Capítulo 10
— Uau — falei, dando um passo
para trás. Eu já tinha estado em diversos incêndios em residências e carros,
até mesmo em gramados na primeira semana, mas Tyler estava certo. Incêndios
florestais eram diferentes.
Tyler mantinha os olhos em tudo
ao redor enquanto me guiava para uma área mais segura. Eu estava embrulhada
numa camada básica de pulôver térmico de microfibra, com uma camada superior de
casaco e calça antichamas enormes, tornando ainda mais difícil para ele segurar
o meu braço. Ele vestia camisa resistente ao fogo e calça cargo bege,
possivelmente com algumas camadas térmicas por baixo, além de óculos de
proteção, mochila de equipamentos e capacete.
Uma fileira de bombeiros de elite
da equipe Alpina — a maioria eu tinha conhecido dois dias antes, no alojamento
de incêndio, e Tyler os adorava, incluindo seu irmão —, usando casacos amarelos
e capacetes azuis, cavava uma linha, na base da colina. Uma sinfonia de
pulaskis e rinocerontes fazia barulho ao atingir raízes e galhos, e atravessava
o ruído constante da comunicação por rádio.
Tyler havia me levado bem perto
das chamas, e tentava ajudar a equipe enquanto ficava de olho em mim. Acampamos
durante duas noites e, exceto por uma ou outra brasa que atravessara a linha, a
previsão era de que faríamos as malas ao anoitecer. Ninguém ficou mais surpreso
do que eu pelo fato de eu não estar ansiosa para ir embora.
Não havia carros de bombeiro com
mangueiras nem caminhões-pipa cheios d’água. Os bombeiros de elite combatiam
incêndios com maçaricos, pás e motosserras, cavando trincheiras para tirar do
chão tudo que pudesse alimentar o fogo.
Eu não tinha medo de altura, mas
uma estranha combinação de pavor e euforia me invadiu quando olhei para o vale
lá embaixo. O vento soprava mechas do meu cabelo no rosto, e eu percebi que o
fogo também soprava na direção da equipe. O tempo parou enquanto eu encarava
Tyler. Ficamos presos num momento
em que eu nunca estivera: não esquiando numa montanha, não numa onda nas praias
da Tailândia, não escalando Machu Picchu. Estávamos no topo do mundo, a única
força entre o fogo e as casas que eu conseguia ver das montanhas onde estávamos.
Segurando a câmera, congelando e à distância de um quilômetro das chamas que poderiam
me queimar viva, finalmente encontrei o que eu nem sabia que estava procurando.
— Para trás, queridinha — disse
Tyler, estendendo a mão atravessada no meu peito, como minha mãe costumava
fazer quando freava o carro rápido demais.
Eu estava quase pendurada no
braço dele, me inclinando para a frente, ansiosa para chegar mais perto,
tirando foto atrás de foto, devorando a adrenalina na velocidade que meu corpo conseguia
produzi-la. Era melhor do que qualquer viagem de droga que eu já experimentara.
As chamas faziam um barulho de
rugido baixo enquanto se espalhavam pelos arbustos secos e pelas árvores nuas,
feito uma linha de soldados destemida, seguindo em frente. A caminhada até o
local do incêndio foi difícil. Dirigimos quase duas horas até o alojamento,
depois andamos por quase uma hora pelo gelo e pela neve, subindo ladeiras
íngremes e atravessando os aspens.
Meus pés e meu rosto ficaram
dormentes antes mesmo de eu sentir o cheiro da fumaça, mas eu me esquecera do
frio horas atrás, olhando através das lentes da câmera.
Taco subiu a colina correndo, sem
fôlego e ensopado de suor e sujeira, parando na frente de Jubal para fazer um
relatório.
— Interrupção de combustível
completa na ponta leste.
Smitty estava atrás dele,
ofegando e segurando um maçarico numa das mãos e o pulaski na outra. Watts
segurava uma motosserra, os ombros afundados. Ambos pareciam igualmente exaustos
e satisfeitos, todos em seu elemento e prontos para a próxima ordem.
Jubal deu um tapinha no ombro
dele.
— Bom trabalho.
Tyler deveria ter o dia livre,
mas isso não o impediu de ajudar a equipe a cavar uma linha anti-incêndio de
sessenta centímetros de largura. Eu o observei cortar o chão com o pulaski como
se não fosse nada, orientando os homens ao redor como se um incêndio ambiental
não estivesse queimando o mundo a menos de um quilômetro e meio de distância.
