Capítulo 4

— É melhor você correr, mocinha — disse Phaedra. — Você tem que se aprontar, não tem?
Dei uma olhada nas minhas roupas.
— Pra quê?
— Você vai sair de avental com aquele garoto?
— Não. Eu não vou a lugar nenhum com aquele garoto.
Phaedra balançou a cabeça e atendeu a última mesa da noite. Apenas algumas cadeiras ainda estavam ocupadas. Já haviam passado alguns minutos da hora de fechar. Kirby já tinha varrido o chão e agora estava desmontando a máquina de sorvete.
O pessoal da última mesa pagou a conta, e Phaedra acenou enquanto a pequena família saía em direção ao carro estacionado bem em frente. Sentei no banquinho na ponta do balcão, contando minhas gorjetas. Kirby aceitou feliz um pequeno monte de notas — sua comissão por levar as pessoas às mesas e pelas excelentes habilidades de recepcionista — enquanto passava por mim para encontrar Gunnar na porta. Ele se curvou para abraçá-la e beijá-la, envolvendo os braços gigantescos em torno de sua minúscula estrutura.
— Boa noite! — exclamou Kirby.
— Boa noite — falei, o volume um pouco mais alto que um sussurro.
Phaedra e Chuck acenaram para o casal antes de Gunnar segurar a porta da frente para a namorada. Ela passou por ele, e os dois seguiram juntos até a vaga onde ele estacionara o carro dela. Pensei nos dois andando sozinhos no beco atrás do restaurante e em como Kirby não hesitaria em fazer isso.
O sino da porta tocou outra vez, e eu levantei o olhar, meio que esperando ver Kirby e Gunnar. Não seria a primeira vez que ela esquecia alguma coisa. Em vez disso, vi Taylor parado ao lado do balcão da recepção.
— Por que você está aqui? — perguntei.
As portas duplas balançaram algumas vezes antes de pararem, sinal de que Phaedra tinha ido para a cozinha.
— Vim te levar pra jantar.
— Eu cancelei — falei, guardando as gorjetas restantes no bolso do avental.
— Eu sei.
Abaixei o queixo, irritada.
— Qual é a de vocês, bombeiros civis? Vocês acham que só porque as mulheres andaram romantizando um pouco a profissão de vocês, automaticamente têm um encontro garantido?
— Não, só estou com fome e quero passar um tempo com você enquanto como.
— Já fechamos.
— E daí? — ele perguntou, de um jeito verdadeiramente inocente.
— E daí que você tem que ir embora.
Taylor enfiou as mãos nos bolsos do jeans.
— Confia em mim, eu quero mesmo. Sei que você meio que me odeia. Mulheres bravas por natureza não me atraem.
— Certo. Você prefere as fáceis, que fingem ser moderninhas dividindo a conta e depois ficam ansiosas para seguir o estereótipo de fãs de bombeiros de elite no fim da noite, na esperança de conseguir de alguma forma te prender com seus boquetes impressionantes.
 Taylor engasgou, parando bem perto de onde eu estava sentada, e apoiou as costas no balcão.
— Você me decifrou todinho, não é, sra. Ivy League?
— Como é?
— Você era estudante de psicologia? Ou está tentando me abalar um pouco analisando meu temperamento violento e depois jogando umas citações de Freud como brinde? Tentando fazer com que eu me sinta inferior com sua destreza acadêmica? Deixa eu adivinhar. Você estudou na Brown? Yale? Grande merda. Posso não ter um diploma, mas eu fui para a faculdade. Você não me assusta.
— Dartmouth. E faculdade comunitária não conta.
— Discordo totalmente. Tenho bacharelado em administração e mestrado em estudos femininos.
— Isso é um insulto. Você não chegou nem a cem metros de um curso de estudos femininos.
— Isso não é verdade.
Soprei a franja do rosto, irritada.
— Estudos femininos? — Ele não recuou. — Por quê? — perguntei, com raiva.
— Porque é relevante.
