Capítulo 21

Parecia que eu havia acabado de dormir quando os pássaros lá fora começaram a trinar e guinchar. Taylor inspirou e expirou, sinalizando que ainda estava dormindo.
Saí da cama rastejando, vesti o biquíni e a saída de praia, coloquei um chapéu e peguei os óculos escuros e o celular para sair sorrateiramente.
— Ah. Oi — disse Travis. — Você vai para a praia?
Fiz que sim com a cabeça.
— E você?
Ele balançou a cabeça.
— Estou indo até o quarto do Thomas antes de eles irem embora. O voo deles é cedo.
— Ah. Tudo bem. Talvez a gente se veja mais tarde.
— É.
Antes que eu desse outro passo, Travis perguntou:
— Falyn. Você faz o Taylor muito feliz. Ele não só me falou isso naquela noite, mas está na cara dele. Não deixa que nada idiota atrapalhe isso.
Meu estômago afundou.
— Todo mundo sabe?
— Todo mundo sabe o quê? — ele perguntou.
Eu me encolhi.
— Nada. Parabéns. — Passei por ele, tentando não correr escada abaixo.
Eu era a única naquela escada interminável e a primeira na praia. A fileira da frente de espreguiçadeiras estava livre, então peguei uma no meio e relaxei.
Dez minutos depois, outro casal chegou. O céu mudou gradualmente de preto para azul-escuro e azul-claro, depois um borrifo de cores se espalhou pelo céu, revelando o mar e tudo o mais que a luz do sol tocava.
Fechei os olhos e ouvi as ondas e os pássaros, tentando afogar meus pensamentos. Inspirei o ar salgado e denso, fracassando miseravelmente em manter meu foco na beleza que me cercava, e não nas visões horríveis das mãos de Taylor na mulher da Califórnia — seus lábios nos dela, beijando-a e tocando nela como ele fizera comigo tantas vezes antes, como ela deve ter curtido, porque ele era muito, muito bom nessas coisas.
Meu celular apitou, e eu olhei para a tela, deslizando quando vi uma mensagem de Taylor.
É você aí na praia?
Eu me virei e o localizei rapidamente em nossa varanda.
Sim.
Tá bom. Vou te deixar em paz. Só queria ter certeza que você está bem.
Não precisa.
Não preciso o quê?
Me deixar em paz.
Em três minutos, Taylor estava parado ao lado da minha espreguiçadeira na praia, usando nada além de uma sunga e óculos na cabeça. Ele sentou, ainda ofegante.
— Temos muita coisa para conversar — falei.
Ele fez que sim com a cabeça.
— Sei que pedir desculpas não é suficiente. Nada que eu diga vai consertar isso, e eu estou ficando maluco tentando não pensar em alguma coisa... qualquer coisa... para consertar tudo.
Olhei para frente, feliz porque meu chapéu enorme me protegia do seu olhar.
— Você está certo. Mas você também não é o único que fodeu tudo aqui. Eu reconheço isso.
Ele abaixou a cabeça, apoiando a testa na mão.
— Estou aliviado pra caralho de você estar sendo tão sensata em relação a isso, mas tenho que admitir, Falyn — ele olhou para mim —, estou apavorado por você estar tão... zen.
— Não estou zen. Estou magoada, com raiva e me sentindo traída. Nosso voo é às três e, até lá, estamos juntos aqui com a sua família. Surtar com você não vai resolver nada.
Ele me observou por um instante.
— E aí? Você vai me abandonar assim que voltarmos?
— Não sei.
Ele suspirou.
— Sinto muito por te magoar. Sinto muito por te trair. Sinto muito por te deixar com raiva. Se você me der mais uma chance, isso nunca mais vai acontecer.
— Acredito em você — falei.
Ele sentou na areia ao meu lado, deslizou os dedos entre os meus e beijou as articulações dos meus dedos.
Depois de meia hora de silêncio, Trenton e Camille se juntaram a nós. Pouco depois, Travis chegou, sozinho. Ele não falou e sentou a duas poltronas de distância, encarando o mar.
— Oh-oh — disse Trenton, se levantando para ir até o irmão.
Taylor apertou minha mão e foi se juntar aos outros dois. Eles conversaram baixinho, mas ficaram sentados em silêncio a maior parte do tempo, todos parecendo encarar o mesmo ponto na água.
