Capítulo 18

Pete estava cortando pimentões verdes enquanto eu falava, anuindo de vez em quando, para eu saber que ele estava prestando atenção. O sol ainda não tinha nascido, e seu avental branco já estava coberto de manchas marrons e verdes.
A cozinha estava em silêncio, exceto pela faca de Pete na bancada de trabalho. Como uma máquina de escrever, ele batia várias vezes antes de deslizar os pedaços para o lado, só para começar de novo.
Levei um susto quando ouvi passos pesados descendo a escada. Taylor empurrou as portas duplas, usando apenas um shorts de algodão cinza e as botas desamarradas. Ele congelou quando Pete apontou uma faca em sua direção.
Taylor olhou para mim.
— Não chega perto da comida — expliquei.
Taylor ficou parado.
— O que você está fazendo? — ele perguntou, cruzando os braços para afastar o frio.
Sequei meu rosto molhado.
— Conversando com Pete.
— Mas — Taylor estendeu a mão —, sem ofensa, cara — seus olhos se voltaram para mim —, o Pete não fala.
Dei de ombros.
— Ele não espalha os meus segredos, e eu não pergunto para ele por que ele não fala.
O comportamento de Taylor mudou imediatamente.
— Eu também não espalho os seus segredos. Mas isso foi quando você costumava me contar tudo.
Desci de um dos balcões de aço inoxidável ao longo da parede e acenei para Pete antes de pegar Taylor pela mão.
— Vamos voltar lá pra cima — falei, puxando seu pulso.
— Você estava chorando? — ele perguntou, hesitante, depois me deixou puxá-lo para atravessar as portas e subir a escada.
Pelo seu jeito, percebi que ele sabia que alguma coisa estava acontecendo.
Fechei a porta depois que entramos e me encostei nela.
— Falyn — ele disse, se remexendo com nervosismo —, isso é o que eu estou pensando que é? Porque foi um desentendimento, porra. Você não pode me largar depois de um desentendimento. E não foi nem um desentendimento. Foi uma... discussão apaixonada. E a última coisa que você me disse na noite passada foi que ia se mudar para Estes. Se você vai surtar tanto por isso a ponto de me abandonar, vamos ao menos conversar sobre as opções.
— Não vou te abandonar — falei.
Seu pânico era de cortar o coração.
— Então que merda é essa que está acontecendo? Por que você desceu às escondidas para conversar com o Pete às quatro e meia da manhã?
Passei por ele para sentar no sofá, usando o elástico que estava no meu pulso para prender o cabelo num coque bagunçado.
— Eu não desci escondido. Eu converso muito com o Pete de manhã, quando não tem ninguém por perto.
— Não quando eu estou aqui — disse Taylor, sentando ao meu lado. — O que está acontecendo, Falyn? Fala comigo.
— Eu preciso te falar uma coisa.
Ele se preparou para o que eu estava prestes a dizer.
— Não posso ter filhos.
Ele esperou um instante, depois seus olhos dançaram pelo cômodo.
— Eu... sei?
— Se a gente for em frente, e morar junto, e o que vier em seguida... sempre vamos ser só nós dois. Acho que você não entende isso totalmente.
Todos os seus músculos relaxaram.
— Que maldição, mulher, você me deixou assustado.
— Hein?
— Achei que você fosse dar um chute na minha bunda. Você só estava preocupada porque achou que eu não soubesse que você nunca poderia engravidar?
— É — falei, um pouco irritada por ele ser tão petulante em relação ao assunto.
Ele jogou a cabeça para trás.
— Eu já pensei nisso, baby. Não se preocupe.
— Isso só mostra que você não pensou de verdade.
— Existe um milhão de maneiras de ter filhos. Se nenhuma funcionar, podemos adotar.
— Não — falei, balançando a cabeça. — Você não entende. Já te falei. Isso tinha que acontecer. Você não pode simplesmente estragar a ordem das coisas.
— Você não acredita de verdade nessa merda... de isso ser um castigo para você.
Mal fiz que sim com a cabeça. Parecia maluquice, quando dito em voz alta.
— Baby, você não acha que já foi punida o suficiente?
Lágrimas queimavam os meus olhos. Sem nenhuma ideia do que esperar ou de como me preparar, eu sabia que essa seria uma conversa tensa.
