Capítulo 12


Tyler parecia estranhamente animado, mastigando as panquecas e sorrindo para todo mundo que passava pela nossa mesa no Winona, sempre acenando com o garfo.
Eu acordara nos braços dele, com seu nariz pressionando meu pescoço. Quando ele começou a se mexer, eu meio que esperava que nossa noite juntos terminasse num clima constrangedor, e não em beijinhos doces e abraços enquanto ele me ensinava a lavar roupa na máquina. Ele adorou tirar a própria camiseta do meu corpo e jogá-la para lavar. E levou muito mais tempo para fazer isso do que para colocar as próprias roupas ali também.
Mal tínhamos concluído o primeiro ciclo de lavagem quando ele me colocou em cima da máquina e se aninhou entre as minhas pernas, me fazendo lembrar por que eu tinha acordado tão maravilhosamente ardida.
Usando roupas bem limpas, ele segurou minha mão até chegarmos à caminhonete e abriu a porta para mim no Winona. Agora ele estava olhando para seu prato quase vazio, sorrindo feito bobo.
— Qual é a graça? — perguntei.
Ele olhou para mim, tentando disfarçar o sorrisinho, mas fracassando.
— Eu não estava rindo.
— Você está sorrindo. Tipo, muito.
— Isso é ruim?
— Não. Eu só estava me perguntando o que você estava pens...
— Em você — respondeu ele de imediato. — A mesma coisa que estou pensando desde a noite em que nos conhecemos.
Pressionei os lábios, tentando impedi-los de se curvarem. Seu bom humor era contagiante, e isso facilitava esquecer o que Sterling dissera nos degraus da frente da minha casa na noite anterior e a preocupação de ele estar certo.
Finley não tinha ligado nem mandado mensagem havia vinte e quatro horas. Talvez Sterling estivesse certo. Talvez ela soubesse.
O celular de Tyler apitou, e ele o levou ao ouvido.
— Oi, babaca — disse ele.
Sua expressão mudou enquanto escutava, primeiro se concentrando no que estava sendo dito. Depois, suas sobrancelhas deram um salto. Ele olhou para mim durante meio segundo, depois olhou para baixo, pensativo.
— Mas ele está bem — disse Tyler, ouvindo de novo. — Ele... ele o quê? Não, eles não fizeram isso. Você está falando sério, porra? Uau... É, não. Não vou. Quem pode vir até aqui? Que tipo de pergunta? Sobre o Trav? O que você quer dizer? Ah. Ah, caralho. Você acha que vai funcionar? Tá bom. Ãhã. Tá, eu falo com o Taylor. Já disse que falo. Entendi. A gente vai dar um jeito. Também te amo, Trent.
Ele colocou o celular sobre a mesa e balançou a cabeça.
— Você disse Trav?
— Travis — respondeu ele, desanimado. — Meu irmão mais novo.
— Está tudo bem? — perguntei.
— Hum... sim. Acho que sim — disse ele, perdido em pensamentos. — Ele acabou de se casar.
— Sério? Isso é ótimo, não?
— É... A Abby é... é maravilhosa. Ele é muito apaixonado por ela. Só estou surpreso. Eles tinham se separado.
— Ah. Isso é... hum... meio esquisito.
— Eles são assim. Acho que houve um incêndio na faculdade onde eu me formei. Na minha cidade natal.
— Alguém se machucou?
— Foi bem horrível. Começou no porão, e muita gente ficou presa.
— No porão?
— Humm... a faculdade é meio conhecida por abrigar ringues de luta clandestina.
— Ringues?
— É tipo um ringue de apostas. Dois caras combinam de lutar. Ninguém sabe onde, até uma hora antes. A pessoa que organiza liga pros lutadores, os caras deles ligam para dez pessoas, que ligam para mais cinco pessoas, e assim vai.
— E aí?
Ele deu de ombros.
— Aí eles lutam. As pessoas apostam. É uma tonelada de dinheiro.
— Como você sabe tanto sobre isso?
