Capítulo 6
Shepley
O volante do Charger reclamou quando girei a madeira
com as duas mãos. A chuva caía do céu azul-escuro, atacando o para-brisa com
tanto barulho que América quase precisava gritar para superar o ruído. Ela
estava tagarelando mil palavras por minuto, e tudo se juntava num borrão. Ela
não estava com raiva, e sim excitada. Eu também não estava com raiva — estava
sentindo uma fúria profunda e total do caralho. A adrenalina ainda bombeava em
minhas veias, fazendo minha cabeça latejar, como se fosse explodir.
Essa sensação era exatamente o motivo de eu quase nunca
perder a calma. Isso me deixava enjoado, fora de controle, culpado — tudo que
eu não queria sentir.
Conforme os quilômetros ficavam para trás e saíamos
de Topeka, a voz de América começou a ficar clara.
Ela estendeu a mão para pegar a minha.
— Baby? Você me escutou? É melhor diminuir a
velocidade. A chuva está caindo com tanta força que está começando a se
acumular na estrada.
Ela não estava com medo, mas dava para perceber a
preocupação em sua voz. Meu pé se ergueu um centímetro do acelerador e eu me acalmei,
liberando a tensão da perna e depois do restante do corpo.
— Desculpa — falei entredentes.
América apertou minha mão.
— O que aconteceu?
Dei de ombros.
— Eu perdi a cabeça.
— Parece que eu estou viajando com o Travis, não com
o meu namorado.
Expirei pelo nariz.
— Não vai acontecer de novo.
De canto do olho, vi seu rosto se comprimir.
— Você ainda me ama?
Suas palavras foram como um soco no estômago, e eu
tossi uma vez, tentando recuperar o fôlego.
— O quê?
Seus olhos ficaram vidrados.
— Você ainda me ama? Isso tudo é porque eu disse
“não”?
— Você... você quer falar sobre isso agora? Quer
dizer... claro que eu te amo. Você sabe que sim, Mare. Não acredito que você me
perguntou isso.
Ela secou uma lágrima que havia escapado e olhou pela
janela. O clima lá fora espelhava a tempestade em seus olhos.
— Não sei o que aconteceu.
Minha garganta se fechou, sufocando qualquer resposta
que eu pudesse dar. As palavras me escapavam. Alternei entre encará-la em
confusão e olhar para a estrada.
— Eu te amo. — Ela fechou os dedos finos e elegantes
num punho e o colocou sob o queixo, com o cotovelo apoiado no descanso de
braço. — Eu queria conversar com você sobre como as coisas estão entre nós
ultimamente, mas estava com medo... e... eu não sabia o que dizer. E...
— América? Essa é uma... uma viagem de despedida?
Ela virou para mim.
— Responde você.
Não percebi que meus dentes estavam trincados até meu
maxilar começar a doer.
Fechei os olhos com força e pisquei algumas vezes,
tentando me concentrar na estrada, mantendo o Charger entre as linhas brancas e
amarelas. Eu queria parar para conversar, mas, com a chuva forte e a
visibilidade limitada, eu sabia que seria muito perigoso. Eu não ia me arriscar
com o amor da minha vida no carro — mesmo que ela não acreditasse nisso naquele
momento.
— A gente não conversa mais — disse ela. — Quando foi
que paramos de conversar?
— Quando começamos a amar tanto o outro que se tornou
assustador demais colocar isso em risco. Pelo menos foi assim pra mim... ou é —
falei.
Dizer a verdade em voz alta era, ao mesmo tempo, um
pavor e um alívio. Eu estava guardando isso havia tanto tempo que falar me fez
sentir um pouco mais leve, mas não saber como ela reagiria me deu vontade de
poder retirar o que eu havia dito.
Porém era isso que ela queria — conversar, dizer a
verdade —, e ela estava certa.
Havia chegado a hora. O silêncio estava nos
destruindo. Em vez de curtir nosso novo capítulo juntos, eu estava perdendo
tempo com por que não, ainda não e quando. Eu estava impaciente, e isso estava
me envenenando. Será que eu amava mais a ideia de nós dois do que a ela? Isso
nem fazia sentido.
