Capítulo 8

América

Reyes estava cuidando de uma avó e seu neto adolescente, que tinham saído engatinhando de seu trailer residencial duplo. Ele estava patrulhando as estradas e desvios num raio de três quilômetros de onde havia me resgatado, mas não tínhamos encontrado Shepley nem ninguém que o tivesse visto. Eu estava revoltada por não ter nem uma foto dele. Estavam todas no meu celular, que havia afundado em algum lugar do rio. A bateria já estava acabando enquanto eu verificava a previsão do tempo, então ele devia estar apagado agora.
Explicar a aparência de Shepley era difícil. Cabelo castanho curto, olhos cor de mel, alto, bonito, corpo atlético, um metro e oitenta e dois. Não ter nenhuma marca distinta tornava minha descrição um pouco simplória, apesar de ele não ser nada simplório. Pela primeira vez, desejei que ele fosse um gigante tatuado, como Travis.
Travis. Aposto que ele e Abby estavam muito preocupados.
Voltei para a viatura e sentei no banco do passageiro.
— Alguma notícia boa? — Reyes perguntou.
Balancei a cabeça.
— A Sra. Tipton também não viu o Shepley.
— Obrigada por perguntar. Eles estão bem?
— Um pouco feridos, mas vão sobreviver. A Sra. Tipton perdeu seu terrier, chamado Chefão. — Suas palavras eram vazias, mas ele escrevia tudo no bloco.
— Que triste.
Reyes assentiu, continuando a fazer anotações.
— Com tudo isso acontecendo, você vai ajudá-la a encontrar o cachorro? — perguntei.
Ele olhou para mim.
— Os netos dela a visitam duas vezes por ano. Esse cachorro é a única coisa entre ela e a solidão. Então, sim, vou ajudá-la. Não posso fazer muita coisa, mas vou fazer o que posso.
— Bacana da sua parte.
— É o meu trabalho — disse ele, continuando a escrever.
— A patrulha rodoviária ajuda a encontrar animais?
Ele me olhou feio.
— Hoje, sim.
Ergui o queixo, me recusando a deixar seu tamanho e sua expressão intimidadora me atingirem.
— Tem certeza que não tem jeito de pedir ajuda?
— Posso te levar para a delegacia.
Vasculhei o estrago que havia sido deixado no estacionamento de trailers.
— Depois que escurecer. Temos que continuar procurando.
Reyes assentiu, apagou a luz interna do carro e deu partida.
— Sim, senhora.
Paramos no pedágio e, pela segunda vez, ele dirigiu até a passarela para verificar se a equipe de emergência que estava ali tinha visto Shepley.
— Obrigada mais uma vez. Por tudo.
— Como está o seu braço? — perguntou ele, olhando de relance para o meu curativo.
— Doendo.
— Imagino.
— Você tem família aqui? — perguntei.
— Tenho, sim. — Seu maxilar definido se mexeu sob a pele, desconfortável com a pergunta pessoal.
Ele não quis continuar o assunto, então é claro que eu não iria parar ali.
— Eles estão bem?
Depois de um segundo de hesitação, ele falou:
— O tornado não passou tão perto delas, mas foi por pouco. Minha mulher estava meio abalada.
— Delas?
— Menininha nova em casa.
— Nova quanto?
— Três semanas.
— Aposto que você ficou preocupado.
— Apavorado — disse ele, olhando para a frente. — Já verifiquei como elas estão. Um pequeno estrago no telhado. E danos do granizo na nova minivan.
— Ah, não. Que chato.
— Não era nova. Só era nova pra gente. Mas não foi nada importante.
— Que bom — falei. — Fico feliz. — Olhei para o relógio do rádio, sentindo minhas sobrancelhas se aproximarem. — Já se passaram duas horas. — Fechei os olhos. — Esta era pra ser a viagem. Não parei de dar indiretas.
— Sobre o quê?
— Pra ele me pedir... em casamento.
— Ah. — Ele franziu a testa. — Há quanto tempo vocês estão juntos?
— Quase três anos.
Ele bufou.
— Eu pedi a Alexandra em casamento depois de três meses.
— Ela disse “sim”?
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Eu não — falei, tirando lama seca das mãos. — Ele já me pediu.