Meus lábios se separaram, mas fechei a boca de novo. Ele estava falando sério.
— Tá bom, eu estava brincando em relação ao mestrado, mas fiz alguns cursos voltados para estudos femininos. Descobri que o material de leitura está no lado certo da história. — Ergui uma sobrancelha. — Posso ser um bombeiro, mas sou instruído.
Estudei na Universidade Eastern, em Illinois, e é muito boa, para o tamanho dela.
— Espera. Você disse Illinois? — Engoli o aperto súbito na garganta.
— Sim, e você tem razão. Também tenho doutorado em baboseira e te reconheci a um quilômetro de distância.
— A que distância fica a Universidade Eastern da cidade de Eakins? — perguntei.
Taylor fez uma careta, sem saber aonde eu queria chegar com o interrogatório.
— A ESU fica em Eakins. Por que quer saber?
Meu coração disparou, batendo com tanta força que minha cabeça começou a latejar.
A respiração não estava mais no piloto automático. Inspirei o ar e o soprei, tentando me acalmar.
— Então você vai lá com muita frequência? Para reencontros, talvez?
— Sou de lá, então volto o tempo todo. Você não respondeu à minha pergunta.
Pela expressão dele, eu podia dizer que ele sabia que alguma coisa estava acontecendo. Todo o tom da nossa conversa tinha mudado, e a minha atitude também.
Eu o observei me observar. Tentei manter a expressão normal e impedir que a verdade transparecesse em meus olhos.
Todo o dinheiro na minha caixa de sapato no andar de cima era para pagar uma passagem de avião até Chicago, alugar um carro e um quarto de hotel em Eakins, Illinois. Não podia ser só uma coincidência esse cara ter entrado de repente na cafeteria e se interessado por mim.
— Só estou curiosa.
Seus ombros relaxaram, mas um brilho ainda ardia em seus olhos.
— Eu te conto tudo. Vamos.
— Não vou a lugar nenhum com você esta noite — falei. — Você está se esforçando demais. Até onde eu sei, você pode ser um serial killer.
— A Guarda Florestal não emprega serial killers.
— Como posso saber se você trabalha mesmo para eles?
Taylor suspirou, colocou a mão no bolso traseiro e pegou a carteira. Tirou a habilitação e a identidade da Equipe Alpina de Bombeiros de Elite.
— Isso é suficiente? — perguntou.
Tentei não ser rápida demais nem parecer muito interessada antes de dar uma olhada na identidade e depois na carteira de motorista, emitida em Illinois. Ele era mesmo de Eakins.
— Você nunca transferiu sua carteira de motorista?
— Ela expira no mês que vem. Aí eu tiro uma do Colorado. Meu chefe também está pegando no meu pé por causa disso.
Prendi a respiração enquanto dava uma espiada em seu endereço. Ele estava falando a verdade.
— Merda — sussurrei.
O endereço dele era na North Birch. Estendi as identificações, devolvendo-as lentamente.
— O que foi? — ele perguntou, pegando-as dos meus dedos.
— Sua foto na carteira de motorista é horrorosa. Você está tão horrível quanto um bando de babacas por aí.
Taylor riu.
— Não importa. Sou foda.
Soltei um muxoxo.
— Quem te disse isso precisa sair mais de casa.
As sobrancelhas de Taylor se uniram, e ele baixou o queixo.
— Você é mentirosa ou é lésbica. Qual das duas?
Taylor era minha passagem para Eakins. Reprimir a vontade de gritar, rir, chorar ou dar pulinhos era parecido com agarrar um animal selvagem coberto de graxa.
Pigarreei.
— Preciso fechar a lanchonete.
— Tudo bem. Eu espero lá fora.
Eu tinha que fazer tudo certo. Taylor só estava atrás de mim porque eu estava fugindo dele. Eu não podia parecer ansiosa demais.
Suspirei.
— Você simplesmente não vai embora, né?
Um canto de sua boca se curvou para cima, e uma covinha surgiu em sua bochecha esquerda.
