Capítulo 11


A selfie de bico de pato de Finley surgiu na tela do meu celular, mas apertei a tecla FIM e deixei a secretária eletrônica falar com ela.
— Sua irmã de novo? — perguntou Tyler, limpando o rosto com uma toalha de mão velha e desfiada. O resto dele ainda estava sujo, assim como o resto de nós.
Eu tinha me esquecido de como era o cheiro do meu cabelo quando não estava fedendo a fumaça e de qual era a sensação dos meus lençóis na minha pele. Tirei a câmera do pescoço e me joguei no sofá surrado da estação de serviço Alpina, escondida na Floresta Nacional das Montanhas Rochosas. A temporada de incêndios tinha começado cedo, e eu estava acampando com a equipe havia catorze dias quando eles combateram um incêndio tão extenso que bombeiros florestais de todo o país foram convocados. De acordo com a equipe, era o maior incêndio das duas últimas temporadas.
O pessoal foi para a cozinha, e eu fiquei sentada, observando-os passar. Todos os músculos do meu corpo doíam, todas as juntas, até mesmo minhas entranhas. Eu tinha ficado menstruada no segundo dia no alojamento de incêndio, mas o fluxo foi bem pequeno antes de desaparecer, provavelmente por causa do aumento súbito de atividade e da diminuição na ingestão de calorias. Minha calça estava larga. Eu não tinha certeza se queria me olhar no espelho.
Smitty cumprimentou Taco antes de abrir a geladeira e se abaixar para ver as opções, o rosto coberto de fuligem.
— As coisas ficaram tensas por lá — disse Tyler.
— Obrigada por cuidar de mim... de novo. E por me ajudar com a tenda. Não acredito que os caras dormiram no local do incêndio durante três noites. Alguns nem tinham casaco.
— São caras maiores. Chama-se “peso de voo”, meio que um limite de peso. Às vezes, os helicópteros levam a gente até os locais mais remotos para não termos que andar tanto a pé.
Contando com equipamentos, combustível e a equipe, os helicópteros têm um limite de peso. Às vezes, o Anão leva uma daquelas folhas de alumínio que os escaladores de montanhas usam para acampar, porque ele é magrelo e tem sobra de peso de voo.
— Quer dizer que vocês dormem todos juntos?
— Sim. Dividimos as cobertas, dormimos de conchinha... é frio pra caralho lá em cima. Fazemos tudo que der certo — brincou ele.
— Então por que vocês fazem isso?
— Dormir na barreira contra incêndio significa receber adicional de insalubridade. Alguns caras preferem isso a dormir no alojamento.
— Os geradores são muito barulhentos — observei.
— Você devia ter me falado. Podíamos ter subido numa caminhonete e ido um pouco mais longe, distante do barulho.
— Tudo bem. Eu estava bem.
— Para uma garota rica, você não reclama, né?
— Eu adorei estar lá. De verdade.
Tyler se inclinou e cheirou meu ombro.
— Você está com um cheiro maravilhoso.
— Cala a boca.
— Estou falando sério. Fumaça de reservas naturais é meu cheiro preferido. Numa garota? Deixa ela estranhamente atraente.
— Já fui chamada de coisas piores.
Tyler franziu a testa.
— Não na minha frente.
Consegui dar um sorriso cansado.
— Meu herói.
Os bombeiros de elite já tinham tirado o uniforme e deixado as mochilas na parte de trás da caminhonete, mas todos nós fedíamos a queijo velho defumado numa fogueira gigantesca. Tyler se ajoelhou, segurando o cadarço da minha bota e desfazendo os nós. Ele as tirou, uma de cada vez, e eu me recostei, mexendo os dedos do pé algumas vezes para comemorar a liberdade.
Depois tirou minhas meias devagar, fazendo cara feia para as bolhas novas, as que soltavam água e as curadas.
— Meu Deus, Ellie. Já conversamos sobre isso.