— Me desculpa, Mare — soltei.
Ela hesitou.
— Por quê?
Meu rosto se contorceu em repulsa.
— Pelo jeito como eu tenho agido. Por esconder coisas
de você. Por ser impaciente.
— O que você está escondendo de mim?
Ela parecia tão nervosa que partiu meu coração.
Levei sua mão aos lábios e a beijei. Ela virou para
mim, puxando uma perna para cima e abraçando o joelho no peito. Ela precisava
de alguma coisa para abraçar, se preparando para minha resposta. As janelas
salpicadas de chuva estavam começando a embaçar, suavizando-a. Ela era a
coisa mais linda e mais triste que eu já tinha visto.
Era forte e confiante, e eu a reduzira à garota preocupada de olhos arregalados
ao meu lado.
— Eu te amo e quero ficar com você pra sempre.
— Mas...? — disse ela rapidamente.
— Não tem nenhum mas. É só isso.
— Você está mentindo.
— De agora em diante, é só isso. Eu juro.
Ela suspirou e olhou para a frente. Seu lábio começou
a tremer.
— Eu fiz merda, Shep. Agora você está satisfeito de
continuar como estamos.
— Sim. Quer dizer... algum problema quanto a isso?
Não é o que você quer? Como assim, você fez merda?
Seus lábios se pressionaram e formaram uma linha
dura.
— Eu não devia ter dito “não” — ela lamentou
baixinho.
Expirei, me perdendo em pensamentos.
— Pra mim? Quando eu te pedi em casamento?
— É — respondeu ela, a voz quase implorando. — Eu não
estava preparada naquele momento.
— Eu sei. Tudo bem — falei, apertando sua mão. — Não
vou desistir de nós dois.
— Como a gente faz para consertar isso? Estou
disposta a qualquer coisa. Só quero que volte a ser como antes. Bom, não
exatamente, mas...
Sorri, observando-a tropeçar nas palavras. Ela estava
tentando me dizer alguma coisa sem dizer, e era algo com o qual ela não se
sentia confortável. América sempre dizia o que queria. Era um dos milhões de
motivos pelos quais eu a amava.
— Eu queria poder voltar àquele momento. Preciso de
um repeteco.
— Um repeteco? — perguntei.
Ela estava, ao mesmo tempo, esperançosa e frustrada.
Abri a boca para perguntar o motivo, mas começou a cair uma tempestade de
granizo, com pedras do tamanho de moedas de vinte e cinco centavos.
— Merda. Merda! — gritei, imaginando cada amassado na
lataria do carro.
— O que fazemos? — perguntou América, se endireitando
e colocando as mãos no assento.
— A que distância estamos?
América procurou o celular e digitou alguma coisa.
— Estamos bem perto de Emporia, então falta um pouco
mais de uma hora — ela gritou acima do barulho da chuva e de mil pedaços de
gelo que atingiam a pintura a sessenta quilômetros por hora.
Diminuí a velocidade ainda mais, vendo o brilho das
luzes de freio dos veículos parados no acostamento. Os limpadores de para-brisa
ecoavam meus batimentos cardíacos num ritmo rápido, mas constante, como a
música dançante no The Red.
— Shepley? — América chamou. A preocupação tingia sua
voz como antes, mas agora ela também estava com medo.
— Vamos ficar bem. Vai passar logo — falei, esperando
estar certo.
— Mas o seu carro!
A traseira do Charger deslizou, e eu soltei a mão de
América, usando as duas para segurar o volante e evitar a derrapagem.
Escorregamos pela estrada em direção ao canteiro central. Eu exagerei na
correção do volante, e o Charger começou a rodar em direção à vala no
acostamento. Devagar, girei o volante de novo e tirei o pé do acelerador.
O carro fez uma curva e nós deslizamos por um
barranco pequeno antes de parar num fosso de escoamento inundado.
A água subiu quase até minha janela, o rio marrom
coberto de mato implorando para entrar.