— Encontrei Travis hoje de manhã — falei para Camille.
— É? — ela perguntou. — Onde?
— Ele estava indo até o quarto do Thomas. Acha que isso tem alguma coisa a ver?
— Thomas? — Ela fez uma pausa, pensativa. — Não — concluiu. — Acho que não.
Pela objetividade em sua voz, percebi que ela estava mentindo. Ela já tinha namorado o Thomas. Ela sabia de coisas, inclusive o que tinha acontecido naquele quarto.
Travis saiu abruptamente, e Taylor voltou para o seu lugar.
— Ele está bem? — perguntei.
Taylor pareceu preocupado.
— Não sei. Ele não quis falar nada.
Camille fingia não ouvir, então eu disse exatamente o que queria que ela ouvisse.
— Para uma família que parece tão unida, vocês têm muitos segredos — falei.
Taylor caiu para trás.
— Acho que sim.
— Parece que você é o único capaz de dizer a verdade. — Assim que as palavras saíram da minha boca, eu me arrependi.
Taylor estava errado. Eu não estava zen. Agredir verbalmente e dar golpes baixos não eram algo que eu pensava ser capaz de fazer, mas isso não parecia ser o caso, no momento.
Camille virou para mim, irritada.
— Só porque você ama alguém, não significa que tem que falar tudo que você sabe.
— Acho que depende de quem é afetado pelos segredos, não acha? — perguntei, ainda sem conseguir extinguir minha raiva.
A boca aberta de Camille se fechou de repente, e ela encontrou o mesmo ponto no mar que os garotos encaravam antes, trincando os dentes. Não parecia estar com raiva especificamente de mim. Parecia mais frustrada com o segredo que estava guardando.
— Então você sabe por que o Travis está preocupado — falei para Camille. — Mas não contou para o Trenton porque tem a ver com o Thomas?
Taylor olhou para Camille em busca de confirmação, e ela olhou para mim, desesperada para eu parar.
Minha boca se curvou para o canto.
— Desculpa. Não tem nada a ver com você — suspirei. — Todos temos segredos, Cami. Só precisamos ter certeza que guardá-los não vai magoar as pessoas que amamos.
Camille me observou durante muito tempo, depois seus olhos se voltaram para o mar, se enchendo de lágrimas salgadas.
— Que diabos está acontecendo aqui? — Taylor perguntou, a cabeça alternando entre mim e Camille.
— A gente devia tomar o café da manhã e começar a fazer as malas. Temos que sair para o aeroporto... O que você acha? Meio-dia? — perguntei.
— É — respondeu Taylor, ainda preocupado com Camille. Ele se levantou, estendendo a mão para mim.
Eu a peguei e o segui até o Bleuwater, o principal restaurante do resort.
Taylor estava calado, comendo omelete, perdido em pensamentos enquanto mastigava.
— Quem era ela? — perguntei.
Taylor parou de mastigar.
Franzi o nariz e balancei a cabeça.
— Não responde.
— Ela não era você.
— Não — falei, antes de trincar os dentes.
Ele esperou pacientemente enquanto a raiva fervia dentro de mim. Ele sabia tão bem quanto eu o que estava por vir.
— Quatro dias? Sério? — sibilei.
Taylor encarou o prato.
— Fala alguma coisa — pedi.
— Não tenho nada para dizer. Não tem desculpa. Eu errei.
— Você disse uma semana. Foi isso que você disse. Você nem conseguiu cumprir seu próprio prazo antes de passar o cartão no buraco de outra pessoa.
Ele fez que sim com a cabeça.
— Não faz que sim com a cabeça para mim, porra. Não fica aí sentado aceitando tudo.
Ele levantou o olhar para mim.
— O que você quer que eu diga? Estou aqui morrendo de medo que você me dê um pé na bunda, e não tem uma maldita coisa que eu possa fazer, porque nós dois sabemos que eu mereço, Falyn. Então vou simplesmente ficar de cabeça baixa.
— Como é que eu devo reagir a isso?
Ele abriu a boca para responder e depois pensou melhor.
Eu me recostei na cadeira, fervendo de raiva, e, ao mesmo tempo, era difícil observar a culpa e a angústia nos olhos dele. Ele já se sentia mal. Ele já sabia que estava errado. Ele já estava arrependido. Eu estava com raiva dele por todas essas coisas, também. Eu merecia um momento de raiva sem culpa, e ele não era capaz de me dar nem isso.