— Não me importo. Dá a sensação de que estou conquistando alguma coisa.
— Gangrena não é um prêmio. — Ele disparou até o kit de primeiros socorros e começou a cuidar dos machucados sobre os quais eu estava andando havia dez dias.
Tentei piscar, mas meus olhos levaram um tempo para abrir de novo. Parecia que pesavam cem quilos. Eu poderia ter cochilado ali mesmo.
Tyler passou pomada antibiótica e colocou gaze nas minhas feridas, depois pegou uma coberta nas costas de uma poltrona reclinável e a desdobrou, colocando-a sobre mim. Quiquei quando ele se jogou no sofá ao meu lado, usando calça jeans e uma camisa térmica de manga comprida, com os três botões de cima abertos. Eu o preferia usando as roupas desengonçadas à prova de chamas e o capacete azul, mas ele nunca me deixaria em paz se soubesse disso.
— Você nunca reclama. Sem treinamento, você simplesmente apareceu aqui, andou quilômetros e acampou na terra e na neve em temperaturas congelantes — disse ele, relaxando ao meu lado. — Estou impressionado. Todo mundo está.
— Não me importo — falei, apoiando o queixo no ombro dele. Eu estava congelada e exausta, sem saber como meus dedos continuavam a funcionar conforme os dias passavam.
Cumprindo sua palavra, Tyler me mantivera por perto. Era uma trilha linda, mas difícil, subindo ladeiras e passando por aspens. Em alguns lugares, a neve ainda cobria os tornozelos, e caminhamos quase uma hora até o local do incêndio, atravessando a vegetação baixa e a neve derretida. Meus pés e meu rosto ficaram dormentes antes de chegarmos onde ardiam as chamas, mas eu me distraí do desconforto quando olhei através das lentes da câmera.
Eu mal conseguia me mexer, e o resto da equipe conversava e fazia sanduíches. Depois de catorze dias nas montanhas, eles tinham direito a quarenta e oito horas de descanso e recuperação obrigatórios. Apesar de todos estarem esgotados, a versão deles de um fim de semana havia chegado, e eles estavam agitados.
— Como eles podem estar tão... animados? — perguntei, as palavras saindo lentas e a voz rouca.
— Adrenalina — respondeu Tyler, pegando minha câmera e olhando as diversas fotos.
— Como eles ainda conseguem estar na euforia da adrenalina? A volta pra casa demorou uma eternidade. Achei que nunca íamos voltar.
— Todas as vezes que saímos pra combater um incêndio, existe uma chance de um ou todos nos machucarmos, ou coisa pior. Voltar como uma unidade completa significa muito. — Ele me devolveu a câmera. — Belas fotos.
— Obrigada.
Então apoiou o queixo no meu cabelo.
— A Jojo vai ficar feliz.
— Obrigada. Ela me mandou uma mensagem hoje. Quer ver o que eu consegui.
— Você vai mostrar as fotos para ela agora? — Suas sobrancelhas se aproximaram. — Isso significa que já terminou?
— Acho que vamos descobrir.
Tyler observava os amigos brigando e fazendo piada na cozinha, mas parecia triste.
— Ellie?
Ouvi quando ele chamou meu nome, mas eu estava no fundo de um barril cheio d’água, aquecida e sem querer me mexer. O barulho dos caras na cozinha sumiu, e tudo que eu escutava era o som do meu próprio coração e o ritmo constante da respiração de Tyler. Afundei mais em mim, confortável sob a coberta e apoiada no braço de Tyler.
— Cala a porra da boca! — sibilou Tyler. Ele se sacodiu, e eu pisquei, vendo um Watts borrado pular por causa de alguma coisa que Tyler jogara nele.
Sentei e esfreguei os olhos.
— Uau. Por quanto tempo eu apaguei?
— Três horas — respondeu Jubal com um sorriso. — O Tyler não mexeu um músculo o
tempo todo, para não te acordar.