Clicando nas fotos anteriores,
percebi que havia muitas de Tyler, mas não me furtei a fazer um zoom com a
lente e tirar outro close de seu perfil suado e coberto de fuligem contra o pôr
do sol. Ele era bonito — de todos os ângulos —, e era difícil deixá-lo de fora
das fotos. Os pinheiros verdes esperavam para ser salvos e, com o cinza frio da
fumaça e o laranja quente do incêndio no horizonte, a tragédia fazia um belo
pano de fundo.
— O helicóptero está chegando! —
gritou Jubal, segurando o rádio no ouvido. — O vento virou!
Olhei para Tyler, confusa.
— Não tem vento.
— Aqui em cima não. O incêndio
faz seu próprio clima. Mais longe, pode não ter vento nenhum, mas, onde o fogo
está queimando, ele suga o oxigênio e pode gerar ventos de cinquenta a sessenta
quilômetros por hora.
Mais bombeiros de elite que eu
ainda não conhecia haviam sido chamados. Com motosserras na mão, um pequeno
grupo chamado de serradores cortava galhos de árvores para criar espaços na
cobertura verde acima, impedindo o fogo de pular de uma árvore a outra. Cada serrador
tinha um parceiro chamado de carregador que coletava os galhos cortados e os
arbustos e os jogava do outro lado da barreira contra incêndio.
O resto da equipe — os
escavadores — trabalhava em filas, cavando o chão da floresta e criando uma
trincheira de noventa centímetros — uma barragem corta-fogo no meio da ala de serradores.
A equipe Alpina tinha sido dividida em dois grupos de dez — serradores,
carregadores e escavadores, alguns vigias, um responsável por verificar o clima
e os outros pelo caminho, criando um incêndio controlado. Mesmo separados, eles
trabalhavam juntos com perfeição, metade do tempo sem dizer uma palavra. Jubal
se comunicava com o superintendente e gritava as ordens para os bombeiros
enquanto ele mesmo mergulhava em sujeira. Todos trabalharam durante horas para
criar o que chamavam de “interrupção de combustível”, cortando e queimando
qualquer vegetação, ao longo de quilômetros, cavando e serrando, a fim de
aniquilar as labaredas famintas.
Um tu-tu-tu distante se
aproximou, e, em pouco tempo, um helicóptero surgiu no alto. Logo após se
formar uma coluna de fumaça, ele soltou sua carga, e uma chuva de pó vermelho-arroxeado
caiu.
— Aquilo é um pó químico que
retarda as chamas — explicou Tyler.
— Ele acaba com elas?
— Diminui o ritmo. Dá mais tempo
para cavarmos.
Engoli em seco, e Tyler encostou
a mão enluvada no meu rosto.
— Está tudo bem.
Assenti rapidamente, apavorada e
empolgada ao mesmo tempo.
Os bombeiros de elite mal pararam
para notar o pó químico sendo despejado, e então continuaram a cavar. Observei
admirada, exausta só pela caminhada até o local do incêndio e pelo frio.
Tyler soltou uma risada leve, e
eu virei e o vi observando como eu olhava para o fogo. Ele não desviou o olhar;
em vez disso, um dos lados da sua boca se curvou. Mesmo por trás do suor e da fuligem,
a covinha apareceu. Naquele momento, Tyler Maddox e seus incêndios preencheram um
buraco na minha alma que eu nem sabia que existia.
Eles trabalharam até depois de
escurecer, e o incêndio foi reduzido a uma galáxia de brasas alaranjadas ao
longo da colina.
— Tudo bem — disse o Chefe a
Jubal pelo rádio. — Hora de chamar a equipe de solo.
— O que isso significa? —
perguntei a Tyler.
Ele sorriu.
— A equipe de solo vai fazer a
limpeza depois de nós. Eles vão formar pilhas na zona negra e queimá-las até o
fogo estar frio. Terminamos aqui, a menos que as brasas ultrapassem a barreira contra
incêndio.
Os bombeiros de elite já
arrumavam suas coisas, fazendo a longa caminhada de volta até os veículos.
Segui com a câmera na mão, facilitando a documentação da volta de homens
exaustos e cobertos de fuligem se arrastando pela floresta sem absolutamente
ninguém para lhes agradecer por terem salvado inúmeros quilômetros de árvores e
casas. O mundo nunca saberia o que acontecera aqui ou como os bombeiros de
elite haviam trabalhado para garantir que ninguém soubesse. A única evidência
era a terra queimada que havíamos deixado para trás.
Um pequeno floco branco tocou a
ponta do meu nariz, e eu olhei para cima, vendo milhares deles caindo no chão.