Taylor era atraente, sem dúvidas. Não dava para negar que eu sentia borboletas no estômago quando ele me olhava, e eu queria odiar o modo como me sentia, ainda mais do que queria odiar os homens. Os lábios carnudos deliciosos, um acessório desnecessário para as feições já perfeitas, eram só algo a mais naquele todo ridiculamente lindo. A simetria do rosto era impecável. O queixo e o maxilar tinham a quantidade certa de barba por fazer — nem muito espessa nem muito rala. Os olhos aconchegantes cor de chocolate eram intermitentemente escondidos por uma fileira grossa de cílios. Taylor tinha todos os requisitos para ser um modelo de cuecas, e sabia disso.
— Você está curtindo, né? Você gosta de me ver analisando sua aparência para decidir se vou deixar isso ofuscar o fato de que você é um completo babaca.
— Não sou tão ruim — ele emendou, tentando reprimir a estranha diversão que as palavras provocavam nele.
— Qual é o nome da última garota com quem dormiu? Só o primeiro nome.
Ele remoeu minha pergunta, depois seus ombros despencaram.
— Tá bom, eu sou meio babaca.
Olhei para os seus braços. Ambos cobertos de tatuagens neotradicionais. Cores fortes e grossas linhas pretas formavam uma bola oito, uma mão aberta de ases e oitos, um dragão, uma caveira e o nome de uma mulher.
— Eu vou embora, mas não quero ir. — Ele olhou, a sobrancelha ativando seu charme com força total.
Qualquer outra garota poderia ter se derretido, mas eu só conseguia pensar em como o destino me dera um baita tapa na cara.
— Quem é Diane? — perguntei.
Ele olhou para os pés.
— Por que você está perguntando?
Apontei com a cabeça para seu braço.
— Uma ex-namorada? Você foi chutado e dorme com qualquer uma para compensar a dor de cotovelo?
— Diane é minha mãe.
Minha boca ficou seca na hora, e parecia ter um monte de areia quente na minha garganta. Pisquei.
— Merda.
— Prefiro merda a um pedido de desculpas.
— Não vou pedir desculpas... não mais.
Ele deu um sorriso forçado.
— Eu acredito. Escuta, a gente começou da forma errada. Sou meio super protetor quando se trata de homens agressivos com mulheres. Não posso prometer que não vai acontecer de novo, mas posso prometer que não vai acontecer hoje à noite. Então — ele me olhou, os cílios exalando a força total de seu charme magnético —, vamos nessa.
Pressionei os lábios. Agora que eu precisava dele, o jogo tinha se tornado especialmente arriscado. Eu precisava ser teimosa, mas não impossível.
— Não.
Seu rosto desabou, e ele se afastou, mas depois voltou, frustrado e confuso.
— Que maldição, mulher, para de me encher o saco!
Ergui uma sobrancelha.
— Por que quer tanto que eu saia com você? É uma aposta ou coisa parecida?
— Porque você fica me dizendo não!
Dei um meio sorriso.
— Então, se eu for, você vai me deixar em paz?
— Por que eu te chamaria para sair de novo? Você acha que gosto de ser rejeitado?
— Devia.
— Isso simplesmente... não acontece... comigo. — O pensamento ficou cozinhando.
Ele estava infeliz. Estava claro.
— Agora eu realmente quero te mandar catar coquinho no asfalto.
— Moça — ele disse, se esforçando para controlar o temperamento —, só toma uns drinques comigo. Eu nem te levo pra casa depois. Juro.
— Tá bom. — Estendi a mão para trás, desamarrando o avental com um puxão.
Enrolei os fios ao redor das gorjetas e o coloquei atrás do balcão. — Vamos curtir nossa última noite juntos.
Ele estendeu a mão.
— Já era hora, porra.
Deixei minha mão se encaixar de um jeito aconchegante na dele, enquanto ele me conduzia até a porta da frente. A pele dele na minha fazia eu me sentir completamente quente, ensopando os meus poros, derretendo uma parte de mim que estava fria havia muito tempo.
