Capítulo 2

América

Sequei o suor que se acumulava acima dos meus lábios com uma das mãos, pressionando o topo do meu chapéu de aba larga com a outra. Do lado oposto das palmeiras e arbustos floridos de todas as cores vibrantes imagináveis, estavam Taylor e Falyn, sentados a uma mesa no Bleuwater.
Tirei meus enormes óculos de sol pretos e semicerrei os olhos, observando os dois discutirem. O segundo casamento na ilha perfeita tinha levado quase o ano todo para planejar, e os irmãos Maddox estavam estragando tudo.
— Jesus — suspirei. — O que foi agora?
Shepley segurou minha mão, olhando na mesma direção até ver o problema.
— Ah. Eles não parecem nem um pouco felizes.
— O Thomas e a Liis também estão brigando. Os únicos que estão se entendendo são o Trent e a Cami e o Tyler e a Ellie, mas a Ellie nunca fica com raiva.
— O Tyler e a Ellie não estão... juntos de verdade — disse Shepley.
— Por que todo mundo fica dizendo isso? Eles estão juntos. Só não admitem que estão juntos.
— É assim há muito tempo, Mare.
— Eu sei. Já chega.
Shepley me puxou para seu peito e se aninhou em meu pescoço.
— Você esqueceu da gente.
— Hein?
— Você esqueceu de falar da gente. Estamos nos entendendo bem.
Fiz uma pausa. Planejar, organizar e garantir que tudo fluísse com tranquilidade tinha me deixado ocupada. Tirando a recepção no Sails, eu mal tinha visto Shepley. Mas ele não reclamou nem uma vez.
Toquei no rosto dele.
— Nós sempre nos entendemos.
Ele me deu um meio sorriso.
— O Travis se casou duas vezes antes de todos nós.
— O Trenton não fica muito atrás.
— Você não sabe disso.
— Eles estão noivos, baby. Tenho quase certeza.
— Eles não marcaram a data.
Alisei minha saída de praia preta transparente e puxei Shepley em direção à praia.
— Você não aprova?
Ele deu de ombros.
— Não sei. É estranho. Ela namorou o Thomas antes. Isso não se faz.
— Bom, ela fez. E, se não tivesse feito, o Trent não estaria tão feliz. — Parei onde a faixa de areia terminava e apontei para a beira da água, onde alguns dos Maddox estavam reunidos.
Travis estava sentado numa espreguiçadeira branca de plástico, fumando um cigarro e encarando o mar. Trenton e Camille estavam em pé a poucos passos dele, observando-o com uma expressão preocupada.
Meu estômago afundou.
— Ah, não. Que merda.
— Deixa comigo — disse Shepley, soltando minha mão para ir até Travis.
— Dá um jeito nisso. Não importa o que você tenha que dizer ou fazer...
simplesmente dá um jeito. Eles não podem brigar na lua de mel.
Shepley acenou para mim, avisando que estava tudo sob controle. Seus sapatos espalhavam areia enquanto ele andava com dificuldade até o primo. Travis parecia arrasado. Não consegui imaginar o que poderia ter acontecido entre o êxtase conjugal da noite anterior e esta manhã.
Shepley sentou com os pés plantados entre sua cadeira e a de Travis e entrelaçou as mãos. Travis não se mexeu. Nem olhou para Shepley, simplesmente ficou encarando a água.
— Isso é ruim — sussurrei.
— O que é ruim? — perguntou Abby, me assustando. — Nossa, está nervosa hoje? O
que você está olhando? Cadê o Shep? — Ela esticou o pescoço para olhar para a praia atrás de mim. — Merda — sussurrou. — Isso parece ruim. Você e o Shepley estão brigando?
Girei nos calcanhares.
— Não. O Shepley foi descobrir o que há de errado com o Trav. Vocês não estão?
Brigando, quero dizer?
Abby balançou a cabeça.
— Não. Tenho certeza que ninguém chamaria de “brigar” o que ele fez comigo a noite toda. Se engalfinhar, talvez...
— Ele te falou alguma coisa hoje de manhã?
— Ele saiu antes de eu acordar.
— Agora ele... está daquele jeito! — falei, apontando. — Que raio aconteceu?
— Por que você está gritando?
— Não estou gritando! — Respirei. — Quer dizer... desculpa. Está todo mundo com raiva. Não quero pessoas irritadas neste casamento. Quero pessoas felizes.
— O casamento já acabou, Mare — disse Abby, dando um tapinha nas minhas costas quando passou. Em seguida caminhou até a praia.
O casamento a deixara confiante, mais calma e mais lenta para reagir quando alguma coisa estava errada. Abby tinha a segurança de saber que, se os dois tinham um problema, resolveriam e sairiam dele ainda mais unidos.
Travis, o Namorado, era imprevisível, mas Travis, o Marido, era o companheiro de equipe de Abby, a única família de verdade que ela tinha.