— Ai.
— Duas vezes.
O rosto de Reyes se contorceu.
— Que maldade...
— O primo dele e a minha melhor amiga se casaram. Eles fugiram pra casar depois de um acidente horrível na faculdade, e eu...
— O incêndio?
— É... Você ficou sabendo?
— Meu irmão estudava lá, lembra?
— É mesmo.
— E aí, eles se casaram? E deu errado?
— Não.
— E isso te impediu de casar com o cara que você ama?
— Bom, quando você coloca as coisas desse jeito...
— E que outro jeito existe?
— O colega de apartamento dele, o Travis, se casou. Então, na primeira vez, ele meio que fez o pedido como algo sem importância, na esperança de que nossos pais nos deixassem morar juntos. Meus pais não aceitaram... nem um pouco. Mas eu não queria casar só pra manipular uma situação, como o Travis e a Abby. O Travis também é primo dele, e a Abby é minha melhor amiga. — Olhei para Reyes para ver sua expressão. — Eu sei. É confuso.
— Só um pouco.
— Aí ele me pediu em casamento três meses depois, e eu achei que ele só estava pedindo porque o Travis e a Abby tinham se casado. O Shep admira o Travis. Mas eu não estava preparada.
— É justo.
— Agora — soltei um longo suspiro —, eu estou preparada, mas ele não faz o pedido.
Ele está falando em ser olheiro de futebol Americano.
— E daí?
— E daí que ele vai ficar fora durante boa parte do ano. — Balancei a cabeça, cutucando as unhas sujas. — Tenho medo de nos afastarmos cada vez mais.
— Olheiro, é? Interessante. — Ele se ajeitou no assento, se preparando para o que ia dizer em seguida. — O que tem na mochila?
Dei de ombros, olhando para a mochila no meu colo.
— As coisas dele.
— Que tipo de coisas?
— Sei lá. Uma escova de dentes e roupas pro fim de semana. Íamos visitar os meus pais.
— Você queria que ele te pedisse em casamento na casa dos seus pais? — Mais uma vez, sua sobrancelha se arqueou.
Lancei um olhar para ele.
— E daí? Isso está começando a parecer cada vez menos uma conversa e mais um interrogatório.
— Estou curioso para saber por que essa mochila é tão importante. Foi a única coisa, além de vocês dois, a sair do carro. Ele te deu antes de ser levado da passarela. Essa mochila é importante.
— Aonde você quer chegar?
— Só quero ter certeza de que não estou transportando drogas na minha viatura.
Minha boca se abriu e depois fechou de repente.
— Eu te ofendi? — perguntou Reyes, apesar de claramente não se sentir nem um pouco incomodado pela minha reação.
— O Shepley não usa drogas. Quase nem bebe. Ele compra uma cerveja e fica com ela a noite toda.
— E você?
— Não!
Ele não se convenceu.
— Você não precisa usar drogas para vender. Os melhores traficantes não usam.
— Não somos traficantes, nem contrabandistas, nem qualquer termo que se use atualmente.
Reyes parou no acostamento, ao lado do Charger afundado. A água e os escombros entravam pelas janelas abertas.
— Vai custar muito caro para consertar isso. Como é que ele vai pagar o conserto?
— Ele e o pai são apaixonados por carros antigos.
— Projeto de restauração para unir pai e filho? Tudo pago com o dinheiro do papai?
— Eles não precisam de união. Ele é muito próximo dos pais. Sempre foi um bom filho e é um homem ainda melhor. Sim, eles têm dinheiro, mas ele tem um emprego. Ele se sustenta.
Reyes olhou feio para mim. Ele era simplesmente... enorme. Mesmo assim, eu não tinha nada a esconder e não o deixaria me intimidar.
— Ele trabalha num banco — soltei. — Você realmente acha que eu estou escondendo drogas nessa mochila?
— Você está abraçada a ela como se fosse feita de ouro.
— É dele! É a única coisa que eu tenho dele, além desse carro afundado! — As lágrimas queimaram meus olhos quando a percepção do que eu disse formou um nó em minha garganta.