Com uma rápida olhada sobre o ombro, vi Phaedra e Chuck acenando, com um sorriso diabólico no rosto.
Taylor me puxou para atravessar a rua, sem mencionar o meu jeans barato nem o fato de que eu estava cheirando a lanchonete. Subi no meio-fio e continuei por meio quarteirão até uma fila que aumentava em frente ao Cowboys, o bar estilo faroeste.
— Sério? — reclamei.
Taylor apontou para um cara na entrada e depois me puxou para ultrapassar mulheres mais bem-vestidas, que não tinham sorte suficiente de conhecer o segurança.
— Ei!
— Não é justo!
— Isso é palhaçada, Darren!
Segurei a mão de Taylor, forçando-o a parar.
— Darren Michaels — falei para meu ex-colega do ensino médio.
— Falyn Fairchild — disse Darren. Seu corpo ocupava quase a largura toda da porta, e a camiseta preta justa se esticava sobre os músculos, escondidos sob a pele bronzeada.
— Eu não sabia que você trabalhava aqui.
Darren deu uma risadinha.
— Desde que fiz vinte e um, Falyn. Você devia sair do Bucksaw de vez em quando.
— Engraçadinho — falei enquanto Taylor me puxava para além de Darren e entrando no bar.
Passamos pelas janelas dos caixas. Uma das mulheres atrás do balcão nos viu, mas não tentou chamar a atenção de Taylor. Em vez disso, olhou para o próximo da fila.
— Você está usando suas milhas de fidelidade? — perguntei alto o bastante para ele me ouvir apesar da música.
Taylor sorriu, e eu afastei a palpitação ridícula em meu peito.
— Quer uma cerveja? — ele perguntou.
— Não.
— Ah, não vai me dizer que você é uma garota que gosta de vinho. — Como eu não respondi, ele continuou: — Coquetel? Uísque? Desisto.
— Eu não bebo.
— Você não... como?
Sua expressão confusa me fez sorrir.
— Eu não bebo — falei, enunciando cada palavra.
— Eu não entendo.
Revirei os olhos.
— Eu bebo — disse ele. — E fumo também. Mas isso eles não me deixam fazer aqui dentro.
— Nojento. Me sinto menos atraída por você agora.
Taylor não se deixou abalar e me levou até uma mesa alta. Então esperou até eu subir no banco.
— Vou pegar uma cerveja. Tem certeza que não quer nada? Água? Refrigerante?
— Aceito uma água. Por que você está sorrindo?
— Você acabou de dizer que se sentia atraída por mim. — Seu sorriso convencido era contagioso.
— É, mas isso foi antes de você falar.
O sorriso de Taylor desapareceu imediatamente.
— Você é má pra caralho. E, que merda, eu gosto tanto disso.
Ele se aproximou do bar com seu ar arrogante, sem dar a mínima para os meus insultos. Uma música pesada no violão de aço e com som agudo preenchia todo o espaço da pista de dança de dois andares. Apoiei o queixo na mão enquanto separava as pessoas conhecidas dos turistas. Depois observei Taylor conversando com Shea, que se formara uns dois anos depois de mim e trabalhava no Cowboys desde o dia do seu aniversário de vinte e um anos. Esperei Taylor flertar com ela ou fazer alguma coisa que ajudaria a solidificar minha opinião inicial de que ele era totalmente nojento.
Shea inclinou a cabeça e pareceu completamente impressionada, mas os dois olharam para mim. Não fazia sentido eu desviar o olhar. Eu já tinha sido pega.
Acenei, e eles acenaram de volta.
Shea abriu a cerveja de Taylor, depois encheu um copo de plástico com água e gelo.
Ela lhe deu um tapinha no ombro, antes que ele viesse em minha direção, carregando as bebidas.
— Shea — ele justificou.
— Eu conheço.
— Você me perguntou o nome da última garota que abati. Foi a Shea.