— Você está bem? — perguntei, segurando seu rosto,
analisando-a.
Os olhos de América se arregalaram.
— O que... vamos...
Seu celular começou a apitar. Ela deu uma olhada
rápida e me mostrou a tela.
— Alerta de tornado — disse. — Pra Emporia. Agora.
— Temos que sair daqui — falei.
Ela fez que sim com a cabeça e virou no assento.
— Vamos deixar a bagagem aqui. Depois a gente volta
pra pegar. Temos que ir. Agora.
Abri minha janela. América entendeu, soltou o cinto
de segurança e abriu a dela também. Quando ela começou a sair, soltei meu
cinto, mas parei. O anel estava na minha mochila, no banco traseiro.
— Merda! — América gritou de cima do carro. — Deixei
meu celular cair na água!
As sirenes do alerta de tornado soavam ao longe,
enquanto o granizo era substituído pela chuva.
Estendi a mão para pegar a mochila, pendurei-a no
ombro e saí pela janela, me juntando a América no alto do carro. A água
espirrava por cima do capô. América cruzou os braços nus sobre o peito,
tremendo com o vento, o cabelo já saturado de chuva.
Usando apenas short, camiseta regata e sandálias, ela
estava vestida para um dia quente de verão.
Dei uma olhada rápida ao redor, analisei a água e
pulei. Mal chegou à minha cintura.
— Não é fundo, baby. Pula.
América semicerrou os olhos na chuva.
— Temos que conseguir um abrigo, América. Vem, pula!
Ela mais caiu que pulou, e eu a ajudei a atravessar a
colina de grama. Havia carros estacionados dos dois lados da estrada, mas nem
todo o trânsito tinha sido interrompido. Um carro passou voando por nós,
soprando o cabelo de América e nos deixando ensopados.
Ela estendeu os braços, os dedos abertos, o rímel
escorrendo no rosto.
— Não estou vendo nada, e você? — perguntei.
Ela balançou a cabeça, usando a camiseta para secar o
rosto.
— Isso não quer dizer nada. Eles podem ter
informações sobre alguma borrasca.
— Aquela passarela fica mais perto que a cidade.
Vamos pra lá. Podemos ligar pros seus pais...
Uma melodia de gritos ecoou atrás de nós, e eu olhei
para ver o que estava acontecendo.
— Shepley! — gritou América, olhando horrorizada para
sudoeste, em direção ao estacionamento de trailers aninhado num campo de
árvores. Os galhos estavam se dobrando, quase chegando a quebrar, se agitando
desesperadamente sob o vento enfurecido.
— Caralho — falei, vendo uma nuvem cair lentamente do
céu.
América
Molhada e congelando, levantei a mão trêmula para
apontar para o dedo azul pendurado nas nuvens acima de nós. Alguém passou
esbarrando em mim, quase me derrubando, e eu vi um homem correndo em direção à
passarela, abraçado a uma menininha de maria-chiquinha e sandália branca.
O pedágio levava a uma passarela por cima da Highway
170. O estacionamento de trailers ficava num dos lados, e no outro havia um
posto de gasolina, a menos de quinhentos metros.
Shepley estendeu a mão.
— Precisamos ir.
— Pra onde?
— Pra passarela.
— Se o tornado passar por cima da ponte, seremos
sugados — falei, meus dentes começando a bater, sem saber se era de frio ou de
pavor. — O posto de gasolina é o lugar mais seguro!
— É mais perto que Emporia. Espero que o tornado não
venha direto na nossa direção.
Mais pessoas passaram correndo por nós em direção ao
cruzamento, desaparecendo enquanto desciam a colina para se esconder embaixo da
ponte. Um caminhão apertou o freio no meio da estrada e, segundos depois, um
SUV bateu atrás. Um barulho alto de vidro e metal esmagado foi
abafado pelo vento crescente criado pelo tornado. Ele
tinha aumentado nos poucos segundos em que desviei o olhar.