— Você jantou? — perguntei, olhando para ele.
— Eu trouxe um sanduíche para ele — disse Watts, jogando a pequena almofada quadrada de volta para Tyler. — Ele vai sobreviver.
Tyler a pegou e a segurou contra o peito, fazendo biquinho.
— O que houve com você? — perguntei.
Watts fez biquinho.
— Ele está puto porque a gente te acordou.
— Para com isso — disse Jubal, me dando um copo de água com gelo.
— Obrigada — falei.
Smitty ligou a televisão, e Taco procurou o celular, que estava tocando, e se levantou para atender no escritório.
Tyler ficou de pé.
— A gente devia levar essas fotos para a Jojo e te levar pra casa, né?
— É. Melhor eu chamar o José.
— Eu te levo — disse ele imediatamente.
Jubal nos observou se divertindo, apesar de eu não saber muito bem por quê. O resto da equipe de Tyler parecia cuidar das próprias coisas, ao mesmo tempo em que mantinha o ouvido atento para o que eu poderia dizer.
— Hum, claro — falei. — Obrigada.
Todos os dezenove bombeiros de elite, de Peixe a Cachorrinho, me deram um abraço de urso antes de eu partir, me pedindo para voltar logo. Chefe fez uma rara aparição fora do escritório para se despedir, e Tyler me conduziu até a caminhonete, paciente, mantendo o passo conforme minha velocidade de bicho-preguiça.
— Merda — ele sussurrou. — Eu devia ter dado partida na caminhonete pra esquentar o motor.
— Tudo bem. Sério, não tem problema. Acho que já provei que não sou fresca.
— É verdade. — Ele abriu a porta, mas parou quando percebeu que eu o encarava. — O que foi?
— O que você está fazendo?
Ele deu de ombros.
— Abrindo a porta pra você.
— Por quê? — perguntei. Seu gesto me deixou desconfortável.
— Entra logo.
Subi na caminhonete, me abraçando para me manter aquecida enquanto Tyler batia a porta do passageiro e corria até o outro lado. Ele estava ressentido, triste com alguma coisa.
Ele foi até a revista, para eu deixar o cartão de memória com Jojo. Ela me recebeu com um sorriso, ansiosa para carregar as fotos no computador.
— O papai vai adorar isso — disse ela.
— É? Isso significa que eu acabei? — perguntei.
— Talvez. Vou precisar que você escreva o que descobriu até agora, e depois eu dou uma ajeitada pra você. Pode ser que a gente precise de um pouco de gordura.
— Hum... gordura?
Seu dedo clicou no mouse do computador.
— Você sabe... material que podemos usar depois. — Ela me olhou de cima a baixo. — Vai pra casa descansar, Ellison. Você está péssima.
— Estou indo — falei, pegando o cartão de memória e indo em direção à porta.
A caminhonete de Tyler ainda estava ligada, a fumaça do escapamento subindo até o céu noturno. No instante em que me viu andando em direção a ele, Tyler se inclinou por sobre o console e abriu minha porta. Entrei de novo, e ele alisou minha perna rapidamente.
— Preciso te levar pra casa. Você está exausta.
— Você trabalhou muito mais do que eu.
— Mas eu já estou acostumado. A Jojo devia te dar uns dias de folga. Você vai ficar doente.
— Na verdade, há muito tempo eu não me sentia tão bem.
Tyler engatou a marcha e se afastou do meio-fio, indo em direção à minha casa. Acendeu um cigarro e me deu sem que eu pedisse, depois acendeu outro para ele. Não falamos muito, e deixei Tyler com aparentemente milhões de pensamentos.
Ele levou a caminhonete até a entrada de carros da minha casa e parou no portão. Eu me inclinei por cima dele para digitar o código, e o portão gemeu, começando sua lenta jornada para abrir. Tyler foi em frente e dirigiu um quilômetro e meio até a minha casa.