A neve parece ter dado fôlego à equipe, e eles começaram a conversar sobre o
dia e o que fariam no resto do fim de semana.
— Você está bem aquecida? —
perguntou Tyler.
— O máximo que alguém pode estar
num clima de menos seis graus — respondi.
— Você tirou alguma foto boa de
mim, Ellie? — perguntou Watts, fingindo jogar para trás o cabelo comprido que
não tinha.
— Acho que tirei pelo menos umas
trezentas de todo mundo — falei, levantando a câmera para olhar as fotos de
novo. Fiquei impressionada comigo mesma. Todas as vezes que eu mexia no
obturador, o resultado era cada vez melhor. Meu tempo de ajuste também estava
mais rápido.
Os bombeiros de elite andaram em
fila única até as caminhonetes, as luzes nos capacetes perfurando a escuridão.
O cheiro de fumaça estava ao nosso redor — no ar, nas roupas, saturando nossos
poros —, e eu não sabia se um dia voltaria a sentir outro cheiro.
Um animal passou correndo pelos
galhos cortados cobertos de neve a poucos passos de nós, e eu me assustei.
— Acho que é um urso, Ellie —
provocou Taylor. — Você não tem medo de animais gigantes com dentes que podem
arrancar a carne dos seus ossos, tem?
— Para com isso — disse Tyler
atrás de mim.
Ajeitei as alças da mochila, sem
conseguir parar de sorrir, e aliviada por Tyler não poder ver. Minha nova
paixão pelo que o Chefe chamava de fotografia de aventura não era a única coisa
que me dava a sensação de estar no caminho certo. Os incêndios e as fotografias
eram uma forte emoção — surpreendentemente, a presença de Tyler tinha um efeito
calmante. Juntos, eles substituíam os riscos e as drogas com os quais eu vinha
me destruindo desde os catorze anos.
Franzi a testa, triste com a
revelação. Será que eu tinha que trocar velhos vícios por novos? Eu estava
cavando um buraco para preencher outro. Isso também não me parecia certo.
— Quer que eu carregue isso? —
perguntou Tyler.
Apertei a mochila com mais força.
— Pode deixar.
— Ainda faltam alguns
quilômetros. Se precisar...
— Pode deixar, Tyler. Não precisa
me mimar.
Smitty olhou para mim por sobre o
ombro e piscou, mas a expressão mudou quando seu
olhar foi até Tyler, atrás de
mim. Eu não sabia o que os dois tinham conversado com o olhar, mas Smitty virou
rapidamente para a frente.
Os bombeiros de elite na longa
fila adiante já tinham dado partida nas caminhonetes e aquecido os motores
quando chegamos ao alojamento de incêndio. As tendas tinham sido desarmadas, e
os equipamentos e geradores tinham sido colocados nas caminhonetes. Tyler abriu
a porta para mim, e eu subi, sentando perto de Taco para deixar espaço
suficiente para Tyler.
O motor rugiu, e a cabine tremeu
antes de seguirmos em frente, em direção à estrada secundária da montanha que
tínhamos usado para chegar até ali. Tyler se remexia, mal conseguindo ficar
parado no assento, como se cada segundo sentado ao meu lado fosse uma tortura.
Cliquei para ver as diferentes
fotos, apagando as porcarias e guardando minhas preferidas.
Depois de alguns quilômetros,
Tyler finalmente me deu um tapinha no joelho e se aproximou para sussurrar no
meu ouvido:
— O que foi que eu fiz?
Olhei para seus olhos
castanho-dourados. Ele estava confuso e talvez um pouco magoado, mas eu não
podia explicar uma coisa que eu mesma não entendia.
— Nada — respondi.
Comecei a mexer na câmera de
novo, mas ele tocou delicadamente o meu queixo, virando minha cabeça para olhar
para ele.
— Ellie. Me fala. Foi quando eu
te puxei para trás? Você sabe que eu só estou tentando te manter em segurança,
certo? Se eu fui bruto, me desculpa.
— Não, eu sei. Tudo bem — falei,
esquivando-me do seu toque. — Não estou com raiva; só estou cansada. Desculpa
por ter te tratado mal.
Ele analisou o meu rosto,
tentando perceber se eu estava falando a verdade. Ele sabia que eu estava
mentindo, mas fez que sim com a cabeça, preferindo deixar o assunto de lado
enquanto estávamos numa caminhonete com sua equipe. Os bombeiros de elite
estavam sendo ninados para dormir pelo ronco do motor e pela vibração dos pneus
no terreno irregular.