— Fui eu que comecei. O Taylor e eu, junto com o organizador, o Adam.
A expressão nos olhos de Tyler quando eu apostei nele na minha casa na noite em que nos conhecemos agora fez sentido.
— E era o Travis que estava lá?
A expressão de Tyler desabou, e ele olhou para mim durante vários segundos antes de responder.
— Ele fugiu pra se casar em Vegas.
— Isso é bom.
— É — concordou Tyler, esfregando a nuca. — Mais suco de laranja?
— Não, estou bem. A gente devia ir.
Tyler pagou a conta, depois pegou minha mão e foi comigo até a caminhonete como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo. Quando ele me deixou na revista, o clima entre nós parecia pesado e esquisito. Foi aquele momento do tipo “devemos ou não devemos nos beijar e o que significa se nos beijarmos”?
Estendi a mão para a maçaneta.
— Espera um segundo — disse Tyler, estendendo a mão para mim. Ele entrelaçou os dedos nos meus, depois levou minha mão até os lábios.
— Obrigada por ficar comigo ontem à noite — falei.
— Fiquei feliz de estar lá pra afastar sua visita indesejada.
— Eu também.
Ele pegou meu celular, digitou alguns números e depois algumas letras.
— Se ele te incomodar de novo — disse Tyler, e a ruga entre suas sobrancelhas se aprofundou
—, me liga. Mas só... você sabe... me liga de qualquer maneira.
Saí da caminhonete e acenei enquanto Tyler se afastava. Ele aumentou o volume do rádio, e eu ouvi o baixo ressoando até ele entrar na rodovia em direção ao dormitório dos bombeiros de elite.
O sino da porta socou quando entrei no escritório.
— Bom dia — cumprimentei, acenando para Jojo a caminho da minha mesa.
Não só a porta de Wick estava fechada, mas um lindo buquê de rosas amarelas e lilás saía de um vaso de vidro. Contornei minha mesa, cruzei um braço na cintura e levei os dedos aos lábios, tentando não sorrir. Flores, romance e atitudes teatrais eram o último item da lista de coisas que eu queria de Tyler, mas sentei, curtindo como aquilo me deixava absolutamente tonta.
Jojo colocou a cabeça na porta.
— De quem são?
Eu me inclinei mais uma vez para confirmar e levantei as mãos, deixando-as cair ao longo do corpo.
— Não encontrei o cartão.
— Sem cartão? Tem alguma pista? — perguntou ela, entrando na sala e apoiando a lateral na poltrona. — Talvez o cara que acabou de te deixar aqui?
Estendi a mão para ligar o computador, levando alguns segundos para tirar a expressão ridícula do rosto antes de me aprumar.
— Talvez.
Jojo cruzou os braços, parecendo convencida.
— Achei que isso poderia acontecer, com vocês passando tanto tempo juntos na estação. Só não achei que aconteceria tão rápido.
— Não está acontecendo nada. Somos apenas amigos.
— Claro — disse Jojo com um sorriso cínico. — Você parece ter perdido peso. Eles te alimentaram?
— Um pouco.
Ela se levantou.
— Comprei donuts pra comemorar seu primeiro dia de volta ao trabalho. Estão na sala de descanso.
— Você é uma santa, mas já tomei café. Eu como no almoço.
— Tenho muita coisa pra fazer hoje. Você vai escrever aquele artigo pra mim?
— Vou fazer o meu melhor. Lembra que não sou boa com as palavras. Vou escrever o que eu sei, e você transforma num artigo.
— É... já ouvi isso — disse ela, desaparecendo na esquina.
Abri um novo documento e encarei a página em branco durante um tempo antes de meu olhar seguir até o buquê. Eu já tinha recebido flores, principalmente do meu pai, mas esse buquê foi feito com carinho. As cores eram as mesmas do meu quarto, e as rosas significavam mais do que apenas “obrigado pela noite passada”. Talvez eu estivesse exagerando, mas Tyler não era uma pessoa que agia de forma calculista.