Estava escuro, e imaginei que Maricela e José já tinham ido embora.
— Obrigada pela carona — falei, juntando minhas coisas. Contornei a frente da caminhonete, dei mais alguns passos e então congelei. — O que você está fazendo aqui?
— Ellison, ela já sabe — disse Sterling. Ele saiu das sombras, parecendo mais magro, a barba por fazer. Depois desceu os degraus, com a gravata frouxa e a camisa manchada.
A porta de Tyler abriu e fechou, e seus passos esmagaram a neve e os pedregulhos até ele parar atrás de mim.
— Oi, Sterling — disse Tyler. — Bom te ver.
Os olhos de Sterling estavam úmidos. Dava para sentir o cheiro de uísque a três metros de distância.
— Ela sabe, porra. Ela não atende as minhas ligações.
— Já te falei: ela nunca atende suas ligações quando está de férias.
— Ela sabe, porra! — cuspiu ele.
— Ei — disse Tyler, se colocando entre nós dois. — Não sei o que está acontecendo aqui, mas aposto que vai fazer mais sentido de manhã. Deixa eu te levar pra casa, Sterling. Parece que você teve um dia difícil.
— Vai se foder — xingou Sterling, ainda me encarando. — E você também.
— Me foder? — perguntei. — Quem foi que me deu aquela pílula misteriosa?
— Ela nunca mais vai falar comigo. O que eu vou fazer agora?
— Você está exagerando, Sterling — soltei. — Está sendo paranoico. E o que você tomou não está ajudando.
— Eu sei que é tudo culpa sua! — esbravejou ele, a voz se estendendo pelas árvores entre a casa dele e a minha. — Você não é só a piranha da cidade; você é a maior piranha do mundo.
Todo mundo sabe para quem ligar pra dar uma trepada quando a Ellie está na cidade.
— Espera um minuto, caralho — disse Tyler, dando um passo. Agarrei seu casaco, puxando-o para trás.
Sterling riu.
— O que você vai fazer, tenente bravão? Me obrigar a mudar de ideia?
— Continua falando — rosnou Tyler. — Você vai descobrir.
Sterling levantou as mãos, fingindo estar com medo.
— Coloca esse colarinho azul pra trabalhar.
Tyler deu mais um passo, mas eu coloquei a mão no peito dele. Virei para encará-lo, mas olhei para o chão, envergonhada.
— Ele está bêbado. Está chateado. Ele mora na casa ao lado. Deixa ele ir pra casa.
Os músculos do maxilar de Tyler se remexeram, mas ele deixou Sterling passar, mesmo depois que este o cutucou com o ombro.
Subi os degraus com dificuldade e destranquei a porta. Tudo estava silencioso, e cada movimento que fazíamos ecoava pelos corredores.
Tyler fechou a porta quando entramos, depois me seguiu até a cozinha.
— Sua casa parece bem diferente desta vez.
— Quase vazia? — perguntei.
Maricela havia deixado um prato coberto na geladeira, com uma bandeira de palito dizendo quantos minutos levaria no micro-ondas.
— Quer dividir? — perguntei. — Acho que está aí há um ou dois dias, mas pelo menos não é uma quentinha.
— Não. Vai fundo.
Tirei o papel laminado e apertei o número três. A luz se acendeu, e o prato começou a girar, devagar. Fiquei feliz de ter mais alguém em casa além de mim, mas eu não queria encarar Tyler, com medo da expressão em seu rosto.
— O que aconteceu entre você e o Sterling? — ele perguntou. — Vocês não eram amigos algumas semanas atrás? Por que ele estava dizendo aquelas coisas de você?
— Porque é tudo verdade — respondi simplesmente.
— Mentira. Não acredito nem por um segundo.
— Por que não? — perguntei, me virando. — Você mesmo viveu isso.