Tyler olhou pela janela, chateado
e frustrado. Encostei no braço dele, mas ele não se mexeu. Depois de mais dez
minutos, seu corpo relaxou. Sua cabeça estava apoiada no vidro, balançando com
o movimento da caminhonete. Voltei minha atenção para a câmera, analisando as
imagens restantes e esperando que Jojo ficasse feliz pelo menos com algumas.
Taco roncava no banco da frente,
a cabeça inclinada para trás e a boca aberta. O motor estava tão alto que quase
abafava o som, e os outros não pareceram notar.
Dei um tapinha no ombro de Jubal.
— Você vai dirigir o caminho
todo?
— Gosto de dirigir na volta.
Alivia a cabeça.
— Foi uma bela jornada — elogiei.
— Todo dia sem ferimentos e sem
fatalidades é um bom dia.
Jubal estava sorrindo, e eu me
recostei no assento, impressionada. Os bombeiros de elite saíam para cada
chamada cheios de esperança de que todos retornassem, mas sem terem certeza total
disso. Eu não conseguia imaginar uma unidade familiar mais triste do que
aquela, e finalmente entendi por que um grupo de homens de todos os cantos do
país — alguns desconhecidos — eram tão próximos.
— Que tipo de ferimento? —
perguntei. — Além de queimaduras.
— Já vi muitos caras se
machucarem com as árvores que ainda estão de pé na zona negra.
Elas caem de um jeito tão
silencioso que a gente nunca escuta. Muitos caras se machucam assim. Trabalhamos
com muitos equipamentos afiados, as serras, os pulaskis, sem falar nos
maçaricos e nos sinalizadores. Quase tudo que fazemos pode machucar alguém, e
trabalhamos com pouco tempo de sono e no limite da exaustão.
— Por que fazer isso? —
perguntei. — Amar a vida ao ar livre e exercícios físicos são exigências pra
pelo menos pensar nesse emprego. Mas, quando você está exausto e cercado pelo fogo
no meio do nada, o que te faz pensar se isso vale a pena?
— Meus garotos. Fazer algo tão
difícil durante meses sem parar cria uma equipe muito próxima. Somos uma
família. Alguns dias eu acho que estou ficando velho, mas aí eu lembro que não
existe nenhum lugar onde se possa encontrar o que nós temos aqui. Os soldados,
talvez. Só consigo pensar nisso.
Anotei no meu bloco, me
esforçando para enxergar sob o brilho da luz do painel. Jubal me contou
histórias sobre as diferentes equipes em que esteve, como a Alpina era sua
preferida, e como ele decidiu que o combate a incêndios ambientais era sua
vocação. Depois ele se lembrou do dia em que os irmãos Maddox entraram na
estação.
— O nível de proximidade e
confiança de uma equipe é fundamental, mas esses garotos... eles chegaram e
foram o fator de unificação. Não sei o que vamos fazer se eles voltarem pra
casa.
— Onde é a casa deles? —
perguntei, me sentindo afundar.
— Illinois.
— Por que eles voltariam pra
casa?
— O pai deles está ficando velho.
Ele é viúvo, você sabe.
— O Tyler me falou.
Jubal refletiu por um instante.
— Eles têm dois irmãos mais novos
lá. E já falaram em voltar para ajudar.
— Isso é fofo, mas não consigo
imaginar nenhum dos dois fazendo outra coisa.
— Nem eu, mas eles parecem uma
família unida, os Maddox. Só ouvi o Taylor e o Tyler conversando... nunca
conheci os outros. O resto da família não sabe que eles combatem incêndios.
— Como é? — perguntei, assustada.
— É isso mesmo. Eles não querem
chatear o pai. Esses garotos são brigões, mas são molengas por dentro. Acho que
prefeririam pôr fogo em si mesmos a deixarem alguém que amam ser magoado.
Olhei para Tyler, que dormia
profundamente, o rosto em paz. Eu me inclinei, mal encostando o rosto em seu braço.
Sem hesitar, ele estendeu a mão sobre os meus ombros e me abraçou de lado. No
início, fiquei tensa, mas depois relaxei, sentindo o calor do seu corpo derreter
meus ossos congelados.
Encontrei o olhar de Jubal pelo
espelho retrovisor. Seu sorriso chegou até os olhos, e ele olhou para a frente.
— Ellie? — disse ele, e fui
atingida pelo reflexo de suas íris azul-gelo. — Você sabe o que está por vir?
— Um adeus? — respondi, meio que
brincando.
Jubal sorriu, concentrando-se
outra vez na estrada.
— Talvez não.
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