— Você já é a melhor coisa que aconteceu comigo. Para.
Taylor me puxou para si e me abraçou com força, beijando meu cabelo.
— E se eu te falar que não quero adotar? — perguntei, feliz por não ter que encará-lo diretamente.
Ele hesitou.
— Eu... estou surpreso.
— Eu sei que você quer ter filhos. Não quero tirar isso de você. Tive muito tempo para pensar nisso, e simplesmente não consigo. Eu teria muito medo de tentar adotar. Eu ficaria preocupada com tantas coisas, tipo quem abriu mão do bebê e por quê. E se um dos membros da família resolver pegar a criança de volta? Não posso me arriscar a perder um filho duas vezes. Eu simplesmente... não posso.
— Não penso desse jeito.
— Eu sei.
— Eu entendo. Quer dizer... vamos atravessar esse obstáculo quando a gente chegar lá.
— Isso é uma coisa que a gente precisa conversar agora. Você quer filhos. Eu não posso engravidar e não quero adotar. Isso é muito importante. Não podemos esperar para ver, Taylor. Vai ser tarde demais.
— Eu quero você.
As lágrimas se acumularam em meus olhos.
— Quero que você pense nisso por um tempo.
— Meu Deus, Falyn. Você realmente acha que eu tenho que pensar nisso? Não. Eu não vou abrir mão de você, e você não vai abrir mão de mim.
Meu rosto se contorceu, e eu balancei a cabeça.
— Isso me diz que você não está levando esse assunto a sério.
— Eu entendi o que você está me oferecendo. Minha resposta é não. Se terminarmos sozinhos, mas juntos, posso pensar em coisas piores.
Funguei.
— É por isso que morar junto não tem me parecido certo. Eu sei que não posso deixar você fazer isso sem pensar muito bem.
— Mas parece certo a gente se afastar? Foda-se isso — ele disse, e se levantou. Andou de um lado para o outro e depois voltou.
Então se ajoelhou diante de mim, colocou as mãos nas minhas costas e me puxou para si até meus joelhos pressionarem seu peito nu.
Balançou a cabeça.
— Estou puto com você por causa disso, e eu te amo por causa disso. Mas você tem que saber que não existe nada que eu queira mais do que você.
— E se você se arrepender?
Ele ficou pálido, o rosto desabando.
— Você disse que não ia me abandonar, mas está me abandonando, porra. Só quer que eu faça isso.
— Você precisa pensar no assunto... quer dizer, pensar de verdade.
— Por que está fazendo isso, Falyn? Que tal você realmente pensar nesse assunto? A situação está ficando séria. Para e pensa nisso dois segundos, porra.
— Nós só precisamos de um tempo. Se você ainda se sentir do mesmo jeito depois...
— Depois? Quando é depois, porra?
— Taylor — falei, observando-o ficar com mais raiva a cada segundo.
— Um tempo. Sou adulto, Falyn. O que é isso? Você está me colocando de castigo, para eu poder pensar no que você quer que eu pense, do jeito que quer que eu pense?
— Eu sei que é isso que parece, mas só estou tentando fazer a coisa certa. Você vai me agradecer no futuro. Não estou tentando arrumar confusão para nós. Eu...
— Não fala. Não fala que é porque você me ama, senão eu perco a cabeça.
Ele se levantou e desapareceu do meu quarto. Voltou alguns minutos depois, vestindo calça jeans, meias e um pulôver preto de microfibra, com um boné preto e cinza. Por fim se abaixou para pegar as botas no chão.
— Você vai embora agora? — Fiquei um pouco surpresa e me senti culpada por isso.
Claro que ele estava indo embora. O que eu esperava que ele fizesse? O que tinha começado com boas intenções estava declinando rapidamente, e eu já estava me arrependendo disso, apesar de alguns minutos antes eu achar que tinha pensado bem em tudo.
Ele calçou as botas, enfiou as roupas sujas na mochila e colocou uma das alças sobre o ombro antes de pegar as chaves no balcão.