Reyes esperou.
Pressionei os lábios e puxei o zíper com força até abri-lo. Tirei a primeira coisa que vi: uma das camisetas de Shepley. Era sua favorita, uma cinza-escura da Universidade Eastern. Segurei-a junto ao peito, entrando em colapso instantaneamente.
— América... não... não chora. — Reyes parecia ao mesmo tempo indignado e desconfortável, tentando olhar para qualquer lugar além de mim. — Isso é constrangedor.
Peguei outra camiseta e, depois, uma bermuda. Quando os desenrolei, uma caixinha caiu dentro da mochila.
— O que é isso? — ele perguntou num tom acusatório.
Enfiei a mão na mochila e tirei a caixa, levantando-a com um enorme sorriso.
— É o... é o anel que ele comprou. Ele trouxe. — Inspirei de um jeito entrecortado, minha expressão desabando. — Ele ia me pedir em casamento.
Reyes sorriu.
— Obrigado.
— Por quê? — perguntei, abrindo a caixa.
— Por não transportar drogas. Eu ia odiar te prender.
— Você é um babaca — falei, secando os olhos.
— Eu sei. — Ele abriu a janela para falar com outro policial.
Com a ajuda da Guarda Nacional, o pedágio tinha sido esvaziado e o tráfego estava fluindo outra vez, mas, quando o sol começou a se pôr, mais um grupo de nuvens escuras começou a se formar no horizonte.
— Que sinistro — falei.
— Acho que já passamos pela parte sinistra.
Franzi a testa, me sentindo impaciente.
— Temos que encontrar o Shepley antes do anoitecer.
— Estou trabalhando nisso. — Ele fez um sinal com a cabeça para o oficial que se aproximava. — Landers!
— Como estão as coisas? — Landers perguntou.
Com o policial de pé ao lado da janela, mesmo estando numa viatura, me senti como se tivéssemos sido parados pela polícia e a qualquer minuto
Landers fosse perguntar a Reyes se ele sabia a que velocidade estava dirigindo.
— Estou com uma garotinha no meu carro...
— Garotinha? — sibilei.
Ele suspirou.
— Estou com uma jovem no meu carro que está procurando o namorado. Eles se abrigaram embaixo da passarela quando o tornado passou.
Landers se inclinou e me olhou de cima a baixo.
— Ela teve sorte. Nem todo mundo escapou.
— Tipo quem? — perguntei, inclinando-me o suficiente para ver melhor.
— Não tenho certeza. Você acredita que um cara foi jogado a quatrocentos metros daqui e voltou correndo até a passarela, procurando alguém? Ele estava coberto de lama.
Parecia uma barra de chocolate derretida.
— Ele estava sozinho? Você lembra o nome dele? — perguntei.
Landers balançou a cabeça, ainda rindo da própria piada.
— É um nome esquisito.
— Shepley? — Reyes perguntou.
— Talvez.
— Ele estava machucado? O que ele estava vestindo? Tinha vinte e poucos anos? Olhos castanhos?
— Calma, calma, moça. O dia foi longo — disse Landers, se endireitando.
Eu só conseguia ver a cintura dele.
Reyes olhou para ele.
— Vamos lá, Justin. Ela está procurando o cara há horas. Ela o viu ser sugado por um maldito tornado.
— Ele tinha um ferimento grande no ombro, mas vai sobreviver se o comandante do corpo de bombeiros conseguir convencê-lo a cuidar do machucado. Estava desesperado para encontrar sua, hum... como foi que ele disse? Sua namorada epicamente maravilhosa. — Landers parou e se inclinou. — América?
Meus olhos se arregalaram, e minha boca se abriu em um sorriso largo.
— Sim! Sou eu! Ele esteve aqui? Me procurando? Você sabe pra onde ele foi?
— Para o hospital... te procurar — disse Landers, inclinando o quepe. — Boa sorte, moça.
— Reyes! — falei, agarrando seu braço.
Ele assentiu e acendeu as luzes, dando partida. Quicamos quando a viatura atravessou o canteiro central e Reyes afundou o pé no acelerador, passando pela barreira do pedágio em direção a Emporia... e a Shepley.