Afastei o pensamento, me concentrando no pedido de Jojo. Recontei meu primeiro dia, o nome das ferramentas, como elas eram e os apelidos engraçados da equipe. Todos eles se respeitavam, mas, na minha opinião, admiravam Tyler. Ele acalmava brigas, liderava a equipe na montanha, e eles respeitavam as decisões que ele tomava quando Jubal não estava por perto.
Falei sobre interrupções de combustível, solo mineral e vegetação. Mochilas, suprimentos, peso de voo e dez códigos. Incluí meu conhecimento limitado sobre torres de incêndio, coordenadas e clima. Depois, inseri histórias como a da melhor piloto de helicóptero com quem Tyler havia trabalhado — uma australiana ruiva chamada Holly, que recuava no Huey e o balançava no último minuto para levá-los até a lateral da montanha, para eles não terem que andar tanto — e a história da vez em que Tyler comeu uma minhoca nojenta, gorda e suculenta por duzentos dólares.
Duas horas tinham se passado sem eu perceber, e Jojo bateu na moldura da porta antes de entrar. Ela atravessou meu escritório e chegou à porta do pai. Então bateu duas vezes e deu um passo para trás.
Wick saiu, com o rosto vermelho e os olhos brilhando. Jojo parou ao lado da minha mesa, cruzando os braços.
— O que está acontecendo? — perguntei.
— Meu pai e eu estamos maravilhados com suas fotos, Ellie. Você nos mandou umas coisas incríveis. Foi pra floresta e acampou em temperaturas congelantes com aqueles bárbaros durante noites a fio. Você nasceu pra isso.
— Pra quê?
— Pra ser uma fotógrafa de campo — disse Wick.
— Uma o quê? — perguntei, me sentindo desconfortável.
— Meu pai vai contratar outra assistente.
— O quê? — insisti, entrando em pânico.
Jojo encostou no meu braço.
— Tudo bem. Seu novo emprego na revista vai pagar mais.
— Mais?
Seus olhos se arregalaram.
— Muito mais. Meu pai quer fazer uma sequência de artigos pra revista. Ele quer que você acompanhe a Equipe Alpina de Bombeiros de Elite durante toda a temporada de incêndios.
— Mas, se vocês contratarem outra pessoa, o que vai acontecer?
Jojo revirou os olhos.
— A quem queremos enganar? Meu pai não vai encontrar ninguém. Faço isso há muito tempo. Posso esperar até o fim da temporada de incêndios. Você tem que fazer isso, Ellie. Vai ser incrível.
— Eu... não sei o que dizer — falei, ao mesmo tempo insegura e confiante.
— Diz “tchau” — comentou Wick. — Quero que você volte pra lá a partir de hoje. Vamos precisar de um artigo sequencial pro próximo mês. Já liberamos com o superintendente. Faça as malas. Você vai morar no dormitório da equipe Alpina até outubro.
— Ai, graças a Deus — soltei, fechando os olhos.
Eu praticamente ouvi Jojo sorrindo. Ela não tinha ideia de que eu seria expulsa da casa dos meus pais no próximo mês. Eu mal tinha economizado o suficiente para a conta do celular, muito menos para o depósito e o aluguel do primeiro mês, mesmo em casas ou apartamentos a meia hora de distância da cidade. Acompanhar os bombeiros de elite até outubro me dava seis a sete meses para arranjar uma moradia. Mesmo que eu dormisse numa caminhonete ou numa tenda a maior parte do tempo, era preferível a me mudar para um abrigo.
— Nós sabíamos que você ia ficar feliz! Eu falei que ela ia gostar, pai.
— Estou liberado? — perguntou Wick.
Jojo suspirou.
— Está. Pode voltar a apoiar os pés na mesa.
Peguei o celular e mandei uma mensagem para Tyler.