Shepley fez sinal para eu esperar enquanto corria até
o local da batida. Espiou a situação, deu alguns passos para trás e depois se
apressou para ver como estava o motorista do caminhão. Seus ombros desabaram.
Não havia mais ninguém ali.
— Você não pode ficar aqui! — disse uma mulher,
puxando meu braço.
Ela estava de mãos dadas com um menino de uns dez
anos. O branco de seus olhos se destacava na pele bronzeada.
— Mãe! — disse ele, puxando-a.
— O tornado vai passar exatamente por aqui! Você
precisa encontrar abrigo! — disse ela outra vez, disparando com o filho em
direção ao posto de gasolina.
Shepley voltou até mim e pegou minha mão.
— Temos que ir — disse ele, virando para ver dezenas
de pessoas correndo na nossa direção, saindo de seus veículos estacionados.
Fiz que sim com a cabeça e começamos a correr. A
chuva espetava meu rosto, soprando no sentido horizontal e dificultando a
visão.
Shepley olhou para trás.
— Vamos! — disse ele.
Atravessamos duas pistas e paramos do outro lado do
canteiro central de grama. O trânsito tinha diminuído, mas ainda se movia nas
duas direções. Paramos por um instante, e Shepley me puxou para a frente de
novo,
atravessando as duas pistas de tráfego próximo,
depois descendo a rampa até o posto de gasolina. Uma placa acima de nós dizia
“Flying J”. As pessoas estavam fugindo do estacionamento em direção à
passarela.
Shepley parou. Meu peito oscilava.
— Aonde vocês estão indo? — ele perguntou para
ninguém em particular.
Um homem que segurava a mão de uma menina em idade
escolar passou correndo por nós, apontando para a frente.
— Está cheio! Não cabe mais ninguém!
— Merda! — gritei. — Merda! O que vamos fazer?
Shepley encostou no meu rosto, a preocupação deixando
tensa a pele ao redor de seus olhos.
— Rezar para não sermos atingidos.
Corremos juntos até as duas pontes que davam acesso à
passarela. As fendas embaixo delas já estavam lotadas de pessoas assustadas.
— Não tem espaço — falei, desesperada.
— A gente dá um jeito — disse Shepley.
Enquanto subíamos a ladeira íngreme da colina de
concreto, carros ainda passavam acima de nós, feito tambores. Pais haviam
aninhado os filhos nos cantos mais profundos que conseguiram encontrar e os
cobriam com o próprio corpo. Casais se abraçavam, e um grupo de quatro
adolescentes secava o rosto molhado, se alternando entre xingar o celular e
rezar.
— Ali — disse Shepley, me puxando para baixo da ponte
oeste. — Vai atingir a ponte leste primeiro. — Ele me levou até o centro, onde
havia um pequeno espaço, com tamanho suficiente para um de nós. — Sobe, Mare —
disse ele, apontando para uma extremidade que precedia o nicho de concreto com
meio metro de profundidade.
Balancei a cabeça.
— Não tem espaço pra você.
Ele franziu a testa.
— América, não temos tempo pra isso.
— Está vindo! — gritou alguém da ponte oeste.
Shepley segurou os dois lados do meu rosto e beijou
meus lábios.
— Eu te amo. Vamos ficar bem. Eu prometo. Entra lá.
Ele tentou me guiar, mas eu resisti.
— Shep... — falei acima do barulho do vento.
— Agora! — exigiu ele. Shepley nunca tinha falado
comigo desse jeito.
Engoli em seco e obedeci.
Ele olhou ao redor, bufando e puxando a camiseta
ensopada para longe do tronco, quando percebeu um homem lá embaixo segurando o
celular com o braço para cima.
— Tim! Sobe aqui! — gritou uma mulher.
O cara passou a mão no cabelo escuro molhado,
continuando a apontar o celular na direção do tornado.
— Está se aproximando! — gritou o homem, sorrindo de
empolgação.
Crianças choravam, e alguns adultos também.
— Isso está acontecendo? — perguntei, sentindo o
coração martelar no peito.
Shepley apertou minha mão.