Fiz uma careta.
— Era meu primeiro fim de semana aqui. Ela é um docinho... e brava como o diabo.
— Abateu? O que isso significa? — indaguei, já arrependida de ter perguntado.
— Relações íntimas. Intercurso. Coito. Pegação. Comer. Fornicar. Afogar o ganso. Transar. Sexo. Dar um tapinha na bunda. Foder. Preciso continuar?
— Por favor, não. — Tomei um gole de água.
— Sou um vagabundo, como seu pai falou. — Ele levantou a garrafa e tomou um grande gole. — Existem poucas coisas para a gente fazer entre um chamado e outro.
— Só se você não tiver imaginação.
— O que você sugere?
— Ah, não sei. Agosto é uma boa época para escalar o Pico Pikes. O Jardim dos Deuses. As fontes Manitou. O zoológico. O Centro de Belas Artes. As Sete Quedas. O Museu Espacial.
— Tudo bem. Vamos fazer essas coisas. Que tal no próximo fim de semana?
Começamos com o Pico Pikes. Parece divertido.
— Hoje é nossa última noite juntos, lembra?
— Não mesmo — ele respondeu.
Revirei os olhos e tentei encontrar alguma coisa interessante na pista de dança. Havia várias para escolher. Vi um pai e uma filha — pelo menos era o que eu achava até ele tentar fazer uma respiração boca a boca nela —, um homem tentando ser rejeitado por todas as mulheres a um metro da pista de dança, uma mulher usando franjas pretas da cabeça aos pés dançando sozinha uma música basicamente para ser dançada a dois — e possivelmente estrelando um musical da Broadway na própria cabeça.
Taylor apontou para ela, esticando a mão que segurava a garrafa.
— Nós a chamamos de Mulher Gato. Ela só está se aquecendo.
— Nós quem? — perguntei.
— Eu... e eles — ele disse, apontando para os dois caras vindo na nossa direção.
Zeke e Dalton balançavam a cabeça, sem acreditar.
— Inacreditável, porra — disse Zeke. — Estou decepcionado com você, Falyn.
Os dois colocaram a mão no bolso e deram uma nota de vinte dólares para Taylor, cada.
Olhei para ele.
— Eu estava errada. Você é pior que um completo babaca.
Zeke olhou para Taylor parecendo genuinamente preocupado.
— O que seria pior do que isso?
Taylor levantou as mãos, as palmas para frente em rendição, apesar de estar claramente se divertindo.
— Só porque eu apostei com eles que conseguiria te trazer aqui, não significa que eu não queria que você viesse comigo. Além do mais, não consigo resistir a uma aposta fixa.
Balancei a cabeça, confusa.
— Ah! — disse Taylor, ainda mais animado depois que os amigos chegaram. — Alguém pode anotar isso? A Ivy League aqui não entende meu vernáculo!
— Você quer dizer sua verbosidade — falei com frieza.
A boca de Dalton se curvou em um meio sorriso.
Taylor se inclinou na minha direção. Ele cheirava a colônia e sabonete líquido barato, seu hálito com um toque de menta e tabaco doce.
— Uma aposta fixa é, basicamente, uma coisa certa. — Sua voz era baixa e suave.
— É — falei —, essa é a minha deixa. — Eu me levantei e fui em direção à porta.
Dalton e Zeke criaram caso, gritando “Ah!” ao mesmo tempo.
Em poucos segundos, os dedos de Taylor envolveram delicadamente os meus, me fazendo diminuir o passo até parar.
— Você está certa. Foi muito babaca da minha parte te falar isso.
Girei nos calcanhares e cruzei os braços.
— Não posso culpar um imbecil por fazer uma coisa imbecil.
Um músculo saltou no maxilar de Taylor.
— Eu mereci essa. Eu só estava brincando com você, Falyn. Você não facilitou nada.
Olhei furiosa para ele por um instante e depois relaxei.
— Está tarde. Tenho que trabalhar de manhã de qualquer maneira.