Eu quase conseguia ver o triunfo no modo como ela se movimentava ao se aproximar dele e de Shepley. Não importava o que estivesse errado, Abby não estava com medo.
Travis era invencível, assim como ela. Eles não tinham nada a temer.
Essa parte do casamento era atraente para mim, mas estar casada com um Maddox seria trabalhoso, e eu não tinha certeza se estava preparada para isso — mesmo que meu Maddox fosse Shepley.
No instante em que Abby se ajoelhou ao lado de Travis, ele jogou os braços ao redor dela e enterrou o rosto em seu pescoço. Shepley se levantou e deu alguns passos para trás, olhando para mim por um instante, antes de ver Abby fazer sua mágica.
— Bom dia, docinho — disse minha mãe, encostando em meu ombro.
Virei para abraçá-la.
— Oi. Dormiu bem?
Ela olhou ao redor e suspirou. As rugas nos dois lados de sua boca se aprofundaram quando ela sorriu.
— Este lugar, América... Você fez um trabalho muito bom.
— Bom demais — provocou meu pai.
— Mark, para — disse minha mãe, cutucando-o com o cotovelo. — Ela já disse que não está com pressa. Deixe a menina em paz. — E olhou para mim. — Nosso brunch ainda está de pé?
— Ãhã — respondi, distraída, vendo Travis abraçar Abby na praia. Mordi o lábio. Pelo menos eles não estavam brigando, ou talvez estivessem fazendo as pazes.
— Que foi? — perguntou meu pai. Ele olhou na mesma direção que eu e viu Travis e Abby de imediato. — Meu bom Deus, eles não estão discutindo, né?
— Não. Está tudo bem — garanti.
— O Travis não atacou nenhum universitário de férias por encarar a esposa dele, né?
— Não. — Dei uma risadinha. — O Travis está mais calmo... um pouco.
— A Abby está com aquela cara, Pam — disse meu pai.
— Não está, não — soltei, mais para mim do que para ele.
— Tem razão — disse minha mãe. — Definitivamente é aquela cara.
Eles estavam falando da cara de paisagem da Abby. Nenhum desconhecido daria importância, mas nós sabíamos o que significava.
Virei para eles com um sorriso forçado.
— Reservei mesa para seis. Acho que o Jack e a Deana já estão indo naquela direção.
Vou pegar o Shepley e encontramos vocês lá.
Minha mãe piscou e fingiu que não sabia que eu estava tentando me livrar deles, como em todas as vezes em que eles ignoraram a cara de paisagem da Abby quando éramos pegas na mentira. Meus pais não eram burros, mas também não eram tradicionais, no sentido de que, desde que
estivéssemos em segurança, eles nos permitiam cometer erros. O que eles não sabiam era que esses erros eram cometidos em Las Vegas.
— América — disse minha mãe, e seu tom me alertou para algo mais sério do que a cena na praia. — Temos uma ideia do motivo desse brunch.
— Não têm, não — comecei.
Ela levantou a mão.
— Antes que você deixe todo mundo desconfortável à mesa, seu pai e eu já discutimos o assunto, e nossos sentimentos não mudaram.
Minha boca se abriu, e minhas palavras se atropelaram antes de eu conseguir formar uma frase coerente.
— Mãe, por favor, só escuta a gente.
— Você ainda tem dois anos — disse ela.
— É um apartamento maravilhoso. É perto do campus... — falei.
— Os estudos nunca foram fáceis pra você — interpelou minha mãe.
— O Shepley e eu estudamos o tempo todo. Estou com média três ponto zero.
— Por pouco — disse minha mãe, com tristeza no olhar.
Ela odiava me dizer “não”, mas fazia isso quando era importante, o que dificultava muito os meus argumentos.
— Mãe...
— América, a resposta é não. — Meu pai balançou a cabeça, levantando as mãos, com as palmas para a frente. — Não vamos ser fiadores de um apartamento com o seu namorado, e não achamos que você conseguiria
manter notas satisfatórias e trabalhar horas suficientes para pagar o aluguel, ainda que só metade. Não sabemos a opinião dos pais do Shepley, mas não podemos concordar com isso. Ainda não.
Meus ombros caíram. Fazia semanas que Shepley vinha preparando um discurso com argumentos calmos e sólidos. Ele ficaria arrasado — de novo —, do mesmo jeito que da última vez, quando anunciamos que íamos morar juntos e fomos impedidos.
— Pai — choraminguei, num esforço desesperado.
Ele não se comoveu.
— Me desculpe, docinho. Acho melhor vocês não tocarem no assunto durante o brunch. É o nosso último dia. Vamos apenas...
— Entendi. Tudo bem — falei.
Os dois me abraçaram e foram em direção ao restaurante. Pressionei os lábios, tentando descobrir um jeito de dar a notícia para Shepley. Nosso plano tinha ido por água abaixo antes mesmo de o apresentarmos aos nossos pais.