— Olha pra mim, Mare. Vai passar daqui a pouco.
Fiz que sim com a cabeça rapidamente, me inclinando
para ver se Tim ainda filmava.
Ele deu um passo para trás e começou a subir a
inclinação aos tropeços.
Puxei Shepley o mais perto possível de mim, e ele me abraçou
com força. O tempo pareceu parar. Estava tudo quieto — nada de vento, nada de
choro, quase como se o mundo tivesse prendido a respiração, na expectativa dos
próximos segundos. Aquele era um momento que poderia mudar a vida de todos que
tinham se abrigado embaixo das pontes erradas.
Em pouquíssimo tempo, a paz acabou, e o vento começou
a rugir como se uma dezena de jatos militares voassem baixo e devagar sobre a
nossa cabeça. A grama no canteiro central abaixo começou a chicotear, e eu tive
a sensação de estar embaixo de um quilômetro de água, a mudança na pressão
atmosférica parecendo pesada e desorientadora. No início, fui um pouco
empurrada para trás, depois vi Tim sendo levantado no ar. Ele caiu no chão, se
agarrou ao concreto e depois à grama, antes de ser sugado para o céu por um
monstro invisível.
Gritos me cercaram, e meus dedos se enterraram nas
costas de Shepley. Ele se inclinou na minha direção, mas, quando o funil abriu
caminho até o
outro lado da ponte leste e depois da nossa, o ar
mudou. Outra pessoa gritou quando perdeu o apoio e foi puxada do nosso
esconderijo. Uma a uma, todas as pessoas que não estavam dentro do abrigo onde
a colina encontrava a ponte foram arrastadas.
— Se segura! — Shepley gritou, mas sua voz foi
abafada, e ele usou todas as forças para me empurrar ainda mais para dentro da
fenda.
Senti seu corpo se afastando do meu. Seus braços me
apertaram com mais força, mas, quando comecei a escapar para a frente, ele me
soltou e enterrou os dedos dos pés no concreto, se inclinando contra o vento.
— Shep! — gritei, vendo seus dedos ficarem brancos,
pressionando o chão.
Ele se esforçou por um instante para me dar sua
mochila.
Eu a deslizei sobre um braço e estendi a mão para
ele.
— Pega a minha mão!
Seus pés começaram a escorregar, e ele olhou para
mim, com reconhecimento e pavor no rosto.
— Fecha os olhos, baby.
Depois que falou essas palavras, ele desapareceu,
soprado para longe como se não pesasse nada. Gritei seu nome, mas minha voz se
perdeu no vento ensurdecedor.
A pressão atmosférica mudou e a sucção parou. Corri
até a parte de baixo e vi o funil azul-escuro girando e fazendo uma barreira no
pedágio, jogando carros grandes longe, como se fossem brinquedos. Engatinhei
para
fora da fenda e saí correndo de debaixo da ponte,
olhando ao redor sem acreditar, sentindo a pontada da chuva em cada centímetro
do meu corpo.
— Shepley! — gritei, me dobrando. Segurei sua mochila
com força, abraçando-a como se fosse ele.
A chuva parou, e eu observei enquanto o tornado
crescia, deslizando graciosamente em direção a Emporia.
Corri até o Charger e parei em cima da colina. O
pedágio agora era um rastro de destruição, com carros destroçados e escombros
espalhados para todo lado. A batida entre o caminhão e o SUV não estava mais
lá, deixando um enorme pedaço de lata retorcida no lugar.
Poucos momentos antes, Shepley e eu estávamos
viajando para ver meus pais. Agora, eu estava no meio do que parecia um campo
de guerra.
A água ainda espirrava para cima do Charger.
— Estávamos aqui agora há pouco — sussurrei para
ninguém. — Ele estava aqui agora há pouco! — Meu peito oscilou, mas, não
importava quanto eu inspirasse, não conseguia sorver o ar. Minhas mãos foram
até os joelhos, que atingiram o chão. Um soluço atravessou minha garganta, e eu
chorei.