A decepção pesou sobre seus ombros.
— Ah, para com isso. Não é tão tarde! E você me prometeu bebidas. No plural.
— Águas contam?
— Vamos dançar.
— Não! — falei, e o som saiu tão alto e agudo que até eu me surpreendi.
Taylor também ficou meio surpreso.
— Ei, calma. É só uma dança. Não vou nem pegar na sua bunda.
Balancei a cabeça e dei um passo para trás.
— Por que não? — ele perguntou.
— Eu não sei dançar... daquele jeito — falei, apontando para os casais girando e rodopiando na pista.
Ele deu uma risada.
— Em dupla?
— Exatamente.
— Você sabe contar?
Estreitei os olhos.
— Isso é um insulto.
— Apenas responda à perg...
— Sim! Sim, eu sei contar — respondi irritada.
— Então sabe dançar acompanhada. Vamos lá, eu te ensino. — E seguiu em direção à pista de dança, me arrastando pela mão.
Apesar de minhas repetidas recusas se tornarem uma súplica fervorosa, ele me puxou até o retângulo de madeira no centro do salão.
Fiquei paralisada.
— Relaxa. Vou fazer você parecer ótima.
— Não gosto de música country.
— Ninguém gosta. Só segue o ritmo.
Suspirei.
Taylor colocou a mão direita no meu quadril e pegou a minha mão direita.
— Coloca a outra mão no meu ombro.
Olhei ao redor. Alguns homens estavam com a mão no ombro da parceira. Algumas mulheres estavam ocupadas demais girando em círculos para colocar as mãos em algum lugar.
— Ai, meu Deus — falei, fechando os olhos. Eu não gostava de fazer coisas que eu não sabia antecipadamente que seriam muito boas.
— Falyn — disse Taylor, a voz calma e suave.
Abri os olhos e tentei não me deixar distrair pela covinha em sua bochecha.
— Vou dar dois passos para trás com o pé esquerdo. Você vai para a frente com o direito. Duas vezes, certo?
Fiz que sim com a cabeça.
— Depois, vou dar um passo para trás com o pé direito, e você vai para frente com o esquerdo. Só uma vez. A contagem é dois rápidos, um, dois rápidos, um. Pronta?
Balancei a cabeça.
Ele riu.
— Não é tão difícil assim. Só escuta a música. Eu te conduzo pelo salão.
Taylor deu um passo, e eu o segui. Contei na cabeça, tentando espelhar seus movimentos. Eu não era totalmente ignorante no mundo da dança. Blaire tinha insistido para que eu fizesse aulas de balé até os treze anos, e ficou bem óbvio que nenhum treinamento conseguiria me ensinar a ser graciosa.
Aquele tipo de dança, no entanto, parecia um tanto indolor, e Taylor era muito bom, na verdade. Depois de algumas voltas na pista, ele soltou uma das mãos e me girou uma vez. Quando voltei para a posição original, não consegui impedir o sorriso que explodiu em meu rosto.
A música acabou, e eu bufei.
— Tá bom, não foi tão horrível.
Outra música começou, só que mais rápida.
— Então vamos dançar de novo — disse ele, me puxando consigo.
Gotas de suor começaram a se formar em sua testa, e minhas costas também ficaram úmidas. Na metade da música, Taylor me girou, mas, em vez de me puxar de volta para os seus braços, ele me girou para o outro lado. No fim da música, ele acrescentou um passo no qual me soltou, minha mão deslizou pelas costas dele, e terminamos dançando no ritmo de novo.
Depois da terceira música, voltei para a mesa.
— Você é muito boa! — disse Dalton.
— Ela é, né? — comentou Taylor, os olhos brilhando. — Quer mais uma água? Vou pegar mais uma cerveja.
— Obrigada — falei, observando Taylor se afastar.
— Nossa, para alguém que quer odiar tanto esse cara, você está encarando demais —di sse Dalton.
— Força do hábito — falei, observando Shea encher um copo com água.