— É isso que você quer, né? — ele perguntou, estendendo as mãos. Depois segurou a maçaneta e apontou para mim. — Vou para casa e, em vez de me candidatar àquele emprego, vou pensar nesse assunto durante uma semana. Depois vou voltar, e você vai me pedir desculpas por foder com o fim de semana que eu estava esperando há um mês. — Ele abriu a porta de repente e, sem olhar para trás, disse: — Eu te amo.
A porta bateu, e eu fechei os olhos, me encolhendo com o barulho. Caí na almofada do sofá e cobri o rosto. Talvez ele estivesse certo. Talvez eu o estivesse afastando. Agora que ele tinha ido embora, eu me sentia exatamente do jeito que Travis descreveu na primeira vez que fui a Eakins. Era como se eu estivesse morrendo devagar e enlouquecendo um pouco.
— Eu te odeio — falei para mim mesma.
Na segunda de manhã, eu me arrastei escada abaixo, trocando as panquecas por uma xícara de café. Tinham se passado pouco menos de vinte e quatro horas desde que eu vira Taylor, mas eu sabia que, não importava quanto tempo passasse, a sensação horrível que me tomou no instante em que ele saiu não desapareceria.
A área de refeições estava vazia, exceto por mim, Chuck e Phaedra. Pete e Hector espiavam pelo passa-pratos.
Phaedra e Chuck estavam com o semblante preocupado.
— Ele ainda não ligou, não é? — Chuck perguntou, dando um tapinha no meu ombro.
— Ele me mandou uma mensagem ontem, tarde da noite — respondi.
— E aí? — perguntou Phaedra. — Boa ou ruim?
— Ele ainda está pensando.
— Isso é culpa sua — ela disse. — Ele não pediu para se afastar. Acho que ele nem queria isso.
— Querida... — disse Chuck, com um tom de alerta na voz.
— Ela está certa — falei. — Ele pode não precisar disso, mas ele merece.
Ela pegou uma pilha de cardápios.
— Ah, menina, ele tem sido bom pra você. Ele não merecia isso. — Ela se afastou, claramente com raiva de mim.
Olhei envergonhada para Chuck.
— Ela só quer o melhor pra você. Ela odeia te ver dificultando as coisas. Então... o que dizia a mensagem?
Peguei o celular e li em voz alta:
— “Não consigo acreditar que você me abandonou e estragou nosso fim de semana por causa da possibilidade de eu te abandonar por uma coisa sobre a qual você não tem controle.” — Li a mensagem seguinte: — “Pra ser sincero, eu não tinha mesmo pensado nisso antes, mas, agora que você insistiu que existe uma possibilidade real de que filhos não façam parte da nossa vida, você está certa. É uma decisão importante, sobre a qual eu preciso pensar, mas você não precisava me botar pra fora pra provar seu argumento.”
Phaedra voltou, impressionada com o que escutou.
— Ele é bem espertinho. Isso eu tenho que reconhecer.
— Como assim? — perguntei, exausta. Tantos pensamentos conflitantes na minha cabeça não me deixaram dormir bem.
— Pelo menos ele está fingindo que é objetivo.
Uma careta comprimiu meu rosto.
Kirby entrou apressada, e imediatamente fizemos de conta que não havia nada errado. Ela percebeu nossa tentativa patética e me interrogou sobre o fim de semana todas as vezes que tínhamos um tempo livre para conversar.
O Bucksaw ficou lotado a maior parte do dia, uma distração positiva para as perguntas incessantes de Kirby e as expressões de decepção de Phaedra. Quando limpei a última mesa do dia e sentei no banco para contar minhas gorjetas, Kirby forçou a barra até ultrapassar os limites.
— Pelo menos me diz quem está com raiva de quem! — ela implorou.
— Não! Para de perguntar! — soltei.
Phaedra cruzou os braços.
— Falyn, quero que me escute. Existem milhares de casais por aí que não têm filhos por opção. Olha para mim e para o Chuck. Claro que temos vocês duas, mas sempre fomos felizes. Você foi sincera com o Taylor. Ele sabe onde está se metendo. Não pode forçá-lo a fazer o que você acha que é certo.
Kirby me encarou como se eu estivesse em chamas.
— Ai, meu Deus, Falyn, você está grávida?
— Chega por hoje. — Peguei minhas coisas e fui para a escada.
Quando terminei meu banho e me enfiei na cama, Taylor me mandou uma mensagem. Eu me sentia enjoada, preocupada com o que ele pudesse me dizer, mas li a mensagem mesmo assim.