— Eu só me considero um cara sortudo por estar aqui no momento certo. Nós nos divertimos, e com segurança. Qualquer coisa além disso não é da conta de ninguém.
Dei uma risada, surpresa com a resposta.
— O que quer que eu diga? — ele perguntou. — Se você é galinha, eu também sou.
— Você é galinha, Maddox.
— Ultimamente, não.
Lutei contra um sorriso quando o micro-ondas apitou de novo. Tyler se levantou, pegou meu prato e o colocou na ilha de mármore preto e branco.
— E você está tentando consertar algumas coisas na sua vida. É errado pra caralho ele jogar seu passado na sua cara.
— E por acaso dois meses atrás pode ser considerado meu passado? — perguntei, pegando um garfo na gaveta. Sentei, girando as pontas prateadas na batata assada.
— Hoje de manhã já é passado — disse Tyler. — Podemos ser pessoas totalmente diferentes hoje, se quisermos. Foda-se o Sterling, se ele está chateado por você ter mudado. Pessoas assim normalmente estão lidando com suas próprias merdas, e o motivo de estarem putas da vida não tem nada a ver com os outros.
Senti uma lágrima quente escorrendo pelo meu rosto e a sequei imediatamente.
— Ei — disse Tyler, estendendo a mão por cima do balcão. — Pode desabafar comigo.
— Minha irmã? A Finley? Ela ama o Sterling. O primeiro amor a gente nunca esquece.
Tyler apontou para trás com o polegar.
— Aquele babaca? Por quê?
— Não importa. Ele é meio que maluco de carteirinha, mas ela ama o cara. Ela quer ficar com ele, mas está resistindo. Ela vai assumir a empresa do meu pai e não tem tempo pra um relacionamento. Eles querem ficar juntos. Ela está lutando contra, e ele está arrasado.
— E como isso é culpa sua? — Tyler perguntou, confuso.
Limpei o nariz com o guardanapo.
— Ele tinha uma... eu não sei... eu estava lá, conversando sobre como arranjar um emprego.
Já estávamos bebendo, e ele tinha umas pílulas. Nós tomamos... eu não lembro de muita coisa depois disso, mas nós... — Fiz que sim com a cabeça.
Tyler também anuiu, me avisando que eu não precisava continuar. Seu rosto ficou vermelho, os dentes trincaram.
— Ele te drogou, te fodeu e agora está te culpando por isso.
Fechei os olhos, e mais lágrimas escorreram pelo meu rosto. Gastei tantas horas do dia tentando não pensar no que eu fiz que ouvir Tyler descrever tudo com tanta aspereza fez meu peito doer.
— Eu não devia ter tomado aquela pílula. Eu nem perguntei o que era. Simplesmente joguei na boca e... — Minha respiração falhou. — O Sterling ama a Fin. Se ele soubesse que isso ia acontecer, também não teria tomado. Ele está com tanto medo quanto eu de que ela nunca mais fale com a gente.
— É por isso que você está... — Ele apontou para mim.
— Sim, é por isso que estou tentando melhorar. Espero que, se um dia ela descobrir, ela me perdoe porque... — Engasguei. — Não sou mais aquela pessoa.
— Não é, e eu nem sei se algum dia você foi — disse Tyler, colocando a mão sobre a minha.
— Come. Você não comeu o dia todo.
Coloquei uma garfada na boca, mastigando enquanto chorava — na verdade, isso era surpreendentemente difícil.
Tyler vasculhou os armários até encontrar umas cápsulas de chá. Ele me observou comendo, e pigarreou quando finalmente teve coragem de perguntar:
— Você... você sabe... você foi ao médico? Imagino que nenhum de vocês pensou em usar proteção.
Fiz que sim com a cabeça, desejando me enterrar em um buraco e morrer.
— Fui. Tenho DIU desde os quinze anos. Já verifiquei.
— Ótimo. Poderia ser muito pior. Esse cara é um merda — resmungou ele.