Shepley

A enfermeira balançou a cabeça, passando uma bola de algodão num corte na minha orelha.
— Você teve sorte. — Ela piscou os cílios compridos e estendeu a mão para trás, procurando alguma coisa sobre a bandeja prateada ao lado da maca.
O pronto-socorro estava lotado. Os quartos só estavam disponíveis para casos mais urgentes. A triagem foi montada na sala de espera, e eu tinha esperado mais de uma hora até uma enfermeira finalmente chamar meu nome e me conduzir para uma maca no corredor, onde esperei durante mais uma hora.
— Não acredito que você vai sair daqui andando.
— Está ficando tarde. Preciso encontrar a América antes de escurecer.
A enfermeira sorriu. Era uma mulher miúda, e achei que tinha acabado de sair da faculdade de enfermagem até ela abrir a boca. Ela me lembrava muito América — forte, confiante e não aceitava as merdas que alguém jogasse em cima dela.
— Como eu te disse, já verifiquei — disse ela. — A América está no sistema, o que significa que passou por aqui. Ela provavelmente está te procurando. É melhor você ficar parado. Ela vai voltar.
Franzi o cenho.
— Isso não me faz sentir melhor — olhei para o seu crachá —, Brandi.
Ela fez uma careta.
— Não, mas limpar esses ferimentos vai te fazer sentir melhor. Mantenha isso limpo e seco. Você perdeu um pedacinho da orelha.
— Fantástico — murmurei.
— Foi você que se abrigou embaixo de uma passarela. Você não sabe de nada? Isso é pior do que ficar parado num campo aberto. Quando um tornado passa por cima de uma ponte, a velocidade do vento aumenta.
— Você aprendeu isso na faculdade de enfermagem?
— Estamos no Caminho dos Tornados. Se você ainda não sabe as regras, fica louco para aprender depois da primeira temporada.
— Dá pra ver o motivo.
Ela riu.
— Considere a orelha como algo para se gabar. Poucas pessoas podem dizer que viajaram num tornado e sobreviveram para contar a história.
— Acho que elas não vão ficar impressionadas com uma orelha defeituosa.
— Se você quer uma cicatriz tortuosa, vai ter uma — disse ela, apontando para o meu ombro.
Olhei para o curativo branco no meu ombro e depois para trás, em direção à porta.
— Se ela não chegar aqui em quinze minutos, vou sair de novo pra procurá-la.
— Não dá para aprontar a papelada de alta em...
— Quinze minutos — repeti.
Ela não se impressionou com a minha exigência.
— Escuta aqui, princesa. Se você ainda não percebeu, eu estou ocupada. Ela vai aparecer aqui. De qualquer maneira, tem outra tempestade se aproximando e...
Fiquei tenso.
— O quê? Quando?
Ela deu de ombros, olhando para a televisão pendurada na parede da sala de espera.
Havia pessoas de todas as idades — todas ensopadas de chuva, imundas e assustadas — em pé, enroladas nas cobertas de lã do hospital. Elas começaram a formar uma multidão embaixo da tela. O meteorologista estava parado diante de um radar que se mexia alguns centímetros de cada vez. Uma mancha vermelha grande, cercada de amarelos e verdes, se aproximava dos limites da cidade de Emporia, depois começava tudo de novo, num ciclo.
— Ele vai nos engolir e nos cuspir longe — disse Brandi.
Minhas sobrancelhas se aproximaram, enquanto o pânico crescia em meu peito.
— Ela ainda está lá fora. Eu nem sei onde procurar.
— Shepley — a enfermeira falou, pegando meu queixo e me obrigando a olhar para ela —, fica quieto. Se ela voltar aqui e descobrir que você saiu, o que acha que ela vai fazer? — Como não respondi, ela soltou meu queixo,
revoltada. — Ela vai fazer a mesma coisa que você faria. Sair para te procurar. Este é o lugar mais seguro para ela e, se você ficar aqui, ela vai voltar.
Agarrei a borda da maca, apertando a almofada coberta de plástico, enquanto Brandi deslizava cuidadosamente uma camisa de hospital por cima da minha cabeça. Ela me ajudou a enfiar os braços, esperando com paciência enquanto eu sofria para levantar o ombro esquerdo.
— Posso te conseguir uma camisola de hospital, em vez disso — disse ela.
— Não. Nada de camisola — falei. Resmungando, consegui manobrar o braço e colocá-lo na manga.
— Você nem consegue se vestir, mas vai sair para procurá-la?
— Não posso ficar sentado aqui, seguro e aquecido, enquanto a América está lá fora, em algum lugar. Ela provavelmente não sabe que tem outra tempestade se aproximando.