Shepley

— Merda — sussurrei.
A conversa de América com os pais não pareceu agradável e, quando eles se afastaram e ela olhou para mim, eu já sabia o que tinha acontecido.
— Trav, olha pra mim — disse Abby, levantando o queixo dele até seus olhos focarem os dela.
— Não posso te contar. Essa é a única verdade que posso dizer.
Abby colocou as mãos na cintura e mordeu os lábios fechados, vasculhando o horizonte.
— Você pode pelo menos me dizer por que não pode me contar? — Ela olhou para ele com os grandes olhos acinzentados.
— O Thomas me pediu para não contar, e, se eu falar alguma coisa... não vamos poder ficar juntos.
— Só me responde isso — disse Abby. — Tem a ver com outra mulher?
A confusão e, depois, o pavor se refletiram nos olhos de Travis, e ele a abraçou de novo.
— Meu Deus, baby, não. Por que você acharia isso?
Abby o abraçou, apoiando o queixo no ombro dele.
— Se não é outra pessoa, eu confio em você. Simplesmente não vou ficar sabendo.
— Sério? — ele perguntou.
— Travis, qual é o problema afinal? — perguntei.
Ele franziu o cenho para mim.
— Shep — disse Abby —, é um assunto entre o Thomas e o Travis.
Fiz que sim com a cabeça. Se ele não contou para ela, não contaria para mim.
— Tudo bem. — Dei um soco de brincadeira no ombro de Travis com a lateral do punho. — Está se sentindo melhor? A Abby está de boa com a situação.
— Eu não diria isso — ela comentou. — Mas vou respeitar. Por enquanto.
Um sorriso cuidadoso se espalhou pelo rosto de Travis, e ele estendeu a mão para a esposa.
— Oi — disse América. — Tudo bem por aqui?
— Estamos bem — disse Abby, sorrindo para Travis.
Ele simplesmente fez que sim com a cabeça.
América olhou para mim, com a brisa do oceano soprando mechas grossas de seu cabelo loiro no rosto.
— Podemos conversar?
Minhas sobrancelhas se aproximaram, e ela se encolheu.
— Não me olha desse jeito — disse.
Travis e Abby foram caminhar pela praia, nos deixando sozinhos.
— Eu vi você com os seus pais. Parecia uma conversa tensa.
— É, não foi agradável. Eles sabiam o motivo de termos armado o brunch com eles e os seus pais. Me pediram pra não tocar no assunto.
— Você está falando de morarmos juntos? — perguntei, o corpo todo ficando tenso.
— É.
— Mas... eles nem ouviram o que tínhamos a dizer. Eu tenho argumentos.
— Eu sei. Mas eles estão concentrados nas minhas notas e acham que eu não vou ser capaz de trabalhar e manter o três ponto zero.
— Baby, eu te ajudo.
— Eu sei. Mas... eles estão certos. Se eu não tiver muito tempo pra estudar, não vai fazer diferença quanto você me ajuda.
Tínhamos escolhido um apartamento. Eu já tinha dado uma parte do dinheiro para reservá-lo.
Franzi a testa.
— Tudo bem, então eu sustento a gente. Tranco a matrícula da faculdade, se for preciso.
— O quê? Não! Essa é uma péssima ideia.
Segurei seus braços miúdos.
— Mare, nós somos adultos. Podemos morar juntos, se quisermos.
— Meus pais não vão me apoiar se eu morar com você. Eles disseram isso, Shep. Eles não vão me ajudar com as mensalidades, nem com os livros, nem com as despesas de casa. Eles acham que é a decisão errada.
— Eles estão enganados.
— Você está falando em desistir da faculdade. Estou começando a achar que eles estão certos.
Meu coração disparou. Aquilo parecia o começo do fim. Se América não estava interessada em morar comigo, talvez estivesse perdendo o interesse em mim.
— Casa comigo — soltei.
Ela franziu o nariz.
— Como é?
— Eles não podem falar nada se estivermos casados.
— Isso não muda os fatos. Eu ainda vou ter que trabalhar, e minhas notas vão cair.
— Já falei. Eu sustento a gente.
— Largando a faculdade? Não. Isso é idiotice, Shep. Para.
— Se o Travis e a Abby conseguem...
— Não somos o Travis e a Abby. Nós definitivamente não vamos nos casar pra resolver um problema, como eles fizeram.
Senti minhas veias incharem de raiva, a pressão fazendo o sangue ferver no rosto e se comprimir atrás dos olhos. Eu me afastei dela, cruzando as mãos no topo da cabeça, desejando que o temperamento dos Maddox se acalmasse. As ondas batiam na praia, e eu ouvia Trenton e Camille conversando de um lado e Travis e Abby do outro.
Crianças com suas famílias e casais jovens e idosos começavam a sair de seus quartos.
Estávamos cercados de pessoas bem resolvidas. América e eu estávamos juntos há mais tempo que Travis e Abby e Trent e Camille. Eles estavam casados ou noivos, e América e eu nem conseguíamos dar o próximo passo.
Atrás de mim, América deslizou os braços sob os meus, entrelaçando os dedos na minha cintura, pressionando o rosto e os seios nas minhas costas. Inclinei a cabeça para o céu. Eu amava quando ela fazia isso.
— Não tem pressa, baby — ela sussurrou. — Vai acontecer. Só precisamos ter paciência.
— Então... nada de falar no assunto durante o brunch.
Ela se remexeu, tentando balançar a cabeça nas minhas costas.
Soltei um suspiro profundo.

— Merda.

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