— Seria mais fácil culpá-lo, mas não é só culpa dele. — As lágrimas começaram a escorrer de novo. Tyler colocou uma caneca fumegante na minha frente, depois preparou outra para si.
Bebemos o chá até eu parar de chorar, sentados num silêncio confortável. Mal tínhamos falado alguma coisa desde nossa conversa inicial uma hora antes, mas eu me sentia melhor só por saber que ele estava ali.
Olheiras começaram a se formar sob seus olhos vermelhos, e ele deu um tapinha nas suas chaves.
— Ellie...
— Fica — soltei de repente.
— Aqui? — perguntou Tyler, apontando para o balcão.
— Você pode?
— Quer dizer... acho que sim. De qualquer maneira, é minha folga. O Chefe me deve uma.
— Não precisa ser como da última vez.
Ele fez uma careta.
— Eu sei. Não sou um babaca completo.
— Então você vai ficar? — Eu me sentia muito fraca e vulnerável, mas isso era melhor do que ficar sozinha.
— Vou. Quer dizer, posso ficar se quiser. Mas com uma condição.
Eu o analisei, sem saber o que ele ia exigir.
— E se tentássemos outro café da manhã? — perguntou ele. — Amanhã cedo.
Soltei um suspiro de alívio.
— Só isso?
— Só isso.
— Suponho que você não quer que eu apareça de ressaca, dessa vez.
Ele deu uma risadinha, mas pareceu preocupado.
— Não sei. Eu meio que gostei de segurar seu cabelo.
— Aposto que sim — provoquei. Olhei para ele, sem nenhum traço de humor na expressão.
— Sinceridade total... Tenho quase certeza que isso é uma péssima ideia.
— É — disse Tyler, olhando para baixo. — Você já falou isso. Sei que você está tentando resolver suas merdas, e provavelmente eu sou um amigo perigoso para esse período de transição... mas, sei lá, Ellie. Eu simplesmente gosto de ficar perto de você.
— Por quê? Sou má com você.
Ele deu um sorrisinho.
— Exatamente.
Balancei a cabeça.
— Você é esquisito.
— Você fica bonita com terra no rosto.
Usei o resto da energia que eu tinha para soltar uma risada.
— Isso é um elogio, mas vou tomar banho do mesmo jeito.
— Eu tomo depois — disse ele.
Coloquei meu prato sujo na pia, depois levei Tyler até o andar de cima, desta vez para o meu quarto. Ele ficou sentado na beirada da cama enquanto eu tirava a roupa e girava a torneira do chuveiro.
— Eu estava pensando — gritou ele do quarto. — Estou ficando de saco cheio do clima de bar. Tem tantas outras coisas pra fazer aqui... Mas o problema é que todos os meus amigos bebem.
— Acredita em mim, isso dificulta as coisas.
— Talvez a gente devesse formar um clube.
Entrei embaixo do chuveiro, gemendo enquanto a água me lavava. Banhos quentes no meio de um parque nacional com vinte e tantas pessoas eram raros. Só porque eu não reclamava, não quer dizer que não sentia falta.
— Duas pessoas não formam um clube, Tyler.
— E daí? — disse ele, colocando a cabeça na porta. Ele olhava para a parede, mas falava alto para eu poder ouvir. — Podemos fazer o que quisermos.
— Um clube sem álcool? Isso me parece a coisa mais idiota do mundo.
— Qualquer clube em que eu esteja é foda.
— Se você está dizendo...
— Então... café da manhã? — perguntou ele, com um novo brilho de esperança nos olhos.
Suspirei.
— Eu seria muito, muito ruim pra você.
— Que nada — disse ele, me dispensando com um aceno. — De qualquer maneira, sou adulto. Eu aguento.
— Não preciso que você me salve. Eu cuido disso.
— Alguma outra desculpa?
Minhas sobrancelhas se aproximaram.