Já soube da novidade?

Acabei de saber. Sou sua babá oficial. Animada.

Obrigada pelas flores. São lindas.

Tyler levou um tempo para responder.

Eu não te mandei flores. Não sei se me sinto um babaca ou se quero matar quem mandou.

Não foi você?

Não. Não tem cartão?

Não.

Quero saber quem mandou.

Eu também.

Não pelo mesmo motivo.

... e qual seria?

Estou tendo pensamentos violentos. Só posso dizer isso.

Para.

Tenho um temperamento ruim, de modo geral. Mandar flores pra minha namorada não é uma boa ideia.

... não sou sua namorada.

Ainda. Você ainda não é minha namorada.

Coloquei o celular no silencioso e o guardei na gaveta, balançando a cabeça, com um turbilhão de emoções conflitantes girando na mente e no coração, incluindo curiosidade em relação às flores. Quem mais poderia mandá-las, além de Tyler?
— Ellie? — A voz de Jojo surgiu no alto-falante, e eu me assustei. — Ligação na linha um.
— É homem?
— É.
— O nome é Sterling?
— Não.
Apertei o botão da linha um e atendi, esperando ouvir a voz de Tyler do outro lado.
— Ellie.
— Coelhinha? — A voz profunda do meu pai ecoou pelo telefone, tão alta que tive de afastar o aparelho.
Eu o coloquei devagar no ouvido e falei baixinho:
— Pai?
— Já soube da novidade. Estou muito orgulhoso de você — disse ele, a voz falhando. — Eu sabia que você era capaz.
— O-obrigada. Pai, não posso falar agora. Estou no trabalho.
— Eu sei. Falei com o Wick hoje de manhã. Está impressionado com você. Disse que é a melhor assistente que ele já teve.
Wick não contou a ele sobre a tarefa.
— Na verdade, eu acabei de receber um aumento, então vou... humm... encontrei um lugar. Vou me mudar esta semana.
— Bobagem, coelhinha. Você já provou que é capaz. A Maricela está fazendo suas malas agora, e seu passaporte e sua passagem de avião estão em casa. Queremos que você se junte à sua irmã em Sanya. Seu avião sai amanhã de manhã.
— Nós quem?
— Como?
— Você disse “queremos que você vá para Sanya”.
Ele pigarreou.
— Sua mãe...
Depois de uma disputa rápida, minha mãe estava de posse do telefone.
— Sério, Ellison, você não podia ter encontrado algo menos... desesperado?
— Como é?
— Secretária? De J.W. Chadwick? Isso é vergonhoso.
O sangue no meu rosto começou a ferver.
— Você não me deu escolha, mãe.
— Você vai agradecer pela oportunidade e vai se encontrar com a sua irmã, como o seu pai quer, e depois vai começar a trabalhar na empresa dele, sob o comando da Finley. Entendeu?
— Isso é o que a Sally quer?
Minha mãe suspirou.
— Seu pai achou que a Sally era muito... severa.
— E o contrato?
Minha mãe deu uma risadinha.
— Bom, não era um contrato jurídico, Ellison. Era mais um acordo em papel.
Respirei fundo, aliviada porque poderia deitar na proa de um iate alugado dali a trinta e duas horas, curtindo o sol, bebendo mimosas e comendo meu peso em lagostas e pato à Pequim.  A questão era se Finley me queria lá.
— Vocês já contaram para a Finley?
— Ainda não. É madrugada lá.
— Vocês simplesmente decidiram, hoje de manhã, que eu não tinha morrido pra vocês?
— Sinceramente, Ellison. Não seja tão dramática. Nós forçamos você a conseguir um emprego, você conseguiu, e agora está sendo recompensada pelo seu trabalho árduo, depois vai trabalhar sob o comando da sua irmã. Ninguém morreu.
— Alguém morreu.
Minha mãe engasgou com as palavras.
— O que você... quem você... do que você está falando, Ellison? Quem morreu?
Engoli em seco.
— Por favor, agradeça ao papai pelas passagens, mas eu não vou para Sanya. Tenho um emprego que eu adoro bem aqui.
— Você adora ser secretária? — debochou minha mãe. Ouvi meu pai fazendo perguntas ao fundo.
— Na verdade, também estou tirando fotos pra eles, e sou muito boa nisso.
— Ellison, pelo amor de Deus. Você é um misto de secretária e fotógrafa? Escuta só o que você está falando.
— Vou ficar.
— Isso tudo é por causa de algum garoto, não é? Você conheceu alguém daí e não está pensando direito. Philip, coloca algum juízo na cabeça dela.
— Vou estar fora de alcance, algumas vezes. Se for uma emergência, liguem pra revista. Eles vão saber como entrar em contato comigo.
— Ellison — alertou minha mãe. — Se você desligar...
— Você vai cortar minha grana? — perguntei.
Enquanto minha mãe pensava no que dizer, eu desliguei. Tive medo de falar de novo com meu pai e mudar de ideia.

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