Cobri o rosto, sem conseguir terminar a refeição.
— Você quer que eu peça a conta? — ele perguntou, parecendo arrasado. Só consegui fazer que sim com a cabeça.
— Meu Deus — ele sussurrou. — Tudo estava tão bem... Como foi que chegamos a esse ponto?
Quando terminamos o café da manhã, voltamos para o quarto, fizemos as malas e concluímos a jornada até o saguão para fazer o check-out. A entrada estava agitada com tanta atividade — pessoas entrando e saindo, empregados ocupados com hóspedes.
— Deve ter um carro esperando a gente lá fora — disse Taylor para a recepcionista.
— Está bem — disse ela. — Tudo certo. Espero que tenham gostado da estadia no Ritz-Carlton e voltem para nos visitar em breve.
— Obrigado — disse Taylor.
Ele carregou nossas malas até o lado de fora e cumprimentou o mesmo motorista que tinha me pegado no aeroporto.
Taylor ficou olhando pela janela a maior parte da viagem até Charlotte Amalie e só falou quando necessário, depois que chegamos ao aeroporto.
— Duas horas adiantados — falei, olhando para o relógio.
Taylor ficou sentado ao meu lado no nosso portão, mas agia como se eu fosse apenas mais uma passageira no terminal. Um voo para Nova York estava embarcando.
Estávamos tão adiantados que o monitor sobre a mesa não mostrava o nosso voo. Verifiquei o relógio várias vezes, curiosa para saber se ele estava preocupado com a família, comigo, ou com as duas coisas, e se eu devia tentar conversar com ele sobre isso ou deixá-lo com seus pensamentos.
Uma criança berrou em algum lugar atrás de nós, e, como tantas outras vezes em que escutei um recém-nascido, alguma coisa apertou meu peito. Havia famílias por toda parte, mães e pais exasperados, tentando ao máximo distrair os filhos pequenos cansados e entediados.
Eu me perguntei se Taylor um dia veria crianças com um sentimento de nostalgia, como eu fazia, se ele teria que fazer isso por causa do nosso início difícil, e se o fim de semana em St. Thomas era o começo do nosso fim.
— Taylor — falei.
Ele tirou o dedo da boca, cuspindo um pedaço de cutícula roído.
— Desculpa. Não estou tentando te ignorar. Só estou com muita coisa na cabeça.
— Quer conversar sobre o Travis? — perguntei.
— Não. Quero conversar sobre nós. Você está só esperando? Você vai jogar uma bomba quando chegarmos em casa?
Ele olhou para mim, com pânico nos olhos.
— Vai?
Mantive a voz baixa.
— Você transou com outra mulher porque estava com raiva de mim e, pior, você não sabe se usou proteção. Não sei como me sinto em relação a isso. Não sei como vou me sentir em relação a isso hoje, ou amanhã, ou na próxima semana. Essa é uma daquelas coisas que a gente só vai saber com o tempo.
Ele olhou para o chão, o joelho balançando.
— Sobre o que mais você quer conversar? — perguntei.
— Já é o bastante.
Inclinei o pescoço, frustrada.
— O que mais?
— O que você falou, sobre todos nós termos segredos, é verdade. Não gosto disso.
— Vi o Travis hoje de manhã. Ele estava bem.
As sobrancelhas de Taylor dispararam para cima.
— Antes da praia?
— Sim, quando eu estava saindo do quarto, ele estava indo se encontrar com o  Thomas.
Taylor pensou no assunto e depois balançou a cabeça.
— Droga. Alguma coisa está acontecendo com eles. Alguma coisa importante. E também não é nada bom.
— Acho que Camille tem uma ideia do que é.
Taylor semicerrou os olhos.
— Ela escondeu do Trenton que estava namorando o Thomas. Ela não contou ao Trent durante muito tempo. Sempre pensei que havia um motivo maior por trás disso. Quer dizer... todos nós conhecemos a Cami. O Trenton foi apaixonado por ela durante anos. Ninguém sabia que o Thomas estava namorando com ela, e eu achei que era para ninguém encher o saco dele. Agora... não sei. Tem alguma coisa a ver com o Travis, e isso não faz sentido.
