, formando a lembrança com a qual eu sonhava desde que ela nascera.
— Escorregá! — Olive saltou do balanço, com os pés miúdos já em movimento.
Juntas, subimos a escada e eu a segui pela ponte até o escorregador duplo. Sentamos lado a lado, e eu olhei para a minha filha, o rosto quase idêntico a tantas fotos minhas de infância. Olive tomou impulso para descer, e eu fiz o mesmo. Nossos pés chegaram ao chão ao mesmo tempo. Nossos olhos se encontraram, e corremos para subir de novo.
Conforme a hora passava, persegui Olive pelo playground e senti uma paz que nunca sentira. Ela estava feliz, e, apesar de eu ter perdido tanta coisa, tivemos aquele momento perfeito, só meu e dela, que ficaria guardado em suas memórias.
No entanto, Trenton a chamou pouco depois:
— Oó! Sua mãe já voltou da loja! Hora de ir embora.
— Ah! — ela gemeu e olhou para mim. — Qué ir na minha casa pa bincá?
— Eu queria poder — falei. — Adorei passar esse tempo com você.
Ela abriu bem os braços para mim. Eu me abaixei e a abracei com delicadeza, sentindo os fios do seu cabelo no meu rosto e seus dedinhos gorduchos apertando os meus ombros.
— Foi um pazer ti conhecê — disse Olive, dando tchau.
Trenton a pegou nos braços e a carregou até o carro.
— Tchau, uédi!
Tentei não chorar conforme Trenton a prendia no cinto de segurança, guardando as lágrimas até ele sair com o carro.
— Essa foi a coisa mais linda que já vi — disse Taylor. — Era isso que você queria?
Só consegui assentir, depois sentei reta no banco, segurando na borda do assento. Taylor sentou ao meu lado e me olhou com um amor e uma compreensão que eu jamais sentira. E eu deixei a paz daquele encerramento se instalar. Inspirei e permiti que seis anos de dor, raiva e vergonha saíssem do meu corpo ao expirar.
— Falyn? — ele disse, a voz séria de preocupação.
Uma única lágrima desceu pelo meu rosto enquanto eu olhava para ele com um sorrisinho.
— Ela está feliz — falei simplesmente. — E eu também. Não sei o que eu esperava, mas isso é muito mais. Nunca vou conseguir te agradecer o suficiente.
Ele levou minha mão aos lábios.
— Seu rosto neste momento. Isso é tudo o que eu preciso.
Joguei os braços em cima dele, e ele me abraçou com força.
— Você vai contar para ele? — perguntei.
— Para o Trent? Não. O dia de hoje foi para você e Olive guardarem de recordação. O resto segue depois.
Eu o soltei e me recostei em seu ombro.
— Gostei disso.
— Vou fazer muitas coisas que você vai gostar. Mas, primeiro, vou ficar sentado aqui com você pelo tempo que quiser. Não tem pressa.
Suspirei e abracei seu braço, memorizando o playground e o pequeno bosque uns cinquenta metros atrás dele. Os pássaros cantavam enquanto uma brisa leve soprava as folhas caídas pelo chão.
— É perfeito — falei.
— Dez minutos atrás, vendo vocês duas... Eu queria poder congelar aquele momento para gente viver nele para sempre.
— Podemos fazer isso. Podemos viver aqui na lembrança de Olive. Talvez ela se lembre do nosso tempo juntas todas as vezes que visitar este parque.
— Aposto que ela vai lembrar.
Pousei a cabeça em seu ombro.

— Estou em paz. Meu coração não tem espaço para nada além de você, Olive e a felicidade.

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