Esperei que ele viesse correndo até mim e me
garantisse que estava bem. Quanto mais eu esperava sozinha no Charger, mais
entrava em pânico. Shepley não ia voltar.
Talvez ele estivesse em algum lugar, machucado. Eu
não sabia o que fazer. Se saísse para procurá-lo, ele poderia vir até o
Charger, e eu não estaria ali.
Respirei fundo, secando a chuva e as lágrimas do
rosto.
— Por favor, volta pra mim — sussurrei.
Luzes vermelhas e azuis refletiram no asfalto. Olhei
por sobre o ombro e vi um carro de polícia estacionado atrás de mim. Um
policial saiu e veio correndo, se ajoelhou a meu lado e colocou a mão delicada
em minhas costas. “Reyes”, estava gravado no distintivo preso no bolso da
frente da camisa. Ele ajeitou o quepe de feltro azul, e a estrela de bronze
presa na frente dizia “Patrulha Rodoviária do Kansas”.
— Você está machucada? — Reyes estendeu os braços
largos, colocando um cobertor sobre meus ombros.
Não percebi que estava com muito frio até o doce
alívio do calor penetrar minha pele.
O oficial se assomava sobre mim, maior que Travis.
Ele tirou o quepe, revelando a cabeça raspada. Sua expressão era grave, não
importava sua intenção. Duas rugas profundas separavam as sobrancelhas pretas e
grossas, e seu olhar se aguçou quando ele olhou para mim.
Balancei a cabeça.
— Esse veículo é seu?
— Do meu namorado. A gente se abrigou embaixo da
passarela.
Reyes olhou ao redor.
— Bom, isso foi burrice. Onde ele está?
— Não sei. — Quando falei as palavras em voz alta,
uma nova dor me queimou e eu desabei, mal conseguindo me segurar quando minhas
mãos bateram na estrada molhada.
— O que é isso? — ele perguntou, apontando para a
mochila nos meus braços.
— É... é dele. Ele me deu antes de...
Um zunido alto soou, e Reyes falou:
— Dois-dezenove para Base H. Dois-dezenove para Base
G. Câmbio.
— Dois-dezenove, prossiga — disse uma voz feminina
através do rádio, em um tom completamente tranquilo.
— Tem um grupo de pessoas que estava abrigado embaixo
da junção entre a Highway 50 e a I-35. — Ele vasculhou a área, vendo pessoas
machucadas espalhadas por todo o pedágio. — O tornado passou por aqui.
Dez-quarenta-e-nove para este local.
Vamos precisar de assistência médica. O máximo que puderem
liberar.
— Entendido, dois-dezenove. Estão sendo enviadas
ambulâncias para o local.
— Dez-quatro — disse Reyes, voltando a atenção para
mim.
Balancei a cabeça.
— Não vou a lugar nenhum. Tenho que procurá-lo. Ele
pode estar machucado.
— Pode, sim. Mas você não pode ir procurá-lo antes de
cuidar disso aí. — E apontou com a cabeça para o meu antebraço.
Um talho de cinco centímetros tinha rasgado a minha
pele, e o sangue se misturava à chuva, escorrendo do ferimento para o asfalto.
— Ai, meu Deus — falei, segurando o braço. — Eu nem
sei como aconteceu. Mas eu...
não posso ir embora. Ele está em algum lugar por
aqui.
— Você vai embora. Depois pode voltar — disse Reyes.
— Agora você não vai poder ajudá-lo.
— Ele vai voltar pra cá. Pro carro.
Reyes assentiu.
— Ele é esperto?
— Ele é brilhante, porra.
O policial conseguiu dar um sorriso, que aliviou seu
olhar intimidador.
— Então, o hospital é o segundo lugar onde ele vai te
procurar.
Shep :'(
ResponderExcluir"— Ele é esperto?
— Ele é brilhante, porra." <3
Nossa, será que em todos os livros dessa série vai acontecer algo grave, meu coração não vai aguentar. Shep 😢😢😢😢
ResponderExcluirEm todos posso te garantir só o bela chama é mais tranquilo
ResponderExcluir