Taylor pegou nossas bebidas e as trouxe até nós, colocando meu copo sobre a mesa.
— Droga, Taylor — disse Zeke. — Ela está querendo ter certeza de que você não vai colocar nada na bebida dela.
Taylor olhou para mim.
— Não. Sério?
— Eu não te conheço — falei.
— Isso acontece muito por aqui? — perguntou Zeke, um pouco perturbado com a ideia.
— Já aconteceu — respondi.
Taylor cerrou os dentes.
— É melhor eu não pegar ninguém fazendo essa merda. Isso é motivo para uma surra.
— Não é porque ela não te conhece — disse Zeke. — Ela só quer uma desculpa para te olhar quando você estiver com a bartender gostosona.
— Eu não estou com a bartender gostosona — disse Taylor ao amigo.
— Eu gostaria de estar com a bartender gostosona — comentou Zeke. E, sorrindo para Shea, tomou um gole de cerveja.
— Ela tem nome — falei. Como Taylor pareceu não se lembrar, lembrei a ele: — Shea.
Ele tentou parecer arrependido, mas fracassou.
— Eu sei o nome dela.
— Quanta gentileza — falei com frieza.
— Pare de agir como se fôssemos desconhecidos. Não vou colocar nada esquisito na sua bebida. Nunca precisei drogar ninguém para transar e não vou começar agora.
— Eu ainda não te conheço.
Ele me cutucou com o cotovelo.
— Você sabe que eu sou um bom dançarino.
— Você é um dançarino decente.
Dalton e Zeke caíram na gargalhada de novo.
Taylor abaixou a cabeça, rindo.
— Que cruel. Ela insultou minhas habilidades de dançarino!
Tomei um grande gole de água gelada e coloquei o copo na mesa, pela metade. Gotas de suor escorriam pelas minhas costas e entravam na minha calça jeans. Sequei a testa com o pulso.
— Eu realmente devia ir.
Uma nova música ressoou pelos alto-falantes, e todo mundo comemorou e foi para a pista de dança.
— Mais uma! — disse Taylor, me puxando pela mão.
Pressionei os lábios, tentando não sorrir.
— Tá bom, mas depois chega! Tenho que trabalhar cedo.
— Combinado! — disse ele, me rebocando até a pista de dança de madeira.
Taylor me girou antes de começarmos nossa dança contada. Entramos na fileira, dançando no sentido anti-horário, como todos ao redor. Os casais giravam e riam e, quando perdiam um passo ou erravam tudo, simplesmente riam ainda mais.
Fiquei surpresa de como consegui acompanhar rápido e até antecipar o que Taylor faria depois. Isto é, até o meio da música, quando ele fez algo novo. Dessa vez, ele me empurrou para longe e cruzou nossos braços, me puxando para si, e, no momento seguinte, eu estava no ar, de cabeça para baixo, até ficar de pé de novo, para continuar no ritmo da música.
Eu gargalhava como louca, sem conseguir controlar o riso.
— Você gostou?
— Eu nem sei o que aconteceu!
— Eu te fiz dar uma cambalhota.
— Cambalhota? Eu dei uma cambalhota? No ar? — perguntei, usando o dedo indicador para fazer pequenos círculos invisíveis.
— Ãhã. Estraguei todos os seus primeiros encontros. Admite.
Perdi um passo enquanto olhava para baixo para encará-lo em seguida.
— Isso não é um encontro.
— Tá bom, eu te pago um jantar. O que está aberto?
Parei de dançar.
— Isso não é um encontro. Na melhor das hipóteses, somos amigos.
Taylor se aproximou, o nariz roçando a ponta da minha orelha.
— Isso nunca funciona pra mim.
Dei um passo para trás. A sensação que me invadia era mais do que apenas um pouco alarmante. Acenei para ele e comecei a me afastar, mas ele puxou minha blusa.
Em seguida, suas mãos caíram nas laterais.
— Vamos, Falyn. Você não estava falando sério em relação a isso, né? Estávamos nos divertindo.