— O Travis parecia arrasado. O que faria isso com ele?
Taylor balançou a cabeça.
— Perder a Abby. Praticamente só isso. Ele não dá a mínima para o resto. Que porra... você acha que pode ser o meu pai? Talvez ele esteja doente.
Balancei a cabeça.
— Não faria sentido o Thomas só contar para o Travis, certo?
Taylor pensou durante muito tempo, depois suspirou.
— Não sei. Não quero mais pensar nesse assunto. Isso me deixa com medo e com raiva. A Camille não devia saber mais sobre a minha família do que eu ou o Trenton. Isso é foda.
— Você pode pensar nisso. É uma distração — falei.
— De nós? — ele perguntou.
Fiz que sim com a cabeça.
Seus ombros despencaram, e ele se inclinou para a frente, esfregando as têmporas  com os dedos.
— Por favor, não.
Não consegui mais aguentar a angústia.
— Eu te amo. Uma vez você disse que não é uma frase que você fala por qualquer motivo. Eu também não. Não gostei do que você fez. Mas também não gostei do que eu fiz.
— Só promete que vai tentar.
— Taylor...
— Eu não me importo. Eu não me importo, porra. A gente tem que consertar isso.
— Não vou jogar nenhuma bomba em você. Temos muito o que conversar. Se dermos de cara com uma parede, você vai ver ela se aproximando.
— É. Estou vendo ela se aproximando.
— Não vê, não — falei, exasperada.
— Você não entende — ele sibilou, chegando mais perto, com o músculo do maxilar saltando sob a pele. — Eu nunca tive tanto medo como quando estava dirigindo de volta para Estes, depois de sair do seu apartamento. Nunca me senti tão perdido quanto no corredor diante da porta do Thomas, esperando ele chegar em casa. Achei que ia me sentir melhor quando ele chegasse, mas não aconteceu. Achei que o Tommy pudesse me
dizer alguma coisa que explicasse o que eu estava sentindo e os meus medos, mas ele
não conseguiu fazer isso. A sensação só piorava, Falyn. Só percebi o que era quando te vi
em pé naquele saguão.
Esperei. A agonia em seus olhos me fez querer desviar o olhar.
— Era luto, Falyn. Eu não sentia isso desde criança, mas me lembro da sensação de impotência quando a gente perde alguém. Não importa o quanto você ama alguém, não é possível trazer essa pessoa de volta. Não importa o quanto você grita, ou bebe, ou implora, ou reza... fica um vazio quando a pessoa vai embora. Ele queima e te apodrece de dentro para fora até você parar de chorar para a dor acabar e começar a aceitar que a vida vai ser assim.
Inspirei, horrorizada.
— Não estou dizendo que eu não mereço que você me largue. Mas vou fazer qualquer coisa se você me der uma chance de te mostrar. O Thomas me disse uma coisa em Eakins sobre não dormir com alguém para aliviar a dor. Não é uma desculpa, mas foi um erro, e vou aprender com ele.
Escutei suas palavras e depois as repeti mentalmente.
— Tenho algumas condições — soltei.
— Manda ver — ele disse, sem hesitar.
— Você precisa fazer um exame.
— Já está agendado.
— Preciso de tempo. Não posso fingir que não aconteceu nada.
— Dá pra entender.
— Preciso que você tenha paciência se e quando eu tiver um momento de ciúme, e quando isso me fizer lembrar que fui eu que comecei toda essa história, e que a culpa é sobretudo minha.
Taylor falou devagar, enfatizando cada palavra:
— Você não tem culpa. Nós dois fizemos merda, e nós dois estamos arrependidos.
— Essa é praticamente a única coisa que eu sei neste momento — falei.
— Não. Você sabe que a gente se ama. E por isso eu sei que as coisas vão melhorar.

Quando fiz que sim com a cabeça, Taylor se recostou no assento, apenas um pouco mais relaxado do que antes. Ou ele não acreditava nas próprias palavras, ou ele achava que eu não acreditava. Ele deslizou os dedos entre os meus, e esperamos, num silêncio constrangedor, até anunciarem o nosso voo.

Comentários

  1. — Você não tem culpa. Nós dois fizemos merda, e nós dois estamos arrependidos.
    — Essa é praticamente a única coisa que eu sei neste momento — falei. 👏👏👏👏

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