— Você é meio babaca quando não está na floresta.
— Se enxágua aí. É minha vez.
Torci o cabelo e peguei a toalha na prateleira, saindo e pisando no tapete. Pelo canto do olho, vi Tyler tirando a camisa. Ele tirou o cinto, e a fivela bateu no azulejo antes de o jeans atingir o chão. Depois atravessou o cômodo e abriu o chuveiro, entrando na água.
— Meu Deus, como isso é bom! — exclamou.
Sorri, escovando o cabelo molhado. Observei seu reflexo no espelho passando sabonete no corpo e senti um formigamento familiar entre as coxas.
— E se as coisas ficarem ruins? — perguntei. — E se você me odiar quando tudo acabar?
— Não vai acontecer.
— Fiz isso com o Sterling.
— Não vou fazer você tomar bolinhas e depois transar com você.
— Então... amigos? — perguntei.
A água parou de correr, e Tyler saiu do chuveiro, enrolando uma toalha na cintura. Seu pomo de Adão desceu quando ele engoliu em seco, depois ele pigarreou como se estivesse prestes a fazer uma promessa que não queria cumprir.
— Amigos.
— Você vai ficar mesmo assim? — perguntei.
Tyler deu um sorrisinho, os pensamentos girando por trás dos olhos e enevoando as íris.
— Eu não ia tentar dormir com você de qualquer jeito, Ellie.
— Não?
— Não. É diferente, agora.
Eu me levantei, surpresa, sem conseguir pensar numa resposta. Eu tinha certeza de que a dor no meu peito era bem parecida com a de um coração partido.
— Vamos lá — disse ele, se levantando. — Vamos pra cama. Estou arrasado.
Ele me seguiu até a cama, mas havia uma diferença no ar entre nós. Tyler parecia mais relaxado, como se o problema tivesse desaparecido e a pressão tivesse sido eliminada. Com a toalha ainda enrolada na cintura, ele subiu na minha cama e deitou de lado.
Abri a gaveta da cômoda e vesti uma Calvin Klein por baixo da toalha, depois fui até a porta do banheiro e peguei sua camiseta no chão.
— Deixa aí, Ellie. Vou usar pra voltar pra casa de manhã.
Ele me observou, confuso e depois surpreso, quando eu a vesti e fui para a cama, deitando ao lado dele. Tyler envolveu os dois braços ao meu redor, enterrando o nariz no meu cabelo, e suspirou.
— Você está quase nua e vestindo minha camiseta. Isso não é justo.
Estendi a mão para a mesa de cabeceira, depois virei para ele, encarando-o enquanto abria o pequeno pacote.
— Ainda podemos ser amigos — falei, deslizando a mão entre a toalha e a pele dele. Tyler ficou imediatamente duro.
— Não sei como fazer isso — ele sussurrou, se aproximando para roçar os lábios nos meus enquanto eu colocava o látex sobre sua pele. — Essa coisa intermediária, Ellie. Acho que eu não consigo. Ou você é minha ou não é.
— Não sou de mais ninguém.
Ele colou a boca na minha, me beijando com energia e profundidade.
— Não precisamos nos colocar numa redoma de vidro — falei. Ele se afastou, procurando mais respostas em meus olhos. — Isso é o que é. Não podemos simplesmente fazer assim?
Tyler subiu em mim devagar, analisando meu rosto durante um minuto antes de se abaixar para me reivindicar com a boca.
Puxei sua toalha até ela cair em algum lugar perto da cama.
— Você está certa — sussurrou ele. — Essa é uma péssima ideia. — Ele afastou o tecido da minha calcinha, apenas o suficiente para deslizar para dentro de mim.
Respirei fundo e suspirei. Tyler era bom demais... seguro demais. Dava para ver nos seus olhos que ele estava disposto a me experimentar como um veneno; mesmo depois do primeiro gole, já estávamos pensando em como o fim seria doloroso.

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