Dia Dois. Não precisa responder. Eu sei que você quer que eu passe esse tempo sendo objetivo, e eu quero que isso acabe, então eu que me foda se não fizer isso direito e você me obrigue a começar do zero. Pensei em você o fim de semana todo. Ontem foi meu primeiro domingo de folga em três semanas, e é uma merda eu ter passado aqui sem você. Metade de mim está com saudade, e a outra metade está bem puta. Estou me perguntando sobretudo como você poderia achar que qualquer coisa seria mais importante para mim do que você. Filhos são importantes, e, sim, nosso relacionamento é novo. Mas, se isso significar uma escolha, eu escolho você.

Mantendo sua palavra, Taylor pensou na minha proposta a semana toda, me mandando uma mensagem toda noite.

Dia Três. Hoje ainda é terça-feira. Parece que estou ficando maluco, porra. Não precisa responder, mas sinto uma saudade infernal de você. É difícil pensar em qualquer outra coisa, mas estou pensando e ainda me sinto igual. Está sendo a semana mais longa da minha vida, porra, e estou com medo de você me mandar catar coquinho do mesmo jeito. Você vai fazer isso? Não responde. Vou passar uns dias com o Tommy pra clarear as ideias.

No quarto dia, Taylor não mandou nenhuma mensagem. Fiquei deitada na cama, preocupada a ponto de achar que fosse vomitar. Senti algo pesado no peito, e minhas emoções estavam dominando tudo. Eu não queria perdê-lo, mas, se ele queria mais, eu devia a ele a possibilidade de se afastar. Esse tipo de egoísmo envenenaria aos poucos um relacionamento.
Lágrimas escorreram pelo canto dos meus olhos, descendo pelas têmporas, pingando na minha fronha e fazendo um barulhinho. Com o braço apoiado na testa e os olhos fechados, tentei afastar o pensamento, mas o medo abriu um buraco que só aumentava.
Olhei para o despertador, e os números marcavam 4h15 da manhã. Bem quando estendi a mão para o celular, ele apitou várias vezes seguidas. Eu me agitei para pegá-lona mesinha de cabeceira.

É o quinto dia dessa merda estou em San Diego e talvez você esteja certa. Talvez daqui a uns cem anos eu me sinta fodido por não ter uma família e deseje ter um folho pra jogar bola comigo e talvez eu queria netos talvez eu não te mereça de qualquer jeito. Talvez eu só esteja bêbado Foda-se. Foda-se tudo. Eu te amo e fiz o que devia fazer até agora e tô mais longe de você do que jamais estive desde que nos conhecemos. Não é culpa minha.

Digitei uma dezena de respostas diferentes, mas eu sabia que ele tinha bebido e estava chateado. Tentar argumentar ou até mesmo pedir desculpa não ajudaria muito e poderia até piorar as coisas. Deixar o celular de lado foi a coisa mais difícil que fiz nos últimos seis anos.
Pela segunda vez naquela semana, eu me amaldiçoei:
— Eu te odeio, porra. — Cobri os olhos.
Algumas horas depois, rolei para fora da cama, lavei o rosto e escovei os dentes. Em seguida, me vesti antes de descer a escada onze minutos depois. Prendi o cabelo num coque bagunçado, só para ter que subir de novo para pegar o avental.
Eu me arrastei a manhã toda, como era de esperar. Eu estava exausta, mas também arrasada porque minha intenção tinha se perdido no tormento que nós dois estávamos vivendo. Mesmo assim, eu tinha começado essa confusão e não fraquejaria até Taylor tomar a decisão por conta própria.
Pouco depois da correria do café da manhã, meu celular zumbiu no avental. Corri para trás do bar para verificar, sabendo que era Taylor.

Dia Cinco. Por favor, responde. Sinto muito. Sinto muito, pra caralho, pela noite passada. Acho que, tecnicamente, era hoje de manhã. Estou sentado aqui no aeroporto. Acabei de desligar o telefone com meu pai. Ele me deu vários bons argumentos que preciso discutir com você. Estarei em Eakins hoje à noite. Por favor, vá para St. Thomas. Eu durmo no chão, se quiser. Minha cabeça está latejando, e eu me sinto um merda, mas queria me sentir pior, apesar de achar que não poderia me sentir muito pior. Quero tanto te ver e te abraçar que estou ficando maluco. Só consigo pensar em te ver. Não, não responde. Estou com medo do que você vai dizer. Simplesmente aparece lá, por favor.

Passei o dedo indicador nas bordas da capinha do celular, me perguntando qual das instruções eu deveria seguir. A culpa sangrava naquela sua mensagem, fazendo minhas entranhas se contorcerem.
Por que tentar fazer a coisa certa acabou sendo tão horrível para nós dois?

Era só um tempo, só uma semana para pensar no nosso futuro, e nós dois estávamos despedaçados.

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