— Foi divertido. Obrigada.
Saí da pista de dança e acenei para Dalton e Zeke. Em seguida, passei empurrando várias pessoas para chegar à saída. Eu me apressei porta afora e saí no ar quente da noite de verão, respirando fundo.
Ele vai aparecer em três, dois...
— Falyn! —Taylor disse atrás de mim.
Reprimi um sorriso.
— Você disse que não ia me levar até em casa, lembra?
A decepção anuviou seus olhos, mas ele manteve a expressão calma.
— É você quem manda, Ivy League.
Era um risco. Se o ego dele não fosse firme como eu pensava, ele nunca mais falaria comigo. Mas, de todos os canalhas arrogantes que eu encontrara, Taylor Maddox era o maior.
Mesmo assim, eu tinha que jogar uma isca para ele. Eu fique na ponta dos pés e beijei seu rosto, deixando meus lábios se demorarem na pele dele por um segundo a mais.
Taylor se aproximou, atraído pela minha boca, o rosto virando menos de um centímetro na minha direção. Eu recuei, mas, quando nossos olhos se encontraram, ele parecia totalmente diferente. Não consegui identificar o que vi, mas alguma coisa tinha mudado.
— Boa noite.
— Boa noite — ele sussurrou.
Segui o caminho de casa, parando no semáforo para apertar o botão para pedestres. Não que eu tivesse muito com o que comparar, mas a Tejon Street tinha um tráfego moderado para uma noite de fim de semana. Normalmente a essa hora, eu estava deitada no sofá, comendo queijo e biscoitos enquanto lia uma das revistas inúteis que Kirby adorava levar para o trabalho para ler nos intervalos.
— Ei! — disse Dalton, correndo até o meu lado.
Ergui uma sobrancelha.
— O que foi?
— Ele prometeu que não ia te levar em casa, mas não prometeu que eu não faria isso.
Balancei a cabeça, tentando dominar a vitória que crescia dentro de mim.
— Eu sou capaz de atravessar a rua.
— Então finge que estou indo na mesma direção.
Suspirei.
— Todos os bombeiros de elite são assim tão difíceis?
— Todas as formandas da Ivy League são assim tão difíceis?
— Eu abandonei a Ivy League.
Dalton sorriu.
— Você é legal, Falyn.
Sorri também.
A cor do sinal mudou, e Dalton e eu atravessamos a rua em silêncio, passando por duas lojas antes de chegarmos à porta da frente do Bucksaw. Peguei o chaveiro no bolso e enfiei uma das chaves na fechadura.
— Você mora aqui ou o quê?
— No andar de cima.
— Vem a calhar — comentou Dalton.
— E é barato.
— Eu entendo. Boa noite, Falyn.
— Se cuida, Dalton. Foi legal te conhecer.
Ele fez sinal de positivo com a cabeça e voltou para o Cowboys. O clube de dança era do outro lado da rua e a duas portas de distância, mas dava para ver Taylor e Zeke juntos na calçada, fumando, conversando e verificando meu progresso de vez em quando.
Abri a porta, entrei e a tranquei em seguida. As persianas estavam abaixadas, e as luzes estavam desligadas no salão de refeições. Tateei até encontrar a escada que levava ao meu apartamento.
A segunda chave era a da minha porta. Virei a fechadura até ouvir um clique, depois girei a maçaneta para entrar em meu apartamento vazio. Na maioria das noites de sexta, dava para ouvir o baixo pulsando no Cowboys quando eu deitava na cama, e hoje não era exceção. Mas, dessa vez, dei uma olhada nas cartas na minha caixa de sapato, os olhos marejando com o endereço do remetente de todos os envelopes, com a possibilidade de estar em Eakins em breve se tornar realidade.
A sensação era completamente surreal — pela primeira vez, ter esperança desde que a perdi.

Comentários

  1. Essa garota esconde algo, só não gostei de saber que vai usar o Taylor pra isso

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