— Shepley, me escuta. Ainda estamos sob alerta de tornado.
— É impossível ser atingido duas vezes na mesma noite.
— Não é, não — disse ela. — É raro, mas acontece.
Saltei da maca, e minha respiração ficou presa na garganta quando o músculo rasgado no meu braço se mexeu.
— Tudo bem. Se você vai insistir em ser ridículo, vai ter que assinar um CIM.
— Assinar o quê?
— Um CIM. Alta Contra Indicação Médica.
— Calma aí — disse o comandante, levantando as mãos. — Aonde você pensa que vai?
Respirei pelo nariz, frustrado.
— Vem vindo mais uma tempestade, e ela ainda não voltou.
— Isso não significa que é uma boa ideia você sair na chuva.
— E se fosse a sua esposa, comandante? E se as suas filhas estivessem lá fora? Você iria?
Sirenes do alerta de tornado inundaram o ar. Estavam muito mais altas dessa vez, o zumbido assustador parecendo estar logo ali fora. Todos olharam ao redor, e o pânico começou.
Saí em direção à porta, mas o comandante se colocou à minha frente.
— Você não pode sair, Shepley! Não é seguro!
Mantendo o braço esquerdo firme em meu tronco, passei por ele e abri caminho pela sala de espera lotada, indo até a porta. O céu estava desabando de novo, soltando a chuva no estacionamento. Com pavor e descrença estampados no rosto, as pessoas que estavam lá fora corriam em direção ao pronto-socorro.
Procurei sinais de uma nuvem afunilada. Eu estava sem carro e não fazia ideia de onde América estava. Durante muitas vezes na vida tive medo, mas em nenhuma delas chegou tão perto disso. Manter as pessoas amadas em segurança era uma prioridade, mas o fato é que eu não podia salvá-la.
Virei e agarrei a camisa do comandante com o punho, seu distintivo se enterrando em minha mão.
— Me ajuda — falei, tremendo de medo e frustração.
Gritos eclodiram e luzes brilharam ao longe.
— Todo mundo pros corredores! — disse ele, me empurrando de volta para a maca.
Lutei contra ele, mas, apesar de ter o dobro da minha idade, com o uso dos dois braços ele conseguia ser mais forte que eu.
— Senta! A Porra! Dessa Bunda! — ele rosnou, me empurrando em direção ao chão.
Brandi colocou um menino no meu colo e segurou mais três crianças, se agachando ao meu lado.
O menino não chorava, mas tremia descontroladamente. Pisquei e olhei ao redor, vendo rostos repletos de pavor. A maioria ali já tinha sofrido com um tornado devastador.
— Quero o meu pai — choramingou o menino no meu colo.
Eu o abracei, tentando proteger seu corpo.
— Vai dar tudo certo. Qual é o seu nome?
— Quero o meu pai — ele repetiu, à beira do pânico.
— Meu nome é Shep. Também estou sozinho. Você acha que pode ficar aqui comigo até tudo isso acabar?
Ele me olhou com os grandes olhos dourados.
— Jack.
— Seu nome é Jack?
Ele fez que sim com a cabeça.
— O meu pai também se chama Jack — falei com um sorrisinho.
Ele espelhou minha expressão, depois seu sorriso desapareceu devagar.
— É o nome do meu pai também.
— Onde ele está? — perguntei.
— A gente estava na banheira. Minha mãe... minha irmãzinha. O barulho ficou muito alto. Meu pai me abraçou com força. Com muita força. Quando tudo acabou, ele não estava mais me abraçando. Nosso sofá estava de ponta-cabeça, e eu estava embaixo dele.
Não sei onde está o meu pai. Não sei onde nenhum deles está.
— Não se preocupe — falei. — Eles vão te procurar aqui.
Alguma coisa bateu numa janela e estilhaçou o vidro. Gritos assustados mal foram registrados acima das sirenes e do vento fustigante.
Jack enterrou a cabeça em meu peito, e eu o abracei delicadamente com o braço bom, segurando o esquerdo na cintura.
— Onde está sua família? — o menino perguntou, com os olhos fechados.
— Não está aqui — respondi, espiando por sobre o ombro para ver a janela quebrada.

Comentários

  1. Isso é muito triste, todas essas pessoas desabrigadas, perdidas ou mortas e essa criança com o Shep, provavelmente não vai vê mais o pai e toda a família e pensar que isso acontece de verdade na vida real, muito triste

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Nada de spoilers! :)

Postagens mais visitadas deste blog

Trono de Vidro

Os Instrumentos Mortais